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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Educação no RS: um caso de (des)respeito

Fernanda Melchionna - SUL21


O Rio Grande do Sul tanto no Ensino Médio quanto no Fundamental encontra-se abaixo da média nacional no que diz respeito à apreensão de conhecimentos básicos em Matemática e Português, particularmente nas séries finais, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2011. Estes dados não podem ser descontextualizados da situação dramática que passam as escolas: na qual 60% não possuem Serviço de Orientação Educacional, muitas sequer contam com profissionais para bibliotecas ou laboratórios, sem contar o vergonhoso salário dos professores da rede estadual, que, para atingir uma remuneração razoável, tem que dar 60 horas de aula semanais. Imagine a sobrecarga de trabalho para os trabalhadores em educação em salas superlotadas e sem condições de utilização de vários recursos didáticos que deveriam ser básicos no processo educativo, tais como biblioteca, ginásio esportivo, data-show e às vezes, até giz.
O discurso sobre a educação aparece como prioridade na agenda eleitoral, passadas as eleições, viram apenas palavras ao vento. Durante o Governo Yeda, foram vários ataques à educação: “escolas de lata”, descumprimento dos 35% destinados pela Constituição Federal para a área, o pedido de Inconstitucionalidade da Lei do Piso Nacional do Magistério.
Apesar da promessa de Tarso Genro do cumprimento da Lei do Piso (feita no Congresso do CPERS realizado em 2010, no qual os candidatos ao governo do Estado postulavam suas propostas), o atual governo não garantiu o Piso do Magistério e ainda deu seguimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para tentar barrar a aplicação da Lei. Felizmente, o STF indeferiu o pedido e esta conquista da categoria segue vigente, ainda que o governo siga sem cumprir sua promessa. Enquanto isso, o salário dos educadores gaúchos é vergonhoso, e, para piorar, em agosto foi reeditada a “enturmação”, medida do governo Yeda que aumenta o número das turmas sem garantir as condições para isso.
Agora, o que deveria ser uma vitória, a realização de concurso público para suprir a falta de professores parece ter virado um pesadelo: dos 70 mil inscritos, apenas 5224 conseguiram passar. Em novembro, começaram a nomear os concursados: longas filas e ausência de critérios para a escolha das escolas configuraram mais um capítulo da histórica falta de respeito com os educadores do RS.
Feita as escolhas, os professores concursados chegaram às escolas faltando um mês para o término do ano letivo, a maioria das direções não foram comunicadas que estavam recebendo novos colegas, os professores contratados despedidos às vésperas do Natal, estudantes nervosos por perder seus professores queridos e todos preocupados com seu futuro: concursados, desrespeitados; contratados, sem perspectiva; estudantes; apreensivos com o final do ano letivo; diretores; pegos de surpresa. Como, no final do ano letivo, garantir que os novos professores façam avaliações de estudantes, sem o mínimo de convívio e acompanhamento do processo educativo? Sem contar o drama dos contratados, que pagam a conta pela irresponsabilidade dos sucessivos governos.
Até quando a educação será tratada assim em nosso Estado? Esta é a pergunta que os gaúchos estão se fazendo. Certamente a resposta não virá da Secretaria de Educação sem que haja muita mobilização por parte de todas e todos os afetados. O caos está instaurado nas escolas estaduais, prejudicando a educação de milhares de jovens, justamente no final do ano em que muitos fizeram a prova do ENEM e estão se preparando para prestar vestibular.
É hora de inaugurar um grande movimento gaúcho em defesa da educação pública e de seus trabalhadores, afinal os verdadeiros culpados pelo caos instaurado nas escolas estão sentados em seus gabinetes, bem longe da realidade da sala de aula. Talvez assim aprendam uma das lições mais básica que a escola pode ensinar, o respeito.
Fernanda Melchionna é vereadora em Porto Alegre pelo PSOL

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Reforma do Ensino Médio Brasileiro: A educação brasileira em perigo

 


Maritânia Camargo no MARXISMO.ORG
 
 
Os jornais de todo o Brasil, desde a publicação dos índices do IDEB - Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico -, divulgam que a educação pública, em nível médio, precisa passar por uma reforma e o Governo Federal já anunciou que a “reforma” sairá do papel. Não há dúvidas que existe um projeto a ser implementado e praticamente todas as esferas do poder estão caminhando juntas. São mudanças na estrutura do ensino e cabe aos sindicatos, às entidades estudantis e à sociedade organizada alertar a população da armadilha que está sendo preparada.
No início deste ano, o Conselho Nacional de Educação  em sua Resolução de número 2, de 30 de janeiro, publicou no Diário Oficial da União as "Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio". Já em maio de 2012 a Câmara dos Deputados constituiu uma "Comissão Especial Destinada a Promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio". Em 17 de agosto no programa de rádio Hora da Educação, após a divulgação dos índices do IDEB, o ministro da Educação Aloizio Mercadante, afirma que “Precisamos de um novo currículo, mais flexível, menos fragmentado, tirando um pouco dessa sobrecarga de disciplinas”. Ainda em agosto o grupo RBS lança a campanha institucional com o slogan "A Educação Precisa de Respostas" e no painel promovido, ao vivo para todo o sul do país, "especialistas", governadores e o ministro, reafirmaram que a reformulação do Ensino Médio e a flexibilização da grade curricular são a prioridade. O projeto deve ser implantado a partir de 2013.
O que significa reformular o ensino médio? Qual a relação da flexibilização da grade curricular com a vida dos jovens e professores brasileiros?
Para o Ministro da Educação Aloizio Mercadante é preciso colocar em prática a Resolução 2 do CNE/CEB[1], que é por si só, observemos, por demais esclarecedora.
A Resolução 2 está organizada em 23 artigos, vários subtítulos e dezenas de incisos, numa linguagem que, quando olhada superficialmente, agrada muitos desavisados de boas intenções. Como explica o estudioso francês Michel Éliard em seu livro “O Fim da Escola’, vivemos momentos de extrema confusão social que têm efeitos devastadores sobre a linguagem. Certos termos que desde a Revolução Francesa expressaram os elementos essenciais da democracia, hoje são considerados obsoletos. Falar de igualdade republicana dos direitos não está na moda. A moda é  a diferença, o pluralismo, o multiculturalismo, a equidade. O universal “não está na moda”. A falada Resolução nº 2 cumpre exatamente o papel de estar na moda e, portanto, é o desmonte daquela ideia de igualdade para todos. Vale ressaltar que a Resolução n. 2 elimina da sua linguagem qualquer resquício da igualdade republicana que ainda era mantida na Resolução 3 de 26 de junho de 1998, que esteve vigente até a data da publicação desta de n. 2.
Pode-se dizer que as Diretrizes que compõem a Resolução n. 2 estão fundamentadas em três grandes eixos:
·         A divisão do Ensino Médio em áreas de conhecimento, através da flexibilização do currículo escolar;
·         A integração entre mundo do trabalho e escola;
·         O Financiamento da educação privada, ao invés da educação pública.
 
1.    Áreas de conhecimento
 A nova proposta educacional prevê que o currículo tenha uma parte comum e a outra flexível. Esta ideia já constava na LDB e na Resolução de 1998. Todavia, a Resolução n. 3 de 1998 era muito clara quando afirmava em seu inciso II do art. 11 que “a base nacional comum deverá compreender, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do tempo mínimo de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, estabelecido pela lei como carga horária para o ensino médio”. Já a Resolução 2 não trata de números, apenas autoriza a flexibilização. Na Resolução 2, a única “garantia” é que será levada em conta a diversidade, as características locais e especificidades regionais.
Diante disto, a proposta é que o currículo seja organizado em áreas de conhecimento: Linguagem; Matemática; Ciências da Natureza e Ciências Humanas.
Vários estados e municípios já passaram por experiências aproximadas, pois a LDB já autorizava que uma pequena parte do currículo fosse flexível. Muitos estados fizeram o experimento. Para exemplificar o assunto, retoma-se a primeira década do século XXI, quando o  Estado de Santa Catarina colocou no currículo do Ensino Médio a disciplina NRHE (Noções de Relações Humanas e Ética). Para a seleção dos profissionais que atuaram na área, não foi necessário concurso público, pois a disciplina se enquadrava na parte flexível, ou seja, era uma experiência. Os professores que ministraram esta disciplina tinham formações variadas: sociologia, direito, cursos técnicos, magistério. Alguns anos depois, o estado eliminou a matéria e passou uma borracha no assunto. Quando eliminada não deixou rastros. Os trabalhadores que ministraram aquela disciplina foram eliminados dos quadros do serviço do estado e finalizou-se o assunto.
Este modelo, conforme a Resolução 2 deve ser aplicado em todo o país. Cada governo, escola, ou até mesmo a comunidade deve decidir o que fazer com seus currículos, a maior parte da grade será flexível e, portanto, a escola passa a ser um grande experimento.
Outra consideração a ser feita  diz respeito ao que será contemplado em cada área de conhecimento. Pela Resolução, na área de conhecimento intitulada linguagem, por exemplo, entender-se-á:
“Parágrafo único. Em termos operacionais, os componentes curriculares obrigatórios decorrentes da LDB que integram as áreas de conhecimento são os referentes a:
I - Linguagens:
a) Língua Portuguesa;
b) Língua Materna, para populações indígenas;
c) Língua Estrangeira moderna;
d) Arte, em suas diferentes linguagens: cênicas, plásticas e, obrigatoriamente, a musical;
e) Educação Física.”
O parágrafo único significa que havendo uma aula semanal de Língua Portuguesa, uma de Língua Materna, uma de Língua Estrangeira moderna, uma de Arte e uma de educação física, o estudante cumpriu o que se chama de currículo comum, o educando teve quatro aulas de “linguagem” por semana. Ou seja, existe aqui uma diminuição espantosa de conteúdo e uma redução gigante da carga horária dos professores efetivos concursados para as disciplina específicas. Um retrocesso de décadas para a educação pública do país.
Uma farsa educacional que colocará em risco a formação de milhões de jovens em todo o país e o emprego de milhares de professores.
 
2.    Escola e trabalho
Neste item é necessário primeiro esclarecer que nenhuma proposta educacional, atual, tem como fundamento a formação profissional para o trabalho. Pelo contrário, as novas legislações educacionais têm por objetivo adequar a escola ao novo mundo do trabalho, ou melhor, ao antigo mundo do trabalho, aquele do século XIX, onde a jornada era de 14h diárias e as crianças trabalhavam. Por isso, os estudantes do ensino médio não precisam mais ter conhecimento, precisam apenas permanecer na escola e transformarem-se em mão de obra barata por mais tempo. Tal afirmação está fundamentada, em especial, em dois itens da Resolução 2.
“Art. 14 (...)
IV - no Ensino Médio regular noturno, adequado às condições de trabalhadores, respeitados os mínimos de duração e de carga horária, o projeto político-pedagógico deve atender, com qualidade, a sua singularidade, especificando uma organização curricular e metodológica diferenciada, e pode, para garantir a permanência e o sucesso destes estudantes:
a) ampliar a duração do curso para mais de 3 (três) anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas;”
...
IX - os componentes curriculares devem propiciar a apropriação de conceitos e categorias básicas, e não o acúmulo de informações e conhecimentos, estabelecendo um conjunto necessário de saberes integrados e significativos;” (grifos meus)
Ou seja, nossos jovens trabalhadores poderão concluir o Ensino Médio, não mais em 3 anos, mas em quantos anos forem necessários para agradar o mundo do trabalho, tendo como única condição a carga horária. Até porque, como afirma a nova diretriz, a escola não deve ser um ambiente de acúmulo de conhecimento. Ao que parece, a escola deve se transformar em um depósito de jovens.
3.    Financiamento da Educação
Segundo o Censo da Educação Superior 2010, o Ensino Superior Privado subiu sua representação de 68,9% em 2008 para 74,2% em 2010, ou seja, o Ensino Superior público (federal, estadual e municipal) caiu de 31,1% para 25,8%, dado assustador que revela qual o caminho da educação pública no Brasil. Com a reforma do Ensino Médio o governo federal, apoiado por todos os governos estaduais e municipais pretende diminuir o custo da educação pública e ampliar o incentivo ao Ensino Superior Privado.
A fórmula é simples, reduz-se o custo do Ensino Médio público, aplica-se o Enem[2] e se distribui bolsas de estudos para que os alunos estudem em qualquer faculdade privada de fundo de quintal do país. Uma ação que atende aos interesses do mercado e que destrói o ensino público a cada dia.
É preciso enfatizar que a Resolução 2, no que diz respeito ao financiamento do Ensino Médio, reafirma e enfatiza a ideia de autonomia da gestão escolar, ou seja, aquela ideia vigente  de que não são os governos que devem sustentar as escolas, mas sim as comunidades. Para isso se dá o nome de democratização da Educação. 
Por fim, o que está em jogo no que se intitulou Reforma do Ensino Médio, através da Resolução 2 do CNE/CEB, é o papel que a história destinou à escola.  Isto é, a conquista da igualdade de direitos para que todos, sejam pobres ou ricos, tenham acesso à educação pública, gratuita e laica. O direito histórico de acesso ao  conhecimento que a humanidade acumulou durante milênios e que, durante muito tempo, era guardado para uma casta. Como afirma Éliard, em livre tradução, “defender o que existe é preparar o futuro. Ao contrário dos vastos programas ditos de refundação da escola, do primário ao superior, que escondem a destruição do edifício”.
Como já dito, é preciso que educadores, sindicatos de trabalhadores, estudantes e outras instituições ligadas ao tema tomem conta do assunto e levantem o debate em nível nacional, para lutar não em nome de uma modernidade vazia, mas de uma educação que continue a desenvolver o conhecimento e prepare os jovens para novos desafios.
 

[1] Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica
[2] Exame Nacional do Ensino Médio

domingo, 21 de outubro de 2012

Crianças fora da escola

 



  
 
No mundo, 215 milhões de meninos e meninas trabalham para sobreviver ou complementar a renda de suas famílias
 
 
Frei Betto no BRASIL DE FATO
 
Os dados, divulgados pelo IBGE em fins de julho, são alarmantes: 3% do total de crianças brasileiras de 6 a 14 anos se encontram fora da escola, o que representa quase 1 milhão de excluídos dos bancos escolares. Se incluirmos o contingente de 4 e 5 anos e de 15 a 17, o percentual aumenta para 8%, ou seja, 3,8 milhões de crianças e adolescentes.
O Amazonas é o estado que apresenta maior número de crianças de 6 a 14 anos fora da escola – 8,8%. Ali, as distâncias e as dificuldades de transporte pesam no índice. Já Santa Catarina aparece na pesquisa como o estado onde há maior inclusão escolar. Apenas 2,2% daquela faixa etária estão fora da escola.
Nenhum estado do país conseguiu, até hoje, incluir todas as crianças de 6 a 14 anos na escola. A pesquisa do IBGE revela ainda que, dessas crianças desescolarizadas, 62% já frequentaram a escola por algum tempo, mas abandonaram os estudos.
As razões da evasão escolar precoce são muitas. As mais frequentes, porém, são a falta de interesse (falha pedagógica dos educadores), repetência, gravidez precoce e o imperativo de ingressar no mercado de trabalho para ajudar a família.
A desescolaridade provoca na criança e no adolescente baixa autoestima, tornando-os vulneráveis a propostas ilusórias de enriquecimento e consumismo fáceis através do tráfico de drogas e outras práticas criminosas.
O programa “Todos pela educação”, do qual participo, estabelece 5 metas até 2022, data do bicentenário da independência do Brasil: 1) 98% das crianças e jovens entre 4 e 17 anos devem estar matriculados e frequentando a escola; 2) 100% das crianças deverão apresentar as habilidades básicas de leitura e escrita até o final da 2a série ou 3o ano do ensino fundamental; 3) 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a série que cursam; 4) 95% ou mais dos jovens brasileiros de 16 anos deverão ter completado o ensino fundamental e 90% ou mais de 19 anos deverão ter completado o ensino médio; 5) O investimento público em educação básica deverá ser de 5% ou mais do PIB.
São metas elementares e, no entanto, essenciais para qualificar as gerações futuras e permitir ao nosso país acesso ao desenvolvimento sustentável com justiça social. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT ), no mundo 215 milhões de meninos e meninas trabalham para sobreviver ou complementar a renda de suas famílias. Dessas crianças, metade está exposta a condições degradantes de trabalho, como escravidão, servidão por dívidas, exploração sexual com fins comerciais e atuação em conflitos armados.
O governo brasileiro já desenvolve intensa campanha contra a exploração sexual de crianças e o trabalho infantil. No entanto, é preciso aprimorar o combate a toda forma de violência contra crianças, em especial no âmbito familiar. Há que considerar também como violência à infância a extrema pobreza e determinados conteúdos do ciberespaço, pelo qual atuam os pedófilos e disseminadores de pornografia.
 
Frei Betto é escritor, autor do romance Minas do ouro (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que o preço das universidades dispara em todo o mundo?

Na França, o custo das universidades subiu 50% em dez anos. Entre as causas do encarecimento, está o aumento da taxa de matrícula defendido por think tanks e organizações internacionais. Nos Estados Unidos, muitos estudantes jamais conseguirão quitar os empréstimos contratados para pagar sua formação
por Isabelle Bruno no LEMONDE-BRASIL

Desde sua chegada ao Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa da França, em 2007, Valérie Pécresse se colocou um desafio: concluir a reforma neoliberal do ensino superior. “Até 2012 terei consertado os estragos de maio de 1968”, proclamou no Les Échos de 27 de setembro de 2010. Num balanço final, ela pode se orgulhar de uma bela vitória: a aprovação da lei relativa às liberdades e responsabilidades das universidades (LRU), votada em 2007.
O trecho “responsabilidades e competências ampliadas”, considerado uma libertação das universidades da coação do Estado, fez que elas começassem a conhecer as “alegrias” da busca de financiamentos próprios. Bater de porta em porta nas empresas, aumentar as taxas de matrícula, em resumo, “se vender”: é essa a nova competência adquirida pelas universidades.
No entanto, o que elas têm para negociar? Os saberes emancipadores considerados bens comuns não resultam mais em lucro; trata-se agora de transformar a pesquisa científica em produtos patenteáveis e o ensino em cursos individualizados e “profissionalizantes” que levem a diplomas rentáveis.
Empacotadas, mercantilizadas, calibradas para públicos endinheirados, certificadas por normas ISO, classificadas em listas de “as melhores”, as universidades tendem a ser concebidas como mercadorias, as mais prestigiadas como “grifes”; e todas elas já ajustadas à captação de fundos privados.
Os estudantes (e suas famílias) são dessa forma seduzidos por panfletos, eventos, encartes publicitários, guias e tabelas comparativas, incitados a decidir por meio dessa orientação, como se fizessem uma escolha de investimento. Nessa óptica, financiar os estudos é investir para ser um capital negociável no mercado de trabalho. A partir da exortação à “transparência” e à “mobilidade” do ensino superior em um espaço europeu – e até mesmo mundial – é que os estudantes-clientes, empreendedores de sua existência, são convidados a investir para se constituir como mercadoria.
Na França, os estudantes não bolsistas que entram na universidade pública pagam taxas de matrícula que têm seu montante fixado a cada ano por portaria ministerial (177 euros para bacharelado, 245 para mestrado e 372 para doutorado em 2011-2012), às quais se soma a contribuição para a previdência social (203 euros). Para a grande maioria desses estudantes, as despesas com matrícula totalizam de 380 a 575 euros.
No setor privado, pelo contrário, os estabelecimentos são livres para determinar seus preços e, nestes últimos anos, se aproveitaram muito dessa margem de manobra. Alegando a necessidade de fortalecimento perante a “competição internacional” e o “retorno do investimento” prometido aos diplomados, as escolas de comércio (business schools)não hesitaram em dobrar seus preços (cinco delas ultrapassaram a barreira dos 10 mil euros por ano) e arrastaram as escolas de engenharia por seu rastro inflacionista.
Algumas universidades públicas não ficaram para trás. Compelidas a provar sua “excelência” e “competitividade” e sendo forçadas a gerir a escassez dos recursos concedidos pelos poderes públicos, elas apostaram na possibilidade que lhes foi oferecida de receber “taxas complementares” para se distinguir por meio de tarifas mais elevadas, conferindo-se uma singularidade presumivelmente valorizada no “mercado dos conhecimentos”.
Essa escalada dos preços se baseia em dois tipos de justificativa: a comparação internacional e a crise financeira. “Os Estados Unidos são modelo para nós? Pois então, a qualidade tem um preço”, afirmam alguns. As famosas universidades da Ivy League1 custam quase US$ 60 mil por ano, ou seja, em média três vezes mais do que as instituições públicas, cujos custos, entretanto, dobraram em trinta anos.
“Sem atravessar o Atlântico, veja o que acontece cruzando o Canal da Mancha!”, dizem outros. No quadro do programa de redução dos déficits orçamentários, a coligação liberal-conservadora britânica aumentou substancialmente o limite das taxas autorizadas para compensar a baixa das subvenções públicas. De 3 mil libras, elas passaram para 6 mil e até mesmo para 9 mil “em circunstâncias especiais”.2
O mesmo ocorre na Espanha, que em abril deste ano autorizou as comunidades autônomas a aumentar as taxas de matrícula. A “contribuição dos estudantes para o financiamento de seus estudos” passou de 15% para 25%. Quanto ao Québec, a Primavera do Bordo (Printemps Érable, mobilização que em fevereiro deste ano colocou 170 mil estudantes nas ruas para denunciar o aumento das tarifas) enfrentou uma alta projetada pelo governo de Jean Charest que atingiria 75% em cinco anos.3
Com a magnitude que apresenta, o encarecimento do acesso ao ensino superior observado atualmente não poderia ser explicado por simples fatores econômicos ou miméticos. Se ele atinge um número crescente de países é porque um trabalho de fundo foi empreendido por poderosos agentes ao longo dos três últimos decênios. A maior parte dos “prestadores de serviços [educativos]” não é, ainda hoje, livre para determinar seus preços, o que, aos olhos daqueles que promovem o “mercado do conhecimento”, constitui uma aberração.
Após a virada neoliberal dos anos 1980, e de maneira intensiva com a crise financeira atual, considerada justificativa para a precarização dos serviços públicos e a “diversificação das fontes de financiamento” – isto é, sua privatização –, a ideia de eliminar a regulação das tarifas universitárias foi se consolidando. Numerosos relatórios recentes, provenientes tanto da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),4 da Comissão Europeia5 e da Conferência de Reitores Universitários6 como de entidades nacionais ou de think tanks, contribuíram para valorizar a questão das anuidades e abrir a possibilidade de seu aumento.
Debates tempestuosos
Para os que consideram que as manifestações de oposição ao aumento das anuidades trazem um tom de conservadorismo francês, as mobilizações que ocorrem do Chile ao Québec, passando pela Finlândia até a Áustria,7 mostram que os debates sobre o custo do ensino superior estão presentes na maioria dos países-membros da OCDE. Grande parte aumentou recentemente os custos de escolaridade; outros, como diversos Länder alemães, instauraram esses custos em oposição a uma tradição de gratuidade; alguns, como Dinamarca ou Irlanda, distorceram o princípio e passaram a cobrar dos estudantes estrangeiros. Em seu “Panorama 2011” das estatísticas sobre a educação, a OCDE verifica que apenas oito países8 mantiveram a gratuidade nos estabelecimentos públicos para seus alunos, enquanto em mais de um terço as despesas anuais ultrapassaram o limite de US$ 1,5 mil.
A França figura em uma categoria intermediária: as taxas de matrícula permanecem pouco elevadas, mas o sistema de bolsas e de ajuda financeira quase não se desenvolveu. Com isso, a opção de cobrar dos estudantes foi por muito tempo deixada na gaveta. É esse tabu que uma fundação “progressista” como Terra Nova,9 próxima do Partido Socialista, se propõe a romper: “A quase gratuidade dos estudos superiores – incluindo as aulas preparatórias – é fonte de fortes desigualdades e priva as universidades de recursos úteis para uma melhor formação dos estudantes.10
Se os estudos devem ser pagos, é por uma dupla preocupação com eficiência econômica e justiça social: tal é o argumento insistentemente reiterado pelos partidários do aumento das taxas de matrícula, que compensaria a concessão de bolsas e de empréstimos educativos. Essa individualização do custo dos estudos e dos auxílios concedidos negam à educação sua dimensão coletiva. Os estudantes não são mais cidadãos, mas usuários de um serviço pelo qual, cedo ou tarde, deverão pagar.
Atitude utilitarista
Para além da instrumentalização das desigualdades sociais, os defensores do aumento se baseiam em uma “ideia-força”: a “valorização” dos estudos que ele acarreta. “Pagar os estudos” responsabilizará o estudante, que, consciente de seu valor monetário, será mais comprometido e menos propenso às faltas. Um círculo virtuoso seria assim iniciado: as universidades sendo impulsionadas por “clientes” mais sérios e exigentes, que demandam a melhora constante da qualidade dos serviços prestados.
Essa relação comercial dos estudantes com a instituição universitária corre o risco de difundir uma atitude utilitarista relativa aos saberes ensinados. Já que o pagamento dos estudos pela via do endividamento será equiparado a um investimento, submetido a um imperativo de rentabilidade, o conformismo levará vantagem sobre o prazer de aprender. Obrigados a ser estratégicos e materialistas para poder pagar seus empréstimos, os estudantes ficarão mais preocupados com a conversão rápida de seus investimentos. Essa tendência já pode ser observada no Reino Unido, onde os professores da famosa London School of Economics (LSE) estão perdendo as esperanças de insuflar um espírito crítico em uma geração obcecada por poder e dinheiro.11
Ficamos então tentados a minimizar a dimensão do problema do aumento das taxas nas universidades, circunscrevendo-o à “juventude dourada”: afinal, depois de tudo, não é justo “cobrar dos ricos”? Isso seria subtrair ao debate democrático uma questão social tão fundamental quanto aquela, por exemplo, da aposentadoria. Com a alternativa entre uma “educação por capitalização” e uma “educação por repartição”,12 prolonga-se a luta por uma solidariedade intergerações que garanta a partilha dos saberes como riquezas coletivas.

Isabelle Bruno
Professora pesquisadora de Ciência Política da Universidade Lille 2/ Ceraps - França


Ilustração: Daniel Kondo


 
1 Ler Rick Fantasia, “Délits d’initiés sur le marché universitaire américain” [Inside trading no mercado universitário norte-americano], Le Monde Diplomatique, nov. 2004.
2 Ler David Nowell-Smith, “Amers lendemains électoraux pour l’université britannique” [Amargo amanhã eleitoral para a universidade britânica], Le Monde Diplomatique, mar. 2011.
3 Ler Pascale Dufour, “Ténacité des étudiants québécois” [Tenacidade dos estudantes quebequenses], Le Monde Diplomatique, jun. 2012.
4 Cf. “Regards sur l’éducation 2011. Panorama” [Visões sobre a educação. Panorama], OCDE, Paris, 2011.
5 Cf. “Soutenir la croissance et les emplois. Un projet pour la modernisation des systèmes d’enseignement supérieur en Europe” [Apoiar o crescimento e o emprego. Um projeto para a modernização dos sistemas de ensino superior na Europa], Bruxelas, set. 2011.
6 Cf. a síntese das reflexões de seu grupo de trabalho “Économie du Sup”, intitulada “Le financement de l’enseignement supérieur français. Pour une refonte du modèle économique: effets ‘redistributifs’, équité et efficience” [O financiamento do ensino superior francês. Por uma refundação do modelo econômico: efeitos “redistributivos”, equidade e eficiência], Paris, set. 2011.
7 Desde 2009, a plataforma International Student Movement centraliza imagens e informações sobre as mobilizações estudantis ao redor do mundo (www.emancipating-education-for-all.org).
8 Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Islândia, México, Noruega, República Tcheca, Suécia (estatísticas 2008-2009).
9 Ler Alexander Zevin, “Terra Nova, la ‘boîte à idées’ qui se prend pour un think tank” [Terra Nova, a “caixa de ideias” que se faz por um think tank], Le Monde Diplomatique, fev. 2010.
10 Terra Nova, “Faire réussir nos étudiants, faire progresser la France. Pour un sursaut vers la société de la connaissance” [Promover o sucesso dos estudantes, promover o progresso da França. Por um salto em direção à sociedade do conhecimento], Contribution, n.12, ago. 2011, p.18.
11 Financial Times, Londres, 3 dez. 2009.
12 De acordo com o título do artigo de David Flacher e Hugo Harari-Kermadec publicado no Le Monde de 6 de setembro de 2011 em reação às propostas de Terra Nova.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Mais uma traição da CNTE contra os trabalhadores em Educação...

Direção da CNTE decide aceitar alteração na Lei do Piso

Para ajudar os governos, a direção da CNTE abre mão de defender índice do custo aluno do FUNDEB e concorda que a Lei do Piso seja alterada
Em uma decisão burocrática, e contrária à luta dos educadores de todo o País, a direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aprovou, em reunião do Conselho Nacional de Entidades, uma proposta de alteração do índice de reajuste do Piso Nacional para negociar no Congresso Nacional. Aceitando argumentos absurdos, a CNTE admite a retirada do critério de correção que valoriza o Piso dos educadores.

Essa decisão ocorreu em uma reunião de dirigentes da Entidade, durante a realização da 8º Conferência Nacional de Educação da CNTE. A partir dessa decisão, a Conferência passou a debater centralmente esse tema. Muitos educadores presentes manifestaram a sua discordância frontal com a decisão e outros argumentaram que ela fragiliza a luta nacional contra os ataques dos governadores à Lei do Piso.

No entanto, os principais dirigentes da CNTE afirmavam que “dirigente foi eleito para decidir” e que “a luta pela manutenção do custo aluno já estava derrotada”! Os dirigentes do CPERS/Sindicato manifestaram publicamente o seu repúdio a essa atitude e afirmaram que, na verdade, essa decisão tinha relação com os vínculos que a CNTE mantém com os governos. Ou seja, mais uma vez os trabalhadores em educação poderão sofrer perdas pela postura de conivência da direção da CNTE com o governo federal.

A direção do CPERS/Sindicato apresentou, em forma de emenda ao documento da Conferência, uma crítica (ver abaixo) à resolução da CNTE. Essa emenda não foi aprovada, mas teve apoio de diversos educadores presentes ao encontro, que expressaram sua surpresa e descontentamento com os rumos da Confederação.

EM DEFESA DO PSPN – DIREITO CONQUISTADO PELOS TRABALHADORES NÃO SE NEGOCIA
Apenas alguns dias após o ingresso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.848, movida por seis governadores contra a Lei do Piso Nacional, os trabalhadores em educação de todo o País estão sendo surpreendidos com uma decisão do Conselho Nacional de Entidades da CNTE de aceitar alterações no critério de reajuste definido pela Lei.

Consideramos essa decisão um grave erro pelos seguintes motivos:

1) A Lei 11.738/08 já foi aprovada, sancionada e sua constitucionalidade já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal, não cabendo mais recursos aos governos. Portanto, o cumprimento do Piso Nacional é um direito dos educadores de todo o País, do qual não há qualquer razão para abrirmos mão.

2) Além de aceitar a retirada de um direito conquistado, fruto de uma luta histórica dos educadores de todo o País, a decisão da direção da CNTE fortalece o ataque promovido pelos governadores e o discurso de que é inviável o cumprimento da Lei do Piso.

3) Não cabe à CNTE e ao movimento sindical propor alterações que signifiquem retrocesso nos direitos e na vida profissional dos educadores. Ao contrário, deveria ser papel de nossa Entidade buscar ampliar as conquistas e rechaçar os ataques dos governos.

4) Por fim, consideramos antidemocrática uma decisão tomada sem a ampla participação dos trabalhadores. Essa decisão afeta um direito de centenas de milhares de educadores, que sequer tomaram conhecimento do debate feito pelos dirigentes da CNTE.
 
Fonte: 14] núcleo do CPERS

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES

NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA FALANDO SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES POR JUSTO PISO - CARREIRA DIGNA E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!

Maiakovsky - grande poeta russo - humanista 
 A partir de uma conhecida poesia de Eduardo Costa, em homenagem ao poeta russo Vladimir Maiakovsky e ao dever de sempre resistir, lutar por direitos, exercer a cidadania e ser protagonista de sua história social... utilizando a mesma bela estrutura da poesia de Eduardo Costa, com influência de outros grandes gênios, como Brecht, fiz uma poesia em homenagem à luta dos professores. Importante dizer que em muitos Estados e municípios os professores estão silentes, calados,  enquanto a traça da violação corrói todos os seus direitos. Atualmente, a luta dos profissionais da educação básica no Brasil  é uma verdadeira cruzada em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, do justo piso, da carreira digna e da educação de qualidade como direito humano universal e fundamental contra a corrupção, contra os inimigos da educação, contra o clientelismo, contra o atraso, contra o patrimonialismo...    Leia então o poema:
                                                            
                                                                                    De: Valdecy Alves
Vós bem sabeis
Conheceis melhor que eu
É a mesma velha história
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam 2%  da Vossa Carreira
E vós, professores não dizeis nada...

Na segunda noite já não se escondem
Negam o reajuste anual do piso
Escondem todos os dados do FUNDEB
E matam vossa motivação
Colocam a educação na UTI e
Já não sois tratados 
Como dignos profissionais da educação...

Até que um dia
O mais frágil e sonso dos gestores
Sozinho...
Rasga a lei do piso
Lança no lixo a Constituição
Espezinhando todos os vossos direitos
Rouba-vos a coragem do presente
Condena-vos ao fracasso no futuro
De tudo faz para aniquilar vosso sindicato
Incinera vosso direito de greve
Persegue vossas lideranças sindicais
Arranca-vos a voz da garganta
E já não podeis dizer ou fazer mais nada!

Professores cearenses protestando contra violação aos seus direitos e ao direito à educação


Nos dias que correm
Deveis erguer a cabeça
Enfrentar os senhores da corrupção
Para que não caleis para sempre
Para que não coloquem em vós novos grilhões
Pois se ao educador restar a escravidão
Que destino terão os pobres educandos?
No silêncio do meu sonhar
Só vejo esperança na radical reação
O vento diz que só encontrareis certeza da vitória na luta!
Que o temor não vos cale
Que a hesitação do Judiciário não vos faça fraquejar
Que a omissão do Legislativo não vos desmotive...
Que a alienação da sociedade não vos permita claudicar
Espernear sempre... ainda que seja contra mil!
Que além das palavras, que demonstram vossos sonhos
Sejam inúmeros vossos atos praticados
Que serão os tijolos da construção da justiça sonhada ...
No meu interior
Com a potência de palavras de ordem em coro
Gritadas por milhões de professores
Ecoa a sempre mesma palavra: RESISTÊNCIA!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nota da CNTE sobre Adin contra a Lei do Piso

Sitio da CNTE
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No mesmo dia em que os movimentos sociais comemoraram a derrubada do recurso que impedia a tramitação ordinária do PNE no Senado Federal, e em que a CNTE e a CUT realizaram a 6ª Marcha Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública, foi publicada no Diário Oficial de Justiça, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4.848 contra o art. 5º da Lei 11.738, que trata da atualização monetária anual do piso nacional do magistério. Subscrevem a referida ação os governadores dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás, Piauí e Roraima – os novos "e velhos" Inimigos da Educação, Traidores da Escola Pública.
A CNTE lamenta, profundamente, a atitude leviana dos governadores que abdicam do debate democrático em torno da valorização dos profissionais da educação, para continuar a tumultuar o processo de implementação integral do piso no país, além de tentar rebaixar os objetivos da Lei Federal.
Cabe informar que, nesse exato momento, o Congresso Nacional discute alternativas para a alteração do critério de reajuste do piso do magistério, mantendo-o porém atrelado à meta 17 do PNE, que prevê equiparar a remuneração média do magistério à de outros profissionais – hoje a diferença é de 40%. O mesmo debate pretende ampliar a complementação da União ao piso, à luz de diretrizes nacionais para a carreira dos profissionais da educação.
Vale destacar que ao contrário do que alega os Governadores, não é a União quem dita aleatoriamente o índice de atualização do piso. O mecanismo associa-se ao Fundeb, que conta com recursos dos estados e mais a perspectiva de complementação da União ao piso. Portanto, o mecanismo possui sustentação financeira. Ocorre que, transcorridos 4 anos de vidência da Lei, nenhum ente federado comprovou cabalmente a incapacidade de pagar o piso. O que se vê Brasil afora são redes públicas de ensino extremamente desorganizadas, inchadas e com desvios de dinheiro da educação que tornam o piso impagável na carreira do magistério.
A nova ADIn dos governadores, além de afrontar a luta dos trabalhadores e da sociedade por uma educação pública de qualidade e com profissionais valorizados, despreza a importância do debate cooperativo entre os entes federados para cumprir as exigências do piso, e por isso a mesma merece o nosso repúdio. Desde já a CNTE compromete-se a mobilizar sua base social e a arregimentar todas as formas de lutas para combater mais essa investida de gestores públicos contra o direito à educação de qualidade e à valorização de seus profissionais.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mudar currículo não melhora o ensino médio, diz professor da USP

Redação do CORREIO DO BRASIL

Ensino médio necessita de ações abrangentes para evoluir

Até o final de outubro, um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Educação (MEC) deverá apresentar propostas para o ensino médio. O pacote, que inclui reforma curricular e adoção da jornada ampliada, é uma resposta às médias sofríveis desse segmento na edição 2011 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Desde que a avaliação começou a ser realizada, em 2005, as médias das séries iniciais do ensino fundamental evoluíram praticamente três vezes mais rápido do que as do antigo colegial. Conforme declarou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, as principais razões são o excesso de disciplinas e a oferta das aulas no período noturno, na maioria dos casos, com estudantes defasados em relação à idade e serie.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC e responsável pelo Ideb, o ensino médio praticamente não avançou como deveria. Em comparação com 2009, as médias de 2011 caíram em nove estados (Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul e Rondônia) e o Distrito Federal (DF).
Ficaram abaixo da média estabelecida para o ano em cinco estados (Alagoas, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul e Sergipe), além do DF. Houve melhora em 11 (Amapá, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins). Na avaliação em geral, a média nacional do ensino médio ficou em 3.7, enquanto a dos anos iniciais foi de 5.
Para Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), especialista em temas como avaliação e gestão educacional, as mudanças em estudo são inócuas. “Se o currículo for mudado, quem vai dar essas aulas?”, questiona.
- Antes de quaisquer mudanças que venham a ser feitas os professores precisam ser preparados. E não é o que está acontecendo – diz o especialista, alertando para o fato de o ensino médio ser responsabilidade dos estados, e não da União. Na comparação que ele faz, modificar o currículo, com redução das disciplinas, é como trocar a colher com que se administra o remédio sendo que o ideal é passar a dar um medicamento adequado, prescrito conforme a doença.
Alavarse, aliás, discorda do ministro Mercadante também quanto ao suposto excesso de disciplinas. Segundo ele, português e matemática compõem a maioria da grade curricular, sobrando pouco espaço para outras matérias pedagógicas obrigatórias. “É preciso repensar o que está sendo ensinado e como isso está sendo feito, muitas vezes em escolas que nem banheiro têm.”
O especialista critica também a proposta de ensino médio ampliado, de difícil implementação. “Mais de 45% desses alunos estudam à noite ou porque precisam começar a trabalhar ou porque já são trabalhadores que não puderam estudar quando adolescentes. O ideal seria terminar o ensino médio aos 17 anos”, diz. “E se a tendência for de acabar com o ensino noturno, como esses alunos vão fazer para poder estudar?”

Mudanças no Ideb

Por causa do lento avanço do ensino médio no Ideb, o MEC estuda também substituir as provas de português e matemática pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A medida, segundo o ministério, é aumentar a amostragem dos alunos desse nível de ensino.  Por meio de sua assessoria de imprensa, o MEC afirmou não haver ainda nenhuma decisão tomada a respeito. E a Prova Brasil, um dos componentes do Ideb – o outro são as taxas de aprovação, continua a ser aplicada no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, para avaliar o desempenho dos estudantes em leitura e cálculos básicos.
Seja como for, Ocimar Munhoz Alavarse critica a possibilidade de inclusão do Enem. “Os objetivos são diferentes. A Prova Brasil deveria ser mantida para preservação da série histórica. Essa mudança me parece o caso do gordo que quer trocar a balança na esperança de estar mais magro em outra.”

sábado, 28 de julho de 2012

Presente ao ensino privado

Portal da CNTE

A Lei 12.688, sancionada no último dia 18, criou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) com vistas a conceder moratória de até 90% para as dívidas das IES junto ao fisco federal. Para a CNTE, a iniciativa do Governo é ruim, primeiro, porque beneficia o mau pagador; segundo, porque amplia a desoneração de impostos para o Programa Universidade para Todos, incluindo as contribuições previdenciárias, numa clara extrapolação dos limites da Lei 11.096, que criou o Prouni, e em benefício do empresariado e detrimento das políticas públicas e da Previdência Social.
Embora o Prouni tenha garantido o acesso de mais de 1 milhão de jovens carentes ao ensino superior, não podemos perder de vista que essa política é de caráter transitório, devendo o Estado investir na ampliação da capacidade de atendimento nas instituições públicas de ensino superior. O próprio Plano Nacional de Educação, na meta 12, antes de ter elevado o percentual de investimento do PIB na educação para 10% (patamar este que, ao contrário do que disse o ministro Guido Mantega, não quebrará o país), estabeleceu o patamar de oferta pública de ensino superior em 40% até o fim da década. Com os 10% do PIB, aprovados pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, pode-se pensar em ampliar a meta para, pelo menos, 50%. Hoje, a relação privado/público é de 75% para 25% neste nível de ensino em que o capital estrangeiro é predominante.
Por outro lado, é preciso que o Estado invista na regulação do setor educacional privado, ao invés de tutelá-lo. E a regulação pressupõe antecipar as medidas que só agora são tomadas em âmbito do Proies, como o monitoramento das dívidas tributárias - a fim de evitar a insolvência das instituições de ensino - e a aplicação das medidas decorrentes das avaliações estabelecidas pelo Ministério da Educação, sobretudo as que preveem o fechamento de cursos de baixa qualidade. Acrescente-se ao papel regulador do Estado, a necessidade de se acompanhar o cumprimento das prerrogativas trabalhistas das instituições privadas de ensino com seus professores e funcionários, inclusive em âmbito da arrecadação para a Previdência Social.
Educação não é mercadoria, quanto mais barata. Daí a indignação de quem presencia um plano governamental para socorrer empresários da educação que nem sequer honraram com os compromissos tributários, o que dizer com a qualidade do ensino (pesquisa e extensão, quando for o caso)!
A CNTE espera que o Proies sirva, ao menos, para filtrar, definitivamente, as instituições de ensino superior no país, garantindo maior qualidade educacional e probidade gerencial às IES. Também estaremos atentos à aplicação dos critérios de reestruturação e à concessão de novas bolsas para o Prouni, as quais deverão atender aproximadamente 500 mil estudantes.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Impasse deve continuar na greve das universidades federais



Por Juliana Sada

Foi somente após dois meses, e com a quase totalidade de universidades federais em greve, que o governo federal dispôs-se a abrir negociações com os docentes. A data marcada: uma sexta-feira 13. Confirmando o suposto mau presságio, a reunião foi considerada infrutífera pelos docentes. Mais do que isso, o governo fez uma proposta considerada, pelo movimento, um retrocesso em vários pontos.
A proposta foi, então, apresentada às bases do movimento. De acordo com o Andes-SN (sindicato que representa os docentes), foram realizadas 58 assembleias gerais que rejeitaram a proposta do governo e reafirmaram a continuidade da greve. As negociações tiveram continuidade nesta segunda-feira, 23, com a apresentação da posição dos docentes, com destaques para pontos inaceitáveis, e a formulação de 13 itens que devem ser levados em consideração para a continuidade das negociações.
Já no dia seguinte houve uma nova reunião e o governo fez alguns ajustes em sua proposta, aumentando a perspectiva de reajuste salarial para parte dos professores e “empurrando” alguns pontos polêmicos de sua proposta para a definição em um Grupo de Trabalho que reuniria representantes dos docentes e do governo. Durante esta semana ocorrerão novas assembleias de base e uma nova reunião foi marcada para quarta-feira, dia 1. As primeiras plenárias já demonstram uma provável rejeição da proposta, como aconteceu nas universidades federais da Bahia, Uberlândia, Triângulo Mineiro, Paraíba e Pelotas.

Carreira desestruturada
 
O governo, entretanto, não discute o que de fato está sendo reivindicado pelos grevistas: a reestruturação da carreira dos docentes federais. Desde 2011, o governo instalou junto aos professores um grupo de trabalho para debater a questão. Mas os trabalhos pouco avançaram e então a greve acabou deflagrada. Entre outros pontos, os docentes desejam o fim de obstáculos para ascensão na carreira; a diminuição de sub categorias de professores; a determinação de porcentuais fixos para variação salarial entre um estágio da carreira e outro; o fim da “retribuição por titulação” no contracheque, e que tal gratificação seja incorporada ao vencimento básico; e que seja reservado a cada universidade a definição dos mecanismos de avaliação do trabalho docente.
O vice-presidente do Andes-SN, Luiz Henrique Schuch, avalia que na proposta do governo “a desestruturação [da carreira] continua, sem nenhuma relação lógica na evolução entre os níveis e as classes, os regimes de trabalhos e as titulações, desconstituindo direitos, e para a maioria dos docentes as alterações salariais são apenas nominais, pois não acompanham sequer a inflação”.
De maneira mais ampla, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano avaliou, em entrevista coletiva juntamente com docentes da Unifesp, que “se o Brasil realmente quer avançar nesse projeto desenvolvimentista tem que valorizar o ensino superior” e para isso é necessário “estruturar uma carreira para que o professor alcance um nível de excelência”.

Qualidade x quantidade
 
Outro ponto de reivindicação dos docentes é uma expansão com qualidade da educação superior. Durante o governo Lula foram criadas 14 novas universidades federais e as já existentes foram ampliadas com novos campi. Entretanto, as condições de ensino e trabalho não receberam a devida atenção. Há faculdades funcionando em sedes provisórias, outras unidades não possuem bibliotecas ou laboratórios suficientes. Em algumas universidades que funcionam em diferentes campi, não há transporte entre as unidades. Em outros casos, faltam restaurantes e moradias para os estudantes.
Apesar de a precariedade de infraestrutura ser presente em grande parte das unidades da expansão, universidades mais antigas também sofrem com o sucateamento de suas instalações. É o caso do campus de São Paulo, da Unifesp, que abriga a Escola Paulista de Medicina e outros cursos da área de saúde, criada na década de 30, e que tem o restaurante universitário funcionando em espaço provisório, após um incêndio ter atingido um prédio da instituição em janeiro.
A precariedade de muitas instituições levou estudantes de diversas federais a entrarem em greve, apoiando os docentes e reivindicando melhores condições de estudo. Os servidores técnico-administrativos das universidades federais também estão em uma paralisação nacional, a categoria reivindica melhorias na carreira e aumento salarial. Até agora o governo não abriu negociações com estas categorias.

Portas fechadas
 
A postura do governo frente às greves, que já atingem quase 30 categorias do serviço público federal, tem sido de intransigência. O governo ameaçou suspender os salários de 14 setores e o ministro da educação Aloisio Mercadante chegou a afirmar que não negociaria com grevistas. Ao invés de enfraquecer o movimento, a postura do governo tem acirrado os ânimos. É o que relata Giorgio Romano, da UFABC, que aponta que a última plenária de docentes “foi a maior assembleia já realizada e o clima era de indignação”. A opinião é compartilhada por Marian Ávila de Dias e Lima, da Unifesp, que vê uma “crescente adesão ao movimento” e afirma que o sentimento dos professores é de que a “educação é tratada com descaso” pelo governo.
Outro ponto muito questionado pelos docentes é o fato de as reuniões serem conduzidas pelo Ministério de Orçamento, Planejamento e Gestão tendo o Ministério da Educação como coadjuvante. Na visão do professor Denílson Cordeiro, da Unifesp, a “educação do país é tratada como mais um item da questão orçamentária”.
Ainda com a lógica orçamentária prevalecendo, os docentes escutaram do ministro Mercadante que “não há margem” para ir além da proposta já apresentada. Para a professora Márcia Aparecida Jacomini, também da Unifesp, é uma questão de opção política do governo e cita o recente perdão de uma dívida de R$15 bilhões ao setor da educação privada em troca de bolsas de estudo nos próximos anos: “a questão é se o governo está disposto a investir na educação pública”.

sábado, 21 de julho de 2012

Greve nas universidades


Quando o governo acabará com a greve dos professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias?


Frei Betto no BRASIL DE FATO

Eis que esbarro no aeroporto com um amigo, alto funcionário do governo federal. Fomos colegas de Planalto nos idos de 2004. Fui direto ao ponto:
- E quando o governo acabará com a greve dos professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias? Ela paralisa 57 das 59 universidades federais e 34 dos 38 institutos federais de educação tecnológica. São 143 mil profissionais de ensino de braços cruzados.
- O governo? – reagiu surpreso. - Eles é que decidiram parar de trabalhar. Já é hora de descruzarem os braços e aceitar nossa proposta apresentada na sexta, 13 de julho. A partir do ano que vem um professor titular com dedicação exclusiva poderá ter aumento de 45,1%.
- Sexta-feira 13 não é um bom dia para negociar... Sei que o PT tem tido sorte com o 13. Mas, pelo que me disseram professores, a proposta do governo está aquém do que eles querem. E só favorece os professores que atingiram o topo da carreira, e não os iniciantes. Como é possível um professor adjunto, com doutorado, ganhar R$ 4.300, e um policial rodoviário com nível superior R$ 5.782,11?
- O que pedem é acima do razoável. E se a greve prosseguir, nem por isso o país para.
- Você parece esquecer que o PT só chegou à Presidência da República porque o movimento grevista do ABC, liderado por Lula, encarou a ditadura, desmascarou as fraudes dos índices econômicos emitidos pelo ministério de Delfim Netto e exigiu reposição salarial.
O amigo me interrompeu:
- Aquilo foi diferente. Máquinas paradas atrasam o país.
- Este o erro do governo, meu caro. Não avaliar que escola fechada atrasa muito mais. Quem criará as máquinas ou, se quiser, trará ao país inovação tecnológica se os universitários não têm aulas? Quem estanca a fuga de cérebros do Brasil, com tantos cientistas, como Marcelo Gleiser, preferindo as condições de trabalho no exterior? A maior burrice do governo é não investir na inteligência. Já comparou o orçamento do Ministério da Cultura com os demais? É quase uma esmola. Como está difícil convencer o Planalto de que o Brasil só terá futuro se investir ao menos 10% do PIB na educação.
Meu amigo tentou justificar:
- Mas o governo tem que controlar seus gastos. Se ceder aos professores, o rombo nas contas públicas será ainda maior.
- Como pode um professor universitário ganhar o mesmo que um encanador da Câmara Municipal de São Paulo? Um encanador, lotado no Departamento de Zeladoria daquela casa legislativa, ganha R$ 11 mil. Um professor universitário com dedicação exclusiva ganha R$ 11,8 mil. Agora o governo promete que, em três anos, ele terá salário de R$ 17,1 mil.
- O governo vai mudar o plano de carreira. Professores passarão a ganhar mais em menos tempo de trabalho.
- Ora, não me venha com falácias. Quando se trata do fundamental –saúde, educação, saneamento– o governo nunca tem recursos suficientes. Mas sobram fortunas para o Brasil sediar eventos esportivos internacionais protegidos por leis especiais e comprar jatos de combate para um país que já deveria estar desmilitarizado.
- Você não acha que é uma honra o Brasil sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo? Não é importante atualizar os equipamentos de nossa defesa bélica?
- Esses eventos esportivos estarão abertos ao nosso povo, ou apenas aos turistas e cambistas? E quanto à defesa bélica, há tempos o Brasil deveria ter adotado a postura de neutralidade da Suíça e abolir suas Forças Armadas, como fez a Costa Rica em 1949. Quem nos ameaça senão nós mesmos ao não promover a reforma agrária para reduzir a desigualdade social e manter a saúde e a educação sucateadas?
Meu amigo, ao se despedir, admitiu em voz baixa:
- O problema, companheiro, é que, por estar no governo, não posso criticá-lo. Mas você tem boa dose de razão.

Frei Betto é escritor, autor de "A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A greve do ensino público e as engenharias

Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

Por Felipe Addor*, para o Canal Ibase

Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras?
Na minha primeira greve como professor, tive a oportunidade de ver de outra perspectiva o mundo em que vivemos no ensino de engenharia em uma universidade pública. O que se vê é um retrato da formação que nossos estudantes recebem.
Após alguns dias acompanhando o vigor do movimento, resolvo aderir à greve. A essa altura, mais de 40 universidades públicas já estavam em greve. Reuniões, assembleias, mobilizações, passeatas, movimentação virtual; todos na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Enquanto isso, no Reino da Tecnologia, a movimentação é quase nula. Ninguém sabe, ninguém fala, ninguém vê. Estacionamentos lotados, salas de aula cheias, restaurantes com as tradicionais filas.
Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras? (Foto: Guilerme Souza/Flickr)
Resolvi fazer uma última aula de debate sobre a greve. Nas trocas de ideias e argumentos, três questões subjetivas se destacam. Primeiro, a completa alienação sobre a situação. Para eles, que viviam naquela redoma tecnológica, nada estava ocorrendo; ou, pelo menos, nada que lhes dissesse respeito. “Professor, essa greve não vai dar em nada, quase ninguém está participando, só tem meia dúzia de professores”. Independente da posição dos professores das engenharias, é impressionante a capacidade de isolar seus alunos do mundo externo, do mundo real.
Segundo, a aversão às lutas dos trabalhadores. Embora essa palavra não tivesse saído em nenhum momento da boca dos estudantes, a clara impressão é que, na cabeça deles, grevistas são baderneiros, comunistas, preguiçosos; isto é, gente que não está a fim de trabalhar e que busca, por meio da greve, conquistar ainda melhores salários, mordomias; “esses professores querem que não haja avaliação para que subam na carreira e pedem melhores salários” (numa clara interpretação distorcida da proposta de novo formato de avaliação levada ao governo pelo Andes). Ou seja, estamos formando profissionais com a visão do patrão, do capital, em oposição ao trabalhador.
Terceiro, e mais pesado, é o enorme individualismo presente. Na verdade, é um individualismo burro, pois é imediatista. Preocupados com seus estágios, suas promessas de efetivação, suas possíveis oportunidades de concurso, suas viagens de férias, seus intercâmbios para a Europa, os alunos sequer consideram como algo relevante para suas vidas a luta por uma universidade pública decente, estruturada, de qualidade. É recorrente o argumento: os alunos são os únicos prejudicados, são as grandes vítimas das greves. Mentira, pois são os que mais se beneficiarão, no longo prazo, dos seus frutos. Não é preciso destacar que os avanços na estrutura e qualidade do ensino público superior (assim como as principais conquistas de lutas das classes trabalhadoras no mundo) são resultados unicamente das lutas travadas anteriormente (resumo das reivindicações e resultados das greves desde 1980: http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve).
O mais triste dessa última constatação é a consciência de que essa percepção individualista e imediatista é apenas o reflexo do raciocínio, da postura, dos ensinamentos da maioria dos professores dos cursos de engenharia em uma universidade pública. A corrente de vitimização dos alunos enquanto maiores prejudicados com a greve rompeu-se quando uma aluna disse: “eu defendo a greve, pois eu quero que, daqui a vinte anos, meu filho possa ter a oportunidade que eu tive de estudar de graça num dos melhores cursos universitários do Brasil”. O silêncio que se seguiu escancarava como aquela reflexão simples, ainda individualista, mas numa perspectiva inteligente, de longo prazo, foi um choque na estrutura de pensamento daqueles jovens e promissores engenheiros.
Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

*Felipe Addor é professor do Departamento de Engenharia Industrial da UFRJ (Centro de Tecnologia), onde se formou em Engenharia de Produção. É fundador e pesquisador do Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (SOLTEC/UFRJ).

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Maurício Caleiro: A greve dos professores das federais e os truques do governo

por Maurício Caleiro, no blog Cinema e Outras Artes

À medida que vêm à tona análises mais detalhadas da proposta do governo Dilma aos professores em greve, fica cada vez mais evidente que se trata não apenas de uma resposta insatisfatória em termos salariais e de estruturação da carreira. Depreendem-se do episódio aspectos preocupantes quanto às estratégias comunicacionais adotadas pelo governo no episódio, no modo como ele concebe e se relaciona com o professor universitário no Brasil e, sobretudo, no que toca à posição da Educação ante a área econômica do governo, tendo em vista seu planejamento e perspectivas futuras.

Ilusionismo financeiro

Quanto aos aspectos propriamente salariais, claro está que a proposta do governo é de tal ordem sujeita a variações de dados macroeconômicos futuros e à definição exata de datas de reajuste – deixadas em aberto – que não se pode falar categoricamente em aumento. Pois, a depender da inflação de 2012, 2013 e 2014 e de como o governo dividirá percentualmente entre tais anos os reajustes salariais, estes podem ser anulados ou mesmo superados pelo aumento do custo de vida.
Aumentos trienais sem garantia de percentual acima da inflação não significam a priori aumento real, mas uma aposta.

Plano de carreira

A atual greve dos professores prioriza duas reivindicações: plano de carreira e melhoria salarial. Se esta, como vimos, depende de uma aposta, o plano de carreira delineado pelo MEC – que, embora protocolado em abril de 2011, recende a improvisação – apresenta, infelizmente, aspectos que não apenas pioram as condições atuais como traem, de forma indubitável, a priorização das demandas da área econômica do governo em detrimento do planejamento sério e consequente do que deva ser a evolução profissional de um professor universitário.
Em meio a brechas e indefinições potencialmente danosas, o mais contraditório desses aspectos é a determinação de que mesmo mestres e doutores devem ingressar no magistério superior como Professor Auxiliar, e que só podem evoluir após os três anos de estágio probatório. Ora, isso, além de não fazer o menor sentido, é uma afronta à própria expectativa de direito anteriormente assegurada àqueles que ora cursam mestrado ou doutorado, para os quais ingressaram, em sua imensa maioria, justamente para ascender à (ou ingressar na) classe referente à sua titulação.

Papo reto

Se o governo realmente estivesse bem-intencionado e prezasse os professores das federais, não apresentaria uma aposta, mas uma proposta concreta de aumento salarial, superior à inflação projetada para este ano, e efetiva a partir de março de 2013 (pois um ano após o aumento de 2011). Simples assim.
Tivesse tomado essa medida trivial e apresentado um plano de carreira decente – obrigações básicas de qualquer governo, ainda mais de um que diz privilegiar a educação –, a greve já teria há tempos se encerrado.
Ao invés disso, após quase um mês de paralisação, rompe o silêncio e monta uma verdadeira operação de marketing para divulgar sua proposta – incluindo um texto em que dá destaque aos aumentos maiores, relativos à ínfima minoria dos professores titulares,e tabelas comparativas sui generis, que, numa manipulação injustificada e claramente mal-intencionada, contrapõem os salários de 2010 aos que os professores poderão vir a receber em 2015. Convém lembrar que estamos em 2012.

Marketing e mídia

Com estratagemas tais, e contando com a colaboração preciosa da mídia – que tantos alegam ser implacavelmente contrária à administração Dilma -, o governo tem sido parcialmente bem-sucedido em sua estratégia de jogar o público contra a greve. Basta ler os jornais e portais – e, neles, os comentários – para se ter a impressão de que os professores universitários estariam prestes a virar os novos marajás: “45% de aumento!”, “R$17 mil reais”, “Maior aumento da história”.
(Como se vê, a cobertura que a mídia destina à greve fornece mais um exemplo claro de que a oposição simplista entre PIG (Partido da Mídia Golpista) e governo Dilma não é efetiva, como querem alguns. E que havendo afinidade de interesses entre mídia corporativa e governo, a imprensa não se furta a se posicionar ao lado deste. Deixa de ser o malvado PIG e vira jornalismo amigo.)
Porém, a realidade fria dos números é bem outra. Para se aprofundar sobre os meandros da cobertura midiática, vale a pena ler os textos de Joana Tavares (no Viomundo), os de Sylvia Debassan Moretzsohn, “A lamentável cobertura da greve nas federais e “O jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial” (no Observatório da Imprensa).

Equívocos e autoritarismo

Ao apresentar aos professores universitários uma proposta que mal disfarça o seu caráter de peça de ilusionismo monetário, o governo Dilma denota possuir uma visão estreita e subvalorizada do que seja o professor universitário, esse ente público que fatalmente tem e terá uma função essencial na formação das novas gerações de brasileiros e no redesenho futuro do país.
A impressão que fica é que o governo os toma por tolos, incapazes de fazerem contas financeiras ou de desvelarem truques de marketing de massas. Isso evidencia a existência de um erro de postura da administração Dilma, certamente menos decisivo e efetivo, na prática, do que as propostas que apresenta podem ser, mas denotadores, por um lado, de uma incompreensão profunda do que seja o professor universitário enquanto categoria profissional do Estado e, por outro, uma vez mais, da tendência a evitar o diálogo e a negociação ou a exercê-los em bases mínimas e restritas – a um passo do autoritarismo, como a autorização para o corte de ponto dos grevistas evidencia.

Contradições óbvias

É altamente significante da posição subalterna e desprestigiada que tanto o servidor público federal como a educação como um todo ocupam atualmente no país o fato de que o Ministério do Planejamento foi quem efetivamente comandou e deu a palavra final aos termos da inaceitável proposta apresentada aos professores. Mercadante, se digladiando entre sua passividade conservadora e sua ânsia por holofotes características, limitou-se, se tanto, a barganhar, enquanto o ministro do Trabalho sequer foi chamado à mesa se negociações.
Mais: o mesmo governo que faz de tudo para irrigar a economia através da ampliação do crédito – portanto, de capital advindo de endividamento junto ao sistema financeiro, que acaba por se traduzir em lucro para os bancos – parece não querer irrigá-la com salário – capital originário das relações sociais do trabalho, que teoricamente beneficiaria o assalariado (e, ainda mais, quem o emprega), mas que, na visão economicista predominante, prejudica o governo por aumentar seus gastos.

Tire suas conclusões

Assim, no final das contas, apesar das inegáveis conquistas sociais representadas pela redução da pobreza no país, mesmo o investimento em áreas fundamentais como saúde e educação mantém-se submetido aos ditames ditados pelo setor financeiro, que tem na área econômica do governo o seu representante no Estado. Os bancos brasileiros são, atualmente, os que mais lucram no mundo. Já a educação oferecida no país ocupa posições vergonhosas em comparação com o contexto internacional. Diga o leitor qual é a prioridade do governo.