Mostrando postagens com marcador alimentação saudável. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador alimentação saudável. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 13 de março de 2012

Os ruralistas e o hidronegócio

  Roberto Malvezzi (Gogó)  no CORREIO DA CIDADANIA 

“Hidronegócio, literalmente o negócio da água”. É assim que o verbete do Dicionário da Educação do Campo (Fiocruz e Movimentos Sociais) define toda atividade econômica que tem a água como sua principal mercadoria. A agricultura industrial consome 70% da água doce utilizada no mundo, portanto, é a principal atividade econômica interessada na água.

Estamos próximos da Semana Mundial da Água e, em Marselha, acontece o 6º Fórum Mundial da Água. É o encontro do capital da água, junto com representações governamentais e organismos multilaterais como FMI e Banco Mundial. Como já denunciava Ricardo Petrella em 2002, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, é a reunião da “Oligarquia Internacional da Água, que gera um novo discurso da privatização, mercantilização, como remédio para o que chamam de escassez da água”. A sociedade civil, como sempre, costuma fazer um contraponto paralelo ao evento.

Curioso que uma das representações brasileiras no evento é a senadora Kátia Abreu. Agora a CNA é membro do Fórum Mundial da Água. Por aí já se pode ver quem são seus componentes. E ela disse textualmente que estará lá para “propor um debate em nível mundial sobre a proteção das nascentes, de margens de rios e das áreas de recarga dos aqüíferos que, no Brasil, se chamam Áreas de Preservação Permanente (APPs). São áreas frágeis, de preservação obrigatória, das quais depende o bom funcionamento do ciclo hidrológico. O lançamento ocorrerá durante palestra da presidente da CNA sobre o tema “Agronegócio Brasileiro: Construindo Soluções para Proteção e Uso Sustentável da Água no Campo”, das 12h às 13h45, no Pavilhão Brasil, onde mais de 40 instituições públicas e privadas brasileiras apresentarão seus projetos de responsabilidade ambiental” (Assessoria Comunicação CNA).

Oras, quem é que está propondo a consolidação agrícola das áreas de preservação permanente nas mudanças do Código Florestal? Quem quer mudar a lei para não pagar a multa de mais de oito bilhões em crimes contra as áreas de preservação permanente? Quem quer consolidar a ocupação dos morros? Quem está devastando o Cerrado no oeste baiano e eliminando rios e nascentes? Quem está acabando com o Taquari no Pantanal e assim inundando áreas que antes eram apenas sazonalmente inundadas? Enfim, quem é essa senadora que vai a Marselha defender a preservação de nascentes, beiras de rios e demais áreas que tanto lutamos para que efetivamente sejam preservadas?

Há tempos denunciamos no documento “As Perspectivas do Agro e Hidronegócios no Brasil e no Mundo” os caminhos do agronegócio brasileiro. Por ali já podíamos delinear que o capital no campo avançaria não somente em busca de solos, mas pelos caminhos das águas. A super-exploração de mananciais de superfície e subterrâneos pelos irrigantes segue sem nenhum controle real, como se passa em todo oeste baiano. Aqui em Juazeiro, a quantidade de água utilizada pela AGROVALE para irrigar cana é uma caixa preta a sete chaves.

Portanto, o lugar da senadora é mesmo em Marselha. Estará em casa. Só que a prática de quem ela representa é o avesso de seu discurso.

A cara de pau da senadora é mais dura que estaca de aroeira.


Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

segunda-feira, 12 de março de 2012

EMBRAPA A SERVIÇO DA MONSANTO E DAS TRANSNACIONAIS?


Por Gilvander Luís Moreira[1], em seu blog

Em tempos de Campanha da Fraternidade sobre saúde pública – CF/2012 -, a EMBRAPA[2] pediu liberação do herbicida Glifosato também para a cultura da mandioca. Essa é uma lamentável notícia que exige, no mínimo, sete breves comentários.

1 – A EMBRAPA é uma das empresas públicas que mais recebem dinheiro das transnacionais para investimento em pesquisas, melhor dizendo, aperfeiçoamento tecnológico na produção agropecuária. Um ditado popular diz: “quem paga a banda, escolhe a música”, ou seja, grande parte das pesquisas feitas pela EMBRAPA no último período tem sido para beneficiar as grandes empresas do ramo de agrotóxicos, como a própria MONSANTO que no ano de 2010 passou para a EMBRAPA nada menos que R$ 5,9 milhões para investir em pesquisas para os próximos 3 anos (2011, 2012 e 2013). [Como pode ser constatado aqui e

2- O Glifosato é um herbicida sistêmico não seletivo, ou seja, mata qualquer tipo de planta, exceto aquelas geneticamente modificadas para resistir ao glifosato, como é o caso das plantas (soja, por exemplo) com a marca RR (Roundup Ready), produzida pela MONSANTO. Um dos agrotóxicos mais vendidos pela Monsanto no país é o Roundup, que tem como principal ingrediente o glifosato.

3 - O uso massivo do glifosato tem provocado a aparição de resistência por parte de algumas plantas, levando a um aumento progressivo das doses usadas, e assim a uma desvitalização e perda de fertilidade da terra, afinal o herbicida elimina também, bactérias que são indispensáveis à regeneração do solo e manutenção de sua fertilidade. Este processo faz com que a cada dia aumente o uso de fertilizantes químicos, que alimentam as plantas e não fertilizam a terra, aumentando ainda mais o ciclo vicioso. Só no ano passado (2011), as importações brasileiras de fertilizantes (20,7 milhões de toneladas) somaram um gasto de 9,1 bilhões de dólares. Quem está mesmo ficando com os lucros e quem está ficando com os prejuízos?

4 - Rubens Onofre Nodari, agrônomo, mestre em Fitotecnia e doutor pela University Of California At Davis, professor na UFSC, afirma que além dos problemas no meio ambiente, o glifosato traz problemas à saúde pública, como o aumento da incidência de certos tipos de câncer e alterações do feto por via placentária. Reduz a produção de progesterona e afeta a mortalidade de células placentárias atuando como disruptor endócrino, ou seja, ele aciona genes errados, no momento errado, no órgão errado. O glifosato também causa, por exemplo, diminuição da produção de espermas, conforme vimos em experimentos feitos em ratos, ou produz espermas anormais. No caso do sistema endócrino, ele pode, por exemplo, inibir algumas enzimas. Ele vai alterar os hormônios que entram na regulação da expressão gênica.

5 - Desta forma vemos que a EMBRAPA, criada no início da década 70 do século XX, em plena ditadura, pelo então presidente Médici (que já fazia parte das estruturas criadas para dar suporte à imposição da chamada "Revolução verde", agricultura altamente mecanizada, que por sua vez impôs sobre a agricultura o lixo da 2ª Grande Guerra, incluindo, além de máquinas pesadas, armas químicas que foram transformadas em agrotóxicos) segue ainda hoje cumprindo o papel de criar condições para o avanço do Capital na agricultura, na qual umas poucas empresas lucram, melhor dizendo, furtam, e o conjunto da sociedade fica com os problemas gerados, sejam eles sociais, ambientais e até mesmo econômicos. Injustamente é a estrutura do Estado, que se diz Democrático de Direito, atuando em favor do Agronegócio e consequentemente em favor do beneficio das empresas transnacionais que dominam a produção e comercialização de agrotóxicos.

6 - Vamos deixar o Brasil se tornar a maior lixeira tóxica do mundo? O Brasil já é o campeão mundial no uso e consumo de agrotóxico. Confira o Filme-documentário “O Veneno está na mesa”, do diretor Sílvio Tendler. Por esse motivo, o deputado federal Padre João (do PT) está travando uma batalha na Câmara Federal contra o uso de agrotóxicos.[3]

7 – É inadmissível que a EMBRAPA continue com projetos de melhoramento na produção agropecuária que fortalecem os projetos das empresas transnacionais, agridem o meio ambiente e adoecem o povo brasileiro. A coluna mestra da EMBRAPA deve ser pesquisar nas áreas de agricultura familiar, com adubação orgânica. A EMBRAPA precisa assimilar em todas suas pesquisas o paradigma da Agroecologia. Só assim estará contribuindo para que a saúde se difunda por todo Brasil.
Enfim, quase todos os venenos devem ser proibidos. O uso deles só é tolerável como exceção e não como regra geral, o que lamentavelmente vem acontecendo. Roundup e muitos outros agrotóxicos são desenvolvidos para matar, não fazem parte da ética da vida. Há uma aliança macabra não confessada entre o agronegócio e a indústria farmacêutica. Produz-se alimentos envenenados para adoecer as pessoas e, assim, jogá-las nas garras da indústria farmacêutica que é a segunda que mais lucra, melhor dizendo, furta – após a indústria bélica. Em nome da Campanha da Fraternidade sobre Saúde Pública repudiamos a liberação do glifosato para a mandioca e todos os seus derivados.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 11 de março de 2012.

[1] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor Teologia Bíblica; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: gilvander.moreira
[2] Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
[3] Acompanhem mais informações no site do mandato: www.padrejoao.com.br

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Bolívia aumenta em mais de 20 vezes produção de Quinua



Em uma decada, Bolívia aumentou em 26 vezes o valor de suas exportações de Quinua. De acordo com dados divulgados pelo presidente da Câmera Boliviana de Exportadores de Quinua (Cabolqui), Javier Fernández, se em 2000 o país exportou 2,5 milhões de dólares de grão real, em 2011 registrou 65 milhões.


A Quinua real tem agregado valor nos mercados internacionais, por isso elevamos seu volume de cultivos e exportações, ressaltou Fernández.

De acordo com dados de Cabolqui, em 2005 o quintal de Quinua custava uns 280 bolivianos, enquanto que em 2011 registrou até 800 da moeda nacional.

No ano 2000, Bolívia exportou dois mil toneladas do cereal e hoje vende 20 mil toneladas anuais. As vendas incluem produtos com valor acrescentado como farinha, massas, sopas, hamburguesas, bolos e outros.

Os principais destinos da exportação são os Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Nova Zelanda e Canadá.

Neste ano, o Estado boliviano ampliará a superfície agrícola do grão em 66,6%, tendo em vista 2013, Ano Internacional da Quinua. O objetivo é incrementar o cultivo até 100 mil hectares, que eram em 2011 umas 60 mil.

Sobre a Quinua

A Quinua é um grão originário dos Andes, que cresce em terras áridas e semi-áridas, com ampla variedade genética e capacidade de adaptação a climas adversos e hábitats diferentes, de até quatro mil metros de altura.

É o único vegetal com todos os aminoácidos essenciais (20), e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) declarou que tem o melhor balanço de proteínas e nutrientes, com 40 por mais cento de lisina que o leite, o aminoácido mais importante para as pessoas.

Não tem colesterol nem glúten e apresenta vitaminas A, C, D, B1, B2, B6 e ácido fólico. Rico em fósforo, potássio, ferro, magnésio e cálcio e um alto conteúdo protéico (13 por cento), superior a grãos como o trigo, arroz, milho e aveia. Seu alto conteúdo de lisina promove o desenvolvimento cerebral e o crescimento.

Fonte: Prensa Latina

domingo, 15 de janeiro de 2012

Documentário - O Milagre de Gerson: A Cura do Câncer e de Outros Males

Se você tem ou conhece alguém que tenha Câncer ou outra doença crônica não vai poder perder esse documentário!
A "Terapia de Gerson" é considerada por muitos o tratamento mais efetivo contra o Câncer até hoje proposto pela medicina. Ataca o câncer baseando-se apenas na nutrição, desintoxicação e suplementação, tendo uma enorme porcentagem de seus pacientes totalmente curados, sem quimioterapia, sem radiação, sem cirurgia,

Créditos: BAIXANDO NA FAIXA

DOWNLOAD

Áudio - Legenda PT/BR
Formato Vídeo - AVI

domingo, 27 de novembro de 2011

A rede do poder corporativo mundial


Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural, e outra caracteristica desse poder corporativo, é o quanto ele é desconhecido
por Ladislau Dowbor no LEMONDE-BRASIL

(Exemplo de apenas algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A dominância dos dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise financeira atual. Somente uma pequena parte dos links é aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston, http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html)
“There is a big difference between suspecting the existence of a fact
and in empirically demonstrating it”¹

Todos temos acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas comprando-se umas as outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites. Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida termina quando sobram poucas empresas, que em vez de guerrear, descobrem que é mais conveniente se articularem e trabalharem juntas, para o bem delas e dos seus acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem da sociedade.
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural. Econômico através do imenso fluxo de recursos – maior do que o PIB de numerosos países – político através da apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e cultural pelo fato da mídia de massa mundial criar, através de pesadíssimas campanhas publicitárias – financiadas pelas empresas, que incluem os custos nos preços de venda – uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, e que gera boa parte do desastre planetário que enfrentamos.
Uma característica básica do poder corporativo, é o quanto é pouco conhecido. As Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC (United Nations Center for Transnational Corporations), que publicava nos anos 1990 um excelente relatório anual sobre as corporações transnacionais. Com a formação da Organização Mundial do Comércio, simplesmente fecharam o UNCTC e descontinuaram as publicações. Assim o que é provavelmente o principal núcleo organizado de poder do planeta deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas pontuais dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas por países.
O documento mais significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente documentário A Corporação (The Corporation), estudo científico de primeira linha, que em duas horas e doze capítulos mostra como funcionam, como se organizam, e que impactos geram. Outro documentário excelente, Trabalho Interno (Inside Job), que levou o Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a presente crise financeira. Temos também o clássico do setor, Quando as Corporações Regem o Mundo (When Corporations Rule the World) de David Korten. Trabalhos deste tipo nos permitem entender a lógica, geram a base do conhecimento disponível.
Mas nos faz imensa falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações funcionam, como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial que são as corporações.
 É natural e saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas ao vermos como nos principais setores as atividades se reduziram no topo a poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder político. Agindo no espaço planetário, e na ausência de governo mundial, manejam grande poder sem nenhum controle significativo.
A pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica)  vem pela primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A metodologia é muito interessante. Selecionaram 43 mil corporações no banco de dados Orbis 2007 de 30 milhões de empresas, e passaram a estudar como se relacionam: o peso econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que empresas têm participações que permitem controle indireto. Em termos estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie ¸ou “gravata borboleta”, onde temos um grupo de corporações no “nó”, e ramificações para um lado que apontam para corporações que o “nó” controla, e ramificações para outro que apontam para as empresas que têm participações no “nó’.
A inovação, é que a pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o conjunto das principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de forma a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a escada de poder que às vezes corporações menores detêm, ao controlarem um pequeno grupo de empresas que por sua vez controla uma série de outras empresas e assim por diante. O que temos aqui, é exatamente o que o título da pesquisa apresenta, “a rede do controle corporativo global”.
Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurich faz parte da nata da pesquisa tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar depois do MIT dos Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura de poder que resulta. Stefano Battiston, um dos autores, assina pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. O presente artigo, com 10 páginas, é curto para uma pesquisa deste porte, mas é acompanhado de 26 páginas de metodologia, de maneira a deixar transparentes todos os procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder que resulta, e apontam as implicações. 
 A pesquisa é de difícil leitura para não leigos, pela matemática envolvida. Pela importância que representa para a compreensão de como se organiza o poder corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara possível os principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos abaixo o link do artigo completo. 
O que resulta da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Este núcleo pode ser visto como uma “super-entidade” (super-entity) o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas.”(1/36)
Para demostrar como este travamento acontece, os autores analisam a estrutura mundial do controle corporativo. O controle é aqui definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver os seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Ao desenhar o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta noção define o montante total de valor econômico sobre a qual um agente tem influência.
O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações, detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings) identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Este tipo de estruturas, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais como estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qual que seja a sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado... Como resultado, cerca de ¾ da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras”. (5)
Este mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. A primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou “quão concentrado é este controle, e quem são os que detêm maior controle no topo”. Isto é uma inovação relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar qual a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes: “Encontramos que apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as ETNs... Isto significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar baseado na sua riqueza.”(6)
Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com as suas interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, através de uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem assim ser considerados como uma “super-entidade” na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste ponto é que ¾ do núcleo são intermediários financeiros.”
Os números em si são muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo científico, e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99% O New Scientist reproduz o comentário de um dos pesquisadores, Glattfelder, que resume a questão: “Com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede”. E a maioria são instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank, JPMorgan Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes. 
Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação do New Scientist as empresas se comprem umas as outras por razões de negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre esta concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente prova de miopia. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases da trágica desigualdade planetária atual, não há dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente passada nos Estados Unidos que libera totalmente o financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento das leis que obrigavam as instituições financeiras a fornecer informações e que regulavam as suas atividades passa a ter origens claras. 
Outra conclusão importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real, ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços, e muito menos ditar o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando uma certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumendo da demanda da China por matérias primas. A evolução recente dos preços de petróleo, em particular, está diretamente conectada a estas estruturas de poder. 
Os autores trazem também implicações para o controle dos trustes, já que estas políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro das suas fronteiras nacionais. O fato de series de dados internacionais bem como métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente, pode explicar como esta descoberta não tenha sido notada durante tanto tempo”(7) Em termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração dos paraisos fiscais.
Outra implicação é a instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos acostumados a dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes para quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos obrigados a manter os seus privilégios. “Trabalhos recentes têm mostrado que quando uma rede financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico. Com efeito, enquanto em bons tempos a rede parece robusta, em tempos ruins as empresas entram em desespero simultaneamente. Esta característica de ‘dois gumes’ foi constatada durante o recente caos financeiro” (7).
Ponto chave, os autores apontam para o efeito de poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, em geral, as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Os nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou através de negociações informais”. (8)
Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos:  “Do ponto de vista empírico, uma estrutura em “gravata borboleta” com um núcleo muito pequeno e influente constitui uma nova observação no estudo de redes complexas. Supomos que possa estar presente em outros tipos de redes onde mecanismos de “ricos-ficam-mais-ricos” (rich-get-richer) funcionam... O fato do núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon).” (8) A presença esmagadora dos grupos europeus e americanos neste universo sem dúvida também ajuda nas articulações e acentua os desequilíbrios. 
Conclusões gerais a se tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de serem poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que se trata sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam de recursos produzidos pela sociedade em proporções inteiramente desproporcionais relativamente ao que produzem. Trata-se também de pessoas que controlam a aplicação de gigantescos recursos, muito mais do que a sua capacidade de gestão e de aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos, pois são em boa parte vítimas indiretas do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento de ser enfrentada.
E quanto ao que tanto preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa, é que nenhuma conspiração é necessária. Ao estarem articulados em rede, e com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Esta rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas sobretudo os interesses são comuns, e não é necessária nenhuma conspiração para que os defendam solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre transações financeiras, ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais.
O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma base muito articulada (tight-nit) de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira. No inicio do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance & Development estampou na capa em letras garrafais a pergunta “Who’s in charge?”, insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou pra o mal, a pergunta está respondida. 

Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

1 - "Há uma grande diferença entre suspeitar a existância de um fato, e demonstrá-lo empiricamente” – Vitali, Glattfelder e Battiston - http://bit.ly/pWslEs
2 - S. Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global Corporate Control -  Chair of Systems Design, ETH Zurich – corresponding author sbattiston@ethz.ch . O texto completo foi disponibilizado em arXiv em pré-publicação, e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011: http://bit.ly/smmhvg .  A ampla discussão internacional gerada, com respostas dos autores da pesquisa, pode ser acompanhada em http://bit.ly/pWslEs
3 - Link para a resenha do New Scientist traduzida para o português no
site Inovação Tecnológica: http://bit.ly/sUsMjN e link para a resenha em inglês no site New Scientist: http://bit.ly/omulCA 4 - O aumento do risco sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz em Risk and Global Economic Architecture, 2010,  http://www.nber.org/papers/w15718.pdf

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Antes de ser Agro, sou Bio!



ESCRITO POR REUBER BRANDÃO no CORREIO DA CIDADANIA  

   
Ninguém é contra o agro. Sempre achei esse tema extremante bobo e, por isso mesmo, sem graça para merecer um texto. No entanto, as falácias colocadas por setores do agronegócio, repetidas pelo movimento “Sou Agro”, me levaram a escrever o presente artigo.

Para começo de conversa, ninguém com um mínimo de sanidade mental nega a relevância, a beleza e a importância das atividades agrícolas. Não é esse o ponto. A agricultura e a pecuária são atividades imprescindíveis para toda a humanidade. A produção e a segurança no fornecimento de alimentos permitiram o crescimento das cidades e das sociedades. A pecuária afetou profundamente nossa resistência a doenças, garantiu a proteína na dieta, permitiu formar cavalarias, criou modalidades esportivas. A agricultura contribuiu com a segurança alimentar, permitiu a domesticação de diversas variedades de plantas e influenciou profundamente a cultura de muitos povos. Nos dias atuais, diversos produtos da agropecuária são relevantes artigos de exportação que ajudam, e muito, a fazer com que a balança comercial brasileira obtenha resultados positivos. Os benefícios da agricultura são muitos e conspícuos.

A agricultura e a pecuária têm ares de milagres. Trabalhar a terra, acompanhar o crescimento das plantas e dos animais, produzir alimentos, sentir o sol no rosto e o sal do suor na boca. Esperar a chuva na hora certa. Sofrer e se alegrar com o trabalho... Sem dúvida, o proprietário rural é um guerreiro valoroso. E, muitas vezes, parece que as regras e as normas governamentais existem mais para atrapalhar do que para ajudar aqueles que tanto trabalham para gerar alimentos.

Como alguns setores da sociedade brasileira se atrevem a contestar a agropecuária? Logo a agropecuária que tanto faz pelo país, que ajudou a ocupar regiões onde antes só havia mato e bichos! Logo a agropecuária, que produz as matérias-primas que todos os brasileiros (e o mundo) usam, demandam e necessitam! Se você almoçou hoje, agradeça a um agro! Se você usou roupas, agradeça a um agro. Se você andou de carro, agradeça a um agro. Se você está hoje de ressaca por conta do churrasco de ontem, agradeça a um agro! Mais que isso, se você fez alguma dessas coisas, você é agro!

Este é o ponto no qual quero chegar. O Movimento Sou Agro é muito bem feito, é muito rico e tem grande aceitação no público em geral. No entanto, muitos dos argumentos usados para sensibilizar a sociedade são ingênuos, falaciosos e também perigosos, que em nada melhoram a relação da agricultura com a população ou com os outros setores produtivos da sociedade.

Só sou Agro porque existe o Bio

A produção de bens de consumo não é exclusividade da agricultura. Na verdade, a maior parte dos produtos derivados de produtos agrícolas só chega a nós porque outros setores produtivos desenvolveram a tecnologia necessária ao seu beneficiamento e transformação. Não é porque uso o vaso sanitário que sou Deca, tampouco sou Sony porque ouço músicas ou sou Intel porque digito no teclado do meu computador. Dizer que todo brasileiro é agro porque consome um produto derivado de algo produzido em uma fazenda é desmerecer a complexidade da nossa sociedade, é desconhecer o intricado caminho da produção, bem como o papel dos diferentes atores nesse processo. É muita presunção acreditar que apenas a agricultura é relevante na sociedade brasileira. Se um carro usa etanol, não foi a agricultura que desenvolveu o motor que utiliza esse combustível, tão pouco os teares que produzem os tecidos. A própria agricultura depende fortemente de outras indústrias, como a química, sem as quais a atividade agrícola pode se tornar inviável.

Se este argumento é válido, somos todos Bio, afinal de contas respiramos gases produzidos por organismos fotossintetizantes que independem do nosso cultivo. O melhoramento de variedades agrícolas depende do conhecimento acerca do patrimônio genético da natureza. A fertilidade e estrutura do solo dependem fortemente dos micro-organismos envolvidos na ciclagem de nutrientes e na formação da matéria orgânica. Populações de animais daninhos são eficientemente controlados por predadores naturais. Um morcego insetívoro ingere diariamente o seu próprio peso em mariposas e outros insetos que se alimentam de culturas agrícolas. A produtividade de diversos cultivares, notadamente de frutas, depende de polinizadores. Na verdade, a agricultura é o setor produtivo que mais depende de serviços ambientais para ser viável. Sem água, sem polinizadores, sem condições climáticas propícias, não existe maquinário, insumo ou reza brava que funcione... Se é agro, é bio, antes de mais nada. É uma pena que ainda existam grupos que não consigam entender o óbvio ululante.

Sou Agro, sou falacioso...

O Movimento Agro reúne alguns dos grupos mais poderosos da agropecuária brasileira. Grupos que tradicionalmente se beneficiam de vultosos financiamentos de bancos públicos. Grupos que representam proprietários de grandes nacos do território nacional. 

O objetivo do Movimento Agro é, aparentemente, trivial. É buscar apoio social entre as pessoas que moram nos ambientes urbanos e que podem não entender a importância da agricultura na suas vidas. Bancado por grandes grupos, contrataram artistas globais “simpáticos” e conhecidos da população urbana para convencer que a agricultura praticada por eles é linda... Hum...

Segundo dados dos censos agropecuários, mais de 80% das propriedades rurais do Brasil são caracterizadas como familiares. No entanto, a despeito da grande superioridade numérica, esse tipo de fazenda ocupa menos de um quarto da superfície total das fazendas brasileiras. Ou seja, menos de 20% dos fazendeiros brasileiros detêm 3/4 das terras agrícolas do país. Mesmo assim, as propriedades rurais familiares são responsáveis por 70% da produção brasileira de alimentos e empregam muito mais que os grandes proprietários.

Desta forma, é claro que existe um grande conflito social no Brasil. De um lado, pequenos proprietários que trabalham muito, produzem com mais qualidade e investem na mão de obra e na diversificação de produtos. De outro lado, grandes proprietários que vivem de financiamentos públicos, produzem em vastas monoculturas, investem em maquinário e têm dinheiro para montar enormes peças midiáticas visando atingir um público específico.

Desta forma, tenho dúvidas que esse Agro realmente cresça forte e saudável. Esse Agro me parece ser o mesmo que acredita que “desenvolver” é fagocitar territórios inteiros e rapidamente convertê-los em paisagens monótonas, mantidas à custa de muita química e muita água. Que não consegue entender que os serviços ambientais são bens comuns, que não devem ser privatizados ou degradados. Uma agricultura que tenta convencer que é mais valiosa que a natureza, que a conservação de nascentes, que a manutenção de reservas legais. Que visa ocupar as áreas de proteção permanente, que ambiciona incorporar todas as fatias de terra do Brasil ao seu “modelo” de produção, de desenvolvimento, de crescimento. Uma agricultura baseada no abandono de terras degradadas para adquirir novas terras nas fronteiras agrícolas, que também serão abandonadas no futuro. Uma agricultura que deixou para trás mais de 300 mil hectares degradados e improdutivos apenas no bioma Cerrado. Um modelo arcaico de agricultura depredatória, que repete uma lógica criada nos anos 70, onde alguns acreditavam que o único destino do Brasil era se tornar o celeiro do mundo. 

Sou Agro, sou perigoso?

A história é rica em exemplos onde grupos humanos que se consideravam, por alguma razão obscura, superiores ou melhores que outros grupos humanos, causaram grandes conflitos, muitos dos quais resultaram em guerras e massacres. Argumentos vazios e falaciosos, agindo sobre as emoções das pessoas, levaram ao massacre de judeus na Europa nos anos 40, no assassinato de tutsis pelos hutus em Ruanda, no extermínio de albaneses pelos sérvios no Kosovo. 

A agricultura é importante e realmente deve ser valorizada, mas todo cidadão brasileiro possui direitos e deveres. É normal acreditarmos que nosso trabalho é importante, que nosso trabalho engrandece, mas nunca devemos minimizar a importância do trabalho alheio, por menos que o entendamos. O Movimento Agro é proselitista e visa criar a sensação de que apenas a agricultura cresce no Brasil, que todo brasileiro deve algo a eles. Qual é o objetivo final do Movimento Agro? Criar na sociedade a sensação de que a agricultura não deve ser fiscalizada? Que a legislação ambiental agride a bela agricultura e que certas leis, como o Código Florestal, apenas servem para punir o nobre, trabalhador e essencial fazendeiro? Calma lá...

Realmente espero que o objetivo deste movimento não seja esse. No sítio do movimento lemos que “o Brasil pode perfeitamente ser a potência dos alimentos, da energia limpa e dos produtos advindos da combinação da ciência com a nossa megabiodiversidade” e que o “setor gera benefícios para toda a sociedade para pautar o futuro do Brasil com base no desenvolvimento sustentável”. Espero que a supracitada combinação de ciência com “megabiodiversidade” não seja entendida pelo movimento apenas como a produção de organismos geneticamente modificados, visando somente a produtividade agrícola, mas sim a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos-evolutivos responsáveis por sua manutenção, nem que o tão batido “desenvolvimento sustentável” seja apenas o sustento do desenvolvimento agrícola.

A agropecuária e a conservação podem andar juntas!

 
Gado curraleiro, no Nordeste, também chamado de Pé Duro. Ele foi 
substituído pelo zebuíno criado em sistema de monocultura. 
Foto: www.nordesterural.com.br



A questão da agropecuária vai muito além do Movimento Sou Agro. A maior parte do território brasileiro está nas mãos de proprietários rurais. Existem mais de 5 milhões de fazendas espalhadas por todo o território nacional. É impossível fazer conservação de biodiversidade no Brasil sem o apoio dos agricultores, da mesma forma que a conservação necessita trazer benefícios para quem está no campo. O Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, também é uma potência agrícola. Essa é a maior prova de que não existe nada de errado em produzir e conservar. Produzir de verdade e conservar de verdade. Não existe incompatibilidade nisso.

A agricultura e a pecuária, como diversas outras atividades, sempre dependeram de serviços ambientais e do meio ambiente equilibrado para seu sucesso. A agricultura depende da oferta de água, depende da polinização, depende da conservação do solo, depende de um clima previsível. Conheço muitos proprietários rurais que percebem isso e entendem que podem compatibilizar a produção agrícola com a preservação dos processos ecológicos (e dos organismos que os mantêm) em suas propriedades. Nunca houve incompatibilidade entre produção e conservação. A quem interessa alimentar essa celeuma? Certamente não interessa à sociedade brasileira.

Para garantir que a conservação e a produção andem juntas, é necessário, antes de tudo, seriedade na ocupação do território. Isso significa não apenas planejamentos patrocinados pelos governos em grandes escalas territoriais, mas também na ocupação do solo nas fazendas. A preocupação com a conservação do solo, a manutenção das matas ribeirinhas, o cuidado com a água e a vegetação é uma prova do respeito do proprietário com sua própria terra, com a sustentabilidade da terra que ele vai deixar para os seus filhos. 

O agro que respeita será recompensado

A economia está mudando. Os mecanismos econômicos de pagamento por serviços ambientais estão sendo refinados e em pouco tempo estarão operando. Proprietários que contribuem com a conservação destes serviços podem receber receitas relevantes pelo simples fato de terem conservado atributos ambientais em suas propriedades. Diversos serviços podem ser explorados nas propriedades rurais onde existam atributos ambientais relevantes. Basta que proprietários empreendedores e conscientes atuem em tais oportunidades. O preconceito de algumas poucas pessoas dos diferentes setores (conservacionista e agrícola) em nada contribui para a percepção de tais oportunidades.

Certas abordagens de pesquisa, como o estabelecimento de “Parques do Pleistoceno”, podem demonstrar a importância da pecuária em pastagens nativas no Brasil e, porque não, na relevância do gado para o aumento da diversidade vegetal e o controle de incêndios florestais? O agronegócio contribuiu fortemente para que raças de gado nacionais, como o robusto, leve e manejável caracu e os resistentes curraleiros, os quais se adaptam às pastagens nativas e a uma enormidade de fontes de alimento, fossem substituídos por zebuínos criados em sistemas de monoculturas de gramíneas exóticas. É esse o Brasil que cresce saudável? 

O Brasil é um país agrícola. Todo brasileiro reconhece a importância da agricultura. No entanto, o brasileiro reconhecerá cada vez mais a importância dos agricultores que entendem e contribuem para a conservação do patrimônio natural do Brasil, que enxergam o futuro e pensam nos filhos dessa terra.

(Este texto contou com excelentes sugestões de Fernando Fernandez.)

Reuber Brandão é biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006.

http://www.oeco.com.br/reuber-brandao/25304-antes-de-ser-agro-sou-bio

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sociedade do risco e o consumo de alimentos orgânicos.


Entrevista especial com Eduardo Moro
 
Em contraposição à alimentação fast food, a procura pela alimentação orgânica tem crescido consideravelmente em diversos países do mundo. Escândalos alimentares ocorridos na Europa nos anos 1980, o clima de insegurança, as “dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos” e as incertezas da sociedade do risco, teoria abordada por Ulrich Beck, contribuíram para que os consumidores repensassem as práticas alimentares, diz Moro à IHU On-Line.
Apesar de a agricultura orgânica ter avançado nas últimas décadas, e de “mais de 60 milhões de hectares serem destinados” à essa prática, apenas dez países lideram a produção de alimentos orgânicos e “são responsáveis por quase 3/4 do total. (...) Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta”, assinala o sociólogo na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Ao analisar a agricultura orgânica brasileira, Moro diz que os desafios estão na produção e na comercialização dos alimentos. Para se desenvolver, esse modelo agrícola precisa de subsídio estatal, especialmente durante o período de “conversão, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica”. Em relação à comercialização, “o desafio está no fortalecimento do mercado interno. (...) Os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação”, aponta.
Eduardo Moro é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre e doutorando em Sociologia Política pela mesma instituição. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentos orgânicos, supermercados, riscos alimentares, consumo alimentar e consumidores.
Confira a entrevista.
IHU On-Line Como se caracteriza um alimento orgânico? Quais são as regras para se produzir um alimento orgânico?
Eduardo Moro – A partir da década de 1990, inúmeros países passaram a debater definições, normas e regras ligadas à produção e à comercialização de alimentos orgânicos. A partir destes debates, uma série de legislações passaram a vigorar, cada uma delas com especificidades inclusive no que se refere às terminologias e às definições de alimento orgânico. O que no Brasil é chamado de orgânico, por exemplo, pode ser encontrado como ecológico ou biológico em outras partes do mundo. Portanto, não existe uma única definição de alimento orgânico, tendo em vista que podem variar de país para país.
Em uma análise recente, baseada em publicações oficiais de países da América Latina e União Europeia, além de Estados Unidos e Canadá, bem como de organizações ligadas à agricultura orgânica no Brasil e no mundo, destaquei quatro aspectos que penso estarem, em maior ou menor grau, presentes na maioria das definições investigadas e que contribuem para formular uma definição “geral” de agricultura orgânica, nos moldes da pergunta. O primeiro deles é mais específico e se refere à não utilização de insumos químicos na produção. Já os demais envolvem uma perspectiva social, uma econômica e outra ambiental, ou ecológica. Esta última pode subdividir-se ainda em proteção do solo, dos recursos hídricos e na defesa do bem-estar animal.
Especificamente no caso do Brasil, acredito que a construção da definição de agricultura orgânica dá seu primeiro grande passo a partir dos debates que originaram a Instrução Normativa 007, de 17 de maio de 1999. O segundo e definitivo passo ocorre com publicação da lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, regulamentada em 27 de dezembro de 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A definição presente na lei refere-se à utilização de técnicas que visam à sustentabilidade econômica e ecológica em contraposição a materiais sintéticos, organismos geneticamente modificados e radiação ionizante. É importante ressaltar que a produção e a comercialização de alimentos orgânicos envolve ainda inúmeros outros aspectos que se referem à certificação, ao transporte, ao armazenamento, etc., que deram origem a novos documentos que vêm sendo discutidos até os dias atuais.
IHU On-Line A que você atribui o crescimento da produção e consumo de alimentos orgânicos no mundo?
Eduardo Moro – Não tenho dúvidas de que o crescimento da produção e do consumo de alimentos orgânicos ocorre por diversos fatores. Uma única razão não dá conta de explicar tal fenômeno, sobretudo dada a especificidade de cada país e a forma como cada cultura percebe a sua alimentação. Portanto a resposta que darei aqui não é a única, mas é talvez umas das mais aceitas na literatura internacional. Para muitos europeus, a década de 1980 ficou marcada pelos diversos escândalos alimentares, o mais importante deles possivelmente tenha sido a encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como a “doença da vaca louca”. Tais acontecimentos trouxeram à tona um clima de insegurança e dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos. Trouxeram também em seu bojo transformações marcantes nos hábitos alimentares de parte importante da população de alguns países, especialmente aqueles cujas organizações de consumidores eram mais estruturadas e atuantes. Esse cenário favoreceu a inserção dos alimentos orgânicos na dieta de muitos consumidores, tidos como mais seguros, saudáveis e livres de qualquer tipo de contaminação. Contudo, essa explicação não se aplica ao Brasil, por exemplo. Acredito que aqui o crescimento tenha se dado muito mais por uma oportunidade de mercado, como uma tendência trazida pelas redes internacionais de supermercados (assunto que ainda pretendo discutir) e como uma oportunidade na exportação de alimentos orgânicos para grandes mercados consumidores.
IHU On-Line Quais são os desafios da produção e do consumo de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Ainda que a agricultura orgânica tenha tido um grande avanço nas últimas décadas, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Apesar de atualmente mais de 60 milhões de hectares serem destinados à agricultura orgânica em todo o mundo (incluindo áreas de extrativismo sustentável e em processo de conversão), os dez países líderes em produção são responsáveis por quase 3/4 do total. Mais do que isso, de um mercado com receita anual superior a 54 bilhões de dólares, 97% deste montante está concentrado na Europa e nos Estados Unidos. Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta.
No Brasil, o caso não é muito diferente, pois, apesar de o país possuir uma área de mais de 880 mil hectares destinada à agricultura orgânica, isso representa apenas 0,33% do total da área agrícola do país. Da mesma forma, há um caminho longo a ser percorrido. Mas, tratando especificamente dos desafios do Brasil, acredito que eles residam tanto na produção como na comercialização. Não sou muito otimista quanto ao desenvolvimento da agricultura sem subsídios do Estado. Especialmente no caso da agricultura orgânica, sou ainda mais enfático ao defender o apoio do governo, sobretudo no período compreendido como “conversão”, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica. Esse período de tempo varia de acordo com o cultivo a ser desenvolvido e o uso anterior da unidade de produção (sendo no mínimo de 12 meses), que é quando o produtor encontra dificuldades de comercializar seu produto por não ser considerado ainda um produtor orgânico.
No que concerne à comercialização, o desafio está no fortalecimento do mercado interno. Uma das grandes dificuldades em pesquisar agricultura orgânica no Brasil sempre foi a ausência e a confusão de dados acerca da produção e da comercialização. Digo isso, pois os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação. Embora ainda não possua todos os dados empíricos necessários, as pesquisas realizadas nos últimos anos junto ao Instituto de Risco e Sustentabilidade (IRIS-UFSC) me levam a questionar tal fato. Penso que o mercado interno brasileiro está sendo subestimado. Apesar disso, acredito também que um dos desafios da agricultura orgânica no Brasil resida justamente em mensurar de maneira clara esse mercado e, a partir disso, elaborar estratégias envolvendo poder público e privado para fomentar a venda de tais alimentos e assim popularizar cada vez mais a agricultura orgânica nas diversas regiões do país.
IHU On-Line Se, por um lado, cresce a produção de alimentos orgânicos, por outro, o Brasil é um dos maiores usuários de agrotóxicos. Como o senhor explica essa questão?
Eduardo Moro – Mesmo me considerando um otimista quanto ao crescimento da agricultura orgânica nos próximos anos, acho pouco provável que ela venha a se tornar o modelo dominante de agricultura no país. Portanto, não me surpreende que o Brasil apresente – por um lado – o crescimento da agricultura orgânica e – por outro – mantenha-se como um dos maiores usuários de agrotóxicos do planeta. A agricultura orgânica encontra-se em um processo de implementação no Brasil e rivaliza com modelos de produção consolidados e amplamente utilizados desde a Revolução Verde. Não podemos esperar que em um curto período a agricultura orgânica promova reduções drásticas na utilização de agrotóxicos, mas “apenas” que se mantenha enquanto uma alternativa economicamente viável e ambientalmente sustentável para aquele produtor que esteja disposto a buscar novas alternativas. Porém, repito que isso será possível somente com planejamento, contando com apoio e diálogo do poder público e da indústria privada.
IHU On-Line Qual o papel dos supermercados na oferta de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Tomando de empréstimo as palavras da professora doutora Julia Guivant, o crescimento dos supermercados levou feiras livres e lojas especializadas a ocuparem um papel secundário na venda de alimentos orgânicos no Brasil. A própria pesquisadora demonstra a importância dos supermercados através de pesquisas em supermercados no Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Justamente na capital catarinense é que realizei minha primeira pesquisa relacionando alimentos orgânicos e o papel dos supermercados no ano de 2006. Naquela oportunidade, visitei doze lojas de sete diferentes redes de supermercados presentes na região, e pela primeira vez presenciei in loco o crescimento na oferta de alimentos orgânicos (principalmente vegetais in natura) nas gôndolas dos supermercados. Uma das conclusões daquele trabalho foi de que a cidade de Florianópolis possuía um mercado consolidado, podendo ser comparado em diversos aspectos com capitais mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Alimentos orgânicos nos supermercados
No ano seguinte, voltei a campo, ampliando a pesquisa para as capitais dos estados que compõem a região sul. Novamente pude constatar a presença de alimentos orgânicos na maioria dos supermercados, assim como a crescente oferta de produtos processados em gôndolas não refrigeradas. Mais do que isso, pude observar o papel destacado das grandes redes de supermercados internacionais, que não focavam sua oferta em determinadas cidades ou regiões dos estados. Ao contrário, passavam a inserir os alimentos orgânicos em políticas de venda que envolvia todo o conjunto de lojas.
Recentemente, vale ressaltar, surge uma tendência importante na venda de alimentos orgânicos: a comercialização em “pequenos supermercados” ou “supermercados de bairro”. Embora ainda não tenha realizado nenhuma pesquisa acerca desse tema, acredito que essas lojas passam gradativamente a aderir à venda de alimentos orgânicos. Mas o mais importante é o que está por trás do avanço dos supermercados. É fundamental considerar que a relação entre supermercados e consumidores se dá numa perspectiva de ganho para todas as partes, ou seja, ao passo que consumidores demandam alimentos orgânicos e reivindicam a existência destes nas gôndolas do supermercado, consumidores “comuns” – que não teriam informação ou mesmo interesse em buscar alimentos orgânicos em outros canais de venda – “convertem-se” em compradores dada a oferta. Sob essa ótica, a inserção dos supermercados traria uma relação de ganho, para os produtores, para os próprios supermercados e para os consumidores.
IHU On-Line Quais as implicações dos alimentos geneticamente modificados na agricultura orgânica?
Eduardo Moro – Minha intenção aqui não é debater os possíveis riscos ou benefícios dos organismos geneticamente modificados. Restrinjo-me a responder como imagino que os transgênicos podem implicar na produção e na comercialização dos alimentos orgânicos. Conforme a lei 10.831, a chamada “Lei dos Orgânicos”, é proibida a utilização de qualquer organismo geneticamente modificado na produção orgânica. Essa informação é central. Diante disso, os transgênicos surgem como um entrave para o avanço da agricultura orgânica. No que se refere à produção, por exemplo, há o risco de contaminação de uma lavoura orgânica pelo pólen oriundo de culturas transgênicas, tanto através de vetores abióticos como biológicos. Já no mercado alimentício, os transgênicos surgem como mais uma opção e passam disputar a atenção de parte importante dos consumidores nas gôndolas dos supermercados. Parece-me claro que, até o momento, o consumidor adepto a um “estilo de vida” dito saudável tem evitado o consumo de transgênicos. Entretanto, devemos considerar o caráter heterogêneo do consumidor no Brasil e os diferentes graus de informação. Diante disso, para muitos indivíduos que poderiam vir a se “converter” em consumidores de alimentos orgânicos, os transgênicos surgem como nova opção de compra.
IHU On-Line A expansão do agronegócio brasileiro impede ou prejudica de alguma maneira a produção de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Dentre os diversos grupos ou “correntes” que defendem a agricultura orgânica no Brasil, alguns defendem que a venda seja mantida num modelo “tradicional”, ou seja, em pequenas feiras livres,  com contato direto com o produtor, mantendo relações de proximidade e confiança entre aquele que compra e aquele que vende. Em contrapartida, outros defendem que a produção orgânica seja inserida no agronegócio do país, comercializada em redes de supermercados, certificada por agências especializadas e exportada para grandes mercados consumidores. Essas perspectivas dicotômicas divergem também quanto à expansão do agronegócio. Acredito que o crescimento do agronegócio no país pode representar uma oportunidade para a agricultura orgânica desde que haja incentivo governamental aos pequenos produtores, que a produção atenda às exigências de certificação dos mercados internacionais e de que o mercado interno aquecido contribua na absorção da produção. Portanto, o destaque da produção agrícola brasileira pode contribuir para o aumento na produção, exportação e comercialização de produtos orgânicos, mas para isso necessita-se de planejamento e apoio.
IHU On-Line Quais setores agrícolas costumam investir na produção orgânica?
Eduardo Moro – No ano de 2003, logo que comecei a pesquisar sobre a oferta de alimentos orgânicos em feiras livres e em supermercados, os principais produtos ofertados eram vegetais in natura dispostos a granel, embalagens plásticas ou em bandejas de isopor. Os produtos mais comuns eram verduras e legumes (como alface, brócolis, couve, repolho, rúcula e outras), ervas (como hortelã, endro, manjerona, entre outras) e frutas (principalmente ameixas e laranjas). Grande parte desses itens era produzida por pequenos e médios agricultores, organizados em cooperativas ou associações e certificados de forma participativa. Com o passar dos anos, novos itens somaram-se aos que citei anteriormente, sobretudo alimentos processados, como açúcar, farinha, biscoitos, sucos, arroz, achocolatados, cafés, entre outros. Neste caso, a produção passou também a envolver empresas de médio e grande porte, tanto aquelas de nome conhecido no mercado, que adotaram a chamada produção “paralela”, como por empresas dedicadas exclusivamente à produção orgânica. Não vou detalhar aqui as consequências desta transformação, embora tenha se tornado visível a proliferação de itens e marcas de alimentos orgânicos nas gôndolas dos grandes supermercados.
IHU On-Line Como a teoria de Ulrich Beck pode ser aplicada à produção de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – O alemão Ulrich Beck publicou em 1986 um livro (traduzido para o inglês em 1992) que tornou bastante conhecida a premissa de viveríamos em um período no qual denominou de Modernidade tardia, caracterizado como uma “sociedade do risco”. Na obra, Beck diferencia os riscos de períodos pré-modernos daqueles presentes nos dias atuais, dando destaque aos que envolvem o meio ambiente e que trazem consigo uma série de transformações na sociedade moderna.
Em 2010, o autor escreveu um novo livro com o intuito de “atualizar” a primeira versão e passou a discutir também os riscos gerados pelo terrorismo, marcado pelos ataques de 11 de setembro. Em termos gerais, algumas coisas que falei anteriormente podem ser relacionadas com a teoria de Beck. Muitos dos escândalos alimentares que ocorreram nas últimas décadas trouxeram à mente das populações riscos antes inimagináveis. Esses riscos globais e de graves consequências, “democráticos” em um sentido negativo e, muitas vezes, imperceptíveis pela ciência moderna geraram um cenário altamente favorável para a adoção de hábitos alimentares mais seguros. A crescente “encenação” (ou como diria Beck, “escenificação”) dos riscos no cotidiano dos consumidores de diversas partes do mundo trouxe profundas transformações nos hábitos alimentares, como a diminuição no consumo de carne, por exemplo, ou a adoção de uma dieta composta com alimentos orgânicos. Mesmo sem ter lido Beck, atualmente os consumidores estão conscientes dos riscos alimentares como uma nova forma de risco.
IHU On-Line Qual costuma ser o perfil dos consumidores de alimentos orgânicos?
Eduardo Moro – Analisando as principais pesquisas que investigam os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil e no mundo, arrisco-me afirmar que a maioria delas está centrada na distinção entre valores individuais e/ou coletivos. Em outros termos, pesquisadores investigam se a compra ocorre motivada pelo cuidado à saúde (do consumidor ou de sua família) e/ou pela proteção ao meio ambiente. Os resultados variam consideravelmente, embora apontem predominantemente para indivíduos inseridos no primeiro grupo (ligados a valores individuais). Em número reduzido surgem pesquisas que investigam possíveis perfis, sobretudo baseados em indicadores socioeconômicos, ou elaboram tipologias dos consumidores de alimentos orgânicos. No Brasil são bastante comuns em meios de comunicação e até mesmo em trabalhos acadêmicos afirmações generalistas baseadas em dados como sexo, idade, renda e escolaridade. Uma delas é que os consumidores de alimentos orgânicos são preponderantemente mulheres, de faixa etária entre 35 e 50 anos, possuidores de um elevado nível de escolaridade e com alta renda. Acredito que tais informações são apenas pistas acerca de um grupo que acredito ser bem mais heterogêneo e repleto de especificidades. Nos últimos anos, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, algumas delas trazendo novidades em termos metodológicos e na abrangência dos indivíduos investigados, o que poderá contribuir num futuro próximo na percepção de quem são os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil.    
(Por Patricia Fachin)