“Está chovendo, uma moça descalça, segurando seus sapatos, caminha no meio da rua. Surge um rapaz de bicicleta e, lentamente, vai seguindo a garota. O rapaz segura um guarda-chuva sobre a moça, ela tenta se esquivar e ele continua a segui-la, sorrindo.” Foi dessa maneira tão despretensiosa que o roteirista Guennádi Chpalikov apresentou, pela primeira vez, sua ideia para o roteiro “Eu caminho por Moscou” para o diretor George Danelia.
No fim das contas, o passeio da moça com o ciclista transformou-se em uma digressão lírica e a história de um escritor iniciante que veio tentar a sorte na capital passou para o primeiro plano. Na ensolarada e barulhenta Moscou, as coisas não correm exatamente como o planejado para o siberiano Volodia. Ele não encontra ninguém no endereço fornecido por seus amigos siberianos, mas em compensação trava uma nova amizade com o rapaz que lhe indicou o caminho, o brincalhão Kolia. A amizade, porém, logo se transforma em uma pequena rivalidade: os dois rapazes acabam atraídos pela mesma garota. O encontro dos amigos com um escritor famoso não corresponde às expectativas, mas a noite não passará em branco: eles vão perseguir um ladrão, livrar-se de apuros na delegacia de polícia e salvar um casamento.
Realmente, o enredo é muito simples, tão simples que até levanta suspeitas, tendo em vista que se trata do “país das grandes realizações”. Como a maioria dos filmes “desprovidos de ideologia” produzidos na União Soviética, “Eu caminho por Moscou” tinha todas as chances de “permanecer na prateleira”. Ao ser examinado pela primeira vez pelo Comitê Governamental de Cinematografia (Goskino), ele não obteve aprovação. A comissão usou o pretexto de que a história era excessivamente primitiva para que pudesse ser classificada como drama e não era suficientemente engraçada para ser incluída na categoria de comédia. No entanto, graças aos avanços que ocorreram durante o degelo Khrushchev e ao gênero “comédia lírica”, conseguiu chegar às telonas.
Daí para frente, o destino do filme foi triunfante. A história simples de um ser humano encantou o público soviético, cansado das propagandas sobre a fraternidade dos povos e façanhas do trabalho. Até mesmo os críticos oficiais garantiram uma recepção calorosa. Afinal, a atmosfera é positiva – durante todo o filme, o soviético é um homem feliz. Se não bastasse, os espectadores puderam apreciar o fato de que a felicidade de Volodia não consistia em fazer a transposição de rios ou desbravar áreas para tornar a terra cultivável, mas andar na chuva, fazer amigos e se apaixonar, ou seja, simplesmente viver.  
Embora, a trama do filme gire em torno das reviravoltas entre os personagens, a cidade é claramente um dos protagonistas do filme. Moscou, com sua história rica e presente turbulento é um objeto de adoração da câmera. Na Praça Vermelha, os turistas desviam a sua atenção do guia turístico tedioso, espiam os transeuntes e ficam paralisados ao som dos carrilhões. No parque, concertos são realizados a céu aberto e pessoas se aglomeram diante do palco. Através das grades da ponte pode-se observar como os remadores navegam alegremente pelo rio Moscou. Esses esboços vívidos e pulsantes da vida da capital foram filmados por Vadim Yusov, que posteriormente trabalhou nos filmes de Andrêi Tarkovsky.
O filme abriu um período do cinema soviético que lembra a “new wave” europeia. Sendo que Danelia conseguiu (intuitivamente) apreender o estilo ocidental, já que devido à chamada “cortina de ferro” os filmes estrangeiros penetravam na União Soviética de forma bastante limitada. O trabalho com atores jovens, as filmagens sob iluminação natural e a opção por um enredo que traz uma história de vida simples, tudo isso transformou o filme “Eu caminho por Moscou” em referência para os diretores de cinema soviéticos daquela época, incluindo o então conhecido Marlen Huciev.

“Eu caminho por Moscou” está disponível no Youtube:  

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