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domingo, 22 de dezembro de 2013

CARTA ABERTA À REDE GLOBO CONTRA A MENTIRA SOBRE OS PALESTINOS


CARTA ABERTA À REDE GLOBO CONTRA A MENTIRA SOBRE OS PALESTINOS


Federação Árabe Palestina do Brasil
A REDE GLOBO, DIREÇÃO E AUTOR DA NOVELA "AMOR À VIDA", PRESTAM UM TRIBUTO AO ÓDIO E PRECONCEITO AO EXIBIR CENA ONDE TRANSMITE O CONCEITO DE QUE TODOS OS PALESTINOS SÃO TERRORISTAS.
ISSO DEMONSTRA O QUANTO ESSA EMISSORA ESTÁ TOTALMENTE DESCONECTADA COM A REALIDADE DO CONFLITO PALESTINO ISRAELENSE OU ESTÁ CONECTADA COM SETORES MINORITÁRIOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA QUE PREGAM A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ÉTNICA E RELIGIOSA COMO FILOSOFIA DO AGIR E PENSAR.
MAL SABEM ESSES SENHORES DESSA EMISSORA QUE OS PALESTINOS SÃO ÁRABES E QUE NO BRASIL HÁ MAIS DE 12 MILHÕES DE ÁRABES E SEUS DESCENDENTES(LIBANESES, SÍRIOS, LIBANESES, EGÍPCIOS, JORDANIANOS E OUTRAS NACIONALIDADES ÁRABES).
MAL SABEM ESSES SENHORES QUE AO OFENDER E DISCRIMINAR O POVO PALESTINO ESTÃO DISCRIMINANDO NÃO SÓ OS BRASILEIROS ÁRABES, MAS TODA A NAÇÃO BRASILEIRA QUE RECEBEU DE BRAÇOS ABERTOS ESSES ÁRABES QUE SEMPRE CONTRIBUIRAM PARA O DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DO BRASIL.
A HISTÓRIA DA PRESENÇA ÁRABE NO BRASIL ESTÁ PRESENTE DESDE A CHEGADA DE PEDRO ÁLVARES CABRAL. EM TODOS OS RAMOS DA ATIVIDADE HUMANA ESTÃO PRESENTES OS BRASILEIROS DE ORIGEM ÁRABE: CULTURA, CULINÁRIA, ECONOMIA,MEDICINA, ENGENHARIA, POLITICA, COMÉRCIO E TANTAS OUTRAS ATIVIDADES.
EM VEZ DE PREGAR A PAZ ENTRE ISRAELENSES E PALESTINOS, ENTRE ÁRABES E JUDEUS NO BRASIL, A DIREÇÃO DA REDE GLOBO PREGA O CONFLITO, IMPORTA O CONFLITO DE MANEIRA IRRESPONSÁVEL E ENGAJADA. ÁRABES E JUDEUS NO BRASIL NUNCA TIVERAM NENHUM TIPO DE PROBLEMA DE CONVIVÊNCIA E DIÁLOGO AQUI NO BRASIL. A DIREÇÃO DA GLOBO NÃO QUER QUE CONTINUE ASSIM? A QUEM ESTÁ PRESTANDO ESSE SERVIÇO DE GERAR ÓDIO E CONFLITO?
REPUDIAMOS, CONDENAMOS TAL LINHA DE AÇÃO E EXIGIMOS QUE OS RESPONSÁVEIS PELA CENA SE RETRATEM E SE SE DESCULPEM COM OS PALESTINOS E OS ÁRABES. É O MINIMO QUE PODERÃO FAZER PARA REPARAR ESSA DESASTROSA CENA VISTA POR MILHÕES DE BRASILEIROS.
FEDERAÇÃO ÁRABE PALESTINA DO BRASIL
Representante da comunidade palestino brasileira

Eu não sou terrorista - I am not a  terrorist
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PARA QUEM QUISER E PUDER ENVIAR SEU PEDIDO DE RETRATAÇÃO POR PARTE DO AUTOR DA NOVELA EM RELAÇÃO A EPISÓDIO LAMENTÁVEL, LIGAR PARA A GLOBO, O TELEFONE É 400-22884, SEM DDD. É SÓ CHAMAR DIRETO E FAZER A CRÍTICA.
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PARA ENTENDER MELHOR O FATO:
Não costumo assistir televisão e confesso que não é raro eu me surpreender com algum tipo de discussão envolvendo algum episódio,personagem ou desinformação sendo difundida de forma no mínimo leviana pela televisão brasileira. Se considerarmos que as telenovelas também são possuidoras de uma importância cultural e política, tendo em vista sua grande audiência e o fato de que elas deixaram de ser apenas voltadas para o lazer para se tornarem um espaço cultural de intervenção para a discussão e introdução de hábitos e valores, talvez seja possível percorrer mais um caminho para se compreender a forma como os árabes - e mais recentemente, os muçulmanos, são vistos no Brasil.
Em 2010, realizei um levantamento exploratório com o intuito de verificar a quantidade de novelas em que havia presente um ou mais personagens árabes. O objetivo foi averiguar possíveis mudanças na forma como eles estão presentes no imaginário social da população brasileira. Tal levantamento permitiu constatar que entre 1967 e 2009 personagens árabes apareceram com algum destaque em cerca de 10 telenovelas nacionais. Desse total, os árabes adquiriram status de protagonistas principais em apenas duas delas, a saber: "O Sheik de Agadir" (1967) e "O Clone" (2001).
Um dos aspectos que mais chamou a atenção foi que após 2001, ou seja, período correspondente àquele do atentado de 11 de setembro ao World Trade Center nos EUA, a teledramaturgia brasileira levou quase uma década até contar novamente com algum personagem de origem árabe.
Curiosamente – ou não-, em 2009, a emissora de televisão Record lançou "Poder Paralelo",uma novela que contou com dois personagens de origem árabe, os quais inauguraram uma nova forma de representá-los na teledramaturgia brasileira aos caracterizá-los como terroristas.
De lá para cá, eu não pude acompanhar com a devida atenção o eventual aparecimento de personagens árabes (e/ou muçulmanos) em novelas brasileiras, mas hoje me surpreendi ao ver uma discussão no grupo Somos Árabes sobre um episódio ocorrido em um folhetim exibido atualmente: "Amor à vida".
Como eu desconhecia atrama, tentei ler os comentários deixados no grupo enquanto que me situava um pouco melhor em relação ao assunto que teria gerado a polêmica. Por fim, após pesquisar um pouco - provavelmente não com a atenção necessária, pois meu dia foi super corrido, eu percebi que novamente a televisão brasileira tem prestado um desserviço à população disseminando uma série de desinformações e estereótipos, caricaturas e contribuindo para reforçar aquilo que o intelectual palestino Edward Said já chamava atenção no final da década de 1970: o fato de que cada vez mais o árabe aparece por toda a parte como algo ameaçador.
Se no Brasil esse imaginário demorou algumas décadas até ganhar força, atualmente, parece que a nossa televisão brasileira não tem se esforçado muito para esclarecer à população o quão prejudiciais esses imaginários criados a respeito de culturas estrangeiras, religiões etc. podem ser.
Lamento muito que o autor da novela exibida atualmente, o senhor Walcyr Carrasco, não tenha sido capaz de romper com esse ciclo de preconceito e desinformação a respeito do povo palestino. Inacreditável pensar que cenas como essa que pode ser vista clicando no link entre parênteses (http://extra.globo.com/tv-e-lazer/telinha/amor-vida-persio-revela-que-foi-terrorista-cogitou-ser-homem-bomba-10926733.html)sejam exibidas de forma irresponsável, e que não gerem no mínimo um repúdio por parte de uma sociedade como a nossa, que convive com distintas presenças árabe sem tantas esferas do cotidiano e, a meu ver, deveria possuir esclarecimento suficiente para compreender que o sofrimento de um povo e as dramáticas consequências devem ser tratadas com o devido cuidado e respeito.
Do contrário,enquanto continuarem difundindo desinformação, mais ódio nascerá nos corações das pessoas e mais distante da paz esse povo ficará.
Deixo aqui, em nome do Presença Árabe no Brasil esta nota de repúdio ao autor da novela, sugerindo ainda, que este senhor pesquise melhor sobre aquilo a que se propõe escrever,tratando com respeito e responsabilidade assuntos sérios que envolvem tanto sofrimento e dor. Demonizar uma religião ou um povo é um ato grave,irresponsável e possui consequências desastrosas.
Patricia El-moor –Presença Árabe no Brasil

sábado, 21 de dezembro de 2013

poesia: Pablo Neruda


Morre lentamente – Pablo Neruda

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples facto de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.
Pablo Neruda

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Eric Hobsbawm


Eric Hobsbawm

Reconhecendo a relevância e a fecundidade da produção historiográfica de Eric Hobsbawm – cujos trabalhos sempre estiveram comprometidos com as lutas dos trabalhadores e com a defesa do socialismo –,  marxismo21 manifesta seu pesar pelo recente desaparecimento desse autor. O pensamento crítico e socialista de todo o mundo perde, hoje, uma de suas figuras mais expressivas e emblemáticas. Nesta breve homenagem, publicamos dele o instigante “Manifesto para a Renovação da História”; por sua vez, Diorge Konrad – na qualidade de historiador, militante socialista e membro de nosso conselho consultivo -,  dá um depoimento pessoal sobre sua aproximação com a obra de Hobsbawm; ao mesmo tempo mostra a importância dela para a historiografia marxista, em particular, para  a pesquisa sobre a história social e o mundo do trabalho.  A seguir são informados os links que permitem acesso a uma dissertação acadêmica, artigos, resenhas e entrevistas de renomados especialistas em torno da obra do autor. Por último, marxismo21 publica três manifestações de partidos políticos da esquerda brasileira sobre a morte de Eric Hobsbawm.

Editores

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Eric Hobsbawm autografa A era dos extremos, em Paraty, RJ. (Detalhe significativo: um jornal da classe operária brasileira, até final da sessão, permaneceu à esquerda do historiador marxista.)

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Manifesto para a renovação da história

Eric HOBSBAWM
(texto apresentado no Colóquio da Academia Britânica sobre Historiografia Marxista, 13/11/2004)
“Até agora, os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo; trata-se de transformá-lo.”  Os dois enunciados da célebre “Teses sobre Feuerbach”, de Karl Marx, inspiraram os historiadores marxistas. A maioria dos intelectuais que aderiram ao marxismo a partir da década de 1880 – entre eles os historiadores marxistas  – fizeram isso porque queriam mudar o mundo, junto com os movimentos operários e socialistas; movimentos que se transformariam, em grande medida devido à influência do marxismo, em forças políticas de massas.
Essa cooperação orientou de maneira natural os historiadores que queriam transformar o mundo na direção de certos campos de estudo —fundamentalmente, a história do povo ou da população operária— os quais, se bem atraíam naturalmente as pessoas de esquerda, não tinham em sua origem nenhuma relação particular com uma interpretação marxista. Por outro lado, quando esses intelectuais deixaram de ser revolucionários sociais, a partir da década de 1890, com frequência também deixaram de ser marxistas.
A revolução soviética de outubro de 1917 reavivou esse compromisso. Lembremos que os principais partidos social-democratas da Europa continental abandonaram completamente o marxismo apenas na década de 1950, e às vezes ainda depois disso. Essa revolução gerou, também, o que poderíamos chamar de uma historiografia marxista obrigatória na URSS e nos Estados, que depois foi adotada por regimes comunistas. A motivação militante foi reforçada durante o período do antifascismo.
A partir da década de 1950 essa tendência começou a decair nos países desenvolvidos —mas não no Terceiro Mundo— apesar de que o considerável desenvolvimento do ensino universitário e a agitação estudantil geraram, dentro da universidade, na década de 1960, um novo e importante contingente de pessoas decididas a mudar o mundo. Contudo, apesar de desejar uma mudança radical, muitas delas já não eram abertamente marxistas, e algumas já não eram marxistas em absoluto.
Esse ressurgimento culminou na década de 1970, pouco antes do início de uma reação massiva contra o marxismo, mais uma vez por razões essencialmente políticas. Essa reação teve como principal efeito — exceto para os liberais, que ainda acreditam nisso— o aniquilamento da ideia de que é possível predizer, apoiados na análise histórica, o sucesso de uma forma particular de organizar a sociedade humana. A história havia se dissociado da teleologia.
Considerando as incertas perspectivas que se apresentam aos movimentos socialdemocratas e social-revolucionários, não é provável que assistamos a uma nova onda politicamente motivada de adesão ao marxismo. Mas devemos evitar cair em um centrismo ocidental excessivo. A julgar pela demanda de que são objeto meus próprios livros de história, comprovo que ela se desenvolve na Coréia do Sul e em Taiwan, desde a década de 1980, na Turquia, desde a década de 1990, e que há sinais de que atualmente avança no mundo árabe.
A virada social 
O que aconteceu com a dimensão “interpretação do mundo” do marxismo? A história é um pouco diferente, ainda que paralela. Concerne ao crescimento do que se pode chamar de reação anti-Ranke, da qual o marxismo constituiu um elemento importante, apesar de que isso nem sempre foi totalmente reconhecido. Tratou-se de um movimento duplo.
Por um lado, esse movimento questionava a idéia positivista segundo a qual a estrutura objetiva da realidade era, por assim dizer, evidente: bastava com aplicar a metodologia da ciência, explicar por que as coisas tinham ocorrido de tal ou qual maneira e descobrir wie es eigentlich gewessen (como ocorreu realmente). Para todos os historiadores, a historiografia se manteve e se mantém enraizada em uma realidade objetiva, ou seja, a realidade do que ocorreu no passado; contudo, não está baseada em fatos e, sim, em problemas, e exige investigação para compreender como e por que esses problemas —paradigmas e conceitos— são formulados da maneira em que são o em tradições históricas e em meios socioculturais diferentes.
Por outro lado, esse movimento tentava aproximar as ciências sociais da história e, em conseqüência, englobá-las em uma disciplina geral, capaz de explicar as transformações da sociedade humana. Segundo a expressão de Lawrence Stone, o objeto da história deveria ser “propor as grandes perguntas do por quê”. Essa “virada social” não veio da historiografia, senão das ciências sociais —algumas delas incipientes como tais— que naquele momento firmavam-se como disciplinas evolucionistas, ou seja, históricas.
Na medida em que é possível considerar Marx como o pai da sociologia do conhecimento, o marxismo — apesar de ter sido denunciado erradamente em nome de um suposto objetivismo cego— contribuiu para dar o primeiro aspecto desse movimento. Além disso, o impacto mais conhecido das ideias marxistas — a importância outorgada aos fatores econômicos e sociais— não era especificamente marxista, ainda que a análise marxista pesou nessa orientação, que estava inscrita em um movimento historiográfico geral, visível a partir da década de 1890, e que culminou nas décadas de 1950 e 1960, para benefício da geração de historiadores à qual pertenço, que teve a possibilidade de transformar a disciplina.
Essa corrente socioeconômica superava o marxismo. A criação de revistas e instituições de história econômico-social às vezes foi obra —como na Alemanha— de socialdemocratas marxistas, como ocorreu com a revista Vierteljahrschrift em 1893. Não aconteceu da mesma maneira na Grã Bretanha, nem na França, nem nos Estados Unidos. E inclusive na Alemanha, a escola de economia, marcadamente histórica, não tinha nada de marxismo. Somente no Terceiro Mundo do século XIX (Rússia e os Balcãs) e no do século XX, a história econômica adotou uma orientação principalmente social-revolucionária, como toda “ciência social”. Em consequência disto, foi muito atraída por Marx.
Em todos os casos, o interesse histórico dos historiadores marxistas não se centrou tanto na “base” (a infra-estrutura econômica) como nas relações entre a base e a superestrutura. Os historiadores explicitamente marxistas sempre foram relativamente escassos.
Marx influenciou a história principalmente através dos historiadores e dos pesquisadores em ciências sociais que retomaram as questões que ele colocava, tenham eles trazido, ou não, outras respostas. Por sua vez, a historiografia marxista avançou muito em relação ao que era na época de Karl Kautsky e de Georg Plekhanov, em boa parte graças à sua fertilização por outras disciplinas (fundamentalmente a antropologia social) e por pensadores influenciados por Marx e que completavam seu pensamento, como Max Weber. (ler mais: acesso )
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ERIC JOHN ERNST HOBSBAWM !*
Diorge Konrad**
Em primeiro lugar, estou preocupado com os usos e abusos da História, tanto na sociedade como na política, e com a compreensão, e espero, transformação do mundo(Eric Hobsbawm, em Sobre História)
Primeiro de outubro de 2012, cerca de oito horas da manhã, recebo a notícia da morte de Eric Hobsbawm.
A sensação é como se algo muito importante fosse arrancado do cérebro, uma espécie de vazio intelectual. Ainda impactado, menos de uma hora depois escrevi a seguinte mensagem repassada às minhas listas de correio eletrônico:

Quem de nós? Quem de nós não leu afoitamente alguma outra obra deste grande historiador do século XX? A Era dos Extremos? A Era dos Impérios? A Era do Capital? A Era das Revoluções? Mundos do Trabalho? Os Trabalhadores? Sobre História? Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo! Quem de nós não se encantou com a sua forma de narrar a História? Quem de nós não discordou ou concordou com alguma “sacada” teórica deste alexandrino, historiador do mundo? Para nós da História Social do Trabalho, aprendemos mais sobre os trabalhadores e o mundo do trabalho com Eric Hobsbawm! Para nós de Teoria da História, aprendemos muito com o “que a História tem a nos dizer sobre o mundo contemporâneo”, como ele escreveu no título de um dos seus artigos! Hobsbawm se foi, breve como o seu século XX.

Queria que meus alunos de “Teoria da História”, que estudam comigo os trabalhos de Hobsbawm, desde 1995, compartilhassem mais uma vez algo que tenho a dizer sobre ele   e essa dialética entre o “tempo longo” e o “tempo breve”.
Eu o vi pela primeira vez em Porto Alegre, no início da década de 1990, no lotado “Auditório Dante Barone” da Assembléia Legislativa – palestrando em um português fluente – num Seminário sobre a Polis. No final, como autênticos tietes, eu e a historiadora Glaucia Konrad fomos pedir um autógrafo em A Era das Revoluções e A Era dos Impérios. Ao nos aproximarmos, ao final da conferência, parecia que o século XX estava à nossa frente. Ao ver os livros, o coordenador da mesa, Tarso Genro, disse que Hobsbawm estava muito cansado. Dissemos, porém, que só aceitaríamos ouvir isto dele. O historiador marxista, no entanto, foi extremamente gentil. Os livros continuam bem guardados … e com as honrosas dedicatórias.
Nesta passagem pela capital do Rio Grande do Sul, Hobsbawm teria ido ao Beira-Rio, acompanhado de um conselheiro do Internacional, Olívio Dutra. Falando da história de nosso time, o ex-prefeito e futuro governador teria reforçado a lenda sobre a origem do nome do Colorado, “fundado” por militantes anarquistas e homenageado em relação à organização mundial dos trabalhadores, formada por Karl Marx e outros em 1864.  Hobsbawm teria dito: “Então, aqui em Porto Alegre, torço para o Internacional”.
Seria bom que esta invenção repetida por muitos torcedores colorados fosse verdade! Ao menos, em relação a Hobsbawm, seria uma referência da história do presente a um dos movimentos que ele tanto pesquisou, a relação dos trabalhadores com o futebol. Infelizmente, trata-se de uma “lenda urbana” para muitos dos rio-grandenses colorados como eu. Na introdução de um livro clássico, organizado com Terence Ranger, Hobsbawm afirmou que “não há lugar nem tempo investigado pelos historiadores onde não haja ocorrido a ‘invenção’ de tradições”. Ao menos me consola que Hobsbawm tenha dito também que o “estudo das invenções das tradições é INTERdisciplinar”.[1]
Como historiador em formação na década de 1980 deveria ter começado como muitos, lendo Hobsbawm pela sua trilogia das Eras, que se tornaria tetra após a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Não! Como pretenso marxista, comecei pelos volumes deHistória do Marxismo, gentilmente cedidos por meus mestres da graduação em História, Anamaria e Luiz Carlos Rodrigues. Quando fui presenteado por eles com um dos volumes, iniciei a saga para ter todos os outros organizados por Hobsbawm e lançados no Brasil pela Paz e Terra. Era como um adolescente dos dias de hoje à procura de Harry Potter ou O senhor dos anéis , e como estes, um leitor voraz do que ia chegando às minhas mãos, no tempo em que comprávamos com sacrifício qualquer livro por mais de mil e poucos cruzeiros.
Em História do Marxismo, aprendi com Hobsbawm, que o marxismo foi a “escola teórica que teve a maior influência prática (e as mais profundas raízes práticas) na história do mundo moderno”, além de ser um “método para, ao mesmo tempo, interpretar e mudar o mundo”[2], na mais profunda concepção já dita antes por Marx na décima primeira tese contra Feuerbach. ler mais
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Textos e entrevistas

Eric Hobsbawm e François Furet: história, política e revolução, Priscila Corrêaacesso
História social, história militante, Pablo Pozziacesso
Resistências camponesas ao capitalismo na obra de EH, Michael Löwyacesso
O milenarismo camponês na obra de EH, Michael Löwy acesso
Marx, Weber e Hobsbawm, Jorge Novoaacesso
Notas sobre Eric Hobasbawm, João Alberto Costa acesso
Uma obra insuperável, Francisco Carlos Teixeira acesso
A era de Hobsbawm, Seminário Unicamp/INCAacesso
Tempos interessantes, Perry Andersonacesso
Como mudar o mundo, Terry Eagletonacesso
A atualidade de Marx, Marcello Musto acesso
Entrevista ao MST, 2009acesso
Um espelho do mundo em mutação, entrevista a P. Sérgio Pinheiroacesso
Marxismo hoje, Beppe Grilloacesso
A propósito de A era dos extremos, Roy Hora acesso
Para onde vai o império, E. Hobsbawm
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Manifestações de partidos políticos de esquerda no Brasil
* Partido Comunista Brasileiro
Olhar Comunista lamenta com pesar a morte, ontem em Londres, aos 95 anos de idade, do historiador marxista Eric Hobsbawm. Um dos maiores intelectuais do século XX, Hobsbawm deixa uma herança de obras fundamentais para o entendimento dos tempos atuais, como “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital”, “A Era dos Impérios”, “A Era dos Extremos”, “História Social do Jazz”, entre outras.
Militou entre 1936 e 1989 no Partido Comunista da Inglaterra e, defendendo os ideais socialistas e comunistas, manteve uma postura crítica em relação à tudo à sua volta, inclusive quanto à experiência de construção do Socialismo na União Soviética. Em 2011, aos 94 anos, lançou o livro “Como Mudar o Mundo”, texto no qual que defende o uso do método e das ideias marxistas para a compreensão da crise atual do sistema capitalista. Hobsbawm manteve a coerência entre sua postura militante e as idéias que defendia. Deixa o legado da importância de estudar-se criticamente o passado sob a ótica da luta de classes, do trabalho contra o capital, sem deixar de levar em conta nenhum aspecto da vida humana, das formações sociais, para transformá-las no rumo da construção coletiva da emancipação humana, do fim da exploração do homem pelo homem, da construção de uma nova sociedade justa e igualitária, a sociedade comunista.
* Partido Socialismo e Liberdade.
Partido Socialismo e Liberdade vem a público lamentar a morte do renomado historiador marxista Eric Hobsbawm, ocorrida nesta segunda-feira dia 1 de outubro de 2012, aos 95 anos de idade, em decorrência de uma pneumonia.
A perda deste grande intelectual marxista, considerado um dos maiores historiadores do século XX e autor da consagrada trilogia “A era das revoluções”, “A era do capital” e “A era dos impérios”, entristece não apenas o PSOL, mas toda uma geração de intelectuais e militantes sociais que se inspiraram em sua brilhante obra.
Uma obra forjada pela análise crítica dos acontecimentos históricos que marcaram o século XX e por seu compromisso com a transformação social, sempre manifesta em sua opção por uma militância de esquerda desde quando aos 14 anos de idade ingressou no partido comunista.
Perdemos assim mais um grande pensador e intelectual de esquerda, num momento em que a humanidade precisa mais do que nunca refletir criticamente sobre seus dilemas civilizatórios e suas opções de futuro.
Cabe aos que continuam acreditando neste sonho, sobre os ombros deste gigante, buscarmos enxergar mais longe e nos colocarmos a altura dos novos desafios que se apresentam para a luta pelo socialismo neste novo século XXI.
Nossos pesares aos familiares, amigos e admiradores.
 * Partido Comunista do Brasil
Texto em Vermelho de um dirigente partidário, José Carlos Ruy: acesso

sábado, 31 de agosto de 2013

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Por Altamiro Borges

Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação. Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores. 

Estes dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários.

Defesa da liberdade de expressão 

Vítimas da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia foi decorrência das lutas dos trabalhadores, já que nunca interessou à reacionária burguesia. Mas os revolucionários nunca confundiram esta exigência democrática com a proclamada “liberdade de imprensa”, tão alardeada pela burguesia que controla os meios de produção e usa todos os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruéis, para castrar a própria democracia e o avanço das lutas emancipadoras. 

Numa fase ainda embrionária do movimento operário-socialista, Karl Marx logo se envolveu na atividade jornalística. Após concluir seu doutorado em filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadêmica e ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal repressão do governo prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filósofo alemão manteve seu sustento através do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direção, este periódico democrático triplicou o número de assinantes e ganhou prestígio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana. 

Sem ilusões na imprensa burguesa 

Na seqüência, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta Renana, que se transformou numa trincheira de resistência ao regime autoritário. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao código de censura do governo prussiano resultou na proibição do jornal. Marx ainda escreveu para o Die Press e o New York Tribune sobre política, economia e história. “Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx, seu alto grau de informação não apenas sobre os fatos e conflitos, como também sobre os atores individuais e a própria imprensa”, relata José Onofre, na apresentação do livro recém-lançado “Karl Marx e a liberdade de imprensa”. 

Em sua defesa da liberdade de expressão, ele nunca vacilou na denúncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser uma arma de combate à opressão e à exploração e não um veículo neutro. “A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Em outro texto, afirma: “O dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político existente”. Por estas idéias libertárias, ele foi processado e perseguido. 

Poder do capital sobre a imprensa 

Outro que nunca se iludiu foi Vladimir Lênin. Atuando num período da ascensão revolucionária, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais burgueses. Num texto intitulado “a liberdade de imprensa do capitalismo”, ele desnuda esta falácia. “A ‘liberdade de imprensa’ é também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhares de vezes que esta liberdade é um engano enquanto as melhores impressoras e os estoques de papel forem açambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”. 

“Com vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, é preciso começar por privar o capital da possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar jornais, mas para isso é necessário destruir o jugo do capital... Os capitalistas chamam sempre ‘liberdade’ à liberdade para os ricos de manterem seus lucros e liberdade para os operários de morrerem à fome. Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinião pública”. Nada mais atual! 

Numa outra fase histórica, em que o setor da comunicação ainda não era um poderoso ramo da economia, Lênin chegou a se contrapor à participação dos comunistas na imprensa burguesa. “Poder-se-á admitir que colaborem nos jornais burgueses? Não. A semelhante colaboração se opõe tanto as razões teóricas como a linha política e a prática da social-democracia... Dir-nos-ão que não há regra sem exceção. O que é indiscutível. Não se pode condenar o camarada que, vivendo no exílio, escreve num jornal qualquer. É por vezes difícil criticar um social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seção secundária de um jornal burguês”. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados como exceção e com princípios. 

“Boicote, boicote, boicote” 

Para encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram ilusões sobre o caráter de classe da imprensa burguesa e nem se embasbacaram com o seu poder de sedução, vale reproduzir uma longa citação de Antonio Gramsci, o revolucionário italiano de padeceu onze anos nos cárceres. No texto “Os jornais e os operários”, escrito em 1916, ele faz uma conclamação aos trabalhadores que bem poderia servir para uma campanha contra a revista Veja e outros veículos da mídia brasileira na atualidade: 

Para ele, a assinatura de jornal burguês “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”. 

“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites”. 

“É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”. 

Construtores da imprensa revolucionária 

Exatamente por não nutrirem ilusões na imprensa burguesa, Marx, Lênin e Gramsci sempre investiram na construção de instrumentos próprios das forças contrárias à lógica do capital. Segundo o biógrafo David Riazanov, “a Nova Gazeta Renana tratava de todas as questões importantes, de sorte que o jornal pode ser considerado um modelo de periódico revolucionário. Nenhum outro periódico russo nem europeu chegou à altura da Nova Gazeta... Seus artigos não perderam nada de sua atualidade, de seu ardor revolucionário, de sua agudeza na análise dos acontecimentos. Ao lê-los, sobretudo os de Marx, acreditamos assistir à história da revolução alemã e da revolução francesa, tão vivo é o estilo, como profundo é o sentido”. 

Já Lênin, que viveu numa fase de efervescência revolucionária, dedicou boa parte das suas energias para construção de jornais socialistas – dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com a evolução da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari, Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesdá, entre outros jornais organizados e dirigidos por ele, servirão para agregar as forças de esquerda, fazer agitação nas fábricas, aprofundar os debates ideológicos e construir o partido. Na sua mais célebre definição, Lênin sintetizou: 

“O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo. Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinala os contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”. A reacionária burguesia russa logo entendeu o perigo representado por estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de um total de 270 edições, 110 foram objeto de ações judiciais e os seus redatores foram condenados a um total de 472 anos de prisão. Mas isto não abrandou o seu vigor! 

Atualidade das noções marxistas 

No caso de Gramsci, o longo período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da construção do novo. 

As contribuições de Gramsci servem para desmistificar o papel da mídia hoje, mantendo impressionante atualidade. Para ele, a imprensa burguesa é um “aparelho privado de hegemonia”, capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira guerra de posições em todas as “trincheiras ideológicas”. Através da imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notícia uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante da esfera pública. Além disso, em momentos de crise da ideologia dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta como “o partido do capital”, que organiza e amalgama os interesses das várias frações de classe da burguesia.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Lições de Castells sobre indignação


 Juremir Machado no Correio do Povo
Indignação e (des)esperança
Muita gente boa não está entendendo coisa alguma do que anda acontecendo no mundo. Alguns continuam achando que ainda estamos no tempo de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan. O problema é que, como dizia uma música, o tempo não para. E as modas passam. O sociólogo espanhol Manuel Castells veio a Porto Alegre falar no ciclo de palestras “Fronteiras do Pensamento”. Já num opúsculo intitulado “Redes de indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet”, ele detonou as convicções dos que persistem em criminalizar os movimentos sociais.
Castells sustentou o óbvio que mesmo parte da mídia não quer admitir: a internet está liquidando o monopólio da opinião e da informação. As primaveras árabes não ficarão restritas aos seus pontos de origem. Os indignados espanhóis e os ocupantes de espaços públicos norte-americanos aparecem por toda parte e por diferentes motivos. No Brasil, embora Castells não tenha dito isso, eles vêm se organizando contra o aumento abusivo de passagens de ônibus. Em Porto Alegre, atuaram também contra o corte das árvores da avenida Edvaldo Pereira Paiva. Chamá-los marginais não resolve mais. Só revela a um sintoma de um profunda mal-estar da sociedade. Segundo Castells, “torturar corpos é menos eficaz que moldar mentalidades”. Essa era a tarefa da mídia com seus discursos sobre a responsabilidade e a sensatez. Acabou. Ou disso só restam fantasmas turbulentos.
As redes sociais servem de contrapoder. Castells destaca a “autocomunicação de massa”, o uso horizontal da rede para “a construção da autonomia do ator social”. E explica: “É por isso que os governos têm medo da internet, e é por isso que as grandes empresas têm com ela uma relação de amor e ódio, e tentam obter lucros com ela, ao mesmo tempo que limitam seu potencial de liberdade”. A rede é emancipadora. Ela permitiu, por exemplos, aos indignados e aos desesperados, “os 99% sacrificados em benefício do 1% que controla 23% da riqueza” dos Estados Unidos, passarem a sua mensagem.
Castells torpedeia: “De onde vêm os movimentos sociais?” As respostas podem sair da boca de uma criança, mas dificilmente dos lábios de um colunista da Veja ou do Estado de S. Paulo, salvo se for um prêmio Nobel como Paul Krugman: “Da exploração econômica, pobreza desesperançada, desigualdade injusta, comunidade política antidemocrática, Estados repressivos, judiciário injusto, racismo, xenofobia, negação cultural, censura, brutalidade policial, incitação à guerra, fanatismo religioso (frequentemente contra crenças religiosas alheias), descuido com o planeta azul (nosso único lar), desrespeito à liberdade pessoal, violação da privacidade, gerontocracia, intolerância, sexismo, homofobia e outras atrocidades da extensa galeria de quadros que retratam os monstros que somos nós”. Parte da mídia zomba disso tudo.
Os fatos acontecem, a mídia os aborda e parte dela não os compreende. Noticia-se o futuro de olho no passado. Nichos conservadores regalam-se com a defesa dos seus privilégios e preconceitos. Enquanto isso na internet os jovens indignados ocupam a primeira página e exigem mudanças.

sábado, 8 de junho de 2013

As prostitutas na história – de Deusas a Escória da Humanidade


POR PATRÍCIA PEREIRA em UOL-Leituras da História
Que a prostituição é popularmente conhecida como a profissão “mais antiga do mundo”, todos sabem. E, desde que o mundo é dito civilizado, sempre houve prostitutas pobres e prostitutas de elite. O lado desconhecido dessa história é que a imagem a respeito delas nem sempre foi a que temos atualmente. As meretrizes já foram admiradas pela inteligência e cultura, e também já foram associadas a deusas – manter relações sexuais com elas era necessário para conseguir poder e respeito. As “mulheres da vida” sempre tiveram um lugar na História, mas, ao longo dos anos, seu status passou de respeitável à condenável.
Maria Regina Cândido, professora de graduação e de pós-graduação em História, e coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a conotação de ser ou não bem-vista pela sociedade é um olhar de nosso tempo sobre as prostitutas. “Na antiguidade, elas tinham seu lugar social bem definido. Era uma sociedade que determinava a posição de cada um, que precisava cumprir bem o seu papel em seu espaço e não migrar de função”, diz Maria Regina.
Lá atrás, no período da pré-história, a mulher era associada à Grande Deusa, criadora da força da vida, e estava no centro das atividades sociais, explica Nickie Roberts, no livro As Prostitutas na História. Com tal poder, ela controlava sua sexualidade. Nessas sociedades pré-históricas, cultura, religião e sexualidade estavam interligadas, tendo como fonte a Grande Deusa, conhecida inicialmente como Inanna e mais tarde como Ishtar. Os homens, ignorantes de seu papel na procriação, não eram obsessivos pela paternidade. Foi essa preocupação com a prole que, mais tarde, levou ao surgimento das sociedades patriarcais, com a submissão da mulher.

Por volta de 3.000 a.C., tribos nômades passaram a criar gado e tornaram-se conscientes do papel masculino na reprodução. As sociedades matriarcais da deusa começaram a ser subjugadas. As primeiras civilizações da era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia e no Egito, e nasceram desse levante. Novas formas de casamento foram introduzidas, especificamente destinadas a controlar a sexualidade das mulheres, afirma a escritora. “Foi nesse momento da história humana, em torno do segundo milênio a.C.,
que a instituição da prostituição sagrada tornou-se visível e foi registrada pela primeira vez na escrita”, explica Nickie.

AS PRIMEIRAS PROSTITUTAS DA HISTÓRIA
As grandes cidades da Mesopotâmia e do Egito continuaram centralizadas nos templos da Grande Deusa. As sacerdotisas dos templos, que participavam de rituais sexuais religiosos, ao mesmo tempo mulheres sagradas e meretrizes, foram as primeiras prostitutas da História, conta Nickie Roberts. O status dessas mulheres era elevado. Os reis precisavam buscar a benção da deusa, por meio do sexo ritual com as sacerdotisas, para legitimar seu poder. “Nessa época, as prostitutas do mais alto escalão do templo eram, por direito nato, agentes poderosas e prestigiadas; não eram as meras vítimas oprimidas dos homens, tão protegidas pelas feministas modernas”, escreve Nickie Roberts.

A Suméria criou a segregação feminina ao colocar em lados opostos a esposa obediente e a prostituta má.
Julio Gralha, professor do NEA/UERJ, lembra que a visão sobre as prostitutas da época é pouco documentada de forma escrita, mas pode ser inferida pelas imagens das iconografias. “Pela análise da iconografia, a prostituta existia no Egito e atuava de forma remunerada.
Há contos iconográficos, cômicos, em que a prostituta é vista como poderosa, o homem não agüenta. Como aparecem o colar e outros símbolos ligados à deusa, elas são vistas como protegidas. A prostituição não era algo repulsivo ou condenado pela religião”, diz Gralha.

UM NEGÓCIO ORGANIZADO NA GRÉCIA
Com o passar do tempo, a independência sexual e econômica da prostituta tornou-se uma ameaça à autoridade patriarcal. Por isso, a religião da deusa foi combatida pelos sacerdotes hebreus e, aos poucos, suprimida. Os rituais sexuais viraram pecados graves e as sacerdotisas, pecadoras.

“As principais religiões patriarcais que se seguiram – o cristianismo e o islamismo – reconheceram o impacto devastador do estigma da prostituta na divisão e regulamentação das mulheres”, explica Nickie Roberts.
A Grécia antiga foi uma típica sociedade patriarcal. As mulheres não podiam participar da vida política e social. No entanto, como aconteceu a todas as sociedades antigas, os primeiros habitantes da Grécia foram povos adoradores da deusa, afirma Nickie. Os deuses masculinos só vieram mais tarde, por volta de 2.000 a.C., com os invasores indo-europeus. As duas culturas fundiram-se e produziram o híbrido que chegou até nós. Basta lembrar que Zeus, divindade suprema indo-européia, casou-se com Hera, poderosa deusa sobrevivente do culto anterior.

A negação total do poder da mulher na sociedade grega é decorrente do governo de uma série de ditadores homens. Sólon, que governou Atenas na virada do século VI a. C., foi o principal deles, tendo institucionalizado os papéis das mulheres na sociedade grega. Passaram a existir as “boas mulheres”, submissas – e as outras. Foi também Sólon quem, percebendo os lucros obtidos pelas prostitutas – tanto as comerciais quanto as sagradas -, organizou o negócio, criando bordéis oficiais, administrados pelo Estado. Neles, havia grande exploração das mulheres, que eram praticamente escravas. Junto com os bordéis oficiais, muitas meretrizes independentes exerciam o seu comércio, apesar da legislação de Sólon. “Pela primeira vez na História, as mulheres estavam sendo cafetinadas – oficialmente. (…) Assim, de mãos dadas, nasceram a cafetinagem estatal e privada”, afirma Nickie.
Maria Regina Cândido, historiadora da UERJ, lembra que foi a pressão sobre a terra, com o grande aumento da população grega, que levou Sólon a criar os primeiros bordéis. Isso porque ele trouxe para a região estrangeiros ceramistas, com o intuito de ensinar à população excedente uma nova atividade, já que a agricultura não absorvia mais a todos.
“Para que os estrangeiros não molestassem as esposas e filhas de cidadãos gregos, ele criou um espaço de prostituição oficial na periferia da cidade, os bordéis”, explica a coordenadora do NEA.


Segundo Maria Regina, as prostitutas ficavam em frente ao cemitério, na região do cerâmico, onde estavam instaladas as oficinas dos ceramistas, e também na região do Porto do Pireu, onde eram chamadas de pornes, daí vem a palavra pornografia.

As prostitutas dos bordéis eram estrangeiras, trazidas para a Grécia exclusivamente para cumprir esse papel. Mas muitas mulheres gregas, depois de casamentos desfeitos por suspeita de traição ou outros desvios de comportamento, não viam outro caminho a não ser prostituir-se. Essas, estigmatizadas, juntavam-se às estrangeiras nos bordéis oficiais.
SÍMBOLO ÀS AVESSAS
Maria Madalena, famosa prostituta arrependida da Galiléia, representa que, para ser salva, a mulher precisa abandonar a profissão. Conhecida como a ex-prostituta da Galiléia, Maria Madalena foi uma das mais fiéis seguidoras de Jesus Cristo. De acordo com a Bíblia, ela estava presente em sua crucificação e em seu funeral. Foi ela quem encontrou vazio o túmulo de Jesus, ouviu de um anjo que ele havia ressuscitado e foi dar a notícia aos apóstolos.
Prostituta com papel de destaque na história de Cristo – foi, inclusive, canonizada pela igreja católica -, Maria Madalena poderia ter se tornado um símbolo na luta pela aceitação da atividade. Mas o que ocorreu foi o contrário: como personificou o estereótipo de “prostituta arrependida”, acabou por disseminar uma imagem negativa sobre a prostituição, ao reforçar a idéia de que é preciso abandonar a atividade para redimir-se dos pecados e ser perdoada por Deus.

Durante a Idade Média, as prostitutas atuantes eram excomungadas da igreja católica. Mas as que se arrependiam eram perdoadas e aceitas pela sociedade. Houve até um movimento de conversão, em que a igreja estimulou fiéis a “recuperar” prostitutas e casar-se com elas. Também surgiram comunidades monásticas de ex-prostitutas convertidas, que receberam o nome de “Lares de Madalena”. Elas proliferaram pela Europa, tendo sido financiadas, em sua maioria, pelo clero. Além de Maria Madalena, a igreja enalteceu diversas outras prostitutas que salvaram suas almas pelo arrependimento, como Santa Pelágia, Santa Maria Egipcíaca, Santa Afra e outras.
O curioso é que nenhuma passagem na Bíblia afirma que Maria Madalena foi prostituta. Os textos sagrados a mencionam como pecadora, de quem Jesus expulsou sete demônios, mas não especificam qual seria seu passado. Provavelmente, o que a levou a ser vista como prostituta foi a identificação com um relato de Lucas (7:36-50) sobre uma pecadora anônima, descrita de forma a sugerir ser uma prostituta, que em certa passagem unge os pés de Cristo. O relato de Lucas, a respeito de tal mulher arrependida, antecede a citação nominal de Maria Madalena. No Ocidente cristão, a versão de que Maria Madalena seria essa mulher foi a mais difundida. No Oriente, a mulher anônima e Maria Madalena são vistas como pessoas diferentes.
As prostitutas do templo de Afrodite deixaram de ser vistas como sacerdotisas e viraram escravas. Muitas prostitutas eram cultas e instruídas, e cumpriam o papel de entreter os líderes daquela sociedade. Cobravam alto preço por sua companhia e podiam ou não ceder aos desejos sexuais do cliente. São as hetairae, amantes e musas dos maiores poetas, artistas e estadistas gregos, explica Maria Regina. “As hetairae conduziam seus negócios abertamente em Atenas, trabalhando independentemente tanto dos bordéis do Estado quanto dos templos”, diz Nickie.
A prostituição sagrada também sobreviveu, embora timidamente, durante o período da Grécia clássica. Havia templos em toda a Grécia, especialmente em Corinto – dedicado à deusa Afrodite. As prostitutas do templo não mais eram vistas como sacerdotisas, eram tecnicamente escravas. Mas, por serem consideradas criadas da deusa, mantinham a aura de sacralidade e eram homenageadas pelos clientes. “Demóstenes pagava caro por essas prostitutas. Ele ia de Atenas até Corinto só para ter relações sexuais com elas”, diz
Maria Regina.

LIVRES NO IMPÉRIO ROMANO
Roma foi diferente da Grécia. Até o início da República, a prostituição não era tão disseminada no território romano. “Roma ainda era muito provinciana, fechada”, explica Ronald Wilson Marques Rosa, historiador e pesquisador do NEA/UERJ. A prostituição apenas se difundiu com a expansão militar do império romano e a conquista de escravos.
Antes desta expansão, há indícios de que entre os primeiros romanos, que eram povos agrícolas, existia a antiga religião da deusa, diz Nickie Roberts. Ela também afirma que, em tempos posteriores, a prostituição religiosa estava ligada à adoração da deusa Vênus, que era considerada protetora das prostitutas.

Após a expansão militar e territorial, “os escravos eram os prostitutos, tanto homens quanto mulheres. E não havia estigmatização, não era algo mal-visto. Era normal o uso comercial do escravo para a prostituição. E, muitas vezes, eles usavam esse dinheiro para conseguir a liberdade”, diz Ronald Rosa.
De acordo com Nickie, Roma foi uma sociedade sexualmente muito permissiva. ”Eles escarneciam de qualquer noção de convenção moral ou sexual e desviavam-se de toda norma que houvesse sido inventada até então”, afirma. A grande expansão urbana favoreceu o crescimento da prostituição. A vida era barata, e o sexo, mais barato ainda, diz a autora. Prostituição, adultério e incesto permearam a vida de muitos imperadores romanos. “Falando de modo geral, a prostituição na antiga Roma era uma profissão natural, aceita, sem nenhuma vergonha associada a essas mulheres trabalhadoras”, comenta Nickie.
A vida permissiva levava mulheres a rejeitar o casamento, a ponto de o imperador Augusto estabelecer multas para as moças solteiras da aristocracia em idade casadoira. Muitas se registraram como prostitutas para escapar da obrigação. O sucessor de Augusto, Tibério, proibiu as mulheres da classe dominante de trabalhar como prostitutas.

Diferente da Grécia, os romanos não possuíam e nem operavam bordéis estatais, mas foram os primeiros a criar um sistema de registro estatal das prostitutas de classe baixa. Isso resultou na divisão das prostitutas em duas classes, explica Nickie: as meretrices, registradas, e as prostibulae (fonte da palavra prostituta), não registradas.
A maior parte não se registrava, preferia correr o risco de ser pega pela fiscalização, que era escassa.

CONDENADAS NA IDADE MÉDIA
Com o declínio do Império Romano, começou a Idade Média. Os invasores, guerreiros bárbaros, organizam a vida não mais em grandes cidades e sim em aldeias agrícolas, que não favoreciam a prostituição como a vida urbana. “As artes civilizadas do amor, do prazer e do conhecimento – o erótico e os demais – desapareceram durante a Idade das Trevas. (…) a antiga tradição de uma sensualidade feminina orgulhosa e exaltadora desapareceu para sempre”, afirma Nickie Roberts. A igreja cristã perpetua-se e reprime a sexualidade feminina, ao censurar a prostituição.


Apesar de condenada, a prostituição foi tolerada pela igreja, que a considerou “uma espécie de dreno, existindo para eliminar o efluente sexual que impedia os homens de elevar-se ao patamar do seu Deus”, explica Nickie. A igreja condenava todo relacionamento sexual, mas aceitava a existência da prostituição como um mal necessário. De acordo com Jacques Rossiaud, autor de A Prostituição na Idade Média, “pode-se afirmar, sem receio de erro, que não existia cidade de certa importância sem bordel”.

Havia bordéis públicos, pequenos bordéis privados e também casas de tolerância - os banhos públicos. Além disso, continuavam a existir as prostitutas que trabalhavam nas ruas. Em tese, o acesso aos prostíbulos públicos era proibido para homens casados e padres, mas eles encontravam meios de burlar a legislação. Rossiaud escreve que as prostitutas não eram marginais na cidade, mas desempenhavam uma função.
Nem eram objeto de repulsão social, podendo, inclusive, ser aceitas na sociedade e casar-se depois que deixassem a vida de prostituta.

A liberdade sexual só era tolerada para os homens. As mulheres casadas e suas filhas, de boa família, deviam temer a desonra. Mas, de acordo com Rossiaud, essa liberdade masculina não sobreviveu à “crise do Renascimento”. Houve uma progressiva rejeição da prostituição, que revelava nas comunidades urbanas a precariedade da condição feminina. “Lentamente, a mulher conquistou uma parte do espaço cívico, adquiriu uma identidade própria, tornou-se menos vulnerável”, explica Rossiaud. E houve uma revalorização do casal.
Prostituição e violência aparecem pela primeira vez associadas, devido a brigas, disputas e assassinatos nos locais públicos. Autoridades municipais, apoiadas pela Igreja, passaram a coibir a prostituição que, a partir de então, “aparecia como um flagelo social gerador de problemas e de punições divinas”, afirma Rossiaud. Um após outro, os bordéis públicos foram desaparecendo. “A prostituição não desapareceu com eles, mas tornou-se mais cara, mais perigosa, urdida de relações vergonhosas”, diz Rossiaud. Para o autor, foi o “duplo espelho deformante do absolutismo monárquico e da Contra-Reforma” que fizeram parecer “decadência escandalosa o que era apenas uma dimensão fundamental da sociedade medieval.”

UMA PATOLOGIA PARA A MODERNIDADE
Na modernidade, segundo Margareth Rago, professora titular do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de “Os Prazeres da Noite”, a prostituição ganhou feições diferenciadas. Isso porque as mulheres conquistam maior visibilidade e atuação na sociedade. Surgiram novas formas de sociabilidade e de relações de gênero, com a criação de fábricas, escolas e locais de lazer e consumo. “Foram outros modos de vida, nos quais a mulher vai ter maior participação”, diz Margareth. Apesar da modernização dos costumes, a sociedade ainda é conservadora em relação às prostitutas.

Nesse contexto, nasceu o feminismo e a mulher reivindicou o direito de trabalhar e de estudar. O discurso sobre a prostituição ficou forte nesse período e virou debate médico e jurista. “Há um uso, não consciente, da prostituição para dizer que mulher direita não fuma, não sai de casa sozinha, não assobia na rua, não goza. O médico vai dizer que a mulher não tem muito prazer sexual, ela tem desejo de ser mãe. Já o homem tem e, por isso, precisa da prostituta” , afirma Margareth. De acordo com Margareth, é nessa época que as prostitutas passam a ser condenadas como anormais, patológicas, sem-vergonhas; uma sub-raça incapaz de cidadania. E a justificativa vai vir de teorias médico-científicas. “O que acontece é que a medicina do século XVIII usa os argumentos misógenos de Santo Agostinho e de São Paulo, e fundamenta cientificamente o preconceito contra a prostituta”, explica Margareth. “Diz que a prostituta é um esgoto seminal, uma mulher que não evoluiu suficientemente. São pessoas que têm o cérebro um pouco diferente, o quadril mais largo, os dedos mais curtos. Criam toda uma tipologia” , diz Margareth.
Para a autora de “Os Prazeres da Noite”, podemos diferenciar a imagem que se construiu da prostituta na modernidade para a visão que temos dela hoje em dia: ”Nos últimos 40 anos, mudou muito. O sexo está deixando de ser patológico, de estigmatizar o que pode e o que não pode. Não sei se acontecem mais coisas na cama de casados ou de uma prostituta. ”
“A revolução sexual transformou os costumes. Mas a sociedade ainda é conservadora e há forte preconceito contra essas mulheres”, diz Margareth.

REFERÊNCIAS
ROSSIAUD, Jacques. A Prostituição na Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 224 pág.
RAGO, Margareth. Os Prazeres da Noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). São Paulo: Paz e Terra, 2008. 360 pág.