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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"A vaquinha dos petistas"!!


O que a “vaquinha” por Genoíno e Delúbio ensina? O que o PT esqueceu…

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Os jornais não disfarçam seu espanto com as doações públicas para que José Genoíno, primeiro, e agora Delúbio Soares paguem as multas que receberam do Supremo Tribunal Federal.
Claro que pode até haver alguma mutreta de algum depósito feito por gente “muy amiga” para desmoralizar a arrecadação de fundos, e é bom que se verifique isso.
Mas nenhuma eventual “armadilha” nesta “vaquinha” esconde o seu principal ensinamento.
Se o protagonismo de José Genoíno nas lutas contra a ditadura, seu drama pessoal de saúde e a comovente solidariedade de sua família – sua filha Miruna tornou-se um símbolo de integridade e amor filial – o que poderia explicar o apoio público de Delúbio Soares, um colaborador de segundo escalão do PT e o que mais foi vilanizado em toda essa história do chamado “mensalão”.
A lição preciosa deste episódio é algo que, ao longo do tempo, boa parte da direção do PT parece ter se esquecido.
A de que existe uma militância política que não precisa ser paga – e que até paga, ela própria, do jeito que pode – para apoiar um partido, porque apóia as ideias e o significado destas ideias sobre a vida dos brasileiros.
A de que existe, fora da mídia e do mercado, gente que tem opinião e valores, que entende que existe uma luta de afirmação deste país e que está aí, pronta e ansiosa por quem a mobilize por uma causa, mesmo que a espinhosa causa de apoiar quem foi condenado num processo que, embora político até a medula, foi sentenciado num tribunal.
A “vaquinha” não foi contra a justiça nem por piedade humana.
Foi um gesto político, mostrando que há milhares de pessoas prontas a deixar seu conforto, seus interesses pessoais e a se expor, corajosamente, por uma causa que não é a figura de Delúbio ou mesmo a de José Genoíno, com todo o brilho e respeito que ela merece.
A causa é o processo de transformação do Brasil.
Pela qual, meu deus, parece que muitos dirigentes políticos, acham inútil levantar orgulhosamente a bandeira.
Reduzem a política a acordos, posições, verbas, favores, influência e – sejamos sinceros – recursos para candidaturas.
É claro que na prevalência dantesca  que o dinheiro assumiu na vida política brasileira, só um tolo teria a ilusão de que uma campanha – sobretudo as majoritárias – pudesse funcionar apenas com “vaquinhas”.
Os grandes doadores, com a impureza de intenções com que doam, continuarão a ser fonte essencial de financiamento de campanhas, enquanto não se adotar o financiamento público que a direita tanto combate.
As pequenas doações desta “vaquinha”, porém, revelam algo além de seu valor monetário e que não deve ser comemorado, mas ser, sim, objeto de reflexão.
Há quanto tempo o PT e o governo que, sob sua legenda, o povo brasileiro elegeu e reelegeu, não faz uma “vaquinha cívica” pelas causas que o levaram até lá?
Há quanto tempo não se dirigem à opinião pública para dizer que precisam da pequena mobilização que cada um pode dar para criar um caudal de vontade que sustente as mudanças?
Onde está a polêmica, a contestação ao que o coro da mídia diz – como disse dos acusados no “mensalão” – de que tudo está errado e o status quo é perverso, mau e contrário aos direitos do povo brasileiro?
Não é preciso ser radical ou furioso, mas é preciso ser firme e claro.
Os líderes políticos – e os governos que sob sua liderança se erigem – têm um papel didático e mobilizador a desempenhar para com o povo brasileiro.
Sem bandeiras, ele não se une, mas está pronto a unir-se quando estas se levantam, mesmo que absolutamente “contra a maré”, como ocorreu nestes casos.
Precisamos, urgentemente, de uma “vaquinha cívica” pelo Brasil.
Pelo projeto de afirmação que se expressa no desenvolvimento, onde o Estado – e apenas ele – é o fio condutor de políticas eficazes e justas, porque o “santo mercado” é, historicamente, incapaz e mesquinho para tudo o que não seja dinheiro rápido e cego para qualquer visão estratégica de Nação.
Assistimos o Estado brasileiro e suas ferramentas de progresso econômico – a Petrobras, o BNDES, a Caixa, a Eletrobras, o Banco Central – serem diariamente massacradas nos jornais e nas tevês e não vemos, quase nunca fora das campanhas eleitorais, buscar-se a solidariedade da população.
Uma solidariedade que existe e que vive adormecida pela incapacidade – ou opção errônea – de não ser anunciada aos quatro ventos, em lugar de serem gaguejadas explicações e “desculpas” aos senhores do poder real: o poder econômico.
Uma solidariedade que precisa ser despertada, sob pena de que também os nossos sonhos venham a ser condenados.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O porto de Mariel, Brasil, Cuba e o socialismo




Beto Almeida (*) Carta Maior

Havana - Tem sido extremamente educativo registrar, aqui em Havana, a reação do povo cubano diante da inauguração do Porto de Mariel. Expressando um elevado nível cultural, uma mirada política aprofundada sobre os fenômenos destes tempos, especialmente sobre a Reunião de Cúpula da Celac que se realiza por estes dias aqui na Ilha, tendo como meta central, a redução da pobreza, os cubanos revelam, nestas análises feitas com desembaraço e naturalidade, todo o esforço de 55 anos da Revolução Cubana feita na educação e na cultura deste povo.

Mariel, uma bofetada no bloqueio

Poderia citar muitas frases que colhi ao acaso, conversando com os mais diversos segmentos sociais, faixas etárias distintas, etc, mas, uma delas, merece ser difundida amplamente. O marinheiro aposentado Jorge Luis, que já esteve nos portos de Santos e Rio de Janeiro, que vibra com o samba carioca, foi agudo na sua avaliação sobre o significado da parceria do Brasil com Cuba para  construir o Complexo Portuário de Mariel. “ Com Mariel,  Brasil rompe concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba”, disse. E adverte: “ Jamais os imperialistas vão perdoar Lula e Dilma”. Ele não disse, mas, no contexto do diálogo com este marinheiro negro, atento ao noticiário de televisão, leitor diário de jornal, informado sobre o que ocorre no Brasil e no mundo,  estava subentendido, por sua expressão facial, que ficava muito claro porque Dilma é alvo de espionagem dos EUA.

O tom da cobertura do oposicionismo impresso brasileiro, pré-pago, à inauguração do Porto de Mariel, não surpreende pela escassa informação que apresenta, muito menos pela abundante insinuação de que tratar-se-ia apenas  de um gasto sem   sentido,  indefensável, indevido.  Ademais, sobram  os  rançosos preconceitos de sempre, afirmando que o Brasil estaria financiando a “ditadura comunista”,  tal como este oposicionismo chegou a mencionar que seria esta a única razão para empreender um programa como o Mais Médicos, que salva vidas e que tem ampla  aprovação  da sociedade brasileira.

É necessário um jornalismo de integração

Informações objetivas sobre o significado e a transcendência do Complexo Portuário de Mariel certamente faltarão ao povo brasileiro. Primeiramente, porque o oposicionismo midiático não permitirá sua difusão, numa evidente prática de censura. E, por outro lado,  nem o PT ou as forças que sustentam politicamente   o governo Dilma e estas iniciativas robustas da política externa brasileira,  com tangíveis repercussões sobre a economia brasileira, possuem uma mídia própria para esclarecer o significado de Mariel, ante um provável dilúvio de   desinformações sobre a sociedade brasileira.

Primeiramente, deve-se informar que o financiamento feito pelo BNDES, algo em torno de um bilhão reais na primeira fase,  não se trata de uma doação a Cuba. É um empréstimo, que será pago. As relações bilaterais Brasil-Cuba registram crescimento contínuo nos últimos anos.

Além disso, está condicionado à contratação de bens e serviços na economia brasileira, além de envolver cerca de 400 empresas,  sendo, portanto, um dos fatores a mais que explicam porque há contínua expansão no mercado de trabalho brasileiro, com uma taxa de desemprego das mais baixas de sua história. Ao contrário do que ocorre, por exemplo,  na Europa, onde aumenta o desemprego e há eliminação de direitos trabalhistas e sociais conquistados décadas atrás.

Dinamização das forças produtivas

Além disso, Mariel vai ser  - por enquanto , Dilma inaugurou apenas a primeira fase  -  o maior porto do Caribe, com capacidade para atracar navios  de calado superior a 18 metros, e  também , podendo movimentar mais de 1 milhão de conteiners por ano. Terá um impacto especial para o comércio marítimo também direcionado ao Pacífico, via Canal de Panamá. Para isto, vale lembrar da importância da participação da China, crescente, na economia latino-americana, em especial  com o Brasil. Tanto o gigante asiático como empresas brasileiras, já manifestaram interesse em instalarem-se na Zona Econômica Especial a ser  implantada em Mariel, onde também já foi construída uma rodovia moderna, estando em construção, uma ferrovia.

De alguma maneira , Havana retoma uma posição de destaque no comércio marítimo internacional,  pois já foi o maior porto da América Latina,  ponto de conexão de várias rotas, tendo sido, por isso mesmo, uma cidade com mais de 70 por cento de habitantes portugueses,  quando Portugal era um grande protagonista na marinha mercante internacional. Havana já teve, também,  uma das maiores indústrias navais do mundo.

Cuba  sempre impulsionou a integração

O tirocínio do marinheiro negro Jorge Luis é perfeito. Depois de suportar décadas de um bloqueio que impediu os cubanos a compra de uma simples aspirina no maior e mais próximo mercado do mundo, os EUA, a Revolução Cubana, tendo resistido a ventos e tempestades, sobretudo às agressões  imperialistas, soube preparar-se para esta nova etapa da história, simbolizada pela existência de uma Celac que vai se consolidando, pouco a pouco. Não sem enfrentar ações desestabilizadoras, lançadas contra os países mais empenhados na integração regional latino-americana, como Venezuela, Bolívia, Equador, e, também, pelas evidentes ações hostis contra Brasil e Argentina. Cuba investiu parte de seus modestos recursos na solidariedade internacional. Seja no envio de 400 mil homens e mulheres para derrotar  o exército racista da África do Sul que havia invadido Angola, como também para promover , em vários quadrantes, com o envio de professores, métodos pedagógicos, médicos e vacinas, a eliminação do analfabetismo e o salvamento generalizado de vidas. É o caso, por exemplo,  do programa Mais Médicos, não por acaso tão injustamente desprezado pela oligarquia midiática, que vocaliza os laboratórios farmacêuticos multinacionais.

Como defender que salvar vidas merece desprezo?

É certo que todas as economias caribenhas e latino-americanas  serão dinamizadas com a entrada em funcionamento do Porto de Mariel, gerando mais empregos, possibilitando novas opções comerciais. É emblemático que China esteja firmando um acordo estratégico de cooperação com a Celac. Para uma economia cercada de restrições, sem  capacidade de investimentos,  sem engenharia nacional para fazer esta obra por conta própria,  o Porto de Mariel, é um imenso  descortinar de possibilidades para Cuba. Os gigantescos navios chineses, de uma China que consolida sua posição como a segunda potência comercial mundial, não podiam mais aportar no velho Porto de Havana, o que resultava numa limitação operacional e logística, com impactos econômicos negativos de grande monta. O Porto de Havana será readaptado para o turismo e a economia cubana, no seu conjunto, recebe, com Mariel um enorme impulso para a dinamização de suas forças produtivas. A atendente do hotel onde estou instalado me confessava hoje o interesse de ir trabalhar em Mariel, porque, segundo disse, o futuro está por ali e são empregos mais promissores.

Mariel e seus impactos internacionais

Realmente,  para um economia que perdeu a parceria que tinha com a União Soviética, que resistiu durante o período especial com as adaptações inevitáveis  para salvar o essencial das conquistas da Revolução,  o que Mariel significará é de extraordinária relevância. E é exatamente na dinamização das forças produtivas da Revolução Cubana que se localizam  as chaves para muitas portas que podem ser abertas para uma maior dedicação de meios , recursos e iniciativas visando a integração latino-americana. E,  neste quebra-cabeças, a política estratégica implantada por Lula, continuada por Dilma,  é ,inequivocamente, muito decisiva. Que outro país poderia fazer um financiamento deste porte para a construção de Mariel?

Por último, pode ser muito útil uma reflexão sobre os diversos pensadores, formuladores e também executores de políticas de integração. Desde Marti,  aquele analisou a importância da “nossa Grécia”, numa referência ao significado da civilização Inca, mas que também  formulou o conceito de Nuestra América,  até chegando ao pensamento de Getúlio Vargas, criador do BNDES, o banco estatal de fomento que está financiando a construção do Porto de Mariel, uma estupenda ferramenta integradora. Tudo converge para a abertura de uma nova avenida para dar trânsito à integração. Seja pela sabedoria dos povos da região que estão sabendo apoiar, com o seu voto,  os governos que mais impulsionam estas políticas, seja pelos avanços concretos que estas políticas integradoras têm registrados, apesar da insistência nada profissional do jornalismo de desintegração em reduzir tudo a zero.

Futuro socialista

A força e a necessidade histórica das ideias se vêm comprovadas nesta inauguração da primeira etapa do Porto de Mariel, em plena reunião da Celac, sem a presença de Estados Unidos e Canadá, patrocinadores históricos da desintegração entre os povos. A simbologia da justeza histórica do pensamento martiniano, nos permite, agora,  afirmar, também, que José Marti é um dos autores intelectuais de Mariel. E,  retomando o otimismo realista do marinheiro Jorge Luis, constatamos que  a dinamização das forças produtivas da Revolução Cubana que a parceria entre Cuba e Brasil possibilita, foi estampada na frase final do discurso do presidente cubano, General  Raul Castro: “Mariel e a poderosa infraestrutura que o acompanha são uma mostra concreta do otimismo e  da confiança  com que os cubamos  olham o futuro socialista e próspero da Pátria”. O marinheiro negro captou o significado essencial  destes dias. Não por acaso, a Marcha das Tochas, que celebra com chamas que não se apagam, as ideias de Marti, em seu aniversário, ontem - com mais de 500 mil manifestantes, maioria esmagadora de jovens - teve, na  primeira fila, além de Raul, os presidentes Evo Morales, Nicolás Maduro, Pepe Mujica,  Daniel Ortega. As ideias de Marti, materializadas nestes avanços produtivos e integradores, como Mariel, vão iluminando o futuro socialista de Cuba e, com isto, da integração latino-americana.

(*) Beto Almeida, de Havana, Membro do Diretorio da Telesur


sábado, 21 de dezembro de 2013


Sistema de saúde público brasileiro é referência internacional, diz Banco Mundial


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Foto: Carol Garcia/Governo da Bahia
Foto: Carol Garcia/Governo da Bahia
O Sistema Único de Saúde do Brasil – conhecido como SUS – lançou os alicerces de um sistema de saúde melhor para o país, contribuindo para o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida da população, é o que afirma o livro “20 anos de Construção do SUS no Brasil”, recentemente lançado pelo Banco Mundial.
O livro busca analisar a trajetória do programa desde sua criação, destaca progressos trazidos pelo SUS e aponta que, com base nessa experiência e apesar de todas as dificuldades inerentes a um país em desenvolvimento, o Brasil é hoje referência internacional na área de saúde pública e exemplo para outros países que buscam sistemas mais igualitários de saúde.
Com a criação do SUS, o Brasil foi um dos primeiros e poucos países fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a prever na legislação o acesso universal aos serviços de saúde, reconhecendo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado.
O livro destaca que os esforços para a ampliação dos gastos em saúde e de uma melhor alocação dos recursos federais e estaduais, privilegiando as áreas e populações mais pobres do país, contribuíram para uma forte ampliação do acesso da população aos serviços básicos de saúde, com importante impacto na redução da mortalidade.
Entre os desafios do SUS, o estudo identifica que o aporte de recursos à saúde precisa ser equacionado e que a capacidade gerencial do sistema ainda é um obstáculo importante. Além disso, há questões reconhecidas sobre as quais é preciso evoluir, como a melhora da qualidade e da coordenação do cuidado e a continuidade da expansão na cobertura da atenção primária.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Medicina cubana...


'Não há dengue em Cuba'

A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. Por Najla Passos.

Brasília - A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, ainda falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando a encontrei nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Ela nasceu em Guane, um pequeno município de 35 mil habitantes na província de Pinar del Rio, famosa pela produção dos charutos cubanos. Aos 5 anos, mudou-se para a capital, onde cursou o estudo básico e médio. Com 17 anos de prática médica e experiências internacionais em Honduras e Bolívia, está divorciada há dois anos e não possui filhos. Decidi iniciar por aí nossa entrevista.

- É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e filhos?, questionei.

“Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão. Mas mesmo meus colegas que têm filhos, não temem deixá-los porque sabem que, em Cuba, eles serão muito bem assistidos, terão acesso gratuito à educação e saúde de qualidade. Além disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos que estão fora. Nossos companheiros policlínicos visitam nossas famílias e cuidam para que sejam assistida nas suas necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha casa e, assim, posso viajar tranquila”, explicou. 

- Seus pais também são médicos?

“Não. Eles são professores, já aposentados".

- E seu irmão, é médico?

“Não, eletricista. Sou a única médica da família”.

- E como você decidiu fazer medicina?

"Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão combinando as coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo, vão bombeiros, professores, esportistas e vários outros profissionais, dentre eles os médicos. Isso para formar, desde pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de interesse de cirurgia experimental e, depois, ainda participei do ciclo de medicina geral e integrada, ainda em Pinar Del Rio. Depois passei pela faculdade de medicina, seis anos de muito estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima em todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de serviço social obrigatório em Guane".

- Você voltou a sua cidade natal para clinicar?

"Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar lá".

- Não fez nenhuma especialização?

"Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em medicina geral e integrada, como todos os médicos cubanos que vieram para o Brasil. Seria o equivalente, aqui no Brasil, a medicina familiar, que ensina ver a pessoa no seu conjunto. Fiz a especialização em dois níveis. Sou mestre em Procedimento e a Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".

- E como você aprendeu o português?

Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo idioma. Ele me ensinava desde que eu era bem pequena. 

- Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina por vocação. No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros, nas universidades particulares, e os mais concorridos, nas universidades públicas e, com isso, acaba que praticamente só os mais ricos, que têm como pagar uma educação de maior qualidade, conseguem acesso a eles.

"Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos. Primeiro, não há classes sociais diferentes. Todos somos iguais. Não há discriminações por sexo ou raça. Sou mulher, sou mulata, mas estou aqui como todos os outros companheiros da brigada."

- Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês podem vir para cá sem receber o mesmo salário pago aos demais profissionais que integram o programa, como vocês aceitam que parte dos seus salários seja retida pelo governo. Como você vê isso?

"Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem que nós não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade, humanismo. O comandante Fidel Castro, nosso líder nacional e também latino-americano e mundial, tem uma frase que diz que “ser internacionalista é saldar nossa própria dívida com a humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração. Desde pequenos, já aprendemos sobre internacionalismo, solidariedade, honradez, bondade, profissionalismo. Eu acho até que o povo cubano não poderia viver sem esses conceitos, que estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde, temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento e o amor do nosso povo por outros povos irmãos".

- Você falou que já esteve em outras missões internacionais...

"Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o departamento mais pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas onde o povo é muito pobre.
Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre. Lá, eu tive o prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um hospital. Em Honduras, trabalhei em Nova Esperança, em municípios muito pobres.

- E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos, infraestrutura e tecnologia para atender adequadamente os pacientes? 

"Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos os pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os doentes. A falta de tecnologia não é problema para mim e nem para a brigada cubana, que trabalha muito com este método. E é com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu povo. Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada. Sei usar um ultrassom, mas pratico muito o método clínico". 

- Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em Cuba, por conta do longo embargo econômico, o acesso à tecnologia é muito restrito, o que provoca uma defasagem na formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente no Brasil. Você concorda com isso?

"Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de saúde são excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia. Estamos entre os cinco países com menor índice de mortalidade infantil: menos de 4,5 por mil nascidos vivos. Isso é graças ao nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em pesquisas, praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença. Também temos uma vigilância epidemiológica muito boa, fundamental para todos. E a saúde cubana é multissetorial: até a população participa. A dengue, por exemplo, é uma doença transmissível. Se o governo não educa sua população, todos morremos. 

- Há dengue em Cuba?

"Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no Brasil. Já atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras. Não em Cuba, que temos uma vigilância epidemiológica forte. E nem na Bolívia, porque atuei no altiplano, onde é muito frio".

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A via uruguaia poderia servir de inspiração na América Latina

A via uruguaia poderia servir de inspiração na América Latina

A experiência de José Mujica no poder poderia servir de inspiração a outros governos de viés progressista na região (Daniel Caselli / AFP)

por Vladimir Safatle/Carta Capital
Os países latino-americanos que assumiram uma via à esquerda confrontam-se atualmente com a necessidade de reinventar seus caminhos. Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina, Brasil e Peru passam, cada um à sua maneira, por desafios oriundos de seus modelos de governo.
Argentina, Brasil e Venezuela são sacudidos por manifestações que pedem mudanças nos governos, mesmo que, no caso brasileiro, a base dos manifestantes não seja a mesma encontrada na Argentina e Venezuela. Em larga medida, temos no nosso país uma insatisfação com a timidez das políticas sociais e reformistas do governo, o que não é o caso em nossos vizinhos, assombrados com um descontentamento alimentado, em grande parte, de setores conservadores da vida social. Equador e Bolívia, por sua vez, ainda estão em um processo de reinvenção de suas instituições. Isso os torna, muitas vezes, dependentes de figuras carismáticas incumbidas de levar a cabo o processo de transformação política e refundação do país. O Peru, de Olanta Humala, ainda é uma incógnita nesse processo.
Em todo esse cenário, um país se destaca, no entanto, de maneira inesperada e impressionante. Trata-se do Uruguai. Há tempos a pequena nação ganha evidência na mídia latino-americana e mundial graças à sua corajosa política de modernização social que a colocou na vanguarda em temas essenciais: aborto, casamento homossexual, entre outros. Agora, vemos os uruguaios prestes a inaugurar uma prática inovadora no que diz respeito à política relativa a drogas, por meio da estatização da produção e do controle do consumo de maconha.
A capacidade dos uruguaios em assumir riscos e procurar inventar novas respostas para velhos problemas é louvável. Mesmo que sua política relativa a drogas possa produzir novos problemas, é certo que as práticas de combate e criminalização usadas compulsivamente no resto do mundo demonstraram-se radicalmente ineficazes e contraprodutivas. Chegou a hora de procurar alternativas e, neste ponto, os uruguaios têm algo a nos ensinar.
No que diz respeito a uma política de esquerda, há de se admirar a via uruguaia. Ela baseia-se na ampliação da pauta das questões políticas e na incorporação, sem medo, das demandas sociais de modernização de costumes. Algo completamente diferente do que tem acontecido no Brasil, onde a escolha foi pela tentativa de empurrar paulatinamente pequenas mudanças, na esperança de que elas acabem assimiladas aos poucos pela sociedade. Nesse ritmo, talvez, daqui há 15 anos conseguiremos discutir francamente questões que os uruguaios já terão resolvidos.
Outro ponto que chama a atenção da experiência uruguaia é seu presidente. Contrariamente a certa tendência bonapartista que, vez por outra, precisamos lidar no campo das esquerdas, eles optaram por colocar à frente do processo político uma espécie de antilíder, cujo carisma vem exatamente de seu desconforto aberto em relação aos ritos do poder. Alguém que parece a todo momento dizer não se enxergar como um presidente e que se recusa a abandonar sua vida espartana, seu sítio modesto e seus hábitos e roupas comuns. 
No fundo, ele acaba por encarnar uma ideia fundamental da democracia, a saber, a defesa de que qualquer um deve ocupar o lugar central do poder, pois ninguém pode simplesmente encarná-lo. Ou seja, o mais indicado a ocupá-lo é exatamente aquele que tem as qualidades de “qualquer um”, não no sentido de ser alguém sem valor, mas no sentido de ser alguém sem desejo de encarnação. Alguém que tem a liberalidade de deixar o lugar do poder vazio e, por isso, encontra uma força inaudita por meio exatamente da expressão de seu franco desprendimento.
Trata-se de uma lição política merecedora de nossa admiração, a saber, a compreensão de que o melhor líder é aquele que sistematicamente recusa-se a se ver como tal. Não deixa de ser irônico perceber que exatamente esse tipo de ator político permitiu ao país ir em direção a lugares que os outros não foram sequer capazes de imaginar.
Assim, no momento em que a esquerda latino-americana precisa reinventar sua política e sua pauta, em que setores da esquerda afundaram-se na fascinação pelas benesses materiais do poder, o Uruguai parece encarnar experiências que merecem nossa lembrança.

domingo, 14 de julho de 2013

As "benesses" do PT e a crise...

Equívocos conceptuais no governo do PT

           Estimo que parte das razões que levaram multidões às ruas no mes de junho tem sua origem nos equívocos conceptuais presentes nas políticas públicas do governo do PT. Não conseguindo se desvenciliar das amarras do sistema neoliberal imperante no mundo e internalizado, sob pressão, em nosso pais, os governos do PT tiveram que conceder imensos benefícios aos rentistas nacionais para sustentar a política econômica e ainda realizar alguma distribuição de renda, via políticas sociais, aos milhões de filhos  da pobreza.

         O Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil(Cortez, 2004) embora seja de alguns anos atrás, mantem sua validade, como o mostrou o pesquisador Marcio Pochmann (O pais dos desiguais,Le Monde Diplomatique, outubro 2007). Passando por todos os ciclos econômicos, o nível de concentração de riqueza, até a financeirização atual, se manteve praticamente inalterado. São 5 mil famílias extensas que detem 45% da renda e da riqueza nacionais. São elas, via  bancos, que emprestam ao governo; segundo os dados de 2013, recebem anualmente 110 bilhões de reais em juros. Para os projetos sociais (bolsa família e outros)  são destinados apenas  cerca de 50 bilhões. São os restos para os considerados o resto.

         Em razão desta perversa distribuição de renda, comparecemos como um dos países mais desiguais do mundo. Vale dizer, como um dos mais injustos, o que torna nossa democracia extremamente frágil e quase farsesca. O que sustenta a democracia é a igualdade, a equidade e a desmontagem dos privilégios.

         No Brasil se fez até agora apenas distribuição desigual de renda, mesmo nos governos do PT. Quer dizer, não se mexeu na estrutura da concentração da renda. O que precisamos, urgentemente, se quisermos mudar a face social do Brasil, é introduzir uma redistribuição que implica mexer nos mecanismos de  apropriação de renda. Concretamente significa: tirar de quem  tem demais e repassar para quem tem de menos. Ora, isso nunca foi feito. Os detentores do ter, do poder, do saber e da comunicação social conseguiram sempre impedir esta revolução básica, sem a qual manteremos indefinidamente  vastas porções da população à margem das conquistas modernas. O sistema politico acaba servindo a  seus interesses. Por isso, em seu tempo, repetia com frequência Darcy Ribeiro que nós temos uma das elites mais opulentas, antisociais e conservadoras do mundo.

         Os grandes projetos governamentais destinam porções significativas do orçamento para os projetos que as beneficiam e as enriquecem ainda mais: estradas, hidrelétricas, portos, aeroportos, incentivos fiscais, empréstimos com juros irrisórios do BNDES. A isso se chama crescimento econômico, medido pelo PIB que deve se equacionar com a inflação, com as taxas de juros e o câmbio. Priviligia-se o agronegócio exportador que traz dólares à agroecologia, à economia familiar e solidária que produzem 60% daquilo que comemos.        

O que as multidões da rua estão reclamando é: desenvolvimento em primeiro lugar e a seu serviço o crescimento  (PIB). Crescimento é material. Desenvolvimento é humano. Signfica mais educação, mais hospitais de qualidade, mais saneamento básico, melhor transporte coletivo, mais segurança, mais acesso à cultura e ao lazer. Em outras palavras: mais condições de viver minimamente feliz, como humanos e cidadãos e não como meros consumidores passivos de bens postos no mercado.  Em vez de grandes estádios cujas entradas aos jogos são em grande parte proibitivas para o povo, mais hospitais, mais escolas, mais centros técnicos, mais cultura, mais inserção no mundo digital da comunicação.

O crescimento deve ser orientado para o desenvolvimento  humano e social. Se não se alinhar a esta lógica, o governo se vê condenado a ser mais o gestor dos negócios do que  o cuidador da vida de seu povo, das condições de sua alegria de viver e de sua admirada criatividade cultural.

As ruas estão gritando por um Brasil de gente e não de negócios e de negociatas; por uma sociedade menos malvada devido às desigualdades gritantes; por relações sociais transparentes e menos escusas que escondem a praga da corrupção; por uma democracia onde o povo é chamado a discutir e a decidir junto com seus representantes o que é melhor para o país.

         Os gritos são por humanidade, por dignidade, por respeito ao tempo de vida das pessoas para que não seja gasto em horas perdidas nos péssimos transportes coletivos mas liberado para o convívio  com a família ou para o lazer. Parecem dizer: “recusamos ser apenas animais famintos que gritam por pão; somos humanos, portadores de espírito e de cordialidade que gritamos por beleza; só unindo pão com beleza viveremos em paz, sem violência, com humor e sentido lúdico e encantado da vida”. O governo precisa dar esta virada.

Leonardo Boff é autor de Virtudes por um outro mundo possível (3 vol) Vozes 2006.   

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Protesto! E o que proponho?


Foi preciso o Brasil ir às ruas para a presidente Dilma propor a reforma política, a primeira medida estrutural em 10 anos de governo petista. Agora faltam as demais: agrária, tributária, etc

Frei  Betto no BRASILDEFATO
Que conceito de desenvolvimento é esse que implica na destruição do meio ambiente e na exclusão de bilhões de pessoas do direito a uma vida digna e feliz?
No altar da concepção capitalista de desenvolvimento, 25 milhões de pessoas, a maioria jovens, são condenadas ao desemprego nos países da União Europeia.
Em todo o mundo, uma insatisfação paira no coração dos jovens. Ela não se reflete apenas na irreverência do corte de cabelo, no jeans esfarrapado, nas tatuagens e nos piercings. Emerge principalmente nas manifestações de rua que se propagam mundo afora: Seattle 1999 (contra a Organização Mundial do Comércio); Davos 2000 (contra os donos do dinheiro); Inglaterra 2010 (contra os cortes no orçamento da Educação); Tunísia 2010-2011 (derrubada do presidente); Egito  2011 (derrubada do presidente); Nova York 2011 (Occupy Wall Street); Istambul 2013 (por mais democracia); Brasil 2013.
Há um denominador comum em todos esses movimentos: os jovens sabem o que não querem (ditadura, neoliberalismo, desemprego, corte de direitos sociais, alta do custo de vida etc.), mas não têm clareza do que propor.
Devido ao alto índice de corrupção nos partidos políticos, e a cooptação operada pelo poder  do capital, a ponto de a esquerda desaparecer na Europa, a juventude não  identifica nos partidos condutos capazes de representar os anseios populares e criarem alternativas de poder.
Como previu Robert Michels em 1911, os partidos progressistas facilmente se deixam domesticar pelas benesses burguesas quando se tornam governo. Trocam o projeto de país pelo projeto de poder; afastam-se dos movimentos sociais e se aproximam de  seus antigos adversários; deixam de questionar o capitalismo para propor  medidas cosméticas de melhorias de vida dos mais  pobres.
A queda do Muro de  Berlim, o fracasso do socialismo no Leste europeu e o capitalismo de Estado na  China fazem o socialismo se apagar no horizonte utópico dos jovens.
Na esperança de abrir  alternativas, o Fórum Social Mundial propõe Um Outro Mundo Possível, e  a Teologia da Libertação resgata o sumak kawsay (bem viver) dos  indígenas andinos e sugere Outros Mundos Possíveis, no plural, no qual  a igualdade de direitos não ameace a diversidade de  culturas.
O capitalismo em crise tenta, de todas as maneiras, multiplicar os sete fôlegos do gato neoliberal. Ignora as recomendações da ONU para a crise financeira (como fechar os paraísos fiscais) e se recusa a regulamentar o capital especulativo.
No esforço de se perpetuar, o sistema da idolatria do capital propõe remendos novos em pano velho: capitalismo verde; combate à pobreza através de programas sociais  compensatórios (e não emancipatórios); troca da liberdade individual por  segurança; desprestígio dos movimentos sociais; criminalização do  descontentamento popular.
O óbvio é que o capitalismo representa um êxito para apenas 1/3 da  humanidade. Segundo a ONU, 4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da  pobreza. O sistema se mostra mais destrutivo que criativo. Até os partidos  progressistas, outrora considerados de esquerda, já não têm proposta  alternativa e, quando no poder, se restringem a ser meros gestores da crise  econômica.
Foi preciso o Brasil ir às ruas para a presidente Dilma propor a reforma política, a primeira medida estrutural em 10 anos de governo petista. Agora faltam as demais: agrária, tributária, etc.
Não basta denunciar as mazelas e os abusos do sistema, como costuma fazer a Igreja Católica. É preciso apontar causas e alternativas. Caso contrário, a insatisfação dos jovens se transformará em revolta, e esta em ninho aconchegante para o ovo da serpente: o nazifascismo.
Frei Betto é escritor, autor  de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

À Veja, Bernardo critica o PT, sepulta democratização das comunicações e diz que militância ‘fala besteira’



Reproduzido do Boca Maldita

Jogando em “campo inimigo”, o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, concedeu uma entrevista às páginas amarelas de Veja que tem potencial para acelerar seu divórcio com diversas forças do partido; chamado de “bom petista”, ele defendeu a condenação dos réus na Ação Penal 470, criticou a Lei de Meios, como tentativa de censura à imprensa e ainda garantiu que Lula não voltará em 2014; “A militância extrapola, e eu posso dizer que está errada, que está falando besteira”, disse Bernardo
do 247 – De covardia e medo do confronto, Paulo Bernardo, ministro das Comunicações, não poderá ser acusado. Neste fim de semana, ele é o entrevistado das páginas amarelas de Veja e sua fala tem tudo para aprofundar um cisma no partido em relação à sua posição no governo federal.
Classificado por Veja como um “daqueles raros e bons petistas que abandonaram o radicalismo no discurso e na prática”, Bernardo assume frontalmente sua oposição à uma Lei de Meios, que é uma das bandeiras do PT para democratizar a comunicação. “A militância extrapola, e eu posso dizer que está errada, que está falando besteira. Se ela não gosta da capa da revista, da manchete de jornal, quer que eu faça a regulação. Não vai ter regulação para isso”, avisa.
Sobre as eleições de 2014
Eduardo Campos é um aliado nosso que visivelmente quer ser candidato. A democracia pressupõe disputa. Não podemos achar que a Dilma deve ser a única candidata. Embora as pesquisas mostrem que ela tem todas as condições de ganhar, não vai ser uma eleição fácil (…) Se entrar mesmo na disputa, Eduardo Campos vai ser um candidato qualificado. O Aécio vai ser um candidato qualificado, com uma estrutura partidária maior. E tem a Marina, que é uma incógnita porque ainda não se sabe se conseguirá se viabilizar com tempo de televisão.
Volta de Lula
Ele está em ponto de bala. Se fosse candidato, seria um candidato fantástico, mas eu sei que ele não quer ser. Acho até que não teria justificativa. Nós temos uma presidente da República e vamos substituí-la a troco de quê? (…) Lula vai ser fundamental na campanha da Dilma.
A vaia no Mané Garrincha
Vaia em jogo de futebol não conta. Nós não temos de nos impressionar com isso. Houve uma diminuição na aprovação da presidenta e na aprovação do governo, mas eu não me preocupo.
Sobre os protestos
Nós temos de observar e entender esses protestos. Não dá para procurar chifre em cabeça de cavalo. No começo, eram manifestações contra o transporte público, que, convenhamos, é ruim mesmo.
Sobre a Ação Penal 470
Isso já foi julgado, já aconteceu e nós estamos tocando a vida. O governo tem trabalhado normalmente. Não temos dependência dessa situação. É preciso respeitar o resultado do julgamento. É democrático que haja debate se o veredicto foi rigoroso ou não, mas o debate tem de ser respeitado.
Sobre a Lei de Meios
A militância extrapola, e eu posso dizer que está errada, que está falando besteira. Se ela não gosta da capa da revista, da manchete de jornal, quer que eu faça a regulação. Não vai ter regulação para isso

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Brasil financia política de Apartheid israelense, diz integrante do Stop The Wall


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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Maren Mantovani está no Brasil desde agosto do ano passado | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira e Débora Fogliatto no SUL21

A italiana Maren Mantovani está no Brasil desde agosto de 2012 para articular apoios à causa Palestina. Coordenadora de Relações Internacionais do movimento Stop The Wall, ela, que viveu durante dez anos em Ramallah, se dedica agora, à estruturação do grupo na América do Sul.
Maren explica que o foco no Brasil é importante, pois, de acordo com o Stop The Wall, o país financia as políticas repressivas de Israel em relação aos palestinos. A principal forma de apoio se dá através de acordos militares para compra de armas de empresas como a Elbit, que está diretamente envolvida na construção do muro que divide os territórios palestinos.
Nesta entrevista ao Sul21, Maren fala sobre as relações econômicas e militares entre Brasil e Israel e comenta, também, o acordo que o governo gaúcho firmou com a Elbit em abril deste ano. “O que aconteceu no governo do Rio Grande do Sul é o que também acontece a nível federal. Há uma linha política e se esquece completamente, ou se ignora, que a economia é política também. Eles dizem: ‘Fizemos um contrato. Onde está o problema político de se fechar um negócio?’. Mas acordos econômicos – se também são internacionais – sempre afetam seres humanos e podem, também, afetar seus direitos”, critica.
“O muro separa os palestinos de seus campos, de suas escolas, de seus hospitais”

Sul21 – Como tu começaste a te envolver com o movimento Stop The Wall?
 
Maren – Iniciei o trabalho com o Stop the Wall praticamente quando as relações internacionais do movimento começaram a se desenvolver. Nossa campanha começou em 2002, alguns meses depois de a construção do muro ter início. Naquela época, ninguém sabia o que estava acontecendo. Foi diretamente depois da re-insavasão da Cisjordânia e do massacre de Jinin. As escavadeiras simplesmente chegaram e destruíram os campos palestinos. Sabíamos que era um projeto grande, porque muita terra foi destruída, mas Israel não explicou nada. O primeiro mapa (da construção do muro) só foi divulgado mais de um ano depois do início da obra.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Movimento Stop the Wall tenta esclarecer o mundo sobre muro erguido por Israel para isolar palestinos | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como foi o trabalho de vocês neste primeiro momento?
 
Maren – Uma das primeiras coisas que fizemos foi investigar o que estava acontecendo, buscar informações sobre que projeto estava sendo posto em prática. A nível nacional, o trabalho que fazemos é de organização de comitês populares e de apoio às lutas nas aldeias. A nível internacional, a primeira tarefa foi explicar ao mundo o que estava acontecendo. As pessoas não acreditavam que isso estivesse ocorrendo: a construção de um muro de oito metros de altura e quase 800 quilômetros de comprimento. Quando ouviam isso pela primeira vez, diziam que não era possível.

Sul21 – O que representa, para os palestinos, a construção desse muro?
 
Maren – Não é uma barreira de segurança. Não divide Israel da Cisjordânia. O muro separa os palestinos de seus campos, de suas escolas, de seus hospitais. O segundo passo do movimento Stop The Wall foi pensar em como podemos nos organizar para trabalhar juntos, em solidariedade, de uma forma que seja eficaz para derrubar o muro. Em 2004, tivemos a decisão da Corte Internacional de Haia, que disse que Israel precisa parar de construir o muro, que é algo ilegal. A segunda parte da decisão diz respeito à responsabilidade de outros países: outros estados não podem ajudar na construção do muro. Isso significa que não podem fazer contratos com empresas que estão envolvidas na construção do muro, dos assentamentos e de outras violações graves que Israel comete diante da lei internacional. A decisão de Haia prevê que devem ser impostas sanções para que Israel encerre essa política. Então surge, em 2004, o primeiro chamado à campanha por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em Israel. Em 2005, toda a sociedade civil e partidos políticos palestinos se unem a esse chamado.

Sul21 – Vocês acreditam que esta campanha possa ter o sucesso que teve a campanha por BDS em relação à África do Sul, na época do Apartheid?
 
Maren – A campanha por BDS em Israel tem um apelo muito mais forte e em muito menos tempo do que foi o caso da África do Sul. As pessoas sempre recordam da campanha de boicote contra a África do Sul no final dos anos 1980. Mas essa campanha começou no início dos anos 1960. Conversando com os ativistas que a organizaram, eles disseram que nunca conseguiram, em 20 anos, o que nós já estamos conseguindo em apenas oito anos. Isso se deve a vários fatores. De um lado, hoje podemos nos comunicar melhor. E a causa palestina já possui décadas de apoio sobre o qual se construiu a campanha de BDS. Isso é uma vantagem e um desafio. A África do Sul tinha, basicamente, como parceiros econômicos, somente a Inglaterra, a Europa e os Estados Unidos. Hoje, esta campanha pelo BDS é global. E está forte na Europa e fazendo progressos muito importantes nos Estados Unidos – na sociedade civil e nas universidades. Mas, se quisermos ter força, precisamos do apoio do Sul do mundo, da América do Sul e da Índia. É aí que Israel está encontrando seus mercados mais importantes, sobretudo porque Europa e Estados Unidos estão em crise.
”O Brasil se tornou uma das linhas de sustentação econômica que possibilitam a política de Israel”

Sul21 – Que países apoiam, hoje, direta ou indiretamente, a construção do muro?
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
” A cada compra dessas armas, o Brasil dá sustentabilidade às guerras e ocupações de Israel”, diz Maren Mantovani | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Maren – O mundo inteiro. Neste momento, são muito poucos os países que têm uma postura condizente com a legislação internacional. O Brasil fornece muita ajuda e assistência a essa e a outras violações cometidas por Israel. Dessa forma, acaba dando reconhecimento aos assentamentos israelenses e ao muro. Isso é uma completa contradição com a política do Itamaraty, que reconhece o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967. O Brasil apoia o respeito à lei internacional e às resoluções da ONU. Por outro lado, por parte das relações econômicas, ocorre exatamente o contrário. O Brasil se tornou uma das linhas de sustentação econômica que possibilitam a política de Israel.

Sul21 – Vocês estudam as relações militares entre Brasil e Israel. De que forma elas ajudam os atos de Israel?
 
Maren – Israel é um país permanentemente em guerra, portanto a indústria militar tem uma importância fundamental – seja para que continuem suas guerras ou para a economia em geral. Toda produção militar de tecnologia e segurança nacional é muito importante para a economia israelense. Até 80% dessa produção é exportada. É claro que não existe mercado suficiente para isso em Israel, que possui seis milhões de habitantes. Então Israel exporta sua produção militar para o Sul do mundo. A índia é o maior importador de armas israelenses e o Brasil é o quarto. Em todas as Américas, somente a Colômbia compra mais armas de Israel. A cada compra dessas armas, o Brasil dá sustentabilidade às guerras e ocupações de Israel. Essas empresas militares israelenses, como a Elbit – que está localizada também em Porto Alegre -, não constroem somente os Drones (aviões não tripulados) que matam os palestinos. Constroem o muro e fazem parte de um sistema de ocupação.

Sul21 – Como está a reação – econômica e política – a essas empresas hoje no mundo?
 
Maren – Existe uma campanha global de boicote contra elas, especialmente contra a Elbit. Na Noruega, em 2009, o Ministério das Finanças decidiu pedir ao Fundo Nacional Pensionístico para desinvestir nessa empresa, em particular porque ela está construindo o muro e é parceira de um crime de guerra. Após essa decisão, outras instituições financeiras decidiram desinvestir na Elbit, incluindo 12 bancos nacionais europeus. Em 2012, o relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos nos territórios ocupados na Palestina, Richard Falk, lançou um informe sobre as responsabilidades das empresas nos crimes de guerra de Israel. Novamente a Elbit foi nomeada como uma das empresas que precisamos boicotar. Isso foi dito na Assembleia Geral da ONU.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Claramente, Israel já possui poder de veto sobre a política externa do Brasil” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como tem sido a relação do movimento Stop the Wall com o governo brasileiro? Há uma crítica ao ministro Celso Amorim, que, quando estava no Itamaraty, adotava uma posição pró-Palestina e, agora, no Ministério da Defesa, continua comprando armas de Israel.
 
Maren - Celso Amorim se encontra em uma situação bastante difícil. Quando estava no Itamaraty, ele criou uma política de fortalecimento e integração da América do Sul e de relacionamento com o mundo árabe. Agora está em um ministério que tem toda essa relação militar com Israel. O Brasil não pode nem vender armas brasileiras para Venezuela e Bolívia – com as quais havia feito um pacto de defesa – porque existe esse acordo com Israel, então Israel veta (as vendas). O Brasil quer desenvolver sua indústria militar para fortalecer sua soberania nacional, mas com esses acordos com Israel, está derrubando completamente esses objetivos. O Itamaraty trabalha com alianças Sul-Sul e com o mundo árabe. O Brasil quer ter relações estratégicas com países que são considerados inimigos por Israel. Mas, com essas parcerias com Israel, sempre se encontrará em uma situação em que Israel impedirá suas políticas. Claramente, Israel já possui poder de veto sobre a política externa do Brasil.
“Os trabalhadores da Taurus estão sendo obrigados a produzir um rifle desenvolvido no sangue dos palestinos”

Sul21 – Houve tentativa de diálogo com Amorim quando ele asusmiu o Ministério da Defesa?
 
Maren – Partidos políticos e movimentos sociais da Palestina escreveram a ele, dizendo que sabiam que suas políticas eram diferentes do que vinha sendo adotado nos últimos oito anos pelo ministério. Eles pediram: “Por favor, leve em consideração não só as estratégias, mas também a responsabilidade com a lei internacional e os direitos dos palestinos. Acabe com essas relações militares entre Brasil e Israel”. E isso não está acontecendo. A sociedade civil brasileira tem um papel muito importante para pressionar o governo neste sentido. Atualmente, por exemplo, Israel está produzindo o rifle Tavor. Esse rifle começou a ser produzido no início da segunda Intifada e aprimorado no massacre de Gaza, em 2008 e 2009. O Exército brasileiro quer novos rifles. Então a Taurus estava desenvolvendo um novo protótipo para oferecer, mas o Exército disse que queria o rifle Tavor. O resultado, então, é que o Brasil tem um rifle que, em termos de produção de tecnologia, não é seu. Não sei como é exatamente o contrato entre a Taurus e a IMI, empresa israelense que fabrica este rifle, mas certamente eles recebem uma parte do valor dos rifles vendidos aqui. E os trabalhadores da Taurus estão sendo obrigados a produzir um rifle desenvolvido no sangue dos palestinos. Em seus sites, as empresas militares de Israel demonstram o quanto seus produtos são field-tested, testados em campo, no sangue dos palestinos. Eles dizem claramente que a guerra é uma grande oportunidade para a propaganda desses produtos.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
De acordo com Maren, “a cada jogo da Copa, a Palestina perderá sem nem entrar em campo” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Com todos os investimentos feitos em segurança em função da Copa do Mundo de 2014, você acredita que as relações militares entre Brasil e Israel tendem a se intensificar nesse período?
 
Maren – Claro, isso já está acontecendo. Já sabemos que os VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados) israelenses foram utilizados nos jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro. Foi apenas um teste para a Copa do Mundo. Na Inglaterra e na África do Sul, durante os megaeventos, as empresas israelenses fizeram a segurança e tiveram um lucro muito grande. É importante que se fale disso, que se faça pressão sobre isso. Porque senão, na Copa do Mundo, cada jogo vai se tornar um jogo em que a Palestina perde sem nem entrar em campo.

Sul21 – Como você avalia o acordo feito no dia 29 de abril entre o governo gaúcho e a Elbit para investimentos no polo aeroespacial do Rio Grande do Sul? Foi firmado um empreendimento que deverá construir no Estado a segunda base nacional para lançamento de satélites.
 
Maren – Primeiramente, quero destacar que quando Tarso Genro foi à Palestina, todo mundo, desde o primeiro-ministro Salam Fayyad, até toda a sociedade civil, mandou uma mensagem clara e unificada: “Esse contrato financia quem constrói o muro na Palestina e viola nossos direitos”. Como é possível que alguém que se colocou como nosso amigo, que comprou a briga para realizar o Fórum Palestina Livre – e todo mundo sabe que não foi fácil politicamente – tenha feito isso? Para nós, foi muito importante ele ter ido à Palestina. Todos, das autoridades ao povo, queriam hospedá-lo da melhor forma possível, para agradecer tudo o que ele tinha feito. Quando chegou a notícia desse contrato com a Elbit, nos sentimos apunhalados. O que aconteceu no governo do Rio Grande do Sul é o que também acontece a nível federal. Há uma linha política e se esquece completamente, ou se ignora, que a economia é política também. Eles dizem: “Fizemos um contrato. Onde está o problema político de se fechar um negócio?”. Mas acordos econômicos – se também são internacionais – sempre afetam seres humanos e podem, também, afetar seus direitos.
“Quem gasta dinheiro são os governos do Rio Grande do Sul e federal para financiar uma empresa israelense que constrói o muro e viola os direitos dos palestinos”
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Governo gaúcho está gastando dinheiro para financiar uma empresa que constrói o muro contra Palestina, diz integrante do Stop the Wall | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Além de vocês criticarem politicamente o acordo, acreditam que trata-se de um investimento de risco?
 
Maren – Se tentou acusar os que se opunham ao contrato – tanto palestinos quanto movimentos sociais brasileiros – se não darem conta do desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Mas pedíamos apenas que tomassem em consideração mais critérios no debate e respeito aos direitos humanos, à lei internacional e às prioridades do Itamaraty. Hoje, as agências, bancos e institutos financeiros da Europa se opõem aos investimentos e envolvimentos nas ocupações israelenses. Não se importam com a Palestina, mas consideram esses investimentos um fator de risco. Existem fatores políticos de risco econômico. E também poderia ter-se vantagens realizando uma política econômica alinhada com os princípios estratégicos do Itamaraty. Apenas responder que “o Itamaraty não disse que não” não é o suficiente para se obter as vantagens que uma ação alinhada com as prioridades do Ministério das Relações Exteriores poderia gerar. Ao mesmo tempo, não isenta (o governo gaúcho) de responsabilidade. Afirmar que outros também realizam contratos com a Elbit apenas ressalta que outros também desrespeitam a lei internacional. Muitos pensam que é um investimento (da Elbit) no Estado, ou uma transferência de tecnologia ao Estado. Mas, pelo que sabemos, é um projeto de pesquisa e desenvolvimento. Então quem gasta dinheiro são os governos do Rio Grande do Sul e federal para financiar uma empresa israelense que constrói o muro e viola os direitos dos palestinos – e para criar, junto com as universidades gaúchas, tecnologia que Elbit ainda não possui, mas que, uma vez desenvolvida, provavelmente ficará sob seu controle, no que diz respeito ao uso e provável exportação dessa tecnologia.

Sul21 – Existem outras empresas com a mesma capacidade militar e tecnológica com as quais Brasil e Rio Grande do Sul poderiam construir parcerias?
 
Maren – O interessante é que Rio Grande do Sul, que não sabe construir satélites, fez uma parceria com a Elbit, que também não sabe construir satélite, para realizar um projeto aeroespacial. Então, de uma maneira ou outra, isso responde a pergunta. Claro que existem outras opções. A África do Sul está esperando por parcerias neste sentido com o Brasil. Já existem contratos importante com a Ucrânia, que, sim, sabe como funcionam os satélites. Mais do que discutir as características dos produtos de diferentes empresas, temos que discutir o que significa um desenvolvimento e pesquisas em parceria com Israel. É evidente que Israel nunca vai permitir que o Brasil detenha as propriedades de sua alta tecnologia. Isso porque o Brasil ainda possui – e espero que continue assim – relações com Venezuela, Bolívia, o mundo árabe e outros países considerados inimigos por Israel. Enquanto for assim, relações militares entre Brasil e Israel sempre vão constituir um problema de independência e de soberania nacional ao Brasil.

Sul21 – Se existem outras opções, porque o Brasil firma tantas parcerias neste sentido com Israel?
 
Maren – Altamiro Borges, em uma fala, disse: “No Brasil, a esquerda vence as eleições, mas quem tem o poder é a direita”. Creio que isso não é totalmente verdade. Existem mudanças e coisas que foram feitas nos últimos dez anos. Mas também é verdade que em todos os governos de coalizão há contradições nos ministérios. Se olharmos para o Ministério da Defesa, veremos que ainda existem generais da época da ditadura, porque não foi feita uma limpeza neste sentido. O PT entrou neste ministério somente com Celso Amorin. Em todos os governos, como no Rio Grande do Sul, existem contradições internas e diferentes visões.
“Os palestinos são muito mal representados na grande mídia – ou nem são representados. É a mesma lógica com a qual os movimentos sociais brasileiros são tratados”

Sul21 – Como tu avalias a realização do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre, no ano passado?
 
Maren – Este fórum social foi muito importante para o movimento de solidariedade à Palestina. No Rio Grande do Sul e no Brasil em geral existe muita consciência e interesse de se fazer as coisas. A partir do Fórum Social Mundial Palestina Livre, se começou a criar uma coordenação de movimentos de solidariedade na América do Sul. Uma série de iniciativas e campanhas estão sendo geradas a partir do fórum. Ainda que não tenha sido o maior fórum social já realizado, em termos numéricos, o nível de qualidade dos participantes foi muito bom. As pessoas mais envolvidas neste tema, no mundo inteiro, de forma prática e estratégica, estiveram aqui. Mas, ao mesmo tempo, penso também que o fórum foi um momento de agregação. Agora, precisamos de um momento de dispersão: sair pelo mundo com essas ideias e planos, articulá-las e implementá-las em diversos países, cidades, regiões e universidades, empresas. Provavelmente, em um certo período de tempo, teremos de novo um momento em que essa centralização será necessária.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
” Com o reconhecimento do Estado da Palestina, a única coisa que Israel fez foi acelerar a construção dos assentamentos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como a mídia tradicional trata o tema da Palestina?
 
Maren – Evidentemente, a grande mídia não diz o que queremos que diga. Mas as pessoas, às vezes, vêm com teorias da conspiração, afirmando que os judeus detêm o controle de toda a mídia. Isso não tem nada a ver com a religião, mas, sim, com a estrutura econômica. É evidente que a grande mídia não dará o ponto de vista de quem está sendo oprimido. A grande mídia é um instrumento do sistema capitalista e dá a visão do que interessa ao capitalismo e à manutenção do status quo. Os palestinos são muito mal representados na grande mídia – ou nem são representados. É a mesma lógica com a qual os movimentos sociais brasileiros são tratados. Nem é preciso fazer uma grande análise. Sofremos todos do mesmo problema. Esses veículos não falam de quem luta e de quem está oprimido. Falam de quem os paga.

Sul21 – Como o movimento Stop The Wall começou a voltar seus olhos para o Brasil e para a importância que as relações militares e econômicas do país com Israel possui para a causa palestina?
 
Maren – O movimento, desde muito tempo, tem esta visão de que é importante trabalhar com o tema da solidariedade Sul-Sul. Nos demos conta de que esta não é uma visão ideológica. Trata-se de uma urgência política, porque, analisando um pouco os fluxos econômicos e militares, se vê quanto os BRICs são importantes para Israel. Nem sequer precisamos fazer muitas pesquisas. Há documentos e claras manifestações dos ministros israelenses, que dizem que o interesse é nestes países. Particularmente, desde o início da crise econômica, em 2007 e 2008.

Sul21 – O reconhecimento pela ONU da Palestina como Estado observador não-membro das Nações Unidas foi bastante aclamado. Mas também é dito que o que é necessário é que Israel reconheça a Palestina.
 
Maren – Com o reconhecimento do Estado da Palestina, a única coisa que Israel fez foi acelerar a construção dos assentamentos. Creio que esse reconhecimento foi importante, pois comprometeu uma série de países com o apoio ao Estado Palestino. Com isso, eles têm a responsabilidade de não firmar contratos com empresas que estão destruindo esse Estado. Ao mesmo tempo, esse reconhecimento leva em consideração apenas uma parte dos problemas palestinos. Não leva em conta o problema dos refugiados palestinos e o fato de que existem palestinos que são cidadãos de Israel e vivem em uma situação de verdadeiro Apartheid. Israel não é uma democracia: ou se é judeu, ou não se tem os mesmos direitos. Existe um sistema institucionalizado do Apartheid. Cerca de 20% dos cidadãos de Israel são palestinos que vivem sob esse regime. Reconhecer o Estado da Palestina é apenas um passo, mas é evidente que não mudará nada para Israel. Israel não fará negociações sobre este tema se não houver pressões. Qualquer sindicalista entende que não se pode pensar que o empregador deixará de lucrar com o trabalho dos empregados somente com um pedido de aumento salarial. É preciso entrar em greve, o empregador precisa perder os lucros, e então se abre a negociação. É isso que queremos: que eles percam seus lucros, para que podemos ter alguma conquista.