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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Mídia Ninja: 'Tomar posição sem vestir manto da falsa imparcialidade da grande mídia'


Mídia Ninja: 'Tomar posição sem vestir manto da falsa imparcialidade da grande mídia'

O ao vivo sem pós-produção da Mídia Ninja é capaz de despertar debates sem o aval da mesma mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. Em entrevista à Carta Maior, os ninjas reclamam da falta de um marco regulatório da mídia e dizem que "a ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população."

A simultânea crise e consolidação dos veículos tradicionais também recebe no seu seio mídias agora reconhecidas como alternativas. Com modo de expor particular: o fato tal como ele se dá e "se dando". O "ao vivo" sem pós-produção. O debate, então, é aberto obrigatoriamente sem aval da mesma grande mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. 


Desponta um grupo dentre estes que são conhecidos como meios alternativos de informação: o Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação). O grupo cedeu entrevista por e-mail à Carta Maior e nos contou sobre sua configuração e posição políticas. 



A iniciativa fala de dar poder aos novos protagonistas da realidade brasileira, mas também o posicionamento do mercado e Estado traz questionamentos que deverão seguir no horizonte dessa mídia que mesmo incipiente tem seu importante papel. Aprofundar e efetivar a liberdade de expressão para além do capital passa a ser hoje uma das principais pautas da expansão da democracia.



Carta Maior: Quando se iniciaram as atividades do grupo? Quantas pessoas participam do grupo e como são coordenadas suas atividades?



Mídia Ninja: O Ninja surge a partir de um acúmulo de mais de 15 anos de produção midialivrista no Brasil, de experiências que vão desde os fanzines e da blogosfera ao Fora do Eixo, rede que está em mais de 200 cidade no país e vem desenvolvendo tecnologias de comunicação e produção de conteúdo há 7 anos. Nesse processo aproximou de si outras redes, coletivos, jornalistas e midialivristas que, juntos, deram início a um projeto que ao mesmo tempo conseguiu que se fortalecesse um veiculo independente, como também catalisar uma rede de comunicação autônoma que usufrui dos frutos e ferramentas desenvolvidas durante esse histórico.



Hoje ele é uma rede descentralizada de comunicadores que buscam novas possibilidades de produção e distribuição de informação. São milhares de pessoas usando a lógica colaborativa de compartilhamento que emerge da sociedade em rede como premissa e ferramenta. A iniciativa veio à tona há meses atrás, durante a cobertura do Fórum Mundial de Mídia Livre na Tunísia. Desde então, o Ninja vem realizando coberturas por todo Brasil, apresentando pautas e abordagens omitidas na mídia tradicional.



CM: Qual, na opinião de vocês, é a função das narrativas independentes? De que maneira vocês quiseram retratar os atos e protestos dos últimos dois meses?



MN: A função das narrativas independentes é dar poder a cada vez mais gente para contar histórias a partir do ponto de vista do que estão vivendo. Mais do que uma ferramenta, é uma noção que ajuda a dimensionar a comunicação como serviço de utilidade pública.



Além de comunicadores, somos ativistas também. Quando fomos fazer a cobertura da vinda do Papa ao Brasil por exemplo, direcionamos o nosso olhar para entender quem era contra a visita de Francisco, não contra a religião, mas que protestava pela ausência de um Estado laico.



Logo, as nossas coberturas sempre explicitarão aquilo que de fato estamos vendo e vivendo. Nós também tomamos bombas em protesto, dois de nós já foram presos apenas por estar exercendo o direito à comunicação. Quando fazemos a cobertura de um protesto indígena ou quilombola, estamos de fato envolvido com aquela pauta, não se ganha legitimidade com quem está nas ruas apenas com discurso, a nossa prática de mídia precisa estar com a frequência modulada com o espaço-tempo da nossa geração.



CM: O que pensam do Marco Regulatório da Mídia? Como vocês veem o problema da mídia no Brasil?



MN: A ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população, e favorece a existência de oligopólios que tanto comprometem a pluralidade nos conteúdos que são veiculados quanto a independência nas pautas.



Outro ponto: a falta de um marco regulatório não condiz com o contexto político, que apresenta o empoderamento de uma nova geração de protagonistas. As possibilidades que temos com a tecnologia disponível hoje em dia e as possibilidades de democratização da produção de conteúdo também não são contempladas.



É dever do estado também promover a diversidade de opiniões. Uma lei contribuiria necessariamente para a não criminalização dos movimentos sociais, por exemplo. Além de garantir a diversidade e o direito de manifestação e liberdade de expressão, distribuindo de forma mais equânime e democrática o recurso público ou o espectro eletromagnético.



Da forma que está hoje, a Globo recebe uma porcentagem gigantesca das verbas de publicidade do governo e uma emissora como a Jovem Pan ocupa uma faixa de espectro equivalente a de centenas de rádios comunitárias.



CM: De que maneira vocês se colocam no debate político hoje?



MN: A mídia livre é um ato político, e todo ato precede necessariamente de um debate. Tomar uma posição diante do que estamos cobrindo sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia já é uma forma de se colocar.

domingo, 7 de julho de 2013

Cidadania e Vandalismo

Cidadania e Vandalismo
                              Guto Nadal – Secretario de Habitação-Bagé-RS – arquiteto e urbanista -especialista em Gestão Pública Participativa

Ingredientes para fermento na massa:
Lei FIFA com restrições do espaço territorial público + passagem de ônibus mais cara do mundo no comparativo do custo por hora de trabalho + violência policial abusiva em um ato pacífico + manipulação da grande mídia + instrumento de comunicação alternativo e instantâneo de abrangência mundial (WEB) com doses de mentiras e desinformações

                Sou da geração que passou a infância convivendo com a ditadura. Conheci movimentos de massa, no final da década de 70 a partir das greves de bancários, trabalhadores da construção civil, metalúrgicos e estudantes. E que resultaram em importantes avanços para os trabalhadores, estudantes e na construção do primeiro partido do país construído a partir de bases: o Partido dos Trabalhadores. No início da década de 80 (83 e 84) lutamos pelas eleições diretas que resultou na abertura política em 1985, na constituinte de 86-88 e na primeira eleição direta para presidente do nosso país em 1989. Em 1992, foi a vez de lutarmos frente a um mar de corrupção e o avanço do Neoliberalismo. O impeachment foi conquistado, à derrota neoliberal foi mais demorada. Começamos a derrota-lo a partir do Rio Grande do Sul, com a eleição de Olívio Dutra (1999-2002) o primeiro gestor público a implantar o Orçamento Participativo em um estado subnacional no mundo. Convivemos neste período com a era de FHC quando o avanço neoliberal fez com que o patrimônio dos brasileiros fosse vendido por valores irrisórios e ocorreu a precarização dos serviços públicos e a estagnação de nosso país. O salário mínimo chegava a 67 dólares em dezembro/2002 e apenas 95 mil jovens tinham acesso a universidade, a distribuição de renda era apenas um vale, nosso país era a 11ª economia mundial e os juros eram de 44 %, 33 milhões de brasileiros encontravam-se na linha de pobreza absoluta e o IDH ( Índice de Desenvolvimento Humano) era o mesmo dos países do terceiro mundo.

                Foi necessário elegermos (2002), reelegermos (2006) um trabalhador e uma mulher (2010) para presidente do país, para termos os mais diferentes avanços em políticas públicas. O salário mínimo, hoje supera a 300 dólares, 2 milhões de jovens tiveram acesso a universidade e a distribuição de renda beneficiou a mais de 27,9 milhões de brasileiros* que saíram da linha da pobreza absoluta e outros 40,3 milhões que ascenderam à classe C a partir da geração de 18 milhões de novos empregos, a geração de trabalho e renda para trabalhadores e a formalização de milhões de microempreendedores e trabalhadoras domésticas. Já foram construídas e entregues mais de um milhão de moradias. Para combater a corrupção as informações foram publicadas via WEB e foi criado o Conselho de Justiça, hoje nosso país é a 7ª Economia Mundial e os juros foram reduzidos para 8%, temos um IDH semelhante aos países desenvolvidos, para os capacitados vivemos uma situação de pleno emprego e estamos desenvolvendo um plano de capacitação de dimensões inéditas.

Hoje o mundo vive a luta contra a crise econômica,recessão, desemprego e a miséria. Enquanto, em nosso país vivemos um momento de estabilidade, de desenvolvimento econômico com distribuição de renda e inclusão social de milhões de brasileiros e brasileiras, contudo muito ainda falta a ser feito. Nos grandes centros os problemas de mobilidade urbana decorre do excessivo uso individual do automóvel. É necessário maior investimentos em mobilidade urbana de massas e valorização de alternativas de transporte não motorizados, nossa educação necessita de mais qualidade e valorização de nossos educadores, nossa saúde requer mais ações de descentralização com valorização dos trabalhadores da saúde e criação de centros de excelência regionais e maior valorização de médicos clínicos gerais. O combate a corrupção tem que ser constante e vigilante, temos que avançar em gestão pública participativa para que a cidadania tenha controle na aplicação dos recursos públicos.

                Nos últimos dias o Brasil foi chocalhado por manifestações articuladas a partir de redes sociais ( Faceboock, Twitter... ) que colocam nosso país na agenda de mobilização de massas tendo como com instrumento de comunicação a Web ( nova mídia), mobilizações semelhantes como já ocorreram em países como Espanha, Portugal, Grécia, França e Turquia. Porém oportunistas facistas querem disputar e despolitizar o movimento. Inclusive fazendo uso da violência para amedrontar a militância de centro-esquerda que sempre lutaram uma vida inteira pela qualificação dos serviços públicos e pela ética na política.

                Meu repúdio aos atos de vandalismo, banditismo, opressão e violência praticados nas manifestações que queremos que sejam pacíficas e democráticas, e não onde facistas agridem militantes de partidos de centro-esquerda e de esquerda. É importante resgatar que foi a polícia do governador do PSDB-SP que reprimiu violentamente a primeira manifestação de 5000 pessoas deste ciclo e que alimentou o noticiário inclusive provocando uma linha editorial da grande mídia de apoio a violência militar contra manifestações, onde trabalhadores, estudantes e jornalistas foram feridos.

                Somos solidários a juventude e a cidadania brasileiras que mobilizam-se pelo direito a mobilidade de qualidade, ao zelo pelo dinheiro público, por melhores políticas públicas para que nosso país continue a avançar. Mas não queremos ver em nosso país discurso e atos de despolitização usando os jovens e a cidadania para o retrocesso de nosso país. Queremos avançar, as bandeiras presentes de norte a sul, de leste ao oeste por um Brasil melhor são nossas bandeiras. O Brasil acordou? Para nós o Brasil nunca adormeceu, somos militantes no dia a dia, na sociedade, em nossos partidos, no serviço público e nos movimentos populares, lutamos para aprofundar e avançarmos para uma sociedade justa e democrática.

                Sou de esquerda e luto para fortalecer os fóruns e instrumentos da democracia participativa. Além dos movimentos que mencionei também participei de todas as Conferências das Cidades desde 2003. Fórum que também pauta avanços em questões defendidas pelo Movimento Cidadania Web: o transporte público e a mobilidade urbana. O Brasil esta neste momento fazendo o debate em diversas Conferências Setoriais para que os problemas de hoje serviam como solução para os de amanhã. Participar é exercer a cidadania, permitir que sejamos manipulados e oprimidos é defender aqueles que vencemos com a constituinte/88. Nossa Constituição não avançou tudo o que queríamos, por isso que defendemos também a Reforma Política. Defender a Cidadania e a Democracia é um dever de todos nós, coibir a repressão injustificada, o vandalismo e o facismo também. A jovem democracia brasileira merece nossa maturidade e nossa vigilância. Manifestação é um ato político. Parabéns a nova geração que quer dar continuidade ao que construímos até aqui. Vamos em frente, falta muito o que fazer. Vamos semear ? Passaremos por espinhos, apreciaremos as flores e finalmente colheremos os frutos que serão usufruídos pelas gerações atuais e futuras que estão por vir.
Brasil país justo, democrático e sem miséria é nosso sonho, e o seu ? A construção de um Brasil melhor iniciou a partir do Fórum Social Mundial, do qual somos protagonistas ontem, hoje, amanhã e sempre. Vamos a luta nosso país precisa de todos nós!

* OIT- Organização Internacional do Trabalho (2013)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A covardia europeia contra o presidente Evo Morales


Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-espião estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha. Por Eduardo Febbro.


Paris - Os europeus são incorrigíveis. Para não ficar mal com o império norteamericano são capazes de violar todos os princípios que defendem nos fóruns internacionais. O presidente boliviano Evo Morales foi o último a experimentar as consequências dessa política de palavras solidárias e gestos mesquinhos. Um rumor infundado sobre a presença no avião presidencial boliviano do ex-membro da Agência Nacional de Segurança (NSA) norteamericana, o estadunidense Edward Snowden, conduziu a um sério incidente diplomático aeronáutico entre Bolívia, França, Portugal e Espanha. 

Voltando de Moscou, onde havia participado da segunda cúpula de países exportadores de gás, realizada na capital russa, Morales se viu forçado a aterrissar no aeroporto de Viena depois que França, Portugal e Espanha negaram permissão para que seu avião fizesse uma escala técnica ou sobrevoasse seus espaços aéreos. Os “amigos” do governo norteamericano avisaram os europeus que Morales trazia no avião Edward Snowden, o homem que revelou como Washington, por meio de vários sistemas sofisticados e ilegais, espionava as conversações telefônicas e as mensagens de internet da maioria do planeta, inclusive da ONU e da União Europeia.

O certo é que Edward Snowden não estava no avião de Evo Morales. No entanto, ante a negativa dos países citados em autorizar o sobrevoo do avião presidencial, Morales fez uma escala forçada na Áustria. As capitais europeias coordenaram muito bem suas ações conjuntas para cortar a rota de Evo Morales. Surpreende a eficácia e a rapidez com que atuaram, tão diferente das demoradas medidas que tomam quando se trata de perseguir mafiosos, traficantes de ouro, financistas corruptos ou ladrões do sistema financeiro internacional.

Segundo a informação da chancelaria boliviana, o avião havia obtido a permissão da Espanha para fazer uma escala técnica nas Ilhas Canárias. Essa autorização também foi cancelada e, finalmente, o avião teve que aterrissar no aeroporto de Viena. Segundo declarou em La Paz o chanceler boliviano David Choquehuanca, “colocou-se em risco a vida do presidente que estava em pleno voo”. “Quando faltava menos de uma hora para o avião ingressar no território francês nos comunicam que tinha sido cancelada a autorização de sobrevoo”. O ministro pediu uma explicação tanto da França quanto de Portugal, país que tomou a mesma decisão que a França.

“Queremos nos amedrontar. É uma discriminação contra o presidente”, disse Choquehuanca. Em complemento a esta informação, o portal de Wikileaks também acusou a Itália de não permitir a aterrisagem do avião presidencial boliviano. Em Paris, o conselheiro permanente dos serviços do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault disse que não tinha nenhuma informação sobre esse assunto. Por sua vez, a chancelaria francesa disse que não estava em condições de comentar ocaso. Bocas fechadas, mas atos concretos.

Ao que parece, todo esse enredo se armou em torno da presença de Snowden no aeroporto de Moscou. Alguém fez circular a informação de que Snowden estava no aeroporto da capital russa com a intenção de subir no avião de um dos países latino-americanos dispostos a lhe oferecer asilo político. Snowden é procurado por Washington depois de revelar a maneira pela qual o império filtrava as conversações no mundo. O chanceler boliviano qualificou como uma “injustiça” baseada em “suspeitas infundadas sobre o manejo de informação mal intencionada” o cancelamento das permissões de voo para o avião de Evo Morales. “Não sabemos quem inventou essa soberana mentira; querem prejudicar nosso país”, disse Choquehuanca. “Não podemos mentir à comunidade internacional e não podemos levar passageiros fantasmas”, advertiu o responsável pela diplomacia boliviana.

Em La Paz, as autoridades adiantaram que não receberam nenhum pedido de asilo por parte de Edward Snowden. Evo Morales havia evocado a possibilidade de conceder asilo a Snowden, mas só isso. O mesmo ocorreu com outra vítima da informação e da perseguição norteamericana, o fundador do Wikileaks, Julian Assange. O mundo ficou pequeno para Edward Snowden. 

Assange está refugiado na embaixada do Equador em Londres e Snowden encontra-se há dez dias na zona de trânsito do aeroporto de Sheremétievo, em Moscou. Segundo Dmitri Peskov, o secretário de imprensa do presidente Vladimir Putin, o norteamericano havia solicitado asilo a Rússia, mas depois “renunciou a suas intenções e a sua solicitação”. Peskov esclareceu, porém, que o governo russo não entregaria o fugitivo para a administração norte-americana: “o próprio Snowden por sincera convicção ou qualquer outra causa se considera um defensor dos direitos humanos, um lutador pelos ideais da democracia e da liberdade pessoal. Isso é reconhecido pelos ativistas e organizações de direitos humanos da Rússia e também por seus colegas de outros países. Por isso é impossível a entrega de Snowden por parte de quem quer que seja a um país como os EUA, onde se aplica a pena de morte.

Quando se referiu ao caso de Snowden em Moscou, Evo Morales assinalou que “o império estadunidense conspira contra nós de forma permanente e quando alguém desmascara os espiões, devemos nos organizar e nos preparar melhor para rechaçar qualquer agressão política, militar ou cultural”. Os europeus, os campeões da defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade, demonstraram que suas relações com a Casa Branca estão acima de tudo e que podem pisotear os direitos de um avião presidencial caso isso seja preciso para que o grande império não se incomode com eles.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

terça-feira, 2 de julho de 2013

CAFEZINHO X GLOBO: "NÃO É SÓ O DARF!

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Síria: guerra civil ou como destruir a primeira democracia do Oriente Médio


 POR RAMEZ PHILIPPE MAALOUF   no CORREIO DA CIDADANIA



Nasce, sob um regime democrático, o Reino Árabe-Sírio

A República Árabe da Síria é apenas uma lasca do território da Síria histórica, cujo território corresponde, nos dias de hoje, ao Líbano, Jordânia, Palestina/Israel e porções do Iraque e da Turquia (o sanjack de Alexandreta, convertida pelos turcos em província de Hatay, cedido pelos franceses aos turcos, em 1939). O líder político sírio-libanês Antoun Saadeh, em seu projeto geopolítico da Grande Síria, chegou a reivindicar os antigos limites do Império Assírio, englobando ainda o Chipre, o Kwait e a Península do Sinai.

A Síria Histórica, denominada pelos árabes de Bilad al-Sham (Terra do Sol), foi habitada na Antiguidade pelos amoritas, fenícios-cananeus, arameus, hititas, entre outros, e foi dominada pelos assírios, babilônicos, egípcios, hititas, grego-macedônios e romanos. Em seu território, a religião Cristã foi fundada e disseminada para o mundo, a partir de Antioquia (hoje ocupada pela Turquia). Foi uma província do Império Romano e caiu sem resistência significativa ante a expansão árabe-muçulmana iniciada, a partir da Península Arábica, no século VII. Mesmo sendo habitada majoritariamente por cristãos, converteu-se na sede do primeiro Império Árabe-Muçulmano, o Omíada, que se estendia do Oceano Atlântico à Ásia Central (da Península Ibérica à Índia). No século XVI, passou a ser parte do Império Otomano (baseado na Anatólia).

Durante o expansionismo britânico, sob a égide do Capitalismo, no século XIX, os territórios do Império Otomano serviram como passagem obrigatória entre a Europa e a Índia, que se converteram numa zona tampão nas disputas imperialistas entre britânicos, russos, franceses e, marginalmente, italianos, alemães e norte-americanas.

Logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-18) e a derrota final dos otomanos (naquele momento turquicizados), em 1920, foi estabelecido pelo Tratado de São Remo o sistema de mandatos, no qual se firmou o domínio francês sobre a Síria (que incluía o Líbano e a província de Alexandreta, cedida aos turcos em 1939); e o domínio britânico sobre a Mesopotâmia (atual Iraque), Transjordânia e Palestina (hoje ocupada por Israel). O Tratado não respeitava a proclamação do Reino Árabe da Síria pelo Congresso Nacional Árabe-Sírio de 1920, sob a monarquia constitucional e parlamentar do rei Faysal al-Hachemi. Neste Congresso, também foi estabelecida a fundação de uma universidade e eleições livres e regulares. Isto é, o Reino Árabe-Sírio nasceu sob um regime democrático e laico. Não se estranha, portanto, que, nos dias atuais, mesmo sob um governo autoritário – o de Bassar al-Assad e do Partido Ba’ath –, a Síria segue tendo um parlamento funcionando com oito partidos legalizados (incluindo nacionalistas, socialistas e comunistas).

A divisão do território sírio, no combate à democracia e ao nacionalismo

Para combater a democracia síria e o nacionalismo árabe, a França dividiu o território sírio entre as comunidades confessionais para implodir qualquer identidade nacional e até mesmo de classe, acirrando o sectarismo religioso. Assim, surgiu o Líbano, extirpado para ser o “paraíso dos maronitas”, em 1920, o Estado Alauíta, o Estado do Monte Druzo, o Estado de Alepo (“sunita”) e o Estado de Damasco (“sunita”). Esta partilha resultou em sangrentas revoltas ferozmente reprimidas pelos franceses. Em 1924, a Síria voltaria a ser unificada, mas sem o Líbano, que permaneceria independente, fruto de um acordo entre a burguesia sunita local e as classes médias cristãs maronitas.

Portanto, a atual Síria é uma mutilação do histórico território da Síria, provocada por uma conjunção (cruel) de intervenções estrangeiras, sobretudo europeias, com interesses político-econômicos locais, não levando em conta a convivência milenar entrelaçada entre si de inúmeras etnias e comunidades religiosas. Esta conjunção levaria ao Acordo de Sykes-Picot-Sazonov, firmado entre Reino Unido, França e a Rússia czarista em 1916, dividindo a região em “zonas de influência” para cada potência. Os ingleses sabiam que não poderiam arcar sozinhos com o domínio sobre os territórios do Império Otomano desintegrado, por isso, resolveu partilhar a região com seus sócios/rivais para entretê-los enquanto seus interesses na Índia e no Extremo-Oriente eram preservados.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), a república democrática e constitucional da França se tornou aliada do regime nazista alemão e, portanto, inimiga da Inglaterra e dos EUA. Os ingleses atacaram o Líbano sob mandato, em 1941, levando à independência de facto do país, em 1943. Mas a independência da Síria de facto só ocorreria em 1946, após um bombardeio aéreo francês sobre Damasco, assassinando centenas de civis. A Síria nasceria como uma República constitucional, parlamentar, democrática e laica, recusando e refutando o sectarismo étnico e confessional instilado pelas potências europeias imperialistas, Inglaterra e França.

A Síria atual

A atual Síria está estrategicamente localizada no entroncamento entre a Ásia, África e Europa, fazendo fronteira a leste, com o Iraque, ao sul, com a Jordânia, a oeste, com o Líbano, ao norte, com a Turquia e, à sudoeste, com a Palestina ocupada por Israel. O país não tem limites com o Irã. Tem uma população atual de 22 milhões de pessoas, uma superfície de 186 mil km2. Embora seja banhado pelos rios Tigre e Eufrates, grande parte do território é ocupado pelo deserto da Síria. Sua economia, sob intervenção estatal, é ainda predominantemente agrícola, ainda que o turismo seja uma importante fonte de divisas.

Assim como o Brasil, a França, o Reino Unido, a Itália, os EUA, a Espanha, a Rússia e a China, a Síria também é uma sociedade multiétnica (com a presença de curdos, armênios, arameus, turcos e árabes, entre outros) e multiconfessional (ateus, judeus, católicos romanos, protestantes, assírios, caldeus, siríacos, jacobitas, greco-melquitas, greco-ortodoxos, armênios gregorianos, armênios ortodoxos, maronitas, xiitas, sunitas, druzos, ismaelitas, alauítas, entre outros). Esta pluralidade étnico-confessional está igualmente presente no Líbano, no Iraque, na Jordânia, no Egito e na Palestina (sob a ocupação de Israel). Uma pluralidade que polariza com o exclusivismo comunitário do “Estado judeu”. Não podemos nos surpreender, portanto, com a ferocidade com que os sírios combateram a fundação de Israel, não sendo derrotados no campo de batalha, entre 1948 e 1949.

Como vimos, antes, a Síria foi a primeira democracia do Oriente Médio, nascida da vontade dos árabes de se libertarem dos jugos otomano e europeu imperialista. Mesmo sob o domínio francês, sob a capa do mandato, “colonialismo que não ousa dizer seu nome”, segundo o historiador palestino Elias Sanbar, o Estado sírio manteve um parlamento funcionando com pluralismo partidário e eleições regulares. Esta breve experiência democrática foi bruscamente interrompida quando a guerra entre árabes e o recém fundado Estado de Israel eclodiram, em 1948, e mais de 780 mil palestinos foram expulsos pelas tropas israelenses, após sofrerem massacres. O parlamento sírio, enfurecido pelo apoio norte-americano aos israelenses, vetou a construção do oleoduto (Tapline) pela ARAMCO (Arabian-American Oil Company) ligando o Bahrein à cidade de Sidon, sul do Líbano, passando pelas Colinas de Golã, na Síria. O parlamento do Líbano já havia aprovado projeto do oleoduto e estava em compasso de espera, quando os EUA intervieram sob uma “ação encoberta” da CIA, chefiada pelo espião, músico e adido da embaixada norte-americana Miles Copeland (pai do baterista da banda de rock The Police), para derrubar o governo. Iniciou-se, desta forma, a tradição intervencionista ianque, que se tornaria tristemente célebre em golpes de Estado no Irã, em 1953, e na Guatemala, em 1954, para não falarmos do Brasil, em 1964.

Estado de Israel, o ciclo de ditaduras militares na Síria e sua relação com o Iraque

O presidente sírio Chuckri al-Kwatli foi deposto por um golpe militar liderado pelo Coronel Hosni Zaim, cujo objetivo era tornar a Síria “o primeiro país árabe a reconhecer oficialmente o Estado de Israel”. Não poupou esforços para tal. O coronel-ditador expulsou para o Líbano o líder libanês nacionalista Antoun Saadeh, chefe do Partido Sírio Nacional-Socialista, uma das primeiras milícias a combater Israel. Visando ter apoio árabe em seu intento de alcançar a paz com os israelenses, aproximou-se dos reis hachemitas (aliados dos sionistas desde 1919) que governavam o Iraque e a Jordânia. Esta aproximação se revelaria fatal, pois a Arábia Saudita era inimiga das duas monarquias árabes. Em menos de seis meses no poder, o coronel Hosni Zaim foi deposto por outro golpe militar, dando continuidade ao ciclo sírio de golpes e de ditaduras militares. Por isso, Síria seria apelidada de “A Bolívia do Oriente Médio”.

A rivalidade entre as monarquias pró-Ocidentais (hachemitas no Iraque e na Jordânia e o reino saudita) revelava tanto a disputa entre as companhias de petróleo inglesas e norte-americanas, quanto também a geopolítica regional. Dois eixos geopolíticos se tornariam uma constante prevalecendo sobre o Crescente Fértil (arco que compreende Síria, Iraque, Líbano, Palestina/Israel, Kwait e Jordânia) até a invasão anglo-americano-australiana do Iraque, em 2003: o pró-hachemita (ou pró-Inglaterra), formado pelo Iraque e Jordânia; e o pró-saudita (ou pró-EUA), formado pela Síria, Arábia Saudita e Egito. Sempre quando a Síria tentou se aproximar do Iraque (integrando o “Crescente Fértil”) e enfrentou a Arábia Saudita, sofreu desestabilização - isto ocorreu duas vezes em 1949, em 1963, em 2003 e agora em 2011.

A integração (para não falarmos de uma união) entre Síria e Iraque é uma ameaça geopolítica à Arábia Saudita, à Jordânia, ao Egito, ao Líbano, a Israel, à Turquia e ao Irã. A partir de 1963, ambos países árabes passaram a ser governados pelo partido Ba’ath (“Ressurreição), formando o núcleo duro do nacionalismo árabe, reformando as sociedades ainda de base rural, adotando um modelo nacional-desenvolvimentista para a economia, com forte intervenção estatal. Desta forma, foi possível criar uma burguesia sob tutela do Estado. Assim, o “socialismo” como bandeira do Ba’ath era uma forma de capitalismo estatal, sob forte influência do modelo turco-kemalista. As sociedades síria e iraquiana se modernizaram, permitindo a formação de uma classe média urbana. Este processo de modernização, que se intensificou ao longo dos anos 1960, anulou o que restava de divisões sectárias. A forte presença de líderes de confissão sunita no Iraque (cuja presença demográfica dos muçulmanos xiita fosse expressiva) e de alauítas na Síria (de maioria sunita) significava apenas que iraquianos e sírios não viam as chamadas “minorias” no poder como ameaças, mas, sim, como o bem-sucedido processo de integração social-cultural-econômica de todas etnias e comunidades religiosas que a modernização havia promovido nestas duas nações chaves do nacionalismo árabe. Neste período áureo do nacionalismo árabe, o confessionalismo não encontrava eco nestes dois países, especialmente no Iraque, onde a modernização foi mais profunda, ocasionando a formação de um dos mais influentes partidos comunistas do Oriente Médio.

Esta integração interna resistiu às pressões externas, mas não permitiu que uma aproximação entre Síria e Iraque se concretizasse. Síria se unificaria com o Egito por um breve período, sob o regime militar e nacionalista árabe do coronel Nasser, entre 1958 e 1961, e o Iraque sofreria uma revolução que substituiu uma monarquia cliente da Inglaterra por um regime militar nacionalista e modernizador, em 1958, causando uma nova aliança tática entre EUA e líder egípcio contra os iraquianos.

Em 1967, Israel atacaria Síria, Egito e Jordânia, a Guerra dos Seis Dias, vencendo-os de forma arrasadora, desmoralizando a liderança de Nasser e o nacionalismo árabe. Os israelenses anexaram territórios sírios (Colinas de Golã) e sob os controles egípcio (Faixa de Gaza) e jordaniano (Cisjordânia). A Arábia Saudita sairia do conflito, do qual não participou, como o verdadeiro vencedor, ao ter seus inimigos ideológicos derrotados. A derrota mudaria os rumos do Ba’ath em Damasco.

Nos anos 1970, após a morte de Nasser, a rivalidade entre Síria e Iraque se acentuou, apesar de serem governados pelo mesmo partido, o Ba’ath, com a chegada ao poder respectivamente dos presidentes-ditadores Hafez al-Assad e Saddam Hussein (este ainda “eminência parda” do poder em Bagdá).

Hafez al-Assad, no poder, mesmo sendo oficialmente aliado da URSS, se aproximaria dos EUA (e, por tabela, da Arábia Saudita), seguindo os passos do presidente-ditador egípcio Anwar Sadat, sucessor de Nasser, enquanto Saddam Hussein, ditador de facto do Iraque, mantinha-se afastado de Washington. Síria e Egito contra-atacariam Israel em 1973, para recuperar os territórios ocupados. A intransigência israelense e norte-americana foi bem sucedida ao final das contas. Egito assinaria acordos de armistício com Israel que desembocariam nos Acordos de Paz de Camp David, entre 1978 e 1979. Ao mesmo tempo, apoiada pelos EUA, Síria enviaria tropas ao Líbano, em guerra civil, para impedir a vitória da coalizão “progressista muçulmano-palestina”, que ameaçava exterminar os libaneses cristãos. Ao contrário do que era dito na época, Hafez al-Assad não visava anexar o Líbano, mas impedir que a vitória  palestina abrisse o caminho para uma invasão israelense do território libanês, levando os sírios a terem mais uma frente de guerra com Israel, além das Colinas de Golã.

Primeiros confrontos internos, expansão do setor privado e desigualdade social

O envolvimento sírio no Líbano contra os “muçulmanos” acarretou o primeiro confronto interno sírio entre o regime de Assad e a pequena burguesia desfavorecida pelo surgimento de uma nova burguesia, baseada em Alepo e em Damasco, fortalecida com a política de relativa liberalização econômica adotada ao assumir o poder. Esta pequena burguesia era formada por pequenos comerciantes e artesãos, que eram mais inclinados aos apelos religiosos, especialmente do ramo sírio da Irmandade Muçulmana (uma ONG multinacional confessional sunita, fundada no Egito, anti-comunista, anti-xiita e anti-nacionalista). Ela se sentiu marginalizada pelo novo arranjo econômico que Assad desenhou para o país, que era baseado nas estatais subsidiadas pelos capitais das petromonarquias do Golfo Árabe-Pérsico. Estas empresas estatais espalhadas pelo país arrasaram os negócios dos pequenos comerciantes, em sua maioria sunitas. A intervenção “anti-muçulmana” no Líbano e a dizimação dos pequenos negócios tornaram os conservadores mercadores mais suscetíveis aos apelos sectários dosIrmãos Muçulmanos, levando a um confronto armado que desembocou no arrasamento da cidade de Hama, base do grupo islâmico, pelas tropas do governo em fevereiro de 1982. Os mais de 10 mil mortos no ataque revelam a coesão do regime, formado pelo Partido Ba’ath e os novos burgueses, que eram em geral: ex-funcionários públicos (ou parentes ou amigos destes) das empresas estatais criadas nos primeiros anos governo Assad, além de membros do regime.

Com um novo modelo econômico, em detrimento do antigo “socialismo prussiano” do Ba’ath, o setor privado não tardaria a superar o setor estatal, aumentando a concentração de renda e a desigualdade social no país, ao longo dos anos 1990. Com a morte de Hafez al-Assad, em 2000, seu filho Bassar al-Assad o sucedeu, dando início de imediato à chamada “Primavera de Damasco”, uma relativa liberalização política (arrefeceu a censura, libertou presos políticos, legalizou partidos políticos, diminuiu a presença militar no Líbano), com um aprofundamento da liberalização econômica. Assim, bancos privados foram autorizados e uma bolsa de valores foi criada em 2005.

A configuração econômica adotada pelo pai de Bassar, Hafez, ajuda a entender, parcialmente, o alinhamento quase incondicional com a Arábia Saudita, a ponto de não confrontar diretamente a invasão israelense do Líbano de 1982 (que favorecia os xecados do Golfo, ao arrasar irreversivelmente a praça financeira libanesa), de combater os interesses do Irã no Líbano (apoiando o Amal contra o Hizbollah) e de apoiar o ataque da coalizão liderada pelos EUA ao Iraque, em 1991. Certamente, a invasão israelense tornaria o Líbano um satélite do Ocidente e do invasor; por este motivo, a Síria se voltaria para a URSS para se armar e montar uma sangrenta e brutal contraofensiva, que resultou na expulsão dos EUA do Líbano e o recuo de Israel para o sul do pequeno país árabe, impedindo, por tabela, a rendição dos palestinos frente aos israelenses.

Ramez Philippe Maalouf, historiador, é doutorando em Geografia Humana na USP.

Protestos: Por que esses vândalos não sofrem em silêncio?



Alguém acha que a realidade vai mudar apenas com protestos on line ou cartas enviadas ao administrador público de plantão? Ou que a natureza de uma ocupação de terra, de uma retomada de um território indígena ou de uma manifestação urbana não pressupõe um incômodo a uma parcela da sociedade?
Fiquei bege ao ler propostas de que manifestações populares em São Paulo passem a ser realizadas no Parque do Ibirapuera ou no Sambódromo. Pelo amor das divindades da mitologia cristã, o pessoal só pode estar de brincadeira! Desculpe quem tem nojo de gente, mas protesto tem que mexer mesmo com a sociedade, senão não é protesto. Vira desfile de blocos de descontentes, que nunca serão atendidos em suas reivindicações porque deixam de existir simbolicamente. “Quesito: Importância social. Sindicato dos Bancários, nota 10. Movimento Passe Livre, nota 10. Movimento Cansei, nota 6,5.”
Parar a cidade, inverter o campo, subverter a realidade. Ninguém faz isso para causar sofrimento aos outros (“ah, mas tem as ambulâncias que ficam presas no trânsito” – faça-me um favor e encontre um argumento decente, plis), mas para se fazer notado, criar um incômodo que será resolvido a partir do momento em que o poder público resolver levar a sério a questão.
Ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações.
Rascunhei em outro texto essas ideias, mas decidi dar prosseguimento a elas depois de ler os comentários de um post que fiz, na semana passada, sobre os protestos contra o aumento das passagens em São Paulo. É trágico como milhares de pessoas não entendem o que está acontecendo e, tomando uma pequena parte pelo todo, resumem tudo a “vandalismo”. Não defendo destruição de equipamentos públicos, por considerar contraproducente ao próprio movimento, pela escassez de recursos públicos, por outras razões que já listei aqui antes. Mas é impossível para os organizadores de uma manifestação controlarem tudo o que acontece, ainda mais quando – não raro – é a polícia que ataca primeiro.
E, acima de tudo, não compactuo com uma vida bovina, de apanhar por anos do Estado, em todos os sentidos e, ainda por cima, dar a outra face, engolindo as insatisfações junto com cerveja e amendoim no sofá da sala.
Muitos detestam sem-terra, sem-teto e povos indígenas. Abominam a ideia de que o direito à propriedade privada e ao desenvolvimento econômico não são absolutos. Mas os direitos humanos são interdependentes, indivisíveis e complementares. O que é mais importante? Direito à propriedade ou à moradia? Não passar fome, locomover-se livremente ou desfrutar da liberdade de expressão? Todos são iguais, nenhum é mais importante que o outro. Intelectuais que pregam o contrário precisam voltar para o banco da escola.
E direitos servem para garantir a dignidade das pessoas, caso contrário, não são nada além de palavras bonitas em um documento quarentão.
Leio reclamações da violência das ocupações de terras – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flexas, enxadas e paciência.  Ou ainda manifestantes que exigem o direito de ir e vir, tolhido pelo preço alto do transporte coletivo, e que resolvem ir às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público recue de decisões que desconsideram a dignidade da população. Todos eles são uns vândalos.
Por que essa gente simplesmente não sofre em silêncio, né?
Caro amigo e cara amiga jornalistas, falo com todas as letras: não existe observador independente. Você vai influenciar a realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido e, se for honesto, deixará isso claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem ser necessário buscar uma pretensa imparcialidade, mas isso é só metade da história. Deve se buscar ouvir com decência todos os lados de um fato para reconstruí-lo da melhor maneira possível. Afirmar que existe isenção em uma cobertura jornalística de um conflito, contudo, só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade.
Isso sem contar que tentar manter-se alheio a reivindicações justas é, não raro, apoiar a manutenção de um status quo de desigualdade e injustiça. Coisa que, por medo, preguiça, vontade de agradar alguém ou pseudo-reconhecimento de classe, a gente faz muito bem.
Manifestações populares e ocupações de terra e de imóveis vazios significam que os pequenos podem, sim, vencer os grandes. E os rotos e rasgados são capazes de sobrepujar ricos e poderosos. Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária desses atos.
Muitas das leis desrespeitadas em protestos e ocupações de terra não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está. Você pode fazer o omelete que quiser, mas se quebrar os ovos vai preso.
Enquanto isso, mais um indígena foi emboscado e morto a tiros no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo, não um homem de bem.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Alarme de incêndio: o fascismo espreita a crise


 POR MILTON PINHEIRO   no CORREIO DA CIDADANIA



No último dia 5 de junho, o jovem estudante Clément Méric, 18 anos, foi espancado até a morte por hordas fascistas na cidade de Paris, França. O triste fato, mais que um acontecimento político, desperta o alarme de incêndio na sociedade em tempos de crise. A sociedade tardo-burguesa, na aurora do século XXI, tem se mostrado incapaz de produzir uma solução estratégica que possibilite a saída da crise e a continuidade da lógica capitalista; no entanto, continua em vigor a manutenção do seu projeto societário através de agressivos ajustes ideológicos. Essa crise cresceu, expandiu-se sobre a sociedade e consolidou-se numa crise sistêmica que está colocando em xeque as instituições da ordem burguesa e o sistema capitalista, expondo a crescente erosão institucional desse sistema predatório.

A particularidade mais visível da crise sistêmica global, que é a crise financeira mundial, já se estende por um período de seis anos e continuará por um tempo ainda mais longo. Não existe uma causalidade única para a crise, mas, examinando esse processo, a partir das descobertas científicas de Marx n´O Capital, pode-se concluir que essa crise tem na superprodução seu elemento determinante. Apesar de o Estado burguês ter injetado uma quantidade substancial de recursos para evitar o aprofundamento da crise, o equilíbrio do sistema está cada vez mais distante. O que se apresenta na cena do capitalismo é a anarquia social da produção. O descompasso entre oferta e demanda tem aprofundado a erosão do sistema, gerando pobreza para o conjunto dos trabalhadores e luxo exorbitante para a burguesia. Apesar do aporte de cifras substanciais por parte do fundo público – algo em torno de alguns trilhões de dólares para evitar o colapso do sistema bancário –, a fome ataca centenas de milhões de pobres em todo o mundo e aprofunda o pauperismo dos trabalhadores.

Esse ciclo de erosão societária remete a um processo de restauração tardo-burguesa. A degeneração ideológica do pensamento burguês falsifica e naturaliza a crise através da violência do Estado, quando ataca os direitos sociais dos trabalhadores, quando avança sobre o fundo público, quando modifica a legislação colocando em seu lugar regulações reacionárias e que vão, via o aparato jurídico-político, esgarçando o tecido social.

Estamos começando um período histórico em que a crise levará à abertura da cena política, quando o imponderável poderá se tornar realidade numa velocidade extraordinária. Os efeitos desse projeto de barbárie já se manifestam para além do aumento da recessão, do desemprego, do eclipse financeiro. Esses fatores se consolidam na crise de subjetividade dos trabalhadores, na xenofobia crescente que se alastra pela Europa e, até mesmo, na periferia de São Paulo (vide o tratamento dispensado aos bolivianos), no racismo que infesta os estádios na Europa, no rigor com que a “classe média” exige novas leis para punir os pobres (vide a campanha pela mudança na maioridade penal no Brasil), nas legislações fascistas que visam impedir que os comunistas disputem as eleições (Hungria), na ascensão do populismo neofranquista na Espanha, no crescimento dos partidos fascistas na Grécia, Holanda, Itália e Áustria.

Acendeu o alarme de incêndio, precisamos do freio de emergência para conter a barbárie. A crise sistêmica está erodindo as estruturas da institucionalidade burguesa e essa classe começou a construir brechas para a ação do fascismo. A morte do jovem lutador Clément Méric deve iluminar a compreensão sobre os caminhos a trilhar e as lutas a desenvolver, agora, no fogo da conjuntura.

O fascismo, em síntese, é uma possibilidade política de caráter social conservador que se apresenta durante o período do imperialismo capitalista para tentar se consolidar no desenvolvimento do capitalismo monopolista, apresentando-se como um instrumento de modernização social de corte irracionalista, alimentado por uma cultura de consumo dirigida a partir da vigência do capital financeiro. Essa sociedade da lógica tardo-burguesa tem estimulado a guerra imperialista, desenvolvido o misticismo da aparência para fugir da ciência e da filosofia, se aquartelando nos “nacionalismos chauvinistas”, no anticomunismo e nas saídas da contrarrevolução permanente (governos da ordem neoliberais).

Diante desse processo de emergência se faz necessário a “unidade da teoria e da prática”, como pensado por Marx. É importante acabar com o espaço político para a manobra fascista que se utiliza do pragmatismo radical, e suas técnicas de propaganda, para fazer a disputa ideológica, agindo em campo aberto de forma “antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário”, aplicando, em muitos momentos, a violência física, estabelecendo o medo e o terror.

Contudo, a abertura da cena política, com sua imprevisibilidade, está forjando um mundo em convulsão que tem movimentado milhões de trabalhadores. Partem da indignação, se comportam de forma espontaneísta, balançam estruturas com greves e manifestações. A história do tempo presente está lançando uma palavra de ordem: urge a auto-organização dos trabalhadores. É tarefa da emergência histórica organizar a vanguarda para, quando os trabalhadores se movimentarem, ter condições políticas de dirigir as batalhas que a luta de classes acena. Numa só palavra, precisamos da construção do operador político enquanto sujeito coletivo que tenha capacidade de formular e agir a partir de um projeto orgânico dos trabalhadores. Esse operador político se constitui de forma diversa para, a partir da unidade do bloco revolucionário do proletariado, fazer o enfrentamento à ordem do capital, impedindo assim que o fascismo em seu novo ciclo vença. Ao mesmo tempo, esse instrumento de vanguarda, orgânico aos trabalhadores, deve construir a possibilidade da revolução.

Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), autor/organizador, entre outros, do livro Teoria e prática dos conselhos operários, juntamente com Luciano Cavini Martorano, no prelo (Expressão Popular, São Paulo, 2013).