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terça-feira, 26 de março de 2013

Anistia Internacional diz que Feliciano é “inaceitável” e pede substituição


“É grave que (Feliciano) tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome” | Foto: Alexandra Martins / Câmara Federal
Da Redação do SUL21
A sede brasileira da Anistia Internacional, movimento global em prol dos direitos humanos, publicou nesta segunda-feira (25) uma nota pública sobre a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. No comunicado, a organização se declara preocupada com a indicação de Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão e pede para que o “equívoco” da nomeação do pastor seja reparado. De acordo com a nota, a escolha de Feliciano é “inaceitável” devido a suas posições preconceituosas.
Feliciano, que assumiu a presidência da CDHM no início de março, tem sido alvo de protestos de diversos setores da sociedade por suas declarações consideradas racistas, machistas e homofóbicas. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, é uma das personalidades que já se manifestou sobre o caso, pedindo que Feliciano ouvisse a seus opositores. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, prometeu na última quinta-feira (21) que uma decisão sobre a presidência da Comissão seria tomada nesta terça-feira (26).
Leia na íntegra a nota da Anistia Internacional Brasil:
A Anistia Internacional vem a público expressar sua preocupação com a permanência do Deputado Marco Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mesmo após enorme mobilização de diferentes setores da sociedade brasileira, especialmente daqueles ligados às lutas pelos direitos de populações tradicionalmente vítimas de intolerância e violência, solicitando a sua substituição.
A Comissão de Direitos Humanos é uma instância fundamental para a efetivação das garantias de cidadania estabelecidas na Constituição. É essencial que seus integrantes sejam pessoas comprometidas com os direitos humanos e possuam trajetórias públicas reconhecidas pelo compromisso com a luta contra discriminações e violações que continuam a fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira.
As posições claramente discriminatórias em relação à população negra, LGBT e mulheres, expressas em diferentes ocasiões pelo deputado Marco Feliciano, o tornam uma escolha inaceitável para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Proteção de Minorias. É grave que tenha sido alçado ao posto a despeito de intensa mobilização da sociedade em repúdio a seu nome.
A Anistia Internacional espera que os(as) parlamentares brasileiros(as) reconheçam o grave equívoco cometido com a indicação do Deputado Feliciano e tomem imediatamente as medidas necessárias à sua substituição. Direitos fundamentais não devem ser objeto de barganha política ou sacrificados em acordos partidários.
Anistia Internacional Brasil

sexta-feira, 22 de março de 2013

Prostituição: regulamentar não é a solução



TICIANE NATALE, DA SECRETARIA DE MULHERES DO PSTU-SP



• Nos centros e ruas de qualquer cidade de nosso país, a prostituição é uma realidade. Está diretamente relacionada com a pobreza e a desigualdade, já que se prostituir acaba sendo a única forma de sobrevivência para milhares de pessoas. Ainda que não seja uma atividade exclusiva da mulher, ela é o maior alvo da prostituição. Isso se dá pela localização de superexploração no capitalismo e pela ideologia machista que estimula o mercado da sexualidade a naturaliza a violência inerente à atividade que “de fácil” não tem nada. Discutir o tema interessa à classe trabalhadora, especialmente quando há um projeto de regulamentação da profissão de prostituta.

A vida “nada fácil” da prostituição
Apesar de serem popularmente conhecidas como “mulheres de vida fácil”, a realidade delas é das piores. A violência está presente a todo instante. Não é possível coibir a violência nesta atividade pautada na venda do serviço sexual da mulher que coloca o cliente como dono de seu corpo e de sua sexualidade. O estigma de que são mulheres inferiores ou até objetos e a tamanha privacidade exigida pela prática, às portas fechadas, faz com que a situação possa facilmente sair do controle e, assim, estupros são recorrentes. Numa pesquisa no Reino Unido, 37% das mulheres que trabalham nas ruas do país afirmaram ter sido estupradas nos três meses anteriores à entrevista.

Na verdade, é comum que os estupros sejam vistos como “ossos do ofício” para estas mulheres, assim como agressões e xingamentos. Por vezes, elas são educadas desde crianças a base de socos para se submeterem ao trabalho sexual. Também é frequente que a violência seja utilizada pelos clientes para que as mulheres não usem preservativos, tornando-as vulneráveis a diversas doenças sexualmente transmissíveis. Muitas acabam recorrendo a drogas pesadas e ao alcoolismo para fugir do alto estresse.

Como vemos, a violência física, psicológica, patrimonial, entre outras, são inerentes a este tipo de profissão. A atividade destrói a saúde dessas mulheres. Assim, não é de se assustar que a taxa de mortalidade das mulheres prostituídas seja 40 vezes maior do que a taxa da população em geral segundo a ONG europeia Coalizão contra o Tráfico de Mulheres (CATW na sigla em inglês).

Há também a alienação do próprio corpo, com a sexualidade da mulher submetida às necessidades econômicas de conseguir dinheiro e não servir a seu prazer. Isso faz com que seja reafirmada a ideia de que a mulher é propriedade do homem, sendo apenas um objeto ou pedaço de carne.

Entendemos que a prostituição deve ser abolida, por ter uma opressão e violência inerentes em proveito daquele que pode pagar. No entanto, entendendo-se que tal ordem de coisas só pode acabar no socialismo, qual é a melhor forma de proteger e melhorar a situação das mulheres em situação de prostituição?

Regulamentação não defende a mulher prostituída
O ato de se prostituir é permitido no Brasil, sendo reconhecido como ocupação profissional pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas ainda sem regulamentação. A exploração da prostituição é considerada crime, portanto, é proibida. Os projetos de regulamentação apresentados até hoje no Brasil sempre apareceram como uma alternativa para defender as prostitutas, mas em verdade visam legalizar as casas de prostituição, o incentivo e a facilitação para se prostituir. E não é coincidência que o debate da regulamentação se torne mais forte hoje bem no momento em que grandes empresários fazem planos para aumentar seus lucros com os megaeventos que ocorrerão por aqui, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Recentemente, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) propôs o Projeto de Lei 4211/12 (PL Gabriela Leite) para regulamentar a atividade com o suposto argumento de que a Lei protegerá as mulheres em situação de prostituição. Mas o próprio projeto anuncia seu objetivo: criar uma “Lei que distingue o que é a prostituição e o que é a exploração sexual, institutos confundidos no atual código penal”. Soma-se a isso o fato de que há no Senado um projeto de Reforma do Código Penal, que acaba com a punição para os proprietários de prostíbulos.

O código penal brasileiro, hoje, em seu artigo 228, proíbe qualquer tipo de exploração sexual. O PL 4211/12 propõe que exploração seja entendida como o não pagamento, coação e apropriação total ou maior que 50% do rendimento da prestação sexual por terceiro. Ou seja, abaixo de 50% do valor total do serviço, seria permitida a apropriação do pagamento por outrem, não sendo considerada exploração sexual.

Os projetos de regulamentação da prostituição buscam criar padrões mínimos para a exploração sexual, tornando-a oficialmente aceitável em troca de direitos trabalhistas para as mulheres prostituídas e, supostamente, mais segurança e higiene para elas. No entanto, a prostituição não precisa ser regulamentada para que as mulheres tenham acesso à saúde, segurança e políticas públicas específicas, além do dever do Estado em prestar assistência social irrestrita.

A regulamentação apenas servirá para legitimar a violência cotidiana da prostituição, além de legalizar a dos intermediários, popularmente conhecidos como cafetões, assim como os prostíbulos. Ou seja, a exploração dessas mulheres será legalizada, e elas estarão subordinadas às ordens, controle de sua sexualidade e do pagamento do programa, em que parte significativa irá para seus chefes.

Diante destes projetos, vemos que quem vai lucrar com a regulamentação da prostituição serão os grandes empresários do sexo, impondo a lógica do lucro à exploração do corpo e da sexualidade das mulheres. Além disso, a prática passa a ser incentivada como boa alternativa para as mulheres – principalmente jovens, sem experiência e qualificação – eximindo o poder público de buscar alternativas para o desemprego feminino.

Aprofundando o problema, a regulamentação ainda incentiva os mercados intimamente relacionados com a prostituição, como o aliciamento de menores e o tráfico internacional de mulheres e crianças, rendendo altos lucros para os exploradores. 

Regulamentar não significa defender as mulheres prostituídas. Na atualidade, inclusive, podemos tomar como exemplo a expressiva derrota da proteção da vida das mulheres e crianças nos países em que se regulamentou a atividade. A Holanda é o caso mais emblemático: o tráfico de mulheres para este país subiu 260% nos primeiros três anos após a lei regulamentadora, assim como também aumentou a prostituição infantil, segundo pesquisa da Universidade de Rhode Island. O mercado do sexo se tornou mais competitivo, a quantidade de traficantes de mulheres e cafetões cresceu, a lógica do maior lucro com redução de custos se impôs e houve a precarização das condições de trabalho e maior exploração das mulheres prostituídas. O governo holandês perdeu o controle da atividade para a forte burguesia internacional que comanda o mercado e agora discute rever a regulamentação. O agravamento dos mesmos problemas se deu na Alemanha e nos locais da Austrália em que a atividade foi regulamentada.

A prostituição só traz benefícios para a burguesia e é por isso que apoia a regulamentação, na busca desenfreada pelo lucro em cima da escravização do corpo da mulher e na violência. E vê-se que mais uma vez o reformismo deposita suas ilusões no discurso da burguesia, enquanto que as contrapartidas para os trabalhadores mostram-se falaciosas.

Nossa proposta para defender as mulheres em situação de prostituição
Entendemos que a regulamentação legitima a exploração da mulher para garantir altos lucros para a indústria do sexo. Não garante os direitos trabalhistas e sociais necessários a todas as trabalhadoras. E, pior, garante melhores condições para manter legal um comércio muito perverso e lucrativo, vitimiza e escraviza as mulheres pobres trabalhadoras.

A solução, em primeiro lugar, deve começar com a defesa das mulheres em situação de prostituição, para que fiquem menos vulneráveis à polícia e aos cafetões. Devemos imediatamente lutar por políticas públicas e direitos de seguridade social para estas mulheres. Mas junto com isso, ter um programa de emprego e qualificação para que possam ter alternativas à prostituição, para que possam, caso desejem, romper com o ciclo da violência.

Assim, uma saída para defender as mulheres inclui:
  • Garantia de direitos sociais e previdenciários para todas as mulheres, incluindo as que estão em situação de prostituição, assim como defendemos a extensão desses direitos para as trabalhadoras informais, donas-de-casa, desempregadas, pessoas em completa vulnerabilidade social, como forma de reparação social!
  • Construção de Centros de Referência que ofereçam abrigo, formação profissional e direcionamento ao mercado de trabalho para atender as mulheres em situação de prostituição, crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual!
  • Política de geração de emprego e renda como alternativa às mulheres em situação de prostituição!
  • Política de capacitação profissional e renda para as famílias das crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual!
  • Luta contra todas as formas de violência contra as mulheres em situação de prostituição, principalmente, a violência policial!

    E, acima, de tudo, queremos o fim da Prostituição. Só o socialismo poderá construir as bases de uma sociedade sem classes, sem desigualdade, opressão e exploração, para que a prostituição possa ser definitivamente eliminada. 
  • quarta-feira, 13 de março de 2013


    “Pastor das trevas” e direitos humanos

    http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br
    Por Altamiro Borges

    Milhares de pessoas participaram ontem (9) de uma passeata em São Paulo – da Avenida Paulista até a Praça Roosevelt – em protesto contra a indicação de Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal. A rejeição ao deputado – que já foi batizado nas redes sociais de “pastor das trevas” – saiu da internet para ganhar as ruas. De acordo com a Polícia Militar, o ato reuniu “entre 800 e 1.200 pessoas”. Já para os organizadores, ele contou com milhares de ativistas.

    Segundo Igor Carvalho, da revista Fórum, “aos gritos de ‘racista, ladrão, cadê a solução’ e ‘se até o papa renunciou, Feliciano, sua hora já chegou’, representantes de diversos movimentos sociais, com forte predominância dos ativistas da causa LGBT, chegaram a deitar nas quatro faixas da Rua Consolação, parando o trânsito... ‘Somos, aqui, com certeza umas 20 mil pessoas protestando contra essa vergonha nacional, contra essa anomalia que é a eleição de Marcos Feliciano’, disse Daniel de Ogum, um dos organizadores”.

    “Fatos novos” podem reverter a eleição

    Também ocorreram protestos no Rio de Janeiro e Brasília. Pelas redes sociais, que coletaram 70 mil assinaturas numa petição contra a eleição do deputado/pastor em apenas um dia, novos atos estão sendo agendados para os próximos dias. Diante da forte resistência, até o presidente da Câmara Federal, deputado Henrique Eduardo Alves, já admitiu a hipótese de reverter a decisão, caso surjam “fatos novos... A Câmara poderá avaliar a situação da comissão, mas respeitando o direito de cada parlamentar e de cada partido”, afirmou.

    O próprio Marco Feliciano já sentiu o baque da rejeição. Em entrevista hoje à Folha, ele tentou posar de vítima e anunciou que pedirá proteção policial. “A situação está tomando dimensões muito estranhas. É assustador, estou me sentindo perseguido como aquela cubana lá. Como é o nome? A Yoani Sánchez”, choramingou. Mesmo assim, ele garantiu que não renunciará ao cargo. “Não estou preocupado” com os protestos. Maroto, ele ainda jogou a culpa por sua eleição no PT, que abriu mão da presidência do CDHM.

    Eleição tumultuada e STF

    Marco Feliciano foi eleito presidente da CDHM na quinta-feira (7). Ele teve 11 votos dos 18 possíveis – um deputado votou em branco e outros seis abandonaram a sessão. A votação foi feita às portas fechadas, mas houve protestos de um grupo de ativistas a sua escolha. Quem saiu em sua defesa foi o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que na semana anterior ciceroneou a dissidente cubana Yoani Sánchez. Aos berros, ele extravasou seus instintos fascistas, chamando os manifestantes de “baderneiros” e gritando “vão para o zoológico”.

    O pastor só chegou ao cargo devido ao rodízio entre os partidos nas várias comissões existentes na Câmara. O Partido Social Cristão bancou a provocação ao indicá-lo e agora é alvo de uma enxurrada de críticas. Diante da manobra do PSC e de uma parte da bancada evangélica, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), que presidia a comissão, abandonou a reunião, juntamente com as parlamentares do PT, PSOL e PSB. O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) já anunciou que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a eleição.

    Racista, homofóbico e direitista

    A eleição de Marco Feliciano para presidir a CDHM é uma verdadeira aberração. O deputado é conhecido por suas posições racistas e homofóbicas. Pela sua conta na twitter, ele já escreveu que “os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé” e que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”. Ele chegou a afirmar que a ex-senadora Marta Suplicy e a deputada Érica Kokay, defensoras do projeto de lei que criminaliza a homofobia, “são mulheres com sexualidade distorcida".

    O pastor também é alvo de um processo por estelionato. Num culto gravado em vídeo, ele reclamou de um fiel que entregou o cartão do banco, mas não revelou a senha. Sua visão preconceituosa explica o apoio dado a José Serra nas eleições do ano passado. “Serra merece mais que respeito, merece admiração. É um guerreiro”, escreveu no twitter. Para ele, o tucano seria o único capaz de derrotar “a militância dos gays, a militância do povo que luta pelo aborto, a militância dos que querem descriminalizar as drogas”.

    domingo, 10 de março de 2013

    Decepcionados com a Igreja

    Muitos são os cristãos abandonam o convívio das igrejas locais e decidem exercer sua religiosidade em modelos alternativos.
    Por Mauricio Zágari - Créditos
    A Igreja Evangélica brasileira está cansada. E é um cansaço que vem provocando mudanças fortes de paradigmas com relação aos modelos eclesiásticos tradicionais. Ele afeta milhões de pessoas que se cansaram de promessas que não se cumprem, práticas bizarras impostas de cima para baixo, estruturas hierárquicas que julgam imperfeitas ou do mau exemplo e do desamor de líderes ou outros membros de suas congregações. Dessa exaustão brotou um movimento que a cada dia se torna maior e mais visível: o de cristãos que abandonam o convívio das igrejas locais e decidem exercer sua religiosidade em modelos alternativos – ou, então, simplesmente rejeitam qualquer estrutura congregacional e passam a viver um relacionamento solitário com Deus. O termo ainda não existe no vernáculo, mas eles bem que poderiam ser chamados de desigrejados.
    No cerne desse fenômeno está um sentimento-chave: decepção. Em geral, aqueles que abandonam os formatos tradicionais ou que se exilam da convivência eclesiástica tomam tal decisão movidos por um sentimento de decepção com algo ou alguém. Muitos se protegem atrás da segurança dos computadores, em relacionamentos virtuais com sacerdotes, conselheiros ou simples irmãos na fé que se tornam companheiros de jornada. Há ainda os que se decepcionam com o modelo institucional e o abandonam não por razões pessoais, mas ideológicas. Outros fogem de estruturas hierárquicas que promovam a submissão a autoridades e buscam relações descentralizadas, realizando cultos em casa ou em espaços alternativos.
    A percepção de que as decepções estão no coração do problema levou o professor e pastor Paulo Romeiro a escrever Decepcionados com a graça (Mundo Cristão), livro onde avalia algumas causas desse êxodo. Embora tenha usado como objeto de estudo uma denominação específica – a Igreja Internacional da Graça de Deus –, a avaliação abrange um momento delicado de todo o segmento evangélico. Para ele, o epicentro está na forma de agir das igrejas, sobretudo as neopentecostais. “A linguagem dessas igrejas é dirigida pelo marketing, que sabe que cliente satisfeito volta. Por isso, muitas estão regendo suas práticas pelo mercado e buscam satisfazer o cliente”. Romeiro, que é docente de pós-graduação no Programa de Ciências da Religião da Universidade Mackenzie e pastor da Igreja Cristã da Trindade, em São Paulo, observa que essas igrejas não apresentam projetos de longo prazo. “Não se trata da morte, não se fala em escatologia; o negócio é aqui e agora, é o imediatismo”.  Segundo o estudioso, a membresia dessas comunidades é, em grande parte, formada por gente desesperada, que busca ajuda rápida para situações urgentes – uma doença, o desemprego, o filho drogado. “O problema é que essa busca gera uma multidão de desiludidos, pessoas que fizeram o sacrifício proposto pela igreja mas viram que nada do prometido lhes aconteceu.”
    Se a mentalidade de clientela provocou um efeito colateral severo, a ética de mercado faz com que os fiéis passem a rejeitar vínculos fortes com uma única igreja local, como aponta tese acadêmica elaborada por Ricardo Bitun. Pastor da Igreja Manaim e doutor em sociologia, ele usa um termo para designar esse tipo de religioso: é o mochileiro da fé. “Percebemos pelas nossas pesquisas que muitas igrejas possuem um corpo de fiéis flutuantes. Eles estão sempre de passagem; são errantes, andam de um lugar para outro em busca das melhores opções”, explica. Essa multiplicação das ofertas religiosas teria provocado um esvaziamento do senso de pertencimento, com a formação de laços cada vez mais temporários e frágeis – ao contrário do que normalmente ocorria até um passado recente, quando era comum que as famílias permanecessem ligadas a uma instituição religiosa por gerações.
    Para Bitun, a origem desse comportamento é a falta de um compromisso mútuo, tanto do fiel para com a denominação e seus credos quanto dessa denominação para com o fiel. O descompromisso nas relações, um traço de nosso tempo, impede que raízes de compromisso – não só com a igreja, mas também em relação a Deus – sejam firmadas. “Enquanto está numa determinada igreja, o indivíduo atua intensamente; porém, não tendo mais nada que lhes interesse ali, rapidamente se desloca para outra, sem qualquer constrangimento, em busca de uma nova aventura da fé”, constata.
    Modelo desgastado – O desprestígio do modelo tradicional de igreja, aquele onde há uma liderança com legitimidade espiritual perante os membros, numa relação hierárquica, já não satisfaz uma parcela cada vez maior de crentes. “As decepções ocorrem tanto por causa de líderes quanto de outros crentes”, aponta o pastor Valdemar Figueiredo Filho, da Igreja Batista Central em Niterói (RJ). Para ele, um fator-chave que provoca a multiplicação dos desigrejados é a frustração em relação a práticas e doutrinas. “Nesses casos, geralmentequem se decepciona é quem se envolve muito, quem participa ativamente da vida em igreja”. Com formação sociológica, o religioso diz que o fenômeno não se restringe à esfera religiosa, já que todo tipo de tradição tem sido questionada pela sociedade. “Há uma tendência ampla de se confrontar as instituições de modo geral”, diz Valdemar, que é autor do livro Liturgia da espiritualidade popular evangélica (Publit).
    O jovem Pércio Faria Rios, de 18 anos, parece sintetizar esse tipo de sentimento em sua fala. Criado numa igreja tradicional – ele é descendente de uma linhagem de crentes batistas –, Pércio hoje só freqüenta cultos esporadicamente. “Sinto-me muito melhor do lado de fora”, admite. “Estou cansado da igreja e da religião”. A exemplo da maioria das pessoas que pensam como ele, o rapaz não abriu mão da fé em Jesus – apenas não quer estar ligado ao que chama de “igreja com i minúsculo”, a institucional, que considera morta. “Reconheço o senhorio de Cristo sobre a minha vida e sou dependente da sua graça”, afirma. E qual seria a Igreja com i maiúsculo, em sua opinião? “O Corpo de Cristo, que continua viva, e bem viva, no coração de cada cristão.”
    Boa parte dos desigrejados  encontra no território livre da internet o espaço ideal para exposição de seus pontos de vista. É o caso de uma mulher de 42 anos que vive em Cotia (SP) e assina suas mensagens e posts com o inusitado pseudônimo de Loba Muito Cruel. À reportagem de CRISTIANISMO HOJE, ela garante que é uma ovelha de Jesus, mas conta que durante muito tempo foi incompreendida e rejeitada pela igreja. “Desde os nove anos, estive dentro de uma denominação cheia de dogmas e regras rígidas, acusadora e extremamente castradora”. Na juventude, afastou-se do Evangelho, mas o pior, diz ela, veio depois. “Retornei ao convívio dos irmãos tatuada e cheia de vícios, e ao invés de ser acolhida, não senti receptividade alguma por parte da igreja, o que acabou me afastando mais ainda dela. Percebi o quanto os crentes discriminam as pessoas”, queixa-se.
    Loba conta que, a partir dali, começou uma peregrinação por várias igrejas. Não sentiu-se bem em nenhuma. “Percebi que nenhum dos líderes vivia o que pregava. Isso foi um balde de água fria na minha fé”, relata. Hoje, ela prefere uma expressão de fé mais informal, e considera possível tanto a vida cristã como o engajamento no Reino de Deus fora da igreja – “Desde que haja comunhão com outros irmãos de fé, que se reúnam em oração e para compartilhar a Palavra, evangelizar e atuar na comunidade”, enumera.
    Igreja virtual – Gente comoPércio e Loba compartilham algo em comum, além da busca por uma espiritualidade em moldes heterodoxos: são ativos no ambiente virtual, seja por meio de blogs ou através de ferramentas como o twitter e outras redes sociais. É cada vez maior a afluência de pessoas das mais diversas origens denominacionais à internet, em busca de comunhão, instrução e edificação. O pastor Leonardo Gonçalves lidera a Iglesia Bautista Misionera em Piura, no Peru. Mestre em teologia, edita o blog Púlpito cristão. “Quando comecei esse trabalho, passei a conhecer muitas pessoas que estavam insatisfeitas com os rumos que o evangelicalismo brasileiro estava tomando”, revela. “Neste processo, alguns começaram a ver o blog como uma alternativa à Igreja, ou até mesmo como uma igreja virtual”. Leonardo lida com esse tipo de público diariamente no blog. “Geralmente, são pessoas extremamente ressentidas. Consideram-se vítimas de líderes abusivos e autoritários e relatam que tiveram sua autonomia violada e a identidade quase banida em nome de uma mentalidade de rebanho que não refletia os ideais de Cristo.”
    Outro que considera natural essa migração em busca de uma comunhão cristã que prescinde da igreja tradicional é o marqueteiro e teólogo presbiteriano Danilo Fernandes, editor do blog e da newsletter Genizah Virtual. Voltado à apologética, seu trabalho tem causado polêmicas e enfrentado resistências, inclusive de líderes eclesiásticos. “Pessoas cansadas de suas igrejas estão buscando pregadores com boas palavras, o que as leva à internet”. Para ele, buscar comunhão virtual em chats e outras mídias sociais é uma tendência. “A massa está desconfiada por traumas do passado; é gente machucada, marcada, ferida, gente que viu seus ídolos caírem”, conclui. Ele mesmo tem atendido diversas pessoas que o procuram para desabafar ou pedir conselhos.
    Um resultado dessa busca por comunhão no ambiente virtual é o surgimento de grupos como o Clube das Mulheres Autênticas (CMA). Nascido de uma brincadeira entre mulheres cristãs que se conhecem apenas virtualmente, o grupo tem como lema “Liberdade de ser quem realmente se é”. A bacharel em direito Roberta Oliveira Lima, de 31 anos, é uma das integrantes. Ex-membro da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG), ela afastou-se de muitas das práticas ensinadas no modelo congregacional e se diz em busca de uma igreja “sem excessos”. Ela se define como “uma pessoa desigrejada, mas não desviada dos princípios do Evangelho”. Segundo Roberta, o CMA supre carências que a igreja local já não preenchia mais. “Nosso espaço tem sido um local de refúgio, acolhimento e alegrias”, relata.
    Ela garante que, até o momento, o grupo não sentiu falta de uma figura sacerdotal. “Aquilo que nos propomos a buscar não requer tal figura”, alega. “Pelo contrário, temos entre nós alguns feridos da religião e abusados por figuras sacerdotais clássicas. O nosso objetivo maior é compartilhar a vida e o Evangelho que permeia todos os centímetros de nossa existência”, descreve, ressaltando que, para isso, não é necessário adotar uma postura proselitista. “Mas nosso objetivo jamais será o de substituir a igreja local”, enfatiza.
    “Galho seco” – “Falta de acolhimento pela comunidade, o desgaste provocado pelo estilo centralizador e carismático de liderança e frustração com as ênfases doutrinárias contribuem para esse fenômeno”, concorda o pastor Alderi Matos, professor de teologia histórica no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo. Mas ele destaca outro fator que empurra as pessoas pela porta de saída dos templos: “É quando uma igreja e seus líderes se envolvem em escândalos morais e outros”.
    A paraibana C., de 37 anos, é um exemplo de gente que fez esse penoso percurso. Ela relata uma história de abusos e falta de princípios bíblicos na congregação presbiteriana de que foi membro por mais de quinze anos, culminando com um caso de violência doméstica de que foi vítima – sendo que o agressor, seu marido, era pastor. “Havia perdido completamente a alegria de viver, ao me deparar com uma realidade bem distante daquela que o Evangelho propõe como projeto para a vida”. C. fala que conviveu em um ambiente religioso adoecido pela ausência do amor de Cristo entre as pessoas: “Contendas sem fim, maledicência impiedosa e muitos litígios entre pessoas que se diziam irmãs”.
    Este ano, C. pediu o divórcio do marido e tem frequentado um grupo alternativo de cristãos. “Rompi com a religião. Hoje, liberta disso, tudo o que eu desejo é Jesus, é viver em leveza e simplicidade a alegria das boas novas do Evangelho”. Ela explica que, nesse grupo, encontrou pessoas que vivenciaram experiências igualmente traumáticas com a religião e chegaram com muitas dores de alma, precisando ser acolhidas e amadas. “Temos nos ajudado e temos sido restaurados pouco a pouco. No âmbito do grupo, um ambiente de confiança foi formado, de modo que compartilhar é algo que acontece naturalmente e com segurança.”
    “As pessoas anseiam por ver integridade na liderança. Quando o discurso não casa com a prática, o indivíduo reconhece a hipocrisia e se afasta”, avalia o bispo primaz da Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida (ICNV), Walter McAlister. Para ele, se os modelos falidos de igrejas que não buscam o senso de comunhão e discipulado – como os que denuncia em seu livro O fim de uma era (Anno Domini) não mudarem, o êxodo dos decepcionados vai aumentar. Apesar de compreender os motivos que levam as pessoas a abandonarem a experiência congregacional, o bispo é enfático: “Nossa identidade cristã depende da coletividade e, portanto, de um compromisso com uma família de fé. Sem isso, a pessoa não cresce nas virtudes cristãs e deixa de viver verdadeiramente a sua fé. Como um galho solto, seca e morre”.
    “O fenômeno dos desigrejados é péssimo. Somos um corpo, nunca vi orelhas andando sozinhas por ai”, diz Paulo Romeiro. O pastor Alderi, que também é historiador, recorre à tradição cristã para defender a importância da igreja na vida cristã. “Da maneira como a fé cristã é descrita no Novo Testamento, ela apresenta uma feição essencialmente coletiva, comunitária. A lealdade denominacional é importante para os indivíduos e para as igrejas. Quem não tem laços firmes com um grupo de irmãos provavelmente também terá a mesma dificuldade em relação a Deus”, sentencia.
    Sinais do Reino – Dentro dessa linha de pensamento, é possível até mesmo encontrar quem fez uma jornada às avessas, ou seja, da informalidade religiosa para o pertencimento denominacional. Responsável pelo blog Lion of Zion, Marco Antonio da Silva, de 31 anos, é membro da Comunidade da Aliança, ligada à Igreja Presbiteriana do Brasil, em Recife (PE). Ele afirma que redescobriu sua fé na igreja institucional. “Para alguns militantes virtuais mais radicais, isso seria uma heresia, mas tenho uma família com necessidades que uma igreja local pode suprir – e a congregação da qual faço parte supre essa lacuna muito bem”, afirma.
    “Existe desgaste, autoritarismo e inoperância em todos os lugares onde o homem está”, reconhece o pastor e missionário Nelson Bomilcar. Ele prepara um livro sobre o tema, baseado nas próprias observações do segmento evangélico a partir de suas andanças pelo país. “Podemos ficar cansados e desencorajados, mas temos que perseverar e continuar amando e servindo a Igreja pela qual Jesus morreu e ressuscitou”. Como músico e integrante do Instituto Ser Adorador, Bomilcar constantemente percorre congregações das mais variadas confissões denominacionais – além de ser ligado a seis igrejas locais, ele congrega na Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo. “Continuo acreditando na Igreja do Senhor. Estou na Igreja porque fui colocado nela pelo Espírito Santo. É possível viver o Evangelho na comunidade, apesar de todas as suas ambiguidades, para balizarmos aqui e ali sinais do Reino de Deus. Tenho sido testemunha disso”.

    sábado, 9 de março de 2013


    Dia da Mulher e a sociedade idiota

    Por Leonardo Sakamoto, em seublog:

    Quando liguei a TV, nesta manhã de 8 de março, me deparei com colegas de profissão cumprindo suas pautas sobre o Dia Internacional da Mulher. Deu aquele desgosto ver uma importante data de reflexão e de luta novamente reduzida à distribuição de flores, promoções em salões de beleza, presentes na forma de jóias e vestidos e até equipamentos de limpeza do lar. Como se isso fosse o fundamental para garantir a dignidade das mulheres.

    Por conta disso, elenquei, abaixo, algumas coisas que gostaria de ver noticiadas nesta data. Creio que, em algum momento, isso vai ser verdade. Depende de nós para mostrar quando. E a que custo:

    1) A partir de agora, o sobrenome do marido não deverá ser imposto à sua companheira contra vontade dela, como uma marca de ferro em brasa delimitando a propriedade.

    2) O currículo escolar será aprimorado para que, nas aulas de língua portuguesa, os meninos e rapazes possam compreender o real, objetivo, profundo e simples significado da palavra “não”.

    3) As frases “Onde você acha que vai vestida assim?”, “A culpa não é minha, olha como você tá vestida!”, “Se saiu de casa assim, é porque está pedindo” a partir de agora serão banidas da boca de maridos, pais, irmãos, filhos, netos, namorados, amigos e outros barbados.

    4) Está terminantemente proibido empregar apenas atrizes em comerciais de detergentes, desinfetantes, saches de privada, sabão em pó, rodos, vassouras, esponjas de aço, palhas de aço, aspiradores de pó, cera para chão e afins. A associação direta de mulheres e produtos de limpeza em comerciais de TV está extinta.

    5) Empresas estão proibidas de distribuir flores no dia de hoje como prova de seu afeto às mulheres. Em vez disso, implantarão políticas para: 1) impedir que elas ganhem menos pela mesma função; 2) não sejam preteridas em promoções para cargos de chefia pelo fato de serem mulheres; 3) não precisem temer que a maternidade roube seu direito a ter uma carreira profissional; 4) seja punido com demissão o assédio de gênero como crime à dignidade de suas funcionárias.

    6) Cuidar da casa e criar os filhos passa a ser visto também como coisa de homem. E prazer e orgasmo também como coisa de mulher.

    7) Os editoriais dos veículos de comunicação não serão escritos por equipes eminentemente masculinas. Da mesma forma, as agências se comprometem a derrubar a hegemonia XY em suas equipes de criação, contribuindo para diminuir o machismo na publicidade.

    8) O direito da mulher a ter autonomia sobre o próprio corpo e o direito de interromper uma gravidez indesejada não precisarão ser questionados. Nem devem requerer explicação.

    9) Os partidos políticos não apenas garantirão cotas para a participação das mulheres nas eleições, mas investirão pesado em suas candidaturas a fim de contribuir para que os parlamentos representem, realmente, a sociedade brasileira. Da mesma forma, nomear mulheres como secretárias de governo, ministras e em cargos de confiança, na mesma proporção que homens, será ato corriqueiro.

    10) Homens entenderão que “um tapinha não dói” é uma idiotice sem tamanho.

    11) Por fim, feminismo será considerado sim assunto de homem. E meninos e rapazes, mas também meninas e moças, deverão ser devidamente educados desde cedo para que não sejam os monstrinhos formados em ambientes que fomentam o machismo, como a família, colégios e universidades.

    Em tempo: aproveito para agradecer novamente às mulheres que passaram pela minha vida e foram fundamentais para que fosse um homem menos idiota.

    segunda-feira, 29 de outubro de 2012

    Indignados não se intimidam com repressão e voltam às ruas

              

    Coação policial, processos na Justiça e até acusação de espionagem vinculada ao ETA não impedem que milhares protestem em frente ao Congresso da Espanha contra a proposta de orçamento do governo, que vai aumentar em 34% os gastos destinados ao pagamento da dívida. A reportagem é de Naira Hofmeister e Guilherme Kolling, direto de Madri.


         

               Madri - “A voz do povo/ Não é ilegal!” As palavras de ordem do protesto dos Indignados da Espanha neste sábado contra a proposta de orçamento do governo para 2013 deixaram evidente o desconforto dos manifestantes com a intimidação que vem sofrendo do poder público.

    Nessa semana uma denúncia publicada no jornal El Mundo deu conta de que a polícia investiga a ligação do movimento popular que pede uma nova Constituição com o ETA, grupo separatista do País Basco que cometeu diversos atentados nas últimas décadas.

    Foi o auge de uma ofensiva para criminalizar esses coletivos que lutam pela mudança no sistema político espanhol - a polícia pratica regularmente a identificação de integrantes em reuniões e protestos, partindo do pressuposto de que estariam cometendo um delito, reprime com violência manifestantes e o governo abre processos judiciais contra lideranças.

    A delegada da administração de Madri, Cristina Cifuentes, chegou a declarar que as ações populares previstas para essa semana eram ilegais - anteriormente, comparou a convocação do “Ocupa o Congresso” à tentativa de golpe militar do início dos anos 80.

    Mesmo assim, milhares voltaram às ruas na semana em que o Parlamento Nacional começou a discutir o projeto do orçamento de 2013 enviado ao Legislativo. “Cifuentes! Cifuentes!/ Não somos delinquentes!”, provocavam os ativistas, que exibiam faixas com dizeres como “A ditadura não estava morta?”

    O conteúdo principal da marcha deste sábado que percorreu a avenida Gran Vía, no Centro de Madri, e que terminou com mais uma concentração em frente ao Congresso, foi questionar os números propostos pela gestão do conservador Mariano Rajoy para 2013.

    Nas contas públicas apresentadas ao Parlamento, o gasto destinado ao pagamento da dívida aumentará em 34%. O débito da Espanha poderá alcançar 90,5% do PIB do país no ano que vem, tendo em vista que o passivo aumentará com o resgate para salvar os bancos.

    Enquanto isso, os valores destinados para a saúde terão uma redução de 22,6%, conforme calculou o jornal El País. Oficialmente, o governo considera que serão apenas 3,1% a menos nesse item, porém o diário espanhol afirma que nesse cálculo estão incluídas despesas com a seguridade social e obrigações de exercícios anteriores.

    A educação perderá 14% de sua verba, enquanto que a cultura terá que se virar com uma redução de 19% em relação a 2012. “O projeto de orçamento para 2013 referenda as irracionalidades e injustiças na organização e distribuição de recursos públicos e reafirma que a maioria da população pagará a dívida, cuja origem é 80% privada e foi transformada em pública mediante o resgate aos bancos”, critica o manifesto que convocou a população para rodear o Congresso mais vez - a primeira foi dia 25 de setembro.

    Além de criticar a previsão orçamentária para o próximo ano, a intenção do ato foi demonstrar que os cidadãos não estão satisfeitos com a representação política atual, inclusive os parlamentares eleitos nas urnas que, segundo o texto, realizam um “simulacro de debate democrático”, já que não escutam as queixas que chegam das ruas diariamente.

    O movimento popular que defende a abertura um processo constituinte organizou diversos atos públicos ao longo da semana. O primeiro aconteceu na terça-feira, 23, em frente ao Parlamento em Madri para marcar a entrada em pauta do projeto do orçamento. O lema foi “Não devemos!, não pagamos!”. Dois dias depois ocorreram ações descentralizadas para questionar os princípios que regem as contas públicas - uma das atividades foi em frente a sede do Bankia. E, neste sábado, houve ações em todo o país.

    Uma pesquisa do instituto Metroscopia divulgada no início de outubro, mostrou que 77% dos espanhóis apoiam a pressão aos deputados, enquanto 93%, estão de acordo com mudanças na Constituição.

    Mesmo assim, o texto orçamentário proposto pelo governo do PP deve ser aprovado no Legislativo com poucas mudanças, tendo em vista que o partido de Mariano Rajoy tem maioria na casa.

    Método de luta provoca racha entre constitucionalistas
    Os dois principais coletivos que defendem a discussão pública e democrática de uma nova Carta Magna na Espanha participaram das manifestações contra a proposta de gastos do governo central para 2013. Entretanto, o conteúdo dos protestos gerou uma ruptura entre os principais grupos: a Coordenadora 25-S e a Plataforma Em Pé.

    A primeira, que responde oficialmente pela organização das ações de questionamento do poder estabelecido (o nome é referência ao 25 de setembro, data do primeiro protesto em frente ao Parlamento), pediu aos participantes que levassem suas “emendas” ao projeto do orçamento.

    “Vamos 'empapelar' o Congresso”, era a chamada da Coordenadora 25-S, que se concretizou em centenas de cartazes afixados na grades de isolamento instaladas pela polícia em torno do quarteirão onde fica a casa legislativa, em pleno centro turístico de Madri.

    A Plataforma Em Pé, que foi a pioneira em pedir uma “democracia real” e cujo manifesto de “fundação” pode ser considerado o marco teórico para as ações que hoje são levadas a cabo pela Coordenadora 25-S, discorda que a melhor maneira de mostrar a insatisfação pública seja tentar “reformar o orçamento”, o que significaria, de alguma maneira, aceitar o sistema atual.

    Segundo um manifesto do coletivo publicado na internet junto com uma imagem de uma criança mostrando o dedo médio para a câmera, a única saída possível é a revolução, que deveria iniciar com a destituição do Parlamento. “A ideia original do 'Ocupa o Congresso' não era obter apenas manifestações estéreis de espírito reformista”, ataca o texto.

    Embora discordasse do conteúdo, a Plataforma Em Pé referendou e participou dos protestos – e seguirá secundando todas as “ações contra o poder que nos submete cada dia mais a perdas de direitos e liberdades”.

    Talvez por isso os protestos na rua desta semana tiveram menos gente do que os de setembro – a repressão policial e as distintas convocações para atos ao longo de uma semana são outros fatores que podem ter concorrido para a adesão menor de participantes.

    Suicídio de homem que perdeu a casa eleva cobrança a banqueiros
    O suicídio de um morador da cidade de Granada diante do iminente despejo por falta de pagamento da hipoteca de sua residência elevou o tom da cobrança a políticos e banqueiros no protesto popular deste sábado no Centro de Madri. Em diversos momentos, a massa cantava em uníssono que “não é suicídio, isso é homicídio”, em referência ao caso trágico que ocorreu na sexta-feira.

    “Culpados”, “Assassinos!” e “Guilhotina!” foram alguns dos dizeres dos manifestantes ao passar pela sede ou até mesmo por caixas eletrônicos de Deutsch Bank, Caja Madrid e Banco de Espanha, durante a marcha que percorreu a Gran Vía, antes de chegar ao Congresso. “Mãos ao alto! Isso é um assalto”, foi outro lema entoado pelos ativistas ao visualizar instituições bancárias.

    Sobrou também para o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, a quem o público pedia a demissão imediata. O ato por uma nova Constituição e contra o chamado “Orçamento da Dívida” terminou com um minuto de silêncio em frente ao Congresso e a apresentação da Orquestra Solfônica, uma brincadeira com o nome da praça - a Puerta del Sol - onde surgiu o movimento dos Indignados, em 2011.

    sábado, 6 de outubro de 2012

    Haneen Zoabi, uma palestina no parlamento de Israel

     


     

    Deputada visita o Brasil para divulgar Fórum Social Mundial Palestina Livre, em novembro

    Por Terezinha Vicente
    Da Ciranda.net



    HaneenZoabi-DeputadaPalestina-tpHaneen nasceu em 1969, em Nazaré, logo depois do segundo grande conflito árabe-israelense conhecido como Guerra dos Seis Dias, 1967. Ela representa a terceira geração depois da Nakba, catástofre palestina de 1948, que expulsou 700 mil árabes não judeus de suas terras; e faz parte das milhares de novas mulheres árabes que participam das lutas emancipatórias dos povos naquela parte do planeta. Filiada ao partido Baladi (Aliança Nacional Democrática), que se opõe à ideia de Israel como “Estado judeu”, Haneen é a primeira palestina com assento no Knesset, o Parlamento israelense, desde 2009. É também a primeira cidadã árabe de Israel a graduar-se em estudos sobre a mídia (pós graduação na Universidade Hebraica de Jerusalém) e desenvolver aulas sobre mídia nas escolas árabes.
    Ativismo
    Como muitas das mulheres palestinas, que estudam bem mais que os homens palestinos, Haneen é graduada em filosofia e psicologia pela Univ. de Haifa e, para completar, vem de uma família com tradição política. Tem sido atacada fortemente pelos parlamentares israelenses, recebeu até ameaças de morte, por ter participado da Frota da Liberdade I, a bordo do navio que foi atacado ilegalmente – em águas internacionais – pela marinha israelense, em 31 de maio de 2010, matando nove pacifistas e ferindo dezenas.
    “A defasagem a favor da mulher é das maiores do mundo, dois terços dos estudantes são meninas”, informa Haneen. As mulheres são mais presentes nas manifestações, maioria das organizações de direitos humanos, além de maioria nas universidades, mas não conseguem trabalho. “As mulheres estudamos e ficamos em casa”, diz, “porque há bem mais oportunidades de trabalho para homens, que podem ir trabalhar em outras cidades”.
    Políticas para a Mulher
    Um dos principais motivos é que os sistemas de comunicação e transportes não chegam às cidades árabes. Como diz a deputada, o trabalho da mulher está muito relacionado com o ambiente e o desenvolvimento das cidades, culturalmente ela precisa trabalhar próxima à casa e o Estado não desenvolve políticas para a mulher. “Se a mulher não tem acesso ao desenvolvimento industrial de uma região, tem que ficar em casa”, fala Haneen, dizendo existirem pesquisas indicando que “se a mulher árabe consegue participar na vida pública, o nível de pobreza pode diminuir”. A família judia tem renda 3 vezes superior à da família árabe em Israel. Metade dos palestinos vivem abaixo do nível de pobreza, tem participação de 1% no setor privado, 0,5% na tecnologia avançada.
    Apartheid de Estado
    Haneen faz parte dos 18% de palestinos que restam no território dito israelense, depois da expulsão de 85% desse povo originário, por sucessivas e cada vez mais militarizadas invasões em suas terras, desde 1948. “O Estado pode confiscar terras palestinas sem pagar ao povo palestino”, diz a deputada. “Desenvolveram mil cidades e povoados neste território ocupado, 0% para os palestinos”. Existem sete milhões de refugiados palestinos vivendo precariamente em vários países do mundo, como Líbano, Jordânia, Síria, Iraque, Chile, Suiça e Brasil. As violações aumentam progressivamente nos últimos anos.
    “A democracia de verdade é uma ameaça para o Estado de Israel”, afirma Haneen. “A colonização israelense desde 1967 é exercida contra todos os palestinos, onde quer que estejam, não só em Israel. Os cidadãos expulsos a partir de 1967 não são mais cidadãos neste Estado. Sou parte do povo palestino e consigo questionar essa democracia, pois somos cidadãos desse Estado”. Ela chama a atenção para a natureza do Estado hebraico, que não tem constituição e nem fronteiras, algo pouco abordado pela diplomacia internacional. “Existem 30 leis que legitimam o racismo contra os cidadãos palestinos”, denuncia. Elas tratam do uso das terras, construção e delimitação estrutural das cidades, mas também são leis para a educação, para a construção de partidos e de organizações civis. “Esta legislação de apartheid não tem igual no mundo!”
    Guerra Israelense
    Também as leis de reunião de família e de naturalização são únicas no mundo, segundo Haneen. Ela não pode casar com nenhum palestino, seja da Síria, da região de Gaza, ou do Brasil, pois terá que sair de Israel. E as leis são todas recentes, numa estratégia de guerra contra os palestinos que, segundo a deputada, inclui não somente a perda de terras (lei do confisco é de 2011), mas a colonização, a derrubada de suas casas pelo Ministério do Interior. “Temos 60 mil casas construídas sem autorização, verticalmente, pois eles não permitem a extensão de casas árabes no território. Ocupamos apenas 3% do território embora tenhamos crescido 9 vezes desde a ocupação”.
    Identidade violentada
    Além dos conflitos materiais, existe forte conflito pela identidade palestina, proibida de se manifestar. Segundo a parlamentar, “pela concepção israelense, os palestinos na Cisjordania e em Gaza são palestinos e nós não somos. Se falamos que temos identidade palestina não estamos sendo leais ao Estado de Israel. Em todos os documentos oficiais somos identificados como ‘não judeus’, não temos identidade”. O que aconteceu em 1948 está proibido de ser ensinado nas escolas pelas leis sionistas desse Estado que se diz democrático. “Normalmente, o imigrante é quem pede igualdade”, explica a deputada, “aqui a situação é o contrário, os nativos pedem igualdade com o imigrante, pois a civilização árabe islâmica acolheu os judeus”.
    O papel do Ministério da Educação é fazer desaparecer a identidade palestina. “Um dos seus objetivos é vincular o judeu ao território de Israel”, explica Haneen, “e vincular o judeu israelense com a diáspora judaica no mundo, fortalecer a língua hebraica e desenvolver sua cultura. A literatura palestina de resistência é proibida, enquanto todos os livros didáticos da 6ª série são sobre o holocausto, tido como catástrofe humana única. Se um professor resolver falar da catástrofe palestina no dia do Nakba, por exemplo, pode perder seus direitos”.
    Visão Sionista
    Também os meios de comunicação difundem a visão sionista, segundo a parlamentar, construindo uma cultura de medo dos árabes. “Antes de 1967, quando os tanques israelenses entraram em nosso território, - queríamos somente viver, estávamos muito longe do Estado”, diz Haneen. “Agora a maioria do nosso povo vota nos árabes, nossa juventude é a maior força, identificada com os palestinos”. Para isso, os meios de comunicação árabes tem tido muita importância. “Estamos vinculados à cultura árabe, o projeto de um estado de cidadania é novo, tem apenas 16 anos, numa repressão que já dura 60. Temos amadurecido e somos hoje mais corajosos e ativos, as revoluções árabes demonstram que o componente subjetivo dos povos é muito importante”.
    A luta no parlamento
    Três partidos árabes e oito judeus compõe o parlamento em Israel. O Baladi, de Haneen, tem três assentos no parlamento, o PC quatro assentos e o “massa islâmica”, outros quatro. A Aliança Nacional Democrática, fundada em 1995, tem projeto de secularização do Estado de Israel, querem um Estado laico e único para todos os cidadãos. Haneen Zoabi teve que enfrentar os tribunais para tornar-se parlamentar e, depois de algumas derrotas, conseguiu em 2006 por um voto (7 X 6), que os juízes permitissem sua participação na eleição. “Respeitando as leis israelenses e reivindicando como cidadã de Israel a solução deste contraste entre o Estado religioso e o cidadão, eu sou perigosa para Israel”.
    A deputada acredita que irão proibir novamente a sua candidatura e a de outros parlamentares de seu partido nas próximas eleições, sobretudo pela participação na Flotilha da Liberdade. O projeto democrático quer a igualdade de direitos para todos e que os refugiados voltem para suas terras. “Os judeus sofreram holocausto não no mundo árabe e antes do projeto sionista viviam em igualdade com os palestinos. Virou uma obsessão a ‘judaicidade’ do Estado, eles passaram das fronteiras geográficas para as simbólicas, as culturais. Precisamos unificar e reconstruir o projeto nacional palestino, isso significa que precisamos do apoio internacional para o Estado palestino”.
    Solidariedade Internacional Rumo ao FSMPL
    É neste contexto histórico que se organiza o Fórum Social Mundial Palestina Livre, que acontecerá em novembro, no Brasil, na cidade de Porto Alegre. É preciso que o mundo ouça a voz dos palestinos, saiba o que acontece naquele território, descubra a farsa que é a democracia no Estado de Israel. “Quando Israel tenta justificar ocupação, repressão e massacres, levanta a bandeira de que é um Estado democrático”, comenta Haneen, “mas é uma falsa propaganda”. O fato é que Israel vem ampliando o comércio com todo o mundo, uma maneira de ganhar o apoio global para sua expansão geográfica e cultural.
    “A crise econômica não afetou a venda de armas de Israel para o mundo”, diz a palestina. Israel tem 60 acordos com a comunidade europeia, e voltou-se para outras regiões, como a América Latina, tem acordos de segurança e de armamento com o Estado brasileiro. “Os acordos comerciais com o Brasil são favoráveis a Israel, que tem um mercado de apenas 6 milhões, frente ao mercado brasileiro”, analisa Haneen. “Israel vê no Brasil e na América Latina um tesouro para expandir sua economia, as empresas israelenses estão alcançando 200 milhões de consumidores”.
    Boicote
    A militante anti-sionista lamentou não ter visto nos supermercados daqui nenhuma alusão ao boicote que vem sendo desenvolvido contra produtos israelenses. “Cada vez que Israel se expande, ocupa terras e melhora suas relações com países do mundo, isto é lido como apoio ao projeto do Estado sionista”. Ela nos contou que um mês antes do FSMPL, visitará o Brasil um Ministro da Suprema Corte de Israel, Salim Joubran, de origem árabe. “Tenho medo que seja usado para propaganda gratuita”, lamenta a deputada. “Ele vai falar sobre leis de direitos humanos israelenses, mas aceitou todas as leis racistas. E eles falarão que temos árabes no judiciário, no comercio, em todos os lugares, mas um árabe é bom se aceita todas as regras do jogo”.
    Haneen está apoiando o Fórum que pretende dar voz aos palestinos para o mundo, e esteve em Porto Alegre e em São Paulo. O FSMPL “representa um passo para saltar do apoio moral ao apoio prático, temos muitas esperanças no Brasil, como um estado com peso a nível internacional”. O Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro de 2012, e as inscrições estarão abertas a partir deste 1º de outubro para organizações e atividades e, a partir do dia 15, para indivíduos e imprensa. O comitê preparatório no Brasil constitui-se de uma coalizão de 36 movimentos, sindicatos e ongs, além das comunidades palestinas no Brasil. O Comitê Nacional Palestino une forças políticas da Palestina, em maioria da sociedade civil. O Comitê Internacional foi articulado no Conselho Internacional do FSM, reunindo organizações de várias partes do mundo.

    sábado, 23 de junho de 2012

    “Boleiros podem mudar cultura homofóbica”, diz psicólogo especialista em sexualidade


    Psicólogo paulista afirma: "ser homossexual é conviver com a ideia de ser o que o mundo diz que não é bom". /Foto: Reprodução

    Rachel Duarte no SUL21

    ‘Ele é gay porque foi abusado na infância’. ‘A educação dele foi muito castrada por isso ele é gay’. ‘Não vou aceitar para ver se meu filho desiste dessa ideia de ser gay’. Muitas teorias são levantadas quando se discute a orientação sexual das pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo. O senso comum ainda acredita na origem da homossexualidade como doença, perversão ou opção. O psicólogo paulista com especialização em sexualidade humana Cláudio Picazio esclarece estes e outros preconceitos relacionados aos homossexuais em entrevista ao Sul21.

    Autor dos livros Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual; Sexo secreto, aulas de temas polêmicos para professores; e Uma outra verdade, com perguntas e respostas para pais e educadores sobre homossexualidade na adolescência, o psicólogo garante que homossexualidade está relacionada ao desejo sexual que nasce com as pessoas, não podendo ser ensinado, estimulado ou adquirido. “As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que difere da sua”, diz.
    Ele vê como urgente o combate ao bullying homofóbico, partindo da maior informação de pais e professores a respeito do tema. “Não é o filho gay que tem que dar suporte a estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada”, defende Cláudio Picazio.
    O psicólogo também estudou psicoterapia esportiva e por três anos analisou o comportamento dos jogadores de futebol nas categorias de base dos clubes do sudeste do país. Ele conta como os boleiros lidam com a homossexualidade e acredita que uma esperança para a revolução sobre gênero e sexualidade pode estar entre os jogadores de futebol. O afeto explícito dentro de campo pode alterar a noção machista que dita a impossibilidade de homens serem afetivos. “Se Neymar e Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população”, afirma.

    Sul21 – O senhor tem como explicar como é formada nossa orientação sexual?

    Cláudio Picazio – Sempre começo corrigindo a terminologia. Não se trata de homossexualismo, é homossexualidade. Tem diferença. Geralmente na ciência tudo que termina com ‘ismo’ é qualificado como doença. Doença ou perversão. Não se fala heterossexualismo. Quando usamos heterossexualismo, trata-se de alguém muito doente nas relações com mulheres. Então, é heterossexualidade, homossexualidade, travestilidade. Comecemos por aí.

    Sul21- Certo. Esclarecida a terminologia, como se desenvolve a orientação sexual?

    Cláudio Picazio - Todo mundo acredita que a sexualidade é imposta ou aprendida. Não é aprendida. Descobrimos o nosso desejo sexual. Ninguém precisa ensinar o desejo sexual, ele se revela dentro da gente. Existe um preconceito que na educação de um filho se forma a sexualidade. Não é verdade. É algo da natureza. Desde a infância há meninos se interessando por meninos e meninas por meninas. Não podemos castrar isto. O desejo nasce e se orienta dentro de nós. Nós descobrimos isso. Querer entender o que faz uma pessoa virar homossexual também deveria estar relacionado à necessidade de saber o que faz uma pessoa virar hetero. As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que é diferente da sua. ‘Ele foi muito castrado, por isso virou gay”. Não. As mulheres foram castradas a vida inteira e não foi por isso que viraram lésbicas. O mundo teme agora a exposição assumida dos homossexuais, como se um beijo na novela ou em público fosse influenciar outras pessoas a serem gays. Não é assim. Isto é uma cretinice.

    Sul21 – Como o senhor define a homossexualidade?

    Cláudio Picazio – Ser homossexual não é simplesmente aceitar que se gosta, ter paixão ou desejo por uma pessoa do mesmo sexo. Se perceber homossexual é se reconhecer como aquilo que o mundo diz que é o pior. Se o goleiro não pega uma bola quando o time adversário faz um gol, do que ele é chamado? Veado. Se alguém da uma fechada no trânsito? É veado. Tudo aquilo que é visto como ruim, errado e perverso, a sociedade vai alimentando como ‘coisa de veado’.
    Cláudio Picazio analisou jogadores de futebol por três anos e acredita que boleiros podem mudar cultura homofóbica./Foto: Reprodução

    Sul21 – O senhor afirma que o homem heterossexual precisa do homossexual para se afirmar como homem. Para ele ver o quanto tem masculinidade e está distante do ser “afeminado”. Os gays menos afetados seriam os que mais incomodam, por parecerem homens. Mas, os mais vulneráveis e os que estão mais presentes nas estatísticas de violência são os  travestis e os mais claramente homossexuais. Como o senhor explica isso?

    Cláudio Picazio – Ele precisa do outro para afirmar a sua diferença. Por outro lado, ele teme um desejo por este diferente. Não necessariamente ele tem o desejo, mas ele teme ter. A partir do momento que ele teme, ele tem que agredir aquele objeto de desejo por achar que assim ele não sentirá desejo. Há também a inconformidade de que aquela pessoa que tem uma sexualidade diversa está rompendo com aquilo que é considerado bom ou correto. No Rio Grande do Sul podemos fazer uma analogia com o comportamento das torcidas de futebol. Os gremistas e colorados brigam não por um querer mudar para o time do outro, mas por entender que a sua opção é superior a do outro. Existe uma tentativa de superioridade. Você é menos por ser colorado ou menos por ser gremista na visão das torcidas adversárias. O humano infelizmente ainda vai muito nesta celeuma de querer hierarquizar as coisas e se afirmar diante de um poder que acha que tem.

    Sul21 – A rivalidade também pode ser compreendida pelo caráter passional. Mas por que há essa relação de ódio com a sexualidade alheia? Por que a vida sexual do outro interessa para mim?

    Cláudio Picazio – Infelizmente a nossa cultura é baseada nisso. Eu valho mais por aquilo que eu sou. Sou mais macho e melhor quanto mais mulher eu pegar. Tenho mais valor assim. E isto também se transferiu para  amulher. As mulheres estão repetindo este péssimo comportamento masculino. Conforme o número de caras que eu fiquei na balada, mais legal eu sou. Então vai se baseando um valor quantitativo e não qualitativo sobre as relações humanas. A mulher copia o pior do homem neste sentido. Queimaram os sutiãs, conquistaram inúmeros direitos. Têm sua liberdade sexual e erótica. Mas a revolução feminina aconteceu e não houve uma revolução masculina. Ela se igualou aos homens que, na verdade, precisam se transformar. Um homem afetivo hoje é excluído. Ele não pode ter afeto por que é visto como um ‘não homem’. Mais do que homofobia, o problema é a aversão ao afeto. Recordemos o caso dos pai e filho se abraçando em São Paulo que foram agredidos por trocarem afeto e serem confundidos com homossexuais. Esta agressão não foi por causa da sexualidade, foi por causa do gesto de afeto. A nossa sociedade não dá conta da questão amorosa no masculino. A homofobia tem fundamento nisso. O homem amoroso é excluído. No Rio Grande do Sul isso é ainda mais forte. É proibido aos homens serem afetivos, isso é feminino. Se ele transa com outros homens de forma violenta ele é aceito, porque daí é considerado mais macho ainda. Só não pode ter amor. O homem afetivo rompe com o que é esperado de um homem. Quanto menos afetivo for o homem, melhor. Isto é um valor que se reproduz e afeta os relacionamentos e a humanidade. Percebemos na infância que os meninos ainda precisam gostar de jogar futebol ou judô. Se algum menino gostar de escutar Beethoven ou de pintar, o constrangimento dos pais é enorme. Já está feita a confusão de que ele é ou pode ser homossexual.

    Sul21 – Falando em futebol, o senhor tem um estudo de três anos nas categorias de base dos times do sudeste do país. O futebol, apesar de alguns avanços femininos no esporte, é genuinamente masculino. Como se lida com a homossexualidade neste universo de boleiros?
    "O jogador de futebol para o homem brasileiro é a principal referência de masculinidade".

    Cláudio Picazio – O jogador de futebol, para o homem brasileiro, é a principal referência de masculinidade. Ele é aguerrido, combatente em campo e passa essa imagem. Tanto que, se um jogador usa brinco de brilhante ou pinta os cabelos de colorido não é sinônimo de homossexualidade. É permitido. Aquilo deixa de ser feminino nos olhos dos homens se é um jogador de futebol que faz. Eu fico extremamente feliz quando vejo troca de afeto entre jogadores. Por mais que ainda choque ou cause estranhamento em algumas pessoas, é comum ver o mesmo sentimento contagiando a torcida. Se o Neymar e o Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população. Eu chego a afirmar que a salvação do gênero masculino no Brasil está no comportamento dos jogadores de futebol.

    Sul21 – Sabe-se que existem muitos jogadores de futebol homossexuais, mas não publicamente. Admitir isso causaria uma revolução masculina?
    "Existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.".

    Cláudio Picazio– No caso da homossexualidade de jogadores de futebol, que sabemos que existe bastante, é ainda mais delicado. O preconceito é muito maior. Entre os jogadores não. Eles convivem muito, acabam sendo bastante íntimos e conseguem se respeitar. É como uma grande família. Eles se apoiam. A relação com os técnicos também tende a ser sempre respeitosa porque o importante é o desempenho do atleta e não a vida privada dele. E não existe esta coisa que se pensa no senso comum, que os jogadores gays saem pegando todo mundo no vestiário ou que não podem estar diante dos outros que vão querer pegar. O problema é a visão preconceituosa que vem de fora. Outra coisa: se o homem é gay, ele está condenado a gostar de coisas femininas, não pode gostar de jogar futebol ou mesmo ser um jogador de futebol? Não são nossas preferências que fazem nossa sexualidade. Olhar para um quadro de Monet não fará você se tornar feminino. O que escutar Vivaldi influenciaria em você gostar de um pênis ou de uma vagina? É uma cretinice este tipo de pensamento. Mas, o pior de tudo isso, é a relação com a violência. Para o homem ser homem, ele tem que ser violento. E depois, este homem é violento com a mulher e também é condenado pela sociedade. Qual a alternativa que ele tem? Se o homem não der porrada ele não é homem. Entrando em contato com uma mulher ele vai resolver as coisas como?

    Sul21 – Como romper o ciclo educativo da homofobia e do preconceito? Qual a contribuição da escola e dos pais neste processo?

    Cláudio Picazio – Temos que ensinar a população que agressividade não significa heterossexualidade e homossexualidade não significa doçura e candura. Prova disso é que existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Certa vez eu presenciei uma cena em uma loja de brinquedos. Um pai e uma mãe caminhando com um filho pequeno e um bebê de colo, no colo do pai. O filho menor foi até uma boneca e segurou no colo como o pai fazia. A atitude da criança causou uma reação imediata do pai que pediu para a mãe ‘tirar a boneca do menino’. O filho queria reproduzir o que o pai fazia e foi repreendido por ser homem brincando de boneca. O pai ficou apavorado e não enxergou o que estava na intenção do menino. E era uma loja de um lugar nobre de São Paulo. Então, a questão não é de classe.
    Livro 'Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual' de Cláudio Picazio./Foto: Reprodução

    Pais e filhos devem entender que os filhos não nascem para suprir as expectativas dos pais. A gente existe para corresponder às próprias expectativas. O conselho de alguns colegas é dar um tempo para os pais absorverem a ideia. Isto é errado. Não é o filho gay que tem que dar suporte para estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada. Temos nas famílias ainda um processo educacional que é equivocado: “eu vou tentar falar com aversão a respeito, para ver se ele deixa de ser”. Como se esta deseducação pudesse transformar alguém. As pessoas ainda acreditam que homossexualidade é uma opção. Não é. Mas, mesmo se fosse, requer respeito das pessoas. Eu já atendi vários casos de pais que se arrependeram porque os filhos se mataram. Na escola é preciso enfrentar e orientar os professores para detectar e combater o bullying. O bullying homofóbico é cometido de muitas maneiras. Uma risadinha, um olhar torto, chegando até a agressões verbais e físicas. Tudo é muito doido. Os gays escutam o todo tempo falar coisas a seu respeito que muitas vezes não são verdadeiras. Blindar este tipo de bullying, percebido todo o tempo, é muito difícil. Até porque são coisas veladas, como um tio que não te cumprimenta, pais que não te reconhecem. É tudo muito pesado. O processo terapêutico é fundamental para apoiar as vítimas deste bullying.

    Sul21 – Já tivemos a oportunidade de falar sobre sexualidade com outros especialistas que acreditam que o futuro da humanidade será de relações bissexuais e/ou poligâmicas. O senhor partilha desta visão?

    Cláudio Picazio – É muito controverso isso. O comportamento dos homens e mulheres pode ser bissexual. Homens podem transar com homens e mulheres, assim como mulheres como mulheres e homens. Podem existir relações múltiplas. Enfim, todas as formas de desejo. Agora, para as relações se tornarem bissexuais ou poligâmicas existe um elemento muito crucial que influencia o ser humano a não conseguir viver assim: o ciúme. A perda do objeto amoroso. As pessoas não se acostumam com isso. Os anos 70 não deram certo até hoje por causa disso. Não é possível assistir nossa amada ou amado transando com outro na nossa frente de forma feliz sempre. Em termos afetivos, temos capacidade de amar dois gêneros. Amamos nosso pai e mãe, irmãos e irmãs. Temos uma esfera amorosa que permite o amor por homens e mulheres, mas por um gênero temos desejo sexual e por outro não. Eu particularmente acredito que o futuro da humanidade é ter mais respeito por quem tem desejo erótico por homens ou mulheres, mas não que todos vão virar bissexuais ou poligâmicos. Temos mais liberdade para experimentar, porém, se um gay transa com uma mulher não vai deixar de ser gay e vice-versa. Ele teve uma atitude sexual de determinada orientação, mas o desejo sexual não muda sua orientação. A evolução humana tem que ser para não se preocupar mais com o desejo sexual dos outros. As nossas transas não serem uma espécie de preenchimento de currículo.
    Psicólogo defende que orientação sexual é algo que nasce com o indivíduo, não é fruto da educação./Foto: Reprodução

    Sul21 – Gostaria de encerrar com uma curiosidade em relação ao orgasmo masculino que o senhor defende: homens não tem orgasmo toda vez que ejaculam?

    Cláudio Picazio – O mito do orgasmo masculino. Essa tese eu adoro. (risos) O homem não tem um orgasmo a cada ejaculação, ele tem um gozo. Ele tem um prazer, mas orgasmo é muito diferente. A grande excitação e a grande satisfação, é como perder os sentidos. Isso não é em toda relação que ele tem. Na rapidinha que ele dá, ele ejaculou, mas não foi o grande prazer erótico que o faz levitar, tremer as pernas. Existe um desconhecimento neste sentido e que gera uma perseguição em relação ao orgasmo. O mesmo para mulher. Às vezes as pessoas estão mais dispostas, mais tranquilas e vão conseguir ter. Outras vezes não estão tão confiantes ou excitados e não terão. E o problema é que isto é equiparado com felicidade. Se eu não tive um orgasmo eu não sou feliz. Se eu não enlouquecer na cama, eu não sou homem ou mulher. Mas a intimidade e o prazer não se resumem a ter orgasmo. Às vezes não gozar e só curtir a intimidade é super prazeroso e excitante. Não precisamos ficar escravos de mitos.

    sábado, 9 de junho de 2012

    Parada do Orgulho Gay quer educação e criminalização da homofobia



    PORTAL VERMELHO: Neste domingo, 10 de junho, ocorre a 16ª Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) de São Paulo, considerada a maior do mundo. Sob o tema “Homofobia tem cura: educação e criminalização!”, 14 trios elétricos vão desfilar desde o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a partir das 12h, descendo a Rua da Consolação até a Praça Roosevelt, quando ocorre a dispersão, por volta das 18h.


    Serão três trios oficiais da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT), dois trios das Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitua de São Paulo (CADS), um de entidade do movimento LGBT (ABCD’S), quatro trios de entidades sindicais (CUT, Sintratel, SECSP e Apeoesp), um de entidade do movimento LGBT (ABCDs), dois de casas noturnas (Freedom Club e The L Club), um do site de relacionamentos Disponível.com e um da personalidade drag queen Salete Campari.

    Contra a homofobia

    A manifestação denuncia a discriminação como um vício social e reivindica uma série de medidas para combater a violência, como a aplicação do projeto Escola Sem Homofobia, que visa preparar professores da rede pública para promover a igualdade e combater a homofobia entre os alunos.

    “A escola vem sendo omissa quanto ao seu principal papel, que é a formação da cidadania e senso de justiça. O ambiente escolar deve ser um espaço inclusivo, de vanguarda, que quebre
    paradigmas e seja ponto de reflexão sobre novas concepções morais”, diz manifesto divulgado pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT), entidades responsável pela organização do evento.

    Outra reivindicação é a aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/06, há seis anos em tramitação no Senado, que criminaliza a homofobia. “O movimento LGBT brasileiro é unânime ao pedir prioridade na aprovação do Projeto de Lei da Câmara 122 em sua totalidade, para que a homofobia seja combatida no momento de sua ação, tipificando o crime e identificando os que a praticam. Não aceitamos negociar a atenuação da pena, pois estamos cansados de contar aqueles que perdemos a cada ano”, continua o manifesto.

    Um dia antes, no sábado (9), ocorre a 10ª Caminhada Lésbica, com concentração marcada para 12h na Praça Oswaldo Cruz, no começo da Paulista, e o 12º Gay Day, no Hopi Hari, considerado o maior evento LGBT em espaço privado do país, com público estimado em 9 mil pessoas.

    Os itinerários de 43 linhas de ônibus que circulam na região da Av. Paulista serão alterados no domingo, durante a realização da 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. As mudanças, que passam a valer a partir das 10h de domingo, podem ser conferidas no site da SPTrans. Para informações sobre linhas e trajetos de linhas consulte itinerários ou ligue 156.

    Fonte: SPressoSP
    Foto: Vanessa Silva

    sexta-feira, 13 de abril de 2012

    Gay impedido de doar sangue em BH abre debate na saúde pública brasileira


    Vários países proíbem doação de sangue por homossexuais; Brasil deve exigir período de 12 meses sem relações sexuais para autorizar doação | Foto: Valter Campanato/ABr

    Rachel Duarte no SUL21

    A menos de um ano da nova portaria do Ministério da Saúde que prevê a autorização de doação de sangue por homossexuais, um caso em Belo Horizonte (MG) alerta para a possível necessidade de revisão de um dos critérios da mesma portaria. Danilo França, 24 anos, foi impedido de doar sangue na última terça-feira (10), por ser homossexual. De acordo com a norma do MS, baseada em estudos da Organização Mundial de Saúde, homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos últimos 12 meses não podem doar sangue. A medida adotada de forma rigorosa pode estar mantendo viva a tese preconceituosa da década de 80, quando a Aids era associada como a “doença dos gays”.
    “Era a primeira vez que estava indo doar sangue. Esperei por duas horas na fila e na entrevista respondi que tinha um companheiro fixo há mais de três anos. Na hora me foi dito que eu não poderia doar. Sai e fiquei frustrado diante do argumento da portaria e constrangido diante dos meus colegas”, contou Danilo em conversa com o Sul21.
    A doação de sangue estava sendo promovida na empresa onde Danilo trabalha e não esconde a orientação sexual, por meio de um mutirão da Fundação Hemominas. Segundo ele, a entrevista com o médico na hora da doação mudou a partir do momento em que ele declarou sua orientação sexual.
    Entrevista para doação de sangue segue legislação federal | Foto: Reprodução / Sul21
    Depois dessa resposta, Danilo alega que o profissional da saúde reagiu de forma diferente e fez mais outras perguntas sobre a vida sexual homossexual dele. Logo após, informou, com base na apostila do Hemominas, que Danilo não poderia ser doador. “É um critério que coloca homossexuais no tal grupo de risco, como se ser gay fosse condição de risco ou de doença”, afirma.
    Após o episódio, no qual Danilo conta ter passado por constrangimento diante dos colegas ao deixar a sala e dizer que não seria e porque não seria doador, o jovem buscou esclarecimentos junto ao Hemominas e ao Ministério da Saúde.
    A médica responsável pelo setor de Hematologia e Hemoterapia da Fundação Hemominas, Flávia Loureiro, afirma que o trabalho dos profissionais do Hemominas na hora da triagem é padronizado dentro da legislação federal. “Nas situações de risco acrescido, como chamamos estes casos, o comportamento sexual é analisado para verificar se a pessoa esteve exposta a situações de risco de saúde”, fala. Segundo ela, o questionário aplicado em Danilo é o disponibilizado pelo Ministério da Saúde e a orientação é de não haver discriminação na conduta da triagem. “Não entendemos que o doador é inapto apenas pelo comportamento sexual. Mas seguimos as normas federais. Compreendemos a frustração de Danilo e das pessoas que são impedidas de doar sangue, que é um gesto de solidariedade e nos auxilia muito nos estoques de bolsas que salvariam outras vidas”, disse.

    “A orientação sexual não deve ser usada como critério para doadores de sangue”, diz nova portaria

    Em 2011, o Ministério da Saúde consolidou um importante passo para o avanço na saúde pública brasileira. Diferente dos países da União Europeia e dos Estados Unidos, a regra para inclusão de homossexuais masculinos foi flexibilizada para aceitar os gays que não tiveram relações sexuais nos últimos 12 meses. “Em outros países eles são banidos completamente”, afirma o coordenador de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
    Segundo a nova portaria do Ministério da Saúde, “a orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria”. Porém, a mesma portaria acaba estipulando um prazo quase inviável para um homossexual com vida sexual ativa ou com companheiro fixo, como é o caso de Danilo França.
    A inaptidão para doação de sangue por homens que fazem sexo com homens dentro deste prazo segue recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e está fundamentada em estudos epidemiológicos que apontam que a epidemia de HIV/Aids ainda é concentrada entre os homossexuais. De acordo com o MS, a probabilidade de contágio entre os homens que fazem sexo com homens é cerca de 11 vezes maior que entre os heterossexuais.
    Guilherme Genovez: "a janela imunológica pode levar até 21 dias. Não podemos arriscar a segurança das pessoas que serão beneficiadas com o sangue depois” | Foto: Ministério da Saúde

    “O problema é que, com a transmissão transfusional do HIV se deu de forma muito catastrófica no Brasil nos anos 80 e várias pessoas contaminadas na época eram homens que faziam sexo com outros homens, acabou ficando esta associação. Porém, a janela imunológica entre a exposição em uma relação sexual até o vírus ser detectado no exame pode levar até 21 dias. Não podemos arriscar a segurança das pessoas que serão beneficiadas com o sangue depois”, alerta Genovez.
    Segundo ele, o percentual de casos de sorologia positiva para HIV é de até 14% nos homossexuais que fazem exame. “Muitos procuram na doação de sangue a forma de fazer o teste. Têm receio de assumir sua sexualidade ou ainda não estão bem resolvidos e optam por ser doadores quando querem testar a sorologia”, conta. Mais de 80% dos gays homens que procuram os hemocentros, procuram com a expectativa de fazer exame ou monitorar, acrescenta Genovez.

    Gays não são doadores porque fazem “sexo traumático”

    Nem todos os homens que fazem sexo com homens são gays, mas todos os que tiveram relações entre homens são banidos da doação de sangue. A regra do Ministério da Saúde condiciona um homossexual masculino a não ter relação sexual por um ano para poder doar sangue, e os responsáveis garantem que o critério se comprova cientificamente necessário. As relações sexuais entre homens são chamadas tecnicamente de ‘sexo traumático’ que aumenta a porta de entrada para doenças. Mulheres que admitem praticar sexo anal durante a entrevista, também são impedidas de doar sangue.
    “O coito anal impede a doação, assim como as pessoas que têm relação promiscua, e isso pode ser heteros, bissexuais ou quaisquer pessoa. Mais de uma relação sexual desprotegida por ano já não pode ser doador. Tem que ser rígido para evitar os riscos de não identificar os diferentes vírus. Já aconteceu de uma bolsa de um indivíduo destes ser colocadas em bolsas de transfusão de 10 crianças na UTI neonatal de um hospital, ainda bem que evitou-se uma tragédia”, relata o coordenador do MS.

    Quem faz parte do grupo de risco?

    De acordo com a portaria do Ministério da Saúde também são considerados integrantes do grupo de risco as pessoas com mais de um parceiro sexual, quem tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas, vítimas de violência sexual e que tenham colocado piercing ou feito tatuagem sem condições de segurança adequada. Entre os inaptos à doação de sangue estão os que tiveram hepatite após os 11 anos de idade, usuários de drogas ou quem ingeriu bebidas alcoólicas, se expôs a situações de risco acrescido para doenças sexualmente transmissíveis ou teve gripe, resfriado ou diarréia nos sete dias anteriores à doação.
    De acordo com a especialista em Hematologia e Hemoterapia da Fundação Hemominas, Flávia Loureiro, os homossexuais homens que mantiveram relação nos últimos 12 meses não são incluídos no Grupo de Risco da instituição. “A relação sexual em si já é um risco de se contrair infecção. Não adotamos conceitos de risco ou grupo de risco para relações homossexuais. O critério básico que utilizamos na saúde é a prevalência para afirmarmos quantos casos efetivamente são reais dentro de uma determinada população para podermos tomar as medidas epidemiológicas. Há países que gays podem doar sangue porque os índices epidemiológicos de gays e heteros são os mesmos já”, explica.
    Um doador de sangue pode salvar até três vidas | Foto: Elza Fiúza/ABr

    No Brasil, o Ministério da Saúde ainda desenvolve estudos para aplicação de novas tecnologias nos exames sorológicos. “Estamos prevendo adotar um inibidor, uma substância misturada no sangue que matará tudo que está naquele sangue. Isto permitirá não descartar nenhum doador”, fala. Outro método que poderia auxiliar na redução do tempo exigido pelo MS para os doadores homossexuais não terem relação sexual é o teste NAT, já aplicado no Hemominas. “Até o final do ano vamos disponibilizar em todo país. É um exame de biologia molecular capaz de verificar a defesa do vírus nas pessoas e reduzir o tempo da janela imunológica em até 10 dias”, explica o coordenador de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez.
    Enquanto isso, Geovanez afirma que o Ministério da Saúde capacita os profissionais da saúde para um atendimento livre de preconceito na área da saúde pública. Porém, com as atuais regras, Danilo França já admite que não terá condições de doar sangue. “Eu estou em dia com minha saúde e me cuido. Mas não vou mais pensar em doar sangue se for com estas condições”, fala, sendo mais um na estatística dos não-doadores e que poderiam estar salvando até três vidas com a coleta de sangue.