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terça-feira, 8 de maio de 2012

Proposta que confisca propriedade com trabalho escravo deve ser votada nesta terça


Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego
Desde 1995, 42 mil trabalhadores foram libertados de trabalho escravo | Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego

Felipe Prestes no SUL21

Após oito anos parada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, deve ser votada nesta terça-feira (8) pela Câmara dos Deputados. A proposta determina que o empresário que tiver explorando trabalho escravo terá suas terras ou imóvel urbano confiscado para reforma agrária ou uso social nas cidades. No que depender do presidente Marco Maia, estará pautada uma sessão extraordinária para votá-la, no início da noite, após a sessão ordinária. O petista, entretanto, vai colocar o tema em debate na reunião de líderes, que ocorre no início da tarde.
A PEC do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada no Senado em 2001, chegou à Câmara, onde foi aprovada em primeiro turno em2004. A votação em segundo turno pode ocorrer agora, oito anos depois, fruto da pressão do Governo Federal e de movimentos sociais. No mês de março, a presidenta Dilma Rousseff estabeleceu, inclusive, prazo para votação da PEC: até o dia 13 de maio, aniversário de 124 anos da Lei Áurea, que acabou com a legalidade da escravidão no país. Maia apoiou a escolha da data e prometeu colocar em pauta nesta semana.
Para ativistas que combatem o trabalho escravo, a PEC é importante, porque as multas e sanções que são aplicadas a empresários não têm sido suficientes para conter a prática. “A PEC do Trabalho Escravo é hoje a lei mais relevante em trâmite no Congresso no combate ao trabalho escravo, porque confisca a propriedade. É muito paradigmática, porque deixa claro que o Estado brasileiro não aceita esta violação à dignidade humana”, afirma Leonardo Sakamoto, jornalista e diretor da ONG Repórter Brasil, que desde 2001 reporta casos de violação aos trabalhadores rurais.
Sakamoto relata que, desde 1995, quando o Governo Federal reconheceu a existência do trabalho escravo no país e criou um sistema público de combate à prática, 42 mil trabalhadores já foram libertados desta condição. Hoje, 291 empregadores estão no cadastro do trabalho escravo, atualizado semestralmente, a maior parte deles está no campo. Para o jornalista, contudo, o tema é mais próximo da população das cidades do que parece. “Faz parte da nossa alimentação e do nosso vestuário. É interessante que a gente, que se beneficia disto, pressione para que não aconteça mais”, diz.
José Cruz / ABr
Terça-feira será de manifestações pela aprovação da PEC em Brasília | Foto: José Cruz / ABr

Voto aberto pode ajudar na aprovação

Nesta terça (8), às 11h, movimentos sociais como o MST e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outras entidades, e artistas como Osmar Prado. Letícia Sabatella, Bete Mendes e Paulo Betti, além de intelectuais e integrantes da Igreja farão ato na Câmara dos Deputados para entrega de abaixo-assinado com cerca de 50 mil assinaturas pela aprovação da PEC. Entidades farão vigília no Congresso durante todo o dia.
Para Leonardo Sakamoto, a aprovação depende de não haver subterfúgios, como a falta de acordo entre líderes ou a falta de quórum para a votação. “O voto é aberto, isto ajuda. Acredito que uma vez colocado em votação, será aprovado”, diz. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 3/5 dos votos. Normalmente, a bancada ruralista tem tido bem mais que 2/5 dos votos na Casa, mas, como o voto é aberto, o diretor da Repórter Brasil crê que pouco se arriscariam em votar contra uma matéria que ajuda a combater o trabalho escravo. “Qual deputado vai querer votar contra uma lei que vem sendo chamada de nova Lei Áurea, em ano eleitoral?”, questiona.
Ainda assim, Sakamoto diz que na Câmara “tudo pode acontecer” e considera uma incógnita se a PEC chegará a ser votada mesmo. “Não tenho resposta. Depende muito se o Governo Dilma vai entrarem campo. Depende se o Governo ainda tem base aliada, se o Congresso ainda se importa com os temas que o Governo prioriza, se base aliada não é aliada apenas em temas que lhe interessa”, diz. Caso seja aprovada, a PEC precisa voltar ao Senado, porque a Câmara fez alterações no texto, incluindo os imóveis urbanos.
valdircolatto
Colatto: Se for votada, PEC será derrotada | Foto: Janine Moraes/Ag. Câmara

Deputado ruralista acredita que trabalho escravo não está bem definido na PEC

Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ainda não é o momento da PEC ser apreciada. “A PEC não tem um conceito definido de trabalho escravo. Vai deixar na mão do fiscal que for na fazenda? Fiscal não pode ser quem decide, cada fiscal faz o que quer, é uma ditadura do fiscal”, diz.
Segundo Colatto, o Ministério do Trabalho tem uma instrução normativa com 255 exigências aos produtores e eles poderiam perder sua propriedade por questões não tão importantes. “Nenhuma propriedade no Brasil cumpre todas estas exigências, e é uma instrução normativa, não tem respaldo em lei. Quando o funcionário toma água na bica, o produtor pode ser enquadrado. Tem que ter um banheiro para cada dez funcionários, azulejo na cozinha. Como vai fazer isto?”.
Para o peemedebista, o produtor rural também não pode ser cobrado da mesma maneira que uma indústria, por exemplo. “Uma propriedade rural no meio da Amazônia não pode ter a mesma estrutura que em uma indústria”.
O deputado também ressalta que está ocorrendo na Câmara uma CPI do Trabalho Escravo e que, portanto, seria mais adequado esperar o fim dos trabalhos para apreciar a PEC com mais subsídios. “Tem uma CPI que vai ouvir todos os lados. Agora não é o momento de votar. Não sei por que tanta pressão se tem uma CPI. Seria uma irresponsabilidade aprovar agora, vai criar mais conflitos, pode criar desemprego”, diz.
Colatto acredita que se a proposta entrar em votação será derrotada. “Se o governo quer tanto colocar, tem que colocar na pauta. Vai ser derrotado”.
Divulgação / MTE
Uma realidade Brasil afora: adolescentes libertados de trabalho escravo | Foto: Divulgação / MTE

Conceito de trabalho escravo é claro, garante Sakamoto

Para Leonardo Sakamoto, o conceito de trabalho escravo é claro, tanto que está na lei brasileira, no artigo 149 do Código Penal. De acordo com o texto legal, a condição análoga à da escravidão se dá quando o trabalhador é submetido a trabalho forçado, a jornada exaustiva, ou a trabalhar em condições degradantes. O trabalho forçado pode se dar, segundo a lei, por dívidas contraídas com o empregador, por cerceá-lo de meios de transporte, manter vigilância ostensiva para que ele não deixe o local de trabalho ou se apoderar de seus documentos.
O diretor da Repórter Brasil ressalta que o trabalho escravo não está apenas na legislação brasileira, mas em convenções e tratados subscritos pelo país na esfera internacional, em instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Nações Unidas. Além disto, afirma o jornalista, o STF, o TST e outros tribunais brasileiros já têm inúmeras decisões contra o trabalho escravo. “Primeiro, os ruralistas diziam que o trabalho escravo não existia. Quando as evidências contrariavam muito isto, passaram a dizer que o conceito não é claro. Para estas pessoas não adianta mostrar convenções da OIT, da ONU, o artigo 149 do Código Penal. Não adianta apresentar fatos para quem não quer ouvi-los”, diz.
Sakamoto também rebate o argumento de que fazendeiros poderiam perder sua propriedade por pequenas coisas como não ter azulejo na cozinha. Segundo ele, é muito comum proprietários que são enquadrados mostrarem apenas parte de suas autuações, ocultando os motivos principais. “O trabalho escravo é conjunto da obra”, diz. O jornalista explica que na maioria das propriedades que descumprem alguma exigência do Ministério do Trabalho, os empregadores corrigem os erros e não são enquadrados na lista suja do trabalho escravo. “Apenas 42 mil trabalhadores foram libertados e existem 18 milhões de trabalhadores rurais no país. Se fosse como o deputado diz, este número seria muito maior”.
leonardo sakamoto
| Foto: Alexandra Martins/Ag. Câmara

Para jornalista, função social da propriedade é o cerne da discordância

Leonardo Sakamoto ressalta que a imensa maioria dos proprietários rurais cumpre com suas obrigações trabalhistas. No entanto, a PEC preocupa grande parte deles porque mexe com a propriedade, dando caráter efetivo à função social da propriedade, pouco cumprida no Brasil. “Certa vez o Ronaldo Caiado (deputado federal, DEM-GO) chegou a dizer que se podia jogar na cadeia quem tivesse trabalho escravo em sua fazenda, mas que não se tirasse a propriedade. O medo é vincular à função social. É que haja outros mecanismos, como desapropriar propriedades por crimes ambientais, por trabalho infantil. Para eles a propriedade é inviolável”, diz.
O ativista afirma que os produtores deveriam entender que há concorrentes praticando dumping social, levando vantagem ao submeter trabalhadores a condições degradantes. “A maioria fica dentro da lei, dá qualidade de vida a seus trabalhadores e sofre concorrência desleal de quem não dá”, diz.
Ele afirma também que é comum empresários agradecerem depois de sofrerem pressão da Repórter Brasil e regularizarem sua situação. “Ruralistas já me agradeceram por terem sido fiscalizados. Hoje, podem dizer, por exemplo, para o cliente europeu que seu algodão é limpo, o que não se pode dizer da produção no Paquistão e na Índia”.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Delegado do DOPS revela em livro detalhes da repressão, tortura e assassinatos

Kikodmachado em seu blog


Foto:

Capa do livro de Cláudio Guerra


O site IG publica, nesta quarta-feira (2), matéria sobre o lançamento do livro de delegado do DOPS Cláudio Guerra com revelações bombásticas sobre a tortura, incineração de corpos de prisioneiros políticos e assassinatos cometidos pelas forças de repressão durante o regime militar brasileiro. Confira:

“Militantes de esquerda foram incinerados em usina de açúcar”

Delegado revela em livro que viraram cinzas os corpos de David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e outros oito opositores da ditadura

Ele lançou bombas por todo o país e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do atentado contra o show do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou os subordinados do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury nas forças de resistência violenta à redemocratização do Brasil.

Apesar disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa dos direitos humanos. Mas com o lançamento do livro “Memórias de uma guerra suja”, que acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) entrará para a história como um dos principais terroristas de direita que já existiu no País.

Mais do que esse novo personagem, o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e 80.

Revelações sobre o próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime organizado e setores militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de alguns dos financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se estabeleceu naquele período.

A reportagem do iG teve acesso ao livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar (1964-1988).

David Capistrano, Massena, Kucinski e outros incinerados

Cláudio Guerra conta, por exemplo, como incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão encontrados – conforme ele testemunha – de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente.

“Em determinado momento da guerra contra os adversários do regime passamos a discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob censura, havia resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a tortura e as mortes.”

Os dez presos incinerados

João Batista e Joaquim Pires Cerveira > presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury.
Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva > “A mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”.
David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho > Dirigentes históricos do PCB.
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho > Militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).

O delegado lembrou do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro, proprietário da usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a quem ele fornecia armas regularmente para combater os sem-terra da região. Heli Ribeiro, segundo conta, “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil”.

Cláudio Guerra revelou a amizade com o dono da usina para seus superiores: o coronel da cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que atuava no Centro de Informações da Marinha (Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:

“O local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano.”

“A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.”

Do porão para o púlpito

Cláudio Guerra foi um dos policiais mais poderosos dos anos 70 e início dos anos 80. Circulava no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais-Espírito Santo com a desenvoltura de uma autoridade anônima consciente de seu poder de destruição humana. Hoje é um pastor evangélico que passa boa parte das manhãs de domingo estudando hebraico, e grande parte de seu tempo estudando a Bíblia. Também desenvolve atividades sociais sob a supervisão da Justiça, já que ainda cumpre pena de prisão, recolhido numa instituição para idosos. E vive pedindo por suas ovelhas: o tratamento difícil para alguma criança, uma cirurgia de emergência, um olhar mais técnico sobre um promissor jovem atleta de sua comunidade. Ex-policial experiente, ele sabe que sua vida sofrerá graves mudanças a partir da divulgação das informações constantes em Memórias de uma Guerra Suja.

O site memoriasdeumaguerrasuja.com.br apresenta o livro, os autores e o protagonista, além de indicar personagens da comunidade de informações, cemitérios clandestinos e desaparecidos políticos.

Faixa de Gaza, no centro da questão palestina


A escalada de violência na Faixa de Gaza em março confirmou o caráter instável do status quo e o impasse da estratégia israelense
por Jean-Pierre Filiu no LeMondeBrasil
(Garoto palestino agita a bandeira de seu país durante protesto na Faixa de Gaza)

A Faixa de Gaza, como entidade autônoma, foi moldada pela guerra de 1948-1949. Durante o conflito, muitos palestinos expulsos afluíram para lá. O primeiro-ministro israelense, David ben Gurion, sempre visionário, compreendeu imediatamente o risco de tal concentração de refugiados no noroeste do Neguev. Isso porque a barreira natural do Deserto do Sinai impedia que ocorresse em Gaza um fenômeno de dispersão, como se deu nos países vizinhos, com o surgimento de campos de refugiados ao redor de Amã, Beirute e Damasco. Assim, para pelo menos dois terços de sua população, o território se transformou num enorme campo de refugiados. Ben Gurion pensou em resolver o problema com a oferta de anexação de Gaza, mas ela foi enterrada em 1949, na Conferência de Lausanne. O território tornou-se então o abscesso da frente meridional, campo de teste para incursões de intimidação e bombardeios indiscriminados.
 
A invasão israelense de 1956, durante a crise de Suez, foi acompanhada por uma sangrenta repressão, mas Gaza teve de ser evacuada, sob pressão internacional. Ben Gurion então achou que devia fazer uma aposta-padrão na mão de ferro do presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, o qual garantiu uma efetiva paz no território até 1967. Para Israel, a ocupação da Faixa de Gaza, desde a abertura da guerra de junho, era acima de tudo um desafio em termos de contrainsurreição, diante da uma guerrilha palestina de tenacidade inigualável. O general Moshe Dayan, tendo esmagado brutalmente os insurgentes, decidiu dissolver Gaza nas “portas abertas” (livre circulação) com Israel e Cisjordânia. Essa política deu frutos por duas décadas. Em 1993, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin decidiu ao mesmo tempo sistematizar as “barreiras” do território e abrir um diálogo com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
 
Livrar-se de Gaza tornou-se a obsessão das autoridades israelenses, que buscavam transferir a manutenção da ordem a uma força palestina, mesmo reservando-se um direito de intervenção permanente em caso de ameaça. É evidente a continuidade estratégica entre a retirada parcial de 1994 e o desengajamento unilateral de 2005. Porém, enquanto Rabin desencadeou um processo de paz, o primeiro-ministro Ariel Sharon colocou Gaza diante do fato consumado.
 
CUSTO EXORBITANTE

Desde 2005, Israel enfrenta o impasse de sua abordagem exclusivamente securitária, que alimenta, com sua brutalidade, uma mobilização internacional pontuada por crises. As “missões civis”, nascidas da urgência humanitária, atingiram seu limite, pois não são capazes de dar uma perspectiva à população de Gaza. Esta continua suspensa no braço de ferro entre o Fatah, que nunca aceitou a vitória islâmica nas eleições de janeiro de 2006, e o Hamas, que assumiu o controle do território em junho de 2007. Assim, o impasse da estratégia israelense acentua o impasse humanitário, que por sua vez é agravado pelo impasse político que perdura na cena palestina. O 1,5 milhão de habitantes do território, já submetidos a um isolamento físico de rigor excepcional, são também prisioneiros desse triplo impasse.
 
O desengajamento israelense e o desmantelamento das colônias da Faixa de Gaza, no final do verão [do Hemisfério Norte] de 2005, foram seguidos, um mês depois, pelo início de uma ofensiva de nome premonitório: “Eterno Recomeço”. Sucederam-se as incursões e os bombardeios israelenses, o mais recente deles em março de 2012. A captura do soldado Gilad Shalit, no dia 25 de junho de 2006, inaugurou uma nova escalada militar. A quebra da trégua entre o Hamas e Israel, de junho a dezembro de 2008, levou à onda de violência da operação “Chumbo Grosso”, cujas vítimas se contam na proporção de um israelense para cada cem palestinos, ainda que, apesar da ação, os ataques de foguetes contra Israel não tenham cessado em 2009. Durante os seis primeiros meses de 2010, o ocupante matou 34 palestinos na Faixa de Gaza (incluindo onze civis), ao passo que os três israelenses mortos eram todos militares.1 O segundo semestre de 2010 terminou com um saldo de 37 palestinos mortos (incluindo doze civis) e nenhuma vítima israelense.2 Israel acredita ter encontrado a fórmula de gestão de sua fronteira meridional, a um custo sem dúvida exorbitante para os habitantes de Gaza, mas perfeitamente aceitável para a opinião pública.
 
A revolução egípcia, que eclodiu em 25 de janeiro de 2011 e em dezoito dias obrigou o presidente Hosni Mubarak a renunciar, logo dissipou essa ilusão estratégica. Numa inversão de papéis, é a Faixa de Gaza que alimenta, por meio de túneis, a cidade egípcia de Rafah, isolada do mundo – isto é, do Cairo – pelos motins do Canal de Suez. Israel, que insistiu para que o tratado de paz de 1979 com o Egito proibisse qualquer implantação militar no Sinai, autorizou uma presença sem precedentes das forças armadas egípcias a leste de Suez, a fim de conter a agitação revolucionária...
 
No dia 11 de outubro de 2011, por meio da mediação do Cairo e do serviço de inteligência alemão (BND), Hamas e Israel conseguiram chegar a um acordo de troca de prisioneiros. A libertação do soldado Gilad Shalit, uma semana depois, foi condicionada à libertação de 1.027 presos palestinos: 477 de uma lista aprovada pelo Hamas e Israel, mais 550 soltos a critério de Israel em um prazo de dois meses. É verdade que o Hamas não conseguiu a libertação das figuras emblemáticas do Fatah – Marwan Barghouti – e da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) – Ahmed Saadat. Mas garantiu a de muitos militantes do Fatah, dos Comitês de Resistência Popular e da Jihad Islâmica. Principalmente, assegurou o retorno de dezenas de quadros e membros históricos, alguns condenados a várias penas de prisão perpétua por envolvimento em ataques contra Israel.
 
Foram necessários quase 2 mil dias para que Israel aceitasse as exigências básicas transmitidas pelo Hamas após a captura de Shalit. Durante cinco anos e meio, seu Exército encadeou ofensivas para quebrar ou pelo menos dobrar o Hamas. O governo de Benjamin Netanyahu, no entanto, não sofreu nenhuma consequência do fracasso dessa opção estritamente militar, já que nunca foi capaz de ameaçar o controle do Hamas sobre a Faixa de Gaza. Pelo contrário, é o movimento islâmico que mantém a intensidade do conflito no nível mais baixo, contornando o bloqueio por meio de seus túneis, estimados em seiscentos pela ONU.
 
“FIM DA DIVISÃO”

No inverno [do Hemisfério Norte] de 2011, uma militância inédita em Gaza revelou-se sincronizada com as reivindicações populares em Túnis e no Cairo. Uma manifestação de apoio à revolução egípcia foi proibida no dia 31 de janeiro de 2011. A derrubada do presidente Mubarak, em 11 de fevereiro, animou os manifestantes palestinos. O grito “O povo quer derrubar o regime” foi adaptado em Gaza para “O povo quer o fim da divisão”, colocando Hamas e Fatah lado a lado em nome dos interesses do povo palestino. No dia 14 de março de 2011, milhares de jovens manifestavam-se em favor dessa causa. No dia seguinte, eles já eram dez vezes mais numerosos, enquanto os protestos eram muito mais limitados na Cisjordânia. A manifestação degenerou, pois militantes do Hamas quiseram impor o emblema do partido aos manifestantes, que só permitiam a bandeira palestina.
 
Apesar desses incidentes, a dinâmica unitária preparou o terreno para uma reconciliação, pelo menos formal, entre Hamas e Fatah. A queda do regime de Mubarak, menos preocupado em mediar do que em conter o movimento islâmico, também contribuiu para isso. E o enfraquecimento da Síria de Bashar al-Assad forçou a liderança exilada do Hamas a dar mais valor às reivindicações de Gaza. Em 4 de maio de 2011, os dois dirigentes, Khaled Meshaal e Mahmoud Abbas, que não se encontravam desde a efêmera “união nacional” concluída em Meca quatro anos antes, reuniram-se no Cairo para assinar um acordo. Um quadro de cooperação entre os serviços de segurança de Ramallah e de Gaza foi aceito. O princípio do acompanhamento pela OLP das negociações com Israel foi apoiado pelo Hamas, que não se considera ligado a essas conversações, mas está disposto a aceitar suas consequências.
 
Depois de tanto sangue derramado e tantas oportunidades perdidas, os habitantes de Gaza lutam para acreditar que a página das batalhas de uma Palestina contra a outra foi de uma vez por todas virada. Uma real reconciliação continua sendo condição indispensável para tirar o território do limbo em que ele foi relegado desde junho de 2007. A decisão última está nas mãos de Abbas e Meshaal, que vivem respectivamente em Ramallah e no Catar (desde que saiu de Damasco), bem longe de Gaza e suas preocupações. As vinganças de milícias rivais e a duplicação de grandes burocracias3 representam um sério desafio a qualquer forma de aproximação duradoura. Mas como imaginar um futuro decente e um destino coletivo para a população de Gaza enquanto os dois principais movimentos palestinos continuarem a se destruir mutuamente?
 
Três gerações cresceram nessa faixa de terra moldada pela história. A geração do luto, de 1947 a 1967, preparou o caminho para a do arrasamento, de 1967 a 1987, e em seguida para a das intifadas, de 1987 a 2007. Porém ali, como em todo o resto da Palestina, o caminho para sair desse pesadelo coletivo é simples e conhecido. Ele se desdobra num tríptico virtuoso: desenclave, desenvolvimento e desmilitarização. Tal dinâmica inverteria as tendências consistentemente seguidas há duas décadas. A juventude de Gaza já demonstrou, na mobilização de março de 2011, determinação em reverter uma ordem tão sinistra. Para conjurar essa fatalidade, seria preciso retornar ao pressuposto mais promissor dos acordos de Oslo: Gaza em primeiro lugar.

Jean-Pierre Filiu
Professor na Sciences Po Paris e autor, entre outros livros, de Histoire de Gaza,  publicado pela Fayard.


Ilustração: Ibraheem Ab Mustafa / Reuters
1 Relatório semanal do Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, 2 jul. 2010.

2 Relatório semanal do Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, 7 jan. 2011.

3 O Hamas controla o salário de 31 mil funcionários na Faixa de Gaza, onde a Autoridade Palestina mantém cerca de 70 mil agentes remunerados.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O 'Schindler' italiano que salvou centenas de vidas na Argentina


O diplomata italiano Enrico Calamai foi um herói silencioso que atuou no Consulado em Buenos Aires durante a ditadura, quando arriscou sua vida e sua carreira para facilitar a fuga de centenas de dissidentes políticos e partidários que pegaram em armas contra o experimento neonazista dos generais argentinos. Em conversa com a Carta Maior, em Roma, Calamai fala sobre a Operação Condor, sobre o envolvimento de diplomatas e da ditadura brasileira em assassinatos e sobre a cumplicidade do Vaticano com a ditadura argentina.


Roma - Se a Itália fosse uma Meca do cinema político como o era nos anos 60 e 70, seguramente os estúdios romanos de Cinecittá teriam filmado algo parecido à Lista de Schindler, aquela produção de Hollywood sobre um magnata alemão que resgatou cerca de mil judeus condenados a morrer em Auschwitz. O protagonista do filme que nunca se realizou seria o diplomata italiano Enrico Calamai, um herói silencioso que atuou no Consulado em Buenos Aires durante a ditadura, quando arriscou sua vida e sua carreira para facilitar a fuga de centenas de dissidentes políticos e partidários que pegaram em armas contra o experimento neonazista dos generais argentinos.

"Nunca me detive a contar as pessoas que passaram pelo Consulado. Em um programa da RAI (TV italiana) disseram que foram mais de 400, sinceramente não sei se esse número é correto, não sei quantos receberam nossa ajuda para poder sair com vida da Argentina".

A biografia de Calamai é a de um diplomata incomum no outono portenho de 1976 quando a chegada ao poder do general Videla era bem acolhida pela maioria das embaixadas ocidentais e comemorada secretamente pela do Brasil, como consta na intensa comunicação gerada pelo então embaixador João Batista Pinheiro.

DESAFIANDO A OPERAÇÃO CONDOR
 
"Nós sabíamos que a Operação Condor estava atuando, ainda não a conhecíamos por esse nome, mas tínhamos notícias de que os militares brasileiros e argentinos estavam articulados para deter quem fugia da matança em Buenos Aires, por isso decidi viajar com dois ítalo-argentinos, Piero Carmelutti e Santiago Camarda, até o Rio de Janeiro. Era arriscado que fossem sozinhos. Foi no carnaval de 1977".

“Estes rapazes estiveram um tempo ocultos no Consulado, um deles tinha uma destreza artesanal para falsificar documentos e confeccionou uns que de autênticos tinham apenas as fotos”.

“Fez isso com meu auxílio, utilizando alguns carimbos que lhe facilitei, era um método não formal de fazer documentação para sair do país, não tínhamos apoio institucional, fizemos tudo às costas da Embaixada, que não me apoiava nisto”.

“Também não obtive apoio de um funcionário da Alitalia a quem propus que fizesse vista grossa e nos desse passagens diretas até Roma, o que ele recusou, escandalizando-se. Finalmente conseguimos as passagens diretas, graças ao representante da Varig na Argentina, um ítalo-brasileiro robusto e cordial".

"Nossa premissa era evitar que fossem interrogados no Rio, porque ali possivelmente havia gente do aparato de inteligência militar, e minha função era estar junto a eles para fazer valer minha condição de diplomata denunciando um eventual sequestro, como ocorreria em 1980 com o ítalo-argentino Domingo Campiglia, capturado precisamente no Rio de Janeiro" conta Calamai, com o rigor próprio de um historiador.

"Eles não podiam permanecer em Buenos Aires, mas por sua vez tinham que atravessar o cerco da Operação Condor no Rio, a única forma para que chegassem com vida à Itália".

A resistência à ditadura havia sido fraturada militarmente em 1977, ano de intenso intercâmbio entre os serviços de inteligência dos ditadores Ernesto Geisel e Jorge Videla.

Documentos a que Carta Maior teve acesso, datados daquele ano, confirmam a prioridade dada por Brasília à localização e detenção de "elementos Montoneros e do ERP (Exército Revolucionário do Povo)", para serem entregues à Buenos Aires.

Os aparelhos repressivos trabalhavam em notável sintonia. Tanto que as agências de inteligência brasileiras recebiam informações sobre as atividades da resistência argentina na Itália.

Dentro da documentação até agora secreta, obtida por Carta Maior, consta um dossiê do Estado Maior do Exército brasileiro, originado na Itália em junho de 1978, intitulado como “Movimento Peronista Montonero no exterior, Acionar, Contatos, Conexões com Grupos Terroristas, Antecedentes”.

CONSPIRAÇÃO DIPLOMATICA
 
As centenas de argentinos que escaparam do genocídio graças ao trabalho de Calamai não lhe valeram muito para obter uma promoção em sua carreira diplomática, dado que após haver trabalhado cinco anos na Argentina, um destino considerado de relativa importância, foi enviado a outro considerado irrelevante: o Nepal.

Diferente foi a sorte do embaixador brasileiro João Batista Pinheiro que, após seus bons ofícios diante da Junta Militar portenha, foi promovido a chefe da missão diplomática em Washington.

Pouco depois da derrubada do governo civil argentino, Pinheiro trabalhou para que Geisel enviasse, em abril de 1977, um representante a Buenos Aires, um gesto crucial para Videla, que temia sofrer o isolamento diplomático do qual padecia seu colega chileno Augusto Pinochet.

"Até agora não se estudou a fundo como atuaram os serviços diplomáticos em geral frente à ditadura", afirma Calamai durante a conversa com a Carta Maior em Roma.

E amplia: "não digo só pela Itália, me refiro à maioria dos países ocidentais, que foram completamente omissos ante as violações dos direitos humanos na Argentina".

Como nos pactos mafiosos, o grosso dos diplomáticos instalados em Buenos Aires, salvo os da embaixada do México, onde o ex-presidente democrático Héctor Cámpora recebeu refúgio durante anos, optou por omitir-se.

"Direta ou indiretamente, as principais embaixadas, inclusive aqui as da Itália, e acho lógico que também a do Brasil, embora não tenho informação concreta, foram informadas de que viria o golpe de Estado".

"Estes avisos sobre a eminente derrubada do governo civil eram também uma forma de advertir que não aceitariam que as embaixadas recebessem refugiados, como havia feito nossa embaixada e outras depois do golpe do Chile. E quase todos os países que receberam o aviso dos militares argentinos, pelo visto, entenderam o recado e o aceitaram".

"Agora, com o passar do tempo, compreendo que em torno da Operação Condor havia uma colaboração estreita das embaixadas e dos militares argentinos, e das embaixadas e seus próprios agregados militares. A diplomacia é algo muito próximo ao poder, e o foi durante as ditaduras, os diplomatas sabem que se se opuserem ao poder serão ou marginalizados, ou eliminados. Nessa época isto era um risco real".

SANTA CUMPLICIDADE
 
Antes da entrevista, Calamai nos mostra o Antico Café do Brasile, a poucos metros de sua casa: "antes de ser papa, João Paulo II, quando era seminarista, vinha habitualmente a este café, é um lugar simples, como podem ver".

As exéquias de João Paulo I, antecessor do papa polaco que frequentava o bairro de Calamai, foram um pretexto para estreitar as relações entre o Vaticano e Videla, que foi um dos chefes de Estado convidados. As gestões para a viagem de Videla e seu encontro com o então primeiro ministro italiano, foram realizadas pela loja maçônica Propaganda Due (P2), segundo consta em um livro lançado este ano na Universidade Roma Três.

"A loja P2 se movia como um poder oculto e gozava de uma notável influência no serviço exterior italiano e no Vaticano, e um de seus principais homens, Licio Gelli, mantinha boas relações na Igreja".

"O Vaticano esteve muito próximo do regime argentino, não só porque coincidia com seu anticomunismo, mas porque contribuía na decisão de Roma de terminar com a teologia da liberação na América Latina. Dizia-se que o núncio apostólico jogava tênis com o almirante (Emilio) Massera", um dos membros da Junta, a quem correspondia o controle do Ministério do Exterior argentino.

"Mas também é preciso lembrar que os motivos ideológicos que levaram o Vaticano a apoiar os militares eram tão importantes como os interesses econômicos de empresas ligadas à Igreja que estavam radicadas na Argentina".

Estas razões contribuem para explicar, segundo Calamai, porque o Estado do Vaticano omitiu-se durante anos em denunciar o genocídio argentino e negou ajuda aos familiares dos desaparecidos e prisioneiros.

"Existem muitas coisas que escaparam da minha memória, mas o que lembro é que, quando falava com diplomatas de outros países sobre as violações dos direitos humanos, praticamente todo mundo dizia que ninguém ia à Nunciatura porque não os recebiam".

Tradução: Libório Junior

terça-feira, 17 de abril de 2012

Manifestantes protestam durante homenagem a Médici: “Bagé pede desculpas ao Brasil”


Um grupo de estudantes, professores, artistas, jornalistas e de outras categorias de trabalhadores promoveu um ato público dia 11 de abril, em Bagé, para homenagear a memória dos desaparecidos, torturados e mortos pela ditadura militar. A manifestação ocorreu na mesma hora em que era lançado no Clube Comercial o livro “Médici, a verdadeira história”, de autoria dos coronéis reformados Claudio Heráclito Souto e Amadeu Deiro Gonzalez. Carregando faixas e cartazes com fotos de desaparecidos e mortos pela ditadura, os manifestantes distribuíram panfletos para os participantes da homenagem ao ditador Médici, que é natural do município. “Bagé pede desculpas ao Brasil”, dizia um dos cartazes.
Um dos organizadores da homenagem foi para a calçada e “mandou” um policial militar permanecer ali para “garantir a segurança” de seus convidados. Não houve nenhum incidente de violência, só o constrangimento e a irritação visível na face de alguns dos admiradores do militar. Ao som de músicas de Tom Zé e Geraldo Vandré, os manifestantes leram o nome de todas as pessoas assassinadas durante o período em que Médici foi ditador do Brasil. E garantiram que estarão em qualquer futura manifestação que pretenda homenagear líderes da ditadura. O vídeo da manifestação é uma produção de Maria Bonita Comunicação.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Militares ameaçam jovens que protestaram contra comemoração do golpe de 1964


Site de coronel da reserva exibe vídeo e troca informações sobre jovens que participaram de protesto no Rio de Janeiro | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

Cinco jovens do Rio de Janeiro que protestaram contra a comemoração do golpe de 1964 feita por militares da reserva no dia 29 de março estão sendo ameaçados e tendo suas vidas expostas. O site A Verdade Sufocada, mantido pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, publicou fotos com o nome de cinco manifestantes e os locais onde eles trabalham. A ira da caserna recaiu com mais força sobre Luiz Felipe Garcez, que foi flagrado numa fotografia cuspindo no coronel-aviador Juarez Gomes enquanto ele deixava o Clube Militar no Rio de Janeiro.
O site de Ustra, ex-comandante do DOI-CODI de São Paulo e torturador reconhecido pela Justiça, informa o e-mail e os perfis no Twitter e no Facebook de Luiz Felipe. Os dados se espalharam por sites e blogs mantidos por militares, que estão postando diversas ameaças aos cinco jovens pela internet.
No blog do coronel da reserva Lício Maciel – que participou da repressão à Guerrilha do Araguaia – há um vídeo de 3 minutos, que já foi retirado do YouTube, com o título de “maloqueiros alucinados”, em referência aos manifestantes. Os jovens são tratados o tempo inteiro como criminosos e agressores de idosos e os militares fazem questão de expor informações sobre eles.
No post que exibe o vídeo, o comentário de um sujeito identificado como Eduardo Cruz demonstra que a vida desses cinco jovens – especialmente a de Luiz Felipe – foi investigada. “Após um levantamento preliminar, obtive algumas informações importantes sobre o covarde que agrediu aquele senhor idoso no dia 29. O nome completo do meliante é Luiz Felipe Monteiro Garcez, vulgarmente conhecido como Pato, estudante do curso de Produção Cultural do IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro) desde 2010. Tem 25 anos de idade, frequenta o Diretório Estadual do PT no Rio de Janeiro e não trabalha”, escreveu o comentarista, que fornece informações dos empregos que o jovem já teve.
Eduardo Cruz vai além em seu comentário no blog de Lício Maciel. Ele dá informações sobre a família de Luiz Felipe e ainda faz juízo de valor sobre sua criação. O comentarista cita o nome da “namoradinha” de Luiz Felipe, informa que ele tem uma filha, publica o nome dos pais do jovem e ainda comenta que eles “visivelmente falharam na educação do moleque”.
Site mantido por Carlos Alberto Brilhante Ustra instiga militares a procurarem informações sobre jovens que participaram do protesto | Foto: Brasil247

Eduardo Cruz finaliza o comentário dizendo que “por enquanto é isso” e assegurando que irá prosseguir com a “averiguação” e que voltará “em breve com informações sobre os outros agressores presentes naquele episódio”.
Nesse mesmo post do blog do coronel Lício Maciel há um link para uma pasta no site de compartilhamentos 4Shared com informações sobre a vida de Luiz Felipe Garcez. São exibidas fotos dele, de sua mulher e até de sua filha. Uma das imagens mostra o jovem com a filha recém-nascida no colo, com as devidas identificações.

“Não podemos nos permitir ter medo”, diz jovem ameaçado

Em conversa por telefone com o Sul21, Luiz Felipe Garcez conta que já recebeu mais de 150 ameaças por Facebook e por e-mail. Ele assegura que o vídeo feito com informações sobre sua vida, de seus amigos e de sua família – que chegou a ter mais de 11 mil acessos até ser retirado do ar – foi produzido por um jovem “infiltrado” no protesto do dia 29 de março e diz que vai entrar com processos judiciais contra as pessoas que estão expondo sua vida. “Estamos tomando medidas preventivas, documentando as ameaças e vamos entrar com um  processo por incitação ao ódio. Não podemos ter medo, senão vão entender que esse tipo de intimidação funciona”, comenta.
Pasta criada em site de compartilhamento exibe fotos e informações de Luiz Felipe e da sua família | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Ele acredita que os ataques venham de grupos organizados de extrema direita – com a presença ou não de militares. “São grupos organizados politicamente que podem ter militares da ativa. Mas não é a instituição Exército que está nos atacando, são fascistas que se organizam internamente”, explica.
Luiz Felipe garante que continuará denunciando os abusos e não se intimidará com as ameaças. “Sabemos que é isso que eles fazem, não podemos esperar nenhum tipo de reação diferente. São filhotes de uma ditadura que matou, perseguiu e torturou, ainda tem muita gente que acredita nisso. Muitos dos que eles mataram deram a vida para que pudéssemos estar hoje protestando. Não podemos nos permitir ter medo”, defende.
Outro manifestante exposto por Ustra, Rodrigo Mondego, também conversou por telefone com o Sul21 e disse que também vem sofrendo ameaças. “Se identificam como militares e nos ameaçam de morte. Entramos em contato com o ouvidor da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com a OAB-RJ e vamos conversar também com Ministério Público Federal”, avisa.
Rodrigo explica que o principal objetivo é retirar a exposição de seus dados e dos seus amigos dos sites dos militares. “Podemos ver que vários blogs de militares nos citam, basta colocar nossos nomes no Google”, lamenta.
Ele acredita que há policiais da PM do Rio de Janeiro atuando para ajudar na apuração de informações sobre sua vida e a dos outros jovens expostos. E lembra que havia diversos agentes disfarçados da P2 – o setor de investigações da Polícia Militar carioca – durante a manifestação contra a comemoração do golpe no dia 29 de março. “Eles são organizados e muita gente simpatiza com a lógica da ditadura. As ameaças são virtuais, mas vindo de onde estão vindo, tememos que se transformem em realidade”, considera.
Rodrigo diz que está tomando precauções quanto à sua segurança e admite que as ameaças afetam o seu cotidiano. “A tortura psicológica está funcionando”, desabafa.
Dentre as centenas de pessoas que participaram do protesto no dia 29 de março, apenas cinco jovens foram expostos por Ustra. Rodrigo Mondego acredita que foram escolhidos por estarem envolvidos na organização do ato, além de serem todos amigos de Luiz Felipe Garcez. Além disso, todos militam na juventude do PT do Rio de Janeiro.

segunda-feira, 26 de março de 2012

O holocausto dos negros

 
A escravidão, o holocausto dos negros. 16675.jpegMuito se fala sobre o holocausto, muito se escreveu sobre os atos chocantes de maldade, barbaridade, crueldade contra vários grupos de pessoas desde os Estados Bálticos, até Europa Oriental e Central e Alemanha. Mas por quê a Escravidão não ocupa um lugar igual nos anais da depravação humana?

23 de março foi um dia de lembrança, um dia de homenagem aos homens, mulheres e crianças que foram arrancadas de suas casas, suas famílias e entes queridos. Onde estava este dia na mídia internacional? Esquecido.

A humanidade se lembra, justamente, das atrocidades do passado, garantindo que ficam nas páginas mais negras da história e fazendo com que as gerações futuras obrigatoriamente se apercebem quão baixo o ser humano pode afundar-se, garantindo que nunca maus esses terríveis atos de crueldade podem acontecer novamente. Muito foi dito e escrito sobre o holocausto judeu, mas sobre o holocausto africano - Escravidão?A escravidão, o holocausto dos negros. 16676.jpeg

Embora não haja registros exatos, foram feitas tentativas para documentar o número médio de escravos arrancados da África e levados para as Américas pelos ingleses, portugueses, espanhois, holandeses, franceses e dinamarqueses. O número oficial é 10 a 11 milhões. Mas vamos pesquisar mais ...
 


Estimativas credíveis (1) postulam 54 milhões como a cifra de pessoas transportadas contra a sua vontade entre 1666 e 1800. Se levarmos em consideração que o comércio quadruplicou entre 1810 e 1860, e apenas nos EUA, então o valor total seria algo em torno de 200 milhões de pessoas traficadas. Acrescente a isso o efeito sobre as famílias e vemos que este episódio mais terrível de nossa história coletiva é, em termos comparativos, praticamente ignorado.

Forçados a ficar deitados, cabeça contra pé, presos aos seus lugares, sem quaisquer estruturas de higiene ou saneamento, eles chegaram ao destino até seis meses depois num mar de excremento. Ou mortos. E este foi apenas o começo de um pesadelo que em muitos casos viram os escravos tratados como animais, ou pior, obrigados a dormir em condições insalubres e apertadas.

A escravidão, o holocausto dos negros. 16677.jpegAs punições incluíram serem fechadps por trás de uma porta pesada, sem espaço para se movimentar durante até três dias, com insetos e escorpiões rastejando por todo o corpo; ser privado de comida e água; ser espancado; ser chicoteado; ser "saqueado" - colocado dentro de um saco, amarrada no pescoço e sendo arrastado ao redor do perímetro da fazenda atrás de um cavalo; ser preso com um anel ao redor do pescoço ou tornozelo; ser atirado para uma masmorra; orelhas cortadas; ossos quebrados; amputação de membros; olhos arrancados; ser enforcado; castração; ser queimado; ser assado. Por quê? Por comer um pedaço de cana de açúcar, por exemplo.

Hoje, 2012, 400.000 pessoas por ano continuam a ser vítimas de escravidão, é por isso que esta coluna raramente é escrita no "Dia da ONU", porque eu considero que todos os dias sejam dias de luta contra a escravidão. Na Mauritânia, um escravo negro pode ser comprado por 11 euros e no Sudão, por 64 Euros. Na Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh, o comércio de escravos continua a processar 25 milhões de euros por ano.

27 milhões de pessoas vivem hoje em condições de escravidão. E não é só em longínquos países como Bangladesh, Sudão ou Mauritânia. De acordo com estatísticas elaboradas por pesquisadores nos Estados Unidos da América (2), "A Agência Central de Inteligência (CIA) estima que 50.000 pessoas são traficadas para, ou transitado através, dos EUA anualmente como escravas sexuais, domésticas, trabalhadores na indústria têxtil, ou escravos agrícolas";A escravidão, o holocausto dos negros. 16678.jpeg
"Entre 100.000 e 300.000 crianças nos EUA estão em risco de tráfico para exploração sexual a cada ano "... 2,8 milhões de crianças nos EUA vivem nas ruas e um terço delas são atraídas para a prostituição dentro de 48 horas depois de sair de casa. Casos de escravidão foram relatados em 90 cidades nos EUA.

Então, não vamos varrer a escravidão por baixo do tapete, não vamos perpetuar a noção de que isso aconteceu no passado e não continua no presente. Continua, sim e os meios de comunicação internacionais devem assumir a causa, que é uma imensa mancha sobre a identidade coletiva da humanidade.

(1) http://academic.udayton.edu/race/02rights/slave04.htm
(2) http://www.gchope.org/human-slavery-statistics.html

Timothy Bancroft-Hinchey
Pravda.Ru

domingo, 25 de março de 2012

As provas do roubo de bebês durante a ditadura argentina


O arrazoado das Avós da Praça de Maio no julgamento do roubo de bebês durante a ditadura argentina, que será apresentado segunda-feira (26), mostrará as provas reunidas na busca dos netos sequestrados. Em reportagem especial, o jornal Página/12 apresenta parte dessas provas compostas por documentos, papeis oriundos da burocracia, memorandos secretos, análises de DNA, cartas de familiares, testemunhos de sobreviventes e confissões de repressores perante juízes.O artigo é de Victoria Ginzberg y Alejandra Dandan.


Buenos Aires - Victoria Montenegro, Catalina de Sanctis Ovando, Francisco Madariaga, Macarena Gelman, Simón Riquelo, Alejandro Pedro Sandoval, Leonardo Fosatti, Juan Cabandié, Claudia Poblete, os irmãos Antole Boris e Victoria Eva Julien Grisonas e outras 95 crianças sequestradas durante a última ditadura que recuperaram sua identidade são a prova mais forte e palpável do plano de apropriação de crianças. Mas as análises de DNA, suas histórias (à medida do possível) recuperadas não são a única coisa que demonstra a existência daquela prática de terrorismo de Estado que os executores tornaram sistemática e aperfeiçoaram. Há documentos, papeis oriundos da burocracia, memorandos secretos e cartas de familiares. E há palavras, testemunhos de sobreviventes e confissões de repressores perante juízes, e de apropriadores frente aos filhos que supunham seus aliados.

Estas evidências recolhidas durante anos de investigação foram finalizadas no processo contra oito repressores que nesta semana entra em sua etapa final. Depois das marchas que as organizações dos direitos humanos, agremiações políticas, estudantis e sociais estão fazendo hoje, na data do golpe militar de 24 de março de 1976, na segunda-feira os advogados das Avós da Praça de Maio começarão seu arrazoado e darão conta de todos esses fatos, que permitirão sustentar a acusação contra Jorge Rafael Videla, Reinaldo Benito Bignone, Santiago Omar Riveros, Jorge Acosta, Antonio Vañek, Jorge Azic, Rubén Franco e o médico Jorge Luis Magnacco.

Palavras
Há numerosas declarações judiciais em que testemunhos ou imputados mencionaram a existência de ordens provenientes da cúpula militar, para apropriarem-se dos filhos de desaparecidos. Todas coincidem com um objetivo definido: que as crianças fossem criadas em locais “cristãos e ocidentais”. Os testemunhos do médico militar Julio César Caserotto, o fundador do CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), Emílio Mignone, a sobrevivente Lila Pastoriza e Jorge Eduardo Noguer, um ex-militar da marinha, cuja filha e neta foram sequestradas são alguns exemplos.

“Na maternidade do Hospital do Campo de Maio, durante o chamado Processo de Reorganização Nacional havia ordens verbais e escritas dos superiores para que ali se desse assistência às parturientes trazidas pelo pessoal da inteligência. As ordens escritas eram intituladas ‘Plano de Operações Normais para o Pessoal da Inteligência’ e estavam assinadas pelo diretor do hospital (Ramón Posse)”, revelou, em 1998, o médico militar Julio César Caserotto, que desempenhou entre 1977 e 1983, a função de chefe de serviço de obstetrícia do Hospital Militar do Campo de Maio. Quando se perguntou pelo destino dessas mulheres e das crianças, respondeu que obedecia “ao despacho do diretor do hospital e dizia que a paciente estava em condições de receber alta” e que ele se desresponsabilizava da questão, mas que no outro dia nem a partiriente nem o recém nascido estavam no lugar.

Em outra declaração, Caserotto recordou pontualmente quando se lhe transmitiram essas ordens. Disse que “um dia, pela manhã, quando se preparava para pegar no trabalho, ficou muito alvoroçado. Que viu uma mulher que estava internada na sala geral, logo após o trabalho de parto, sendo vigiada por um soldado armado. Que essa situação alterava a ordem normal da sala, já que outras mulheres também se encontravam internadas”. Recordou que depois, numa reunião, Posse lhe ordenou: “a partir de agora, internam-se todas as detidas grávidas no setor de Epidemiologia”, assim os inconvenientes seriam evitados, e não se devia registrar o ingresso dessas mulheres nem os nascimentos. Ali estava presente também o capitão Norberto Bianco, médico militar que se encarregava das grávidas sequestradas em centros clandestinos distintos e que se apropriou do filho de Norma Tato e de Jorge Casariego, que em 1977 estiveram detidos no El Campito e permanecem desaparecidos.

O fundador da CELS, Emilio Mignone, recordou num processo judicial em 1998 que, em 1978, junto com Augusto Conte foram encontrar Mario Amadeo para critica-lo por ter aceito a designação, como expert na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, com o aval de Videla. Pediram-lhe que se inteirasse sobre a circunstância de desaparecimento de pessoas e que recebesse as Avós da Praça de Maio. Essa reunião se concretizou e depois de escutar as mulheres que denunciavam o desaparecimento de suas filhas grávidas e o sequestro de seus netos, Amadeo entrevistou o secretário Legal e Técnico da Presidência, o coronel auditor Carlos Cerdá e questionou-lhe sobre os menores, frente ao que Cerdá respondeu-lhe que “aprovou-se, no nível da Junta Militar, uma doutrina por meio da qual os filhos dos subversivos não devem ser educados com ódio das instituições militares” e que “por isso os pequenos eram entregues para adoção”.

Jorge Eduardo Noguer foi membro da Armada entre 1947 e 1967, quando se aposentou como tenente de fragata. Em 3 de junho de 1976 desapareceram sua filha María Fernanda Noguer e sua neta Lucía Villagra, em Acassuso. Seu irmão, o coronel José María Noguer, era intendente de San Isidro e tinha sido companheiro de promoção de Riveros, comandante dos Institutos Militares do Campo de Maio. Em consequência, Jorge Noguer o entrevistou para tentar localizar a sua filha e a sua neta. Riveros designou Hermann Tetzlaff (apropriador de Victoria Montenegro) para que o ajudasse a reconstituir a operação por meio da qual as tinham levado.

Noguer recordou que Tezlaff era o representante da Escola de Comunicações no grupo de Inteligência, chefe da zona de San Isidro, Boulogne e Tigre, e que trabalhava conjuntamente com o Batalhão de Inteligência do Campo de Maio. Ele assegurou que Tezlaff e sua mulher, María del Carmen Eduartes, contaram-lhes várias vezes que não podiam ter filhos. Disseram inclusive que, numa ocasião, em junho ou julho de 76, o repressor passou a procurar por sua casa e o levou a “uma casa situada na rua Thames ou Dardo Rocha, a meia quadra da Panamericana, na qual, na noite anterior se tinha efetuado um procedimento do Exército, onde lhe disse que ‘tínhamos os arrebentado e em que os pais guerrilheiros morreram’, ‘quando entramos, nos encontramos com cinco pequenos com os olhos gigantes, abertos e fiquei com um’”.

O ex-militar que seguia procurando a sua filha e a sua neta ficou impressionado com a crueldade do relatado. Poucos dias depois desse episódio, um sábado pela tarde, apareceu Tetzlaff na sua casa, acompanhado de sua esposa, Eduartes, com uma menina que Tetzlaff apresentou como sua filha, uma babá e a sua sogra. Noguer decidiu ir se encontrar com Riveros para lhe perguntar se não havia a possibilidade de que a sua neta tivesse sido entregue a outra família, como a de Tetzlaff e Eduartes. Rivero lhe disse que com sua neta não tinha ocorrido isso, mas deixou transparecer que “essas eram as normas para evitar que os filhos dos esquerdistas caíssem em lares que não sejam bem constituídos ideologicamente, com o objetivo e encaminha-los”. Noguer, finalmente, fez contato com Videla, que o encaminhou ao ministro do Interior Albano Harquindeguy, que por meio de uma lista ratificou o desaparecimento de sua filha e de sua neta e lhe disse que estavam em mãos do chefe da armada, Emilio Eduardo Massera. Em janeiro de 1977 recuperou a sua neta. Sua filha, Maria Eduarda Noguer, continua desaparecida.

Os testemunhos dos sobreviventes, neste caso na sua maioria mulheres sequestradas que acompanhavam nas celas as suas amigas grávidas e que chegaram até a assistir alguns partos, são também evidências fundamentais desse plano. Sara Solarz de Osatinsky, que esteve presa na ESMA, declarou que “durante muito tempo altos chefes militares da marinha vinham visitar o setor em que ficavam as grávidas, entre outros Vañek, e viam Chamorro, e também Vildoza. Estou quase certa de que foi nesses dias, mas as visitas para contar o que era a ‘maternidade’, a que chamavam ‘a pequena Sardá’, eram permanentes”.

A ESMA contou com uma equipe de médicos e enfermeiros que tinham como função controlar o estado dos sequestrados para garantir uma maior quantidade de tempo de tortura e interrogatórios. E, além disso, faziam controles ginecológicos e partos clandestinos. A “justificação” para roubarem as crianças era a mesma, tanto na armada como no exército. Lila Pastoriza narrou: “Encontrei-me com uma menina que me disse que tinha os seios cheios de leite e perguntei a (Luis) D’Imperio (que atendia pelo nome de Abdala, encarregado do Serviço de Inteligência Naval, grupo de operativos da ESMA) e ele me disse: “Nós consideramos que os filhos não tem culpa de ter os pais que têm, os subversivos, esses terroristas” (...) “acreditamos que as mães devem ter seus partos, mas os pequenos nós os entregamos a outras famílias, que possam educa-los de outra maneira”.

Um legado esclarecedor
O neto Alejandro Sandoval Fontana contou que Alicia Beatriz Arteach, sua apropriadora, disse-lhe que um oficial da Polícia de sobrenome Correa era quem o tinha entregue e que o havia dado a ela e a Víctor Rei (ex-chefe da polícia) a possibilidade de escolher entre ele e uma menina recém-nascida. Alejandro contou que quando perguntou por Correa, Arteach lhe respondeu que tinha se tornado alcoolista, que tinha se degradado, que vivia brigando e que não tinha ficado bem com o que tinha se passado no Campo de Maio.

Correa é o comandante principal da polícia, Darío Alberto Correa e estava encarregado das grávidas sequestradas na prisão militar de processados Campo de Maio, que embora se encontrasse na guarnição mencionada, dependia do Primeiro Corpo do Exército, com assento em Palermo. Os papeis do arquivo pessoal de Correa, já falecido, trazem interessante documentação: ele mesmo relatou, numa atuação administrativa do ano de 1987, sua participação na repressão. Numa história clínica que aparece sob o título “Atividades cumpridas no meio castrense”, datada de 29 de julho de 1987, em Catamarca, Correa admitiu, entre outras coisas, que teve sob sua responsabilidade “a atenção de parturientes detidas, seus filhos e a entrega posterior deles a pessoas selecionadas pelas autoridades responsáveis, inclusive o traslado posterior das mães a lugares secretos para sua entrega aos responsáveis pela sua eliminação final”.

O caso de Correa, explicarão durante o arrazoado os advogados das Avós da Praça de Maio, prova a existência de mecanismos aceitos para a apropriação dos filhos das mulheres desaparecidas. Em primeiro lugar, fica clara a coordenação entre distintas zonas dentro do Exército. Também prova a existência de um complexo procedimento dirigido a partir da hierarquia com distintas cadeias de comando e papeis definidos, onde as pessoas que receberiam (se apropriariam) das crianças eram selecionadas previamente por autoridades responsáveis. E, finalmente, prova que existia um procedimento estabelecido para assassinar as mães.

Papeis
Outro documento que evidencia o plano para se apropriarem dos filhos dos desaparecidos é o memorando redigido em 1982 por Elliot Abrams, funcionário do Departamento de Estado dos EUA, depois de entrevistar o embaixador argentino em Washington Lucio Garcia del Solar. O documento foi aberto pelo governo dos Estados Unidos em 2002 e publicado pelo jornal Pagina12.

Nesse documento, Abrams contou : “perguntei ao embaixador sobre o tema das crianças nascidas das prisioneiras ou os arrancados de suas famílias durante a guerra suja. Mesmo que os desaparecidos estivessem mortos, essas crianças estavam vivas e num certo sentido isso era o problema humanitário mais grave. O embaixador concordava no geral e eu já tinha dito a ele que tinha falado a respeito com o ministro de Relações Exteriores e com o presidente. Não tinham rechaçado seu ponto de vista, mas registraram o problema de, por exemplo, tirarem-lhes as crianças e entregam-nas a pais adotivos”. Este memorando tem a data de 3 de dezembro de 1982, quando a presidência de fato era exercida por Reinaldo Benito Bignone.

O documento reflete o conhecimento pleno de Bignone da apropriação de crianças. Mais ainda, observam os advogados das Avós da Praça de Maio, deixa claro que o ditador sabia do destino desses meninos e meninas. Abrams foi convocado a declarar em juízo oral, como testemunho, o trâmite do processo por meio de uma videoconferência. Nessa oportunidade, disse: “Pensávamos que era um plano porque havia muita gente que encarceravam ou assassinavam e nos parecia que o governo militar tinha decidido que algumas (crianças) fossem entregues a outras famílias” e esclareceu que essa não era a sua opinião pessoal, mas a do governo dos Estados Unidos.

Pessoas de Bem
Com as declarações de alguns jovens que recuperaram sua identidade, reforçou-se a ideia de que o objetivo de que as crianças fossem entregues a familiares que cumprissem certos requisitos foi levada a cabo e de que, para tanto, existiam certos mecanismos burocráticos mais ou menos formais, de acordo com os casos.

A apropriadora de Alejandro Sandoval Fontana contou-lhe que citaram a ela e a Rei “no Regimento de Patrícios, o Maldonadito, e fizeram-lhe uma revista”. Disseram-lhe que quem ficasse com o menino “tinha de ter a força ou o amigo da força, tinha de ter casa própria, de ser católico”.

Isso coincide com a informação que Catalina De Sanctis Ovando, que pôde reconstruir parte do processo de sua subtração a partir de uma carta que encontrou no domicílio de seus apropriadores (e que depois foi sequestrada numa invasão de seu domicílio) e do que eles mesmos – Carlos Hidalgo Garzón e Francisca Morillo – disseram-lhe.

A carta foi enviada por Morillo a Hidalgo Garzón, oficial de Inteligência do Exército, a seu destino militar em Tucumã e está datada de 7 de abril de 1977. Na carta, Morillo informa a Hidalgo Garzón: “Do Liceu falei com o coronel e ele me disse que parece que se fez o chamado do nada, disse-me que fora ao Liceu depois da Semana Santa para atender à solicitação: atendeu-me muito amavelmente e se lembrou em seguida; vê-se que tem ciência do que se trata, veremos o que está acontecendo” (...) “Veio a assistente de movimento, ficou encantada com o departamento. Conversamos muito e ele me explicou que ela há 7 anos trabalha no movimento e nunca viu crianças com problemas de saúde ou má formação serem entregues, que as crianças são muito saudáveis e chamava a atenção dela o quanto os partos eram normais. Depois conto em detalhe sobre a conversa”.

O “Movimento” a que se faz referência na carta é o Movimento Familiar Cristão, que interveio em alguns casos como intermediário entre as Forças Armadas e as famílias apropriadoras. Numa convesa com o marido de Catalina, Hidalgo Garzón confessou ter visto a mãe de Catalina detida no Campo de Maio e ter chamado no dia seguinte à subtração para perguntar se haviam “voado o pacote”, em referência ao assassinato de Miryam Ovando, ao joga-la ao mar nos chamados “voos da morte”. A apropriadora argumentou, além disso, que eles queriam “adotar” a menina, mas que “um superior ordenou-lhes que tinham de registrá-la como filha legítima”.

“Esses fatos – dirão os advogados das Avós – permitem-nos concluir que existiram mecanismos burocráticos precisos para a entrega dos bebês a seus apropriadores, nos quais cumpriam requisitos também precisos, nos quais interviam distintas instituições além das militares, como o Movimento Familiar Cristão, também religiosos, e nos quais havia controle hierárquico dentro da mesma estrutura militar”.

“Mesmo que esteja bastante claro que a ditadura desenvolveu sua atividade de repressão e extermínio na mais absoluta clandestinidade – de que a apropriação não foi exceção – e que procurou a sua impunidade instando a destruição dos mais diversos registros e evidências, chegando tanto à destruição de documentos como a de espaços físicos (é o caso do CCD El Campito, no Campo de Maio), mesmo assim, ficaram muitos rastros da política que a ditadura definiu a respeito das crianças”, vai se escutar durante o arrazoado preparado pelos advogados María Inés Bedia, Florencia Sotelo, Colleen Torre, Gerrmán Kexel, Emanuel Lovelli, Agustín Chit, Mariano Gaitán, Luciano Hazan e Alan Iud.

Não será portanto possível encontrar um papel escrito pelos repressores com os detalhes do plano de apropriação de crianças. Mas estes 35 anos de busca de netos permitiram a coleta de provas mais do que suficientes que estabelecem que as apropriações de crianças não foram “excessos” ou casos isolados, como argumentavam as cúpulas militares, quando diante da inapelável evidência de uma análise genética positiva.

“Quem se perguntar se a ditadura militar teve por objetivo satisfazer aos desejos egoístas de paternidade de alguns oficiais, suboficiais ou famílias vinculados eles estão errando o ponto de partida – explicam os advogados das Avós. O objetivo da ditadura era erradicar as possibilidades de construção de um país distinto, onde o povo fosse protagonista das decisões políticas e decidisse soberanamente o seu destino, e para isso perseguiu com os mais perversos e cruéis métodos militantes políticos, sindicais, estudantis que impulsionavam a politização da sociedade e buscavam modificar o status quo. Foi na execução dessa tarefa infame que as Forças Armadas abordaram o “problema” dos filhos daqueles que fizeram desaparecidos. E, muito precocemente, tomaram a decisão de que essas crianças não seriam devolvidas as suas famílias”.

Tradução: Katarina Peixoto

Argentina: Ditadura, democracia e sociedade civil


Em ato realizado em Buenos Aires para marcar passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. Não é um detalhe. A cada dia , vai se conhecendo melhor a participação de empresas transnacionais e setores da sociedade civil em um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina. O artigo é de Amílcar Salas Oroño.

I
 
No principal ato realizado em Buenos Aires pela passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. A referência aos grupos econômicos e, em um sentido mais amplo, à sociedade civil em geral não é um detalhe. Há vários anos, a informação sobre as atuações de certas empresas transnacionais no que diz respeito a um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina, em função da delação e conivência com as torturas e desaparições de seus trabalhadores, está disponível no arquivo da memória coletiva e dos tribunais penais. Mas, de um tempo para cá e, sobretudo, com o que cada dia vai se conhecendo melhor a respeito do esquema e plano sistemático de apropriação de bebês - e o que foi a participação de cidadãos comuns e instituições de diversos tipos -, vão se reorganizando algumas caracterizações a respeito do que foi a sociedade civil durante a ditadura. Não é um detalhe ver o envolvimento d ealguns setores sociais na ditadura.

II
 
Com o transcorrer das décadas, por diversos motivos, a Argentina se converteu em um exemplo de respeito à luta contra a impunidade; assim testemunham diferentes reconhecimentos em diferentes lugares do mundo: as mães e as Avós da Praça de Mayo, os HIJOS (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio, na sigla em espanhol) e um importante número de organizações de direitos humanos são uma referência de sentida legitimidade. Não só porque souberam encontrar as fórmulas apropriadas, como movimentos, para que os poderes públicos habilitem e disponham dos meios suficientes para iniciar as punições, com o dramatismo que o exercício de autoexposição supõe: como não acontece em quase nenhum país, hoje existem 273 pessoas que estão condenadas por delitos de lesa humanidade cometidos durante o Terrorismo de Estado – 43 com sentença firme; há 875 pessoas processadas; na Argentina neste momento há 15 juízos orais em andamento nos quais se julgam delitos cometidos contra 460 vítimas.

Esse mesmo exemplo das Mães, das Avós, dos HIJOS também ganhou outro território: o dos imaginários coletivos; já não existem lugar nem espaço social, no plano nada secundário das linguagens circulantes para a “teoria dos dois demônios” ou interpretações semelhantes.

III
 
O kirchnerismo foi fundamental com respeito a várias questões, mas, sobretudo frente à construção da memória histórica do país. Acabou com os entraves legais que impediam os processos e dispôs que as informações, os arquivos, os documentos fossem postos a disposição, além de reconhecer e pedir desculpas como Estado pela atuação repressiva. Mas tão importante como estas medidas, às quais seria preciso agregar uma série de gestos de suma relevância, talvez um aspecto fundamental tenha sido o de gerar as condições para que, nesses mesmos processos, as testemunhas se apresentassem.

A participação da sociedade não se dá exclusivamente nas manifestações públicas: em democracia também há uma infinita presença cidadã nas audiências, os testemunhos judiciais e âmbitos similares. São peregrinações, neste caso, muito dolorosas e por sua vez muito nobres. Movimentos de uma sociedade civil que luta, ainda, por diferenciar-se do que foi parte de si mesma em outros momentos da história.

(*) Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (UBA)

Tradução: Libório Junior

sábado, 10 de março de 2012

O massacre colombiano


Dan Kovalik*
 
Julgava-se que a Guatemala detinha o primeiro lugar no continente americano no que diz respeito a massacres de massas. Mas o regime colombiano pulverizou este record e os EUA estão perfeitamente informados sobre a situação. Mais, são colaboradores, apoiantes e cúmplices activos dos fascistas colombianos que estão a levar a cabo o genocídio de populações indígenas.

Há muito que se julgava que a Guatemala detinha o primeiro lugar no continente americano no que diz respeito a massacres de massas na nossa época moderna – 200 000 vítimas nos anos 1980, em 94% dos casos assassinadas pelo Estado com o apoio de Washington e em aliança com os esquadrões da morte. Mas, infelizmente, constata-se agora que a Colômbia pulverizou este record e, conforme Wikileaks revela, os EUA estão perfeitamente informados sobre a situação.
Num telegrama de 19 de Novembro de 2009 intitulado “2009-2010 International Narcotics Control Strategy Report” (Relatório estratégico sobre o controlo internacional de narcóticos 2009-2010), a embaixada dos EUA em Bogotá reconhece, como dado acessório, a horrível verdade: foram registadas 257 089 vítimas dos paramilitares de extrema-direita. E, tal como Human Rights Watch assinalou no seu relatório anual de 2012 sobre a Colômbia, esses paramilitares continuam a actuar de braço dado com os militares apoiados pelos EUA.
Mesmo para aquele que conhecem a Colômbia este número é arrasador. A primeira vez que deparei com este número foi no livro “Cocaïne, Death Squads, and the War on Terror” (Cocaína, esquadrões da morte e a guerra contra o terrorismo), do qual falei neste sítio há algum tempo, e que cita um jornalista independente que afirma que cerca de 250 000 vítimas foram mortas pelo para-Estado colombiano. Nesse sublinha-se que este número foi ocultado porque as vítimas foram enviadas para salgadeiras ou para fornos crematórios de tipo nazi.
Fica agora a saber-se que há pelo menos dois anos os EUA têm conhecimento de tudo acerca destes crimes. O que não provocou qualquer mudança na política estado-unidense relativamente à Colômbia – o país receberá durante os próximos dois anos 500 milhões de dólares de ajuda destinada ao seu exército e à sua polícia – e não impediu Obama de defender, e de concretizar no ano passado, o Tratado de comércio livre com a Colômbia.
Tal como sucedeu na Guatemala nos anos 1980, a violência atingiu em particular as populações indígenas – facto reconhecido igualmente pela embaixada dos EUA nos telegramas revelados por Wikileaks. Esta violência dirigida contra indígenas continua aliás a aumentar. A embaixada estado-unidense reconhece-o num telegrama de 26 de Fevereiro de 2010 intitulado “Violence Against Indigenous Shows Upward Trend” (A violência contra indígenas manifesta tendência a crescer). Por causa desta violência há 34 grupos indígenas que se encontram á beira da extinção; portanto, esta violência pode ser classificada como genocida.
Este telegrama de 2010 explica que “os assassínios de indígenas aumentam pelo segundo ano consecutivo”, um aumento de 50% em 2009 relativamente a 2008. O telegrama explica ainda que “os indicadores de violência contra os indígenas agravaram-se novamente em 2009. Segundo a Organização nacional indígena de Colômbia (ONIC) as deslocalizações aumentaram 20% (de 3 212 para 3 649), os desaparecimentos forçados aumentaram mais de 100% (de 7 para 18), e as ameaças aumentaram mais de 3 000% (de 10 para 314). A ONIC regista igualmente um aumento no recrutamento forçado de menores por parte de todos os grupos armados ilegais, mas não fornece dados numéricos sobre este ponto.
A embaixada, baseando-se num estudo publicado pela antropóloga Esther Sánchez – estudo que o governo estado-unidense financiou -, assinala que os militares e paramilitares tomam os indígenas por alvo porque eles são “frequentemente vistos como colaboradores das FARC uma vez que coabitam nos mesmos territórios”; e é precisamente a presença de militares colombianos nos territórios indígenas que “transfere o conflito para o jardim dos indígenas”, o que constitui uma ameaça para a sua existência. Ora a embaixada recusa a ideia de uma retirada dos territórios indígenas por parte do exército colombiano, sublinhando que uma reivindicação nesse sentido apresentada pela tribo awa é “inaplicável”.
“Inaplicável”, explica a embaixada, porque este território necessita de estar sob controlo uma vez que contém numerosas riquezas. A embaixada estado-unidense reconhece explicitamente que “os investimentos de capital nos hidrocarbonetos”, bem como na borracha e na palmeira produtora de óleo – o que quer dizer exactamente os investimentos que explicam as decisões militares de Washington e o Tratado de comércio livre – conduzem directamente à violência contra os indígenas. E isto sucede, explica a embaixada, porque os povos indígenas “provavelmente não abandonariam terras tidas como sagradas nas suas identidades culturais”. Ou seja, que não franqueariam voluntariamente a porta à exploração capitalista.
Tudo isto mostra que os EUA e a Colômbia continuam a defender opções militares e a conduzir políticas económicas que, segundo a própria opinião dos EUA, conduzem a um genocídio. Na realidade é a própria embaixada estado-unidense que reconhece que o genocídio é absolutamente necessário para alcançar os seus objectivos.
Isto significa que os EUA mentem quando fingem interessar-se pelos direitos humanos. Os EUA têm o atrevimento de excluir Cuba da Cimeira das Américas por causa do direitos humanos; mas é o país que acolhe esta Cimeira – a Colômbia – que por todas as razões deveria ser apontado a dedo pelo seus resultados excepcionalmente maus no que diz respeito a direitos humanos. Na verdade, são os próprios EUA quem deveria ser denunciado, porque apoiam o brutal regime colombiano. Mas como são os EUA que domina o mundo, isso também pareceria “inaplicável”.

* Advogado norte-americano e activista dos Direitos Humanos
 

sábado, 3 de março de 2012

Israel invade e fecha duas estações de TV na Palestina



Ataque aconteceu de madrugada e incluiu destruição e confisco de computadores, transmissores e outros equipamentos

Ramala/Palestina - Brasil de Fato - Às duas da manhã de quarta-feira, 29 de fevereiro, sob uma temperatura abaixo de zero, soldados do exército israelense entraram na cidade de Ramala, onde fica a sede da Autoridade Nacional Palestina, e invadiram duas estações de televisão, Al-Watan, canal privado, e Al-Quds Educacional, operada pela Universidade de Al-Quds (nome árabe de Jerusalém).

Além de prender quatro funcionários da Watan, incluindo jornalistas – liberados mais tarde –, os soldados levaram computadores, arquivos financeiros, todos os equipamentos de transmissão, arrasaram escritórios e redação e finalmente fecharam as estações de TV. De acordo com a jornalista palestina radicada em Viena Kawther Salam, a incursão foi aprovada pelos ministros israelenses da Defesa, Ehud Barak, das Comunicações, Moshe Kahlon e pelos generais Avi Mizrahi e Motti Almoz.

“Fomos surpreendidos pelos soldados”, disse um dos funcionários da Watan à agência palestina de notícias Ma’an. “Eles nos prenderam e promoveram uma enorme bagunça nos escritórios. Ficaram particularmente furiosos quando viram a foto de Khader Adnan (prisioneiro político que fez greve de fome durante 66 dias, até a Suprema Corte de Israel decidir por sua libertação, em 20 de fevereiro) na parede da nossa sala.”

Lideranças palestinas criticaram com veemência a ação israelense. Mustafá Barghouti, secretário-geral do partido político Iniciativa Nacional Palestina, emitiu uma declaração condenando o ato, que “não é apenas uma violação de direitos humanos e da lei humanitária mas também uma quebra do acordo que proíbe às forças militares israelenses a entrada ou a realização de operações na área A”. A área A, segundo os acordos de Oslo, compreende as cidades palestinas e está sob a responsabilidade administrativa e policial da Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Abdel Nasser Al-Najjar, presidente do Sindicato dos Jornalistas Palestinos em Ramala, denunciou a ação israelense como “crime contra a mídia palestina, para impedir que a verdade chegue ao mundo”. O primeiro ministro Salam Fayyad, além de condenar a incursão nas estações de TV, esteve na Watan assim que soube do ataque. Mahmoud Abbas, presidente da ANP, condenou a ação do exército israelense como “um assalto flagrante contra a liberdade de expressão e da mídia”. Apesar do discurso, fontes palestinas denunciaram à jornalista Kawther Salam que o exército de Israel avisou a ANP sobre a ação antes que ela fosse realizada. “Segundo essas fontes, o comando militar da ANP em Ramala ordenou a suas tropas que não ficassem no caminho do exército israelense, para não interferir, de modo nenhum, no ataque às estações de TV”, disse ela. “Isso mostra de que lado a lealdade da ANP está”, completou.

O governo israelense alegou que a ação se deveu ao fato de a frequência de ambos os canais interferir nas comunicações do aeroporto de Tel Aviv e da rede sem fio do país, o que foi desmentido por Mashoor Abu Dakka, ministro palestino das Telecomunicações e da Tecnologia da Informação. “As frequências das emissões de TV não são as mesmas do aeroporto ou da rede sem fio de Israel”, afirmou ele em entrevista coletiva na quinta-feira, 1º. de março. “O Ministério das Comunicações israelense jamais se queixou desse tipo de interferência por parte da Watan e da Al-Quds Educacional”, disse Dakka, o que, de acordo com ele, levanta dúvidas sobre os verdadeiros objetivos do ataque.

“O governo de Israel quer controlar as frequências UHF das TVs palestinas para usá-las em telefones de quarta geração, que utilizam as ondas [eletromagnéticas] das televisões e precisam delas para funcionar”, denunciou o ministro. “Acreditamos que Israel quer construir um sistema digital baseado nessas frequências”, acrescentou, e manifestou a preocupação de que a ação israelense possa expandir-se para outras estações de TV e rádio palestinas.

Ainda na quinta-feira (01), jornalistas, sociedade civil e o primeiro-ministro Salam Fayyad participaram de uma manifestação em frente à Watan, em protesto contra a invasão e o fechamento das duas emissoras.

Esse não foi o primeiro ataque de Israel às duas estações de TV. Em 2002 o exército invadiu ambas e confiscou seus transmissores. Em 2008, soldados do exército e da polícia, bem como funcionários da Administração Civil e do Ministério das Comunicações israelense, destruíram e vasculharam as rádios Wan FM, BBC e Freedom Radio Al-Huryyah, e a TV Al-Majed, de Hebron. (por Baby Siqueira Abrão, Correspondente no Oriente Médio).

Foto acima: instalações do canal Watan, em Ramala