terça-feira, 14 de agosto de 2007

Albert King - 1981 - Born Under A Bad Sign

Flora Purim - 1973 - Butterfly Dreams
Flora Purim - Butterfly Dreams

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A Barbárie nos Campos do Sul!

Conflito entre agricultores sem terra e fazendeiros deixa 20 feridos no RS

Audiência pública que discutiria situação fundiária na região Sul do Estado foi cancelada após confronto entre sem terra, fazendeiros e policiais. Vinte agricultores ficaram feridos e seis foram presos. Dois líderes sem terra estão desaparecidos.

PORTO ALEGRE - Uma audiência pública marcada para discutir a situação dos acampamentos rurais na região sul do Rio Grande do Sul terminou em pancadaria na manhã desta quinta-feira, no município de Pedro Osório. Fazendeiros e agricultores sem-terra entraram em confronto, com um saldo de vários presos e feridos. Segundo a coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vinte sem terra ficaram feridos e outros seis foram presos pela Brigada Militar, antes do início da audiência com representantes da Ouvidoria do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Ministério Público (estadual e federal), do governo estadual e da Assembléia Legislativa gaúcha.

Duzentas famílias acampadas ao lado da Fazenda da Palma viajaram a Pedro Osório para participar da audiência e foram recebidas com hostilidade por fazendeiros da região. Segundo o relato do MST, os acampados foram revistados e identificados antes de ingressar na cidade. Logo após, seguiram em caminhada pelo centro até Salão Paroquial, onde iria ocorrer a audiência. Na entrada do salão, fizeram um cordão de isolamento para se separarem dos fazendeiros que também estavam no local. Foi aí, segundo o MST, que a Brigada Militar começou a bater nas famílias.

Segundo a versão do tenente-coronel Valdoir Ribeiro, do comando da BM na região, os ruralistas estavam na via pública quando o MST chegou e começou a agredi-los. “A Brigada foi chamada para apartar e algumas pessoas acabaram com ferimentos leves”, disse o oficial à rádio Gaúcha. O deputado estadual Dionilso Marcon (PT) denunciou que foi agredido nas mãos pelos soldados e que sua assessora jurídica, Patrícia Couto, foi atingida com golpes de cassetete.

Conforme o relato da assessoria do deputado Marcon, os ruralistas tentaram impedir que os sem terra ocupassem o salão paroquial e exigiram a intervenção dos policiais. Um dos fazendeiros teria dito: “retirem esses sem terra daqui, pois somos nós que pagamos vocês”. Mais de 150 policiais teriam entrado, então, no salão paroquial e espancado dezenas de agricultores, juntamente com o paramentar e sua assessoria.

O parlamentar contestou a versão do subcomandante da Brigada Militar, coronel Paulo Roberto Mendes, que acusou os sem terra de portarem foices e facões. Marcon disse que os sem terra não estavam armados e foram revistados na entrada da cidade. “Falta isenção aos policiais militares da região”, acrescentou. “A Brigada tem muito mais compromisso com os fazendeiros que com a questão social”. A audiência pública, que discutiria a situação fundiária na região, não foi realizada.

Superintendente do Incra critica truculência

O superintendente substituto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio Grande do Sul, José Rui Tagliapietra, que estava em Pedro Osório para participar da audiência pública sobre a situação fundiária na região, condenou a truculência da Brigada Militar. Para ele, “a Brigada não estava preparada para tranqüilizar a situação e o ambiente que houve”.

O desembargador e ouvidor público federal, Gercino José da Silva Filho, que presidiria a audiência, foi ao hospital visitar os feridos e depois acompanhou os depoimentos dos agricultores na polícia. As pessoas agredidas anunciaram que denunciarão o ocorrido em uma audiência com o ouvidor agrário estadual, Adão Paiani, na próxima segunda-feira, em Porto Alegre. Após o conflito, os sem terra voltaram para o acampamento ao lado da Fazenda da Palma, de 9 mil hectares, cuja desapropriação é reivindicada pelo MST.

Dois sem terra desaparecidos

Os primos Leonardo e Lázaro Burscheidt, lideranças do acampamento dos sem terra na área da Fazenda Palmas seguiam desaparecidos até o final da tarde desta quinta-feira. Um deles aparece sendo gravateado por fazendeiros em uma foto publicada na revista eletrônica Pedro Osório.Net.

O deputado Dionilso Marcon e a deputada Stela Farias (PT), presidente da Comissão de Serviços Públicos da Assembléia Legislativa do RS, denunciaram o desaparecimento dos dois agricultores. Stela Farias cobrou do governo Yeda Crusius providências para a localização dos primos Burscheidt. “Esperamos que estes trabalhadores não estejam nas mãos de fazendeiros e que os representantes do governo do Estado na Assembléia tomem providências para a localização dos dois manifestantes”, afirmou a parlamentar petista.

Milionários e o Imposto sobre Grandes Fortunas



Roberto Saraiva Romera


Entra governo, sai governo e não é discutida uma verdadeira reforma tributária no Brasil. No mês de março de 2007, o governo Lula sinalizou com mais uma proposta de reforma, visando a simples unificação de alguns impostos federais, estaduais e municipais.

Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, o Brasil perde R$ 20 bilhões por ano em investimentos devido à irracionalidade do seu sistema tributário. Com este valor, seria possível superar as necessidades energéticas brasileiras e evitar a ocorrência de um novo racionamento.

O mais impressionante em todos os debates sobre a reforma tributária é que nunca tivemos a discussão do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), também chamado em alguns países de Imposto de Solidariedade sobre Grandes Fortunas.

Recente pesquisa realizada pelas consultorias Merrill Lynch e Cap Gemini indicou que o número de milionários no Brasil cresceu 10% em 2006 em relação à última pesquisa realizada em 2005 e está em 120.400 milionários.

Segundo a mesma pesquisa, milionário é todo aquele que possui 1 milhão de dólares líquido para investir. Assim, com sua aprovação, o IGF incidiria em um percentual muito pequeno da população brasileira e poderia contribuir para a redução da carga tributária de setores produtivos, propiciando um aumento na produção, no nível de contratação e até o repasse aos salários.

Não está se propondo um aumento da carga tributária, mas sim que esta seja concentrada no alto da pirâmide e que se desonere atividades produtivas, contribuindo assim para a racionalização e para o combate à regressividade do sistema tributário brasileiro.

A Constituição Federal define (art. 153) a competência da União para instituir o IGF, sendo para isto necessária uma lei complementar. Tal necessidade mostra-se um fator que dificulta a sua criação, pois poucos congressistas apresentariam um projeto para a regulamentação do IGF, tendo em vista que muitos membros do Congresso podem até ser enquadrados como milionários.

Fernando Henrique Cardoso perdeu a oportunidade de aprovar o IGF durante seus oito anos de governo; bastaria que se discutisse o Projeto de Lei de autoria do próprio FHC, feito quando este ainda era senador, em 1989.

Do início de 2006 até junho de 2007, a taxa Selic caiu de 17% para 12%, fato que teoricamente contribuiria para diminuição da riqueza dos milionários, que anteriormente ganhavam com a aplicação nos títulos da dívida pública. No entanto, com a queda dos juros, estes milionários migraram seus “investimentos” para operações mais rentáveis como o mercado de ações, fundos hedge e imóveis, fato que ajuda a aumentar a sua riqueza.

Por fim, o Brasil atravessa um momento oportuno para que o governo Lula proponha uma lei complementar regulamentando o Imposto sobre Grandes Fortunas, haja visto que possui um considerável apoio do Congresso Nacional e principalmente um apoio popular que aprovaria tal proposta.

Roberto Saraiva Romera é economista pela Fundação Santo André, mestrando em Economia e professor do Projeto Formare.

Email: robertosaraivabr@yahoo.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir




Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir viveram um relacionamento pouco convencional que durou 50 anos. Eles se conheceram em 1929, ele faleceu em 1980 e ela em 1986. É considerado um dos casais mais célebres da História.

Segundo Simone de Beauvoir "a não ser quando está dormindo, ele pensa o tempo todo". Em seu cinismo e falta de modéstia chegava a afirmar de si: "Eu era mil Sócrates". Seu intelecto o torna atraente para mocinhas iludidas, o lhe permite superar a feiúra notória e prosseguir como um bonvivent, insaciável em sua fome de conquistas sexuais e em sua sede de cerveja, só superadas por sua gana por livros e conhecimento.

"Ele lia tudo, exceto o que era necessário para o curso que fazia", o que lhe atrasou em um ano a graduação, embora esse fato não ofuscasse seu brilho.
Nesta fase Sartre renunciou a hábitos burgueses como o de tomar banho e passou a fumar cachimbo, era visto nos cafés do Quartier Latin em animadas rodas de discussão filosófica, da qual não ousaria se aproximar quem não possuísse algo realmente inteligente a dizer.

É impossível falar de um e não mencionar o outro. A paixão pela filosofia e pela literatura os uniu. Eles desafiaram a moral do seu tempo, vivendo muitos amores, assumindo compromissos públicos na contramão da mentalidade dominante em sua época. Foram reverenciados, mas também criticados e odiados. E escreveram livros que se transformaram em obras-primas. Mas, apesar de brilhantes, Sartre e Beauvoir eram “estranhamente inseguros” e sempre se sentiam agradecidos às pessoas que os amavam.

A despeito da feiúra notória, Sartre era um grande sedutor. E não foram poucas as mulheres que ele amou e abandonou, embora algumas ele continuasse sustentando financeiramente, numa atitude tipicamente machista. Um machismo, porém, que ele jamais manifestou com Simone de Beauvoir.
A notável cumplicidade do casal permitia que dividissem não somente interesses e preocupações, mas também amantes. E essa liberdade era exercida mediante um pacto incomum: eles contavam tudo um para o outro.

Bonita, ícone do feminismo, Beauvoir era igualmente uma sedutora e teve muitos amantes homens, mas também se envolveu com mulheres, fato que ela sempre negou e que só se tornou público após a sua morte, com a divulgação de suas cartas.

Foi na década de 70 que os problemas de saúde Sartre apareceram. Era o preço que ele pagou por sua opção de "vida química". Assistido de perto por Beauvoir e por um séquito de jovenzinhas existencialistas, Sartre ficava cada vez mais debilitado. Faleceu em 15 de abril de 1980, aos 74 anos.
Seu enterro foi um acontecimento que atraiu quase 25 mil pessoas. O cortejo percorreu o Quartier Latin e a Rive Gauche, lugares marcantes de sua vida, onde produziu, viveu e de onde concebeu o pensamento que seria de toda uma geração. Movimentos radicais em todo o mundo inspiraram-se em seus escritos, embora suas leituras sobre os fatos continuassem mais como idéia do que como realidade. "Aí estava de fato, uma existência fútil num mundo absurdo".

Quando ela morreu, em 1986, a filósofa Elisabeth Badinter declarou: “Mulheres, vocês lhe devem tudo!”. “Essa mulher que não quis ter filhos tem, hoje, milhões de filhas pelo mundo”, observou com humor a escritora Benoîte Groult.

Durante toda a vida, tal como Sartre, Beauvoir serviu-se de sua notoriedade para defender os intelectuais e os “oprimidos”, especialmente as mulheres. Nos últimos quinze anos de sua vida, encontrou nas mulheres do “movimento” um radicalismo e uma exigência de clareza à sua medida e ela se engajava nesse movimento entusiasmada, “porque elas não eram feministas para tomar o lugar dos homens, mas sim para mudar o mundo”, declarou ao jornal Le Monde em 1978.

“Mantenho absolutamente a frase: não você se nasce mulher, torna-se. Tudo o que eu li, vi, e aprendi nestes últimos 30 anos confirmaram essa idéia. A feminilidade é fabricada, como aliás também se fabricam a masculinidade e a virilidade”.

Simone de Beauvoir é venerada pelas feministas, que a lêem e estudam, principalmente fora da França. A Simone de Beauvoir Society, com sede na Califórnia, realizou seu 14º colóquio em Roma, na Itália, em setembro de 2006. A jornalista Bénédicte Manier constatou que, na Índia, “em todas as discussões sobre as mulheres, ao cabo de dez minutos , as indianas citam Simone de Beauvoir”.
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segunda-feira, 13 de agosto de 2007

As novas armas biológicas

Um relatório da Associação Médica Britânica alerta: indústrias e governos podem explorar os avanços da genômica e da biologia para desenvolver fármacos que provocam colapso dos processos vitais — ou produzem soldados sem medo e sem memória. EUA, Europa e China seriam a vanguarda desta corrida para a morte

Steve Wright

A Associação Médica Britânica (AMB) acaba de publicar um novo relatório sobre o “uso de drogas como armas” [1]. É a terceira publicação da entidade alertando para a militarização da medicina e seu potencial para criar novos artefatos de guerra. Mas até que ponto devemos nos preocupar com o avanço crescente da farmacologia tática?

O assunto esteve em cena pelo menos por quatro décadas. O especialista em armas químicas e biológicas Julian Perry Robinson, do Programa de Harvard-Sussex, relatou experimentos governamentais em seres humanos com as drogas alucinógenas incapacitantes LSD e BZ [2]; o uso de CS no campo de batalha do Vietnã; a pesquisa russa de codinome Bonfire, destinada a transformar os peptídeos humanos regulatórios em armas; o emprego de material químico em interrogatórios; e uma desconcertante linha de produtos psicoquímicos – paralisantes que interrompem a transmissão de impulsos nervosos, produtores de dor, irritantes baseados em componentes encontrados em fontes tão variadas quanto as urtigas (uruxiol) e o sapo comum (bufotenina) [3].

Mas a natureza altamente técnica dessa pesquisa restringiu o debate aos grupos envolvidos na criação de conhecimento organizado sobre armas não-convencionais, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o Fórum de Genebra, o Programa Harvard-Sussex e o Pugwash [4]. Enquanto isso, tem havido um interesse militar crescente pelas armas bioquímicas incapacitantes, à medida que o desenvolvimento das ciências da vida vem criando novas possibilidades. Essa pesquisa se acelerou depois do onze de setembro, com a liberação de recursos substanciais direcionados a tecnologias e armas que possam ser utilizadas em conflitos assimétricos, nos quais aliados e inimigos estão eventualmente misturados ou são indistinguíveis.

Revolução nas neurociências permite tratar doenças incuráveis ou... construir mentes sem medo e memória

A revolução que está ocorrendo nas neurociências tem clara ligação com o relatório da AMB. A genômica e a biologia de sistemas estão rompendo as fronteiras entre processos químicos e biológicos, que antes eram vistos como distintos. Agora, as moléculas podem ser reprojetadas racionalmente para afetar processos de biorregulação, como o funcionamento neurológico, cardiovascular etc. No passado, este era um procedimento experimental laborioso, mas agora a maior parte do trabalho pode ser computadorizada, de modo que os compostos bioativos mais promissores são identificados automaticamente, em uma velocidade prodigiosa.

Novos compostos podem ser projetados para agir como mecanismos de liberação que, por si sós, não causam doença. São produzidos rapidamente. E variantes desses novos agentes podem ser exploradas por meio da química combinacional, que se beneficia da alta capacidade de exame por varredura, investigando milhares de ligações potenciais. Enquanto isso, a genômica, a metodologia de microarray (utilizada para investigar a expressão simultânea de um grande número de genes) e a inteligência artificial fornecem previsões de toxicidade, evolução direcionada, proteômica (codificação de proteínas pelos genes), bioinformática e modelagem computadorizada de estruturas receptoras do cérebro.

Ninguém negaria tais facilidades à medicina e à indústria farmacêutica, pois apresentam um incrível potencial para curar doenças humanas e prolongar vidas ativas. Mas esta revolução das neurociências também traz o espectro da iminente militarização da biologia, acompanhado pelo circo de horrores de novos mecanismos para induzir paralisia, de técnicas avançadas de repressão, de tortura em massa, dor e terror.

Este uso perverso das neurociências pode não ficar restrito apenas aos oponentes do Estado. No Iraque, vimos as forças aliadas dos Estados Unidos utilizarem drogas para acentuar o estado de alerta de seus soldados. Em um futuro próximo, de acordo com Wheelis e Dando, poderemos presenciar soldados indo para a ação com agressividade e resistência ao medo, à dor e ao cansaço quimicamente aumentadas. E até mesmo com suas memórias desagradáveis removidas pela farmacologia militar [5].

Após o 11 de setembro, Europa derruba veto à pesquisa de armas capazes de afetar o cérebro

O relatório da AMB alerta para o fato de que, apesar das proibições das armas químicas e biológicas, os governos “demonstram considerável interesse na possibilidade de usar drogas como armas”. Parte desse interesse vem do desejo insatisfeito pelas assim chamadas “armas não-letais”. Parte decorre da mudança de atitude provocada pelo 11 de setembro. Antes disso, o Comitê de Assuntos Externos, Segurança e Política de Defesa do Parlamento Europeu tinha pedido uma “proibição global de qualquer trabalho de pesquisa e desenvolvimento, militar ou civil, que busque aplicar conhecimentos sobre o funcionamento químico, elétrico, ligado a vibrações sonoras ou outros meios do cérebro humano para o desenvolvimento de armas que possam permitir qualquer forma de manipulação de seres humanos” [6].

Depois do 11 de setembro, emudeceram as inquirições e críticas aos avanços indesejáveis das tecnologias de segurança de Estado nos EUA. Há muito menos pressão política sobre a responsabilidade do complexo de segurança industrial. E, em muitos sentidos, esse complexo está agora criando a agenda política [7]. É claro que tais desdobramentos não estão acontecendo apenas nos EUA e na Europa. A AMB alerta também para a pesquisa chinesa.

Para a organização, o uso militar de drogas levanta questões éticas cruciais, porque elas não são utilizáveis “sem gerar uma significativa mortalidade entre a população-alvo”. A droga que simplesmente tiraria as pessoas momentaneamente de ação, sem risco de morte, “não existe e é improvável que venha a existir em um futuro visível”.

Um caso emblemático e trágico: o uso de fentanil pelas tropas russas, na reação a atentado terrorista

As preocupações da AMB são múltiplas e universais, estendendo-se, para além da Grã-Bretanha, aos clínicos de toda parte. Elas dizem respeito, especificamente, a: 1.Envolvimento de médicos no planejamento e execução de ataque, usando drogas como armas; 2. Coleta de dados sobre os efeitos das armas em questão; 3. O papel da medicina e do saber médico no desenvolvimento de armas; 4. A dupla responsabilidade dos médicos – de um lado, não prejudicar pessoas; de outro, apoiar a "segurança nacional"; 4. O papel dos médicos no apoio à legislação internacional.

A relevância dessas preocupações veio à tona quando as Forças Especiais Russas utilizaram um anestésico do tipo fentanil para resgatar os reféns do cerco terrorista ao Teatro de Moscou, em 23 de outubro de 2002. Na ocasião, 130 dos 900 reféns morreram, na proporção de um para sete. As chamadas armas não-letais provaram ser letais – na realidade, mais letais do que as usadas em guerra, para as quais a taxa de mortalidade esperada é de um em 16. Este é um resultado importante a ser considerado, pois a participação dos médicos em semelhantes ações militares suscita questões éticas sobre seu papel e ressalvas quanto à adequação de seu treinamento para enfrentar tal tipo de ocorrência. No fim, ficou claro que participação médica foi muito mal-vista.

Há também alegações de que as autoridades, que ainda se recusam a identificar o produto usado, alteraram os certificados de óbito deliberadamente, para respaldar a idéia de que o material era inofensivo. Bem menos discutido foi o número de pessoas deixadas permanentemente inválidas por essa operação. Grupos em defesa das vítimas relataram 174 mortes e casos de invalidez permanente entre os sobreviventes [8]. O grupo também observou a liquidação de todos os tchetchnos suspeitos de terrorismo, reforçando a visão de que esses compostos podem facilitar a execução sumária, substituindo um processo legal.

Hipótese alarmante: potências militares poderiam terceirizar a pesquisa e produção das novas armas

Os médicos possuem altos padrões para indicar remédios e testes a pacientes. O relatório da AMB identifica uma potencial pressão futura dos fabricantes de armas sobre a indústria farmacêutica, com o objetivo de baixar esses padrões. Há repercussões de um alerta, publicado no Le Monde Diplomatique, em 2003, pela professora Chantal Bismuth e o coronel Patrick Barriot, de que as armas químicas de amanhã possam vir a ser encontradas nos catálogos de medicamentos [9].

A AMB cita um estudo do Centro de Pesquisa Aplicada da Faculdade de Medicina da Universidade de Pennsylvania que pede à indústria farmacêutica para levar em conta as milhares de drogas descartadas ou deixadas em prateleiras sem pesquisa concluída, devido a efeitos colaterais indesejados. O mesmo estudo identifica vários “produtos farmacêuticos órfãos”, com nove tipos diferentes de sistemas como neurotransmissor/receptor e outras classes de compostos, inclusive convulsivantes [10].

O que aconteceria se alguns países decidissem que tais armas químicas não precisam de testes clínicos? E, se esses testes forem realizados, como investigações em idosos, doentes e crianças poderiam ser permitidas por um comitê de ética médica? Uma preocupação de peso é que tal tipo de pesquisa possa ser “terceirizado” para um país onde dinheiro e capital político sejam mais importantes do que a ética médica. Trata-se de um ponto importante. Uma vez que a relutância em usar armas bioquímicas perigosas no contra-terrorismo ou na contra-insurgência tenha sido quebrada, é possível antever uma rápida evolução de novas variantes, com ampla gama de indução de efeitos de imobilização e dor. E o cenário de pesadelo de armas seletivas por etnia já foi apontado pela AMB, que lançou um grande alerta para o fato de estar em curso uma corrida às armas de avental branco. [11].

Sabe-se que pesquisadores militares estão estudando as propriedades da endotelina – uma cadeia de 21 aminoácidos, similar em estrutura a certos venenos de cobra – e toda uma nova classe de biorreguladores, com efeitos potenciais sobre o sistema circulatório. Entre outros compostos em análise, está a chamada “substância P”, uma taquiquinina que pode provocar intensa broncoconstrição.

Em paralelo às drogas, surgem armas para transportá-las: bombas dispersoras, pistolas, micro-cápsulas...

Outros riscos em discussão referem-se a compostos bioquímicos que podem induzir doenças de aparecimento tardio, como o câncer do fígado, favorecendo atos de genocídio retardados por talvez vinte anos. De igual importância neste debate é o fato de que, além de as drogas serem pesquisadas para se tornarem armas, novas armas estão sendo projetadas para transportá-las ao alvo, como seringas voadoras estabilizadas, bombas para a dispersão de grandes quantidades de produtos químicos, pistolas de paintball modificadas, micro-cápsulas que soltam o produto químico quando pisadas, veículos não-tripulados etc. O caso mais recente é o acordo comercial entre as companhias norte-americanas Taser, fabricante de pistolas que dão eletrochoques, e a iRobot, fabricante de veículos de guerra não-tripulados para exploração de terreno [12]. É só uma questão de tempo para que os novos modelos desses veículos incorporem pistolas para lançar armas químicas e que estas armas tenham opções algorítmicas autônomas.

A AMB enfatiza corretamente suas preocupações legais por três razões. As normas legais internacionais que protegem a humanidade de veneno e da disseminação deliberada de doença, adotadas depois de décadas de negociação, correm o risco de ser enfraquecidas. A disponibilidade ampla, mas responsável, de drogas com potencial emprego militar inevitavelmente resultaria na chegada delas às mãos de agentes, estatais ou não, para os quais a mortalidade no meio da população-alvo não teria importância. Usar as drogas existentes como armas, com conhecimento de causa, significa subir ao topo de uma ladeira escorregadia, no fim da qual está o espectro da militarização da biologia, que poderia trazer a manipulação intencional das emoções, memória, resposta imunológica e até a fertilidade das pessoas.

E o horror continua. O Sunshine Project, dos Estados Unidos, revelou documentação de uma pesquisa norte-americana orientada para utilizar a mudança de orientação sexual como tática de luta [13]. Como o mundo reagirá se um Estado militarizado decidir alterar a química do cérebro feminino, para produzir civis hormonalmente receptivas ao estupro militar em massa?

O papel decisivo da Convenção de Armas Químicas, que deverá ser revista em 2008

A visão comum é que, se todas as armas químicas e biológicas são proibidas pelas convenções internacionais, então não há problema, Porém, mesmo aqui, existe uma brecha: a Convenção de Armas Químicas (CAQ), no artigo II(9)d, permite uma exceção para o controle de conflitos internos. Isso era visto, essencialmente, como autorização do uso de armas químicas policiais destinadas ao controle de multidões (como o gás lacrimogênio, por exemplo) e do uso de injeção letal destinada à execução legal. Contudo, o emprego de produtos incapacitantes como armas contra o terrorismo abriu uma significativa janela. A questão agora é saber que tipos de compostos, além do gás lacrimogênio padrão, são permitidos em ações de manutenção da paz. Essa brecha enfraquece potencialmente a Convenção de Armas Químicas [14].

De acordo com o professor Malcolm Dando, da Escola de Estudos para a Paz da Bradford University: “A melhor solução para as dificuldades com o artigo II.9(d) seria os Estados signatários concordarem que não existe permissão para o uso de produtos químicos além dos produtos-padrão para o controle de distúrbios. Contudo, se isso não for possível, os Estados signatários teriam que relatar regularmente quais produtos químicos para esse tipo de ação eles possuem, em que quantidades e com quais os dispositivos de disseminação”.

A Convenção de Armas Químicas vai ser revista em 2008. O relatório da AMB alcançará seu propósito se os negociadores que se encontrarem em Genebra no ano que vem escutarem o alerta de pôr a mão nesse assunto antes que seja tarde demais.



[1] British Medical Association: “The use of drugs as weapons: the concerns and responsibilities of healthcare professionals”, 2007. Disponível em http://www.bma.org.uk/ap.nsf/Content/drugsasweapons

[2] Benzilato de quinuclidinil, uma droga que pode causar delírio durante dias.

[3] Robinson, Julian Perry: “Disabling Chemical Weapons: A Documentary Chronology of Events, 1945-2003)”, 2004. Documento de trabalho não publicado, Programa de Havard-Sussex.

[4] Em 1955, Bertrand Russel e Joseph_Rotblat criaram, na cidade canadense de Pugwash, uma conferência para trabalhar contra as ameaças de conflitos mundiais.

[5] Wheelis, M. e Dando, M.: “Neurobiology: a case study of the imminent militrarisation of biology”, em International review of the Red Cross, vol.87, no. 859, pp.553-571, 2005.

[6] Parlamento Europeu, Comitê de Assuntos Externos, Segurança e Política de Defesa: Report on the Environment, Security and Foreign Policy (Relatora Mrs. Maj. Britt Theorin), PE 227.710/fin, 14 de janeiro de 1999, p.10.

[7] Para uma excelente análise desta vertente, ver Hayes, B.: “Arming Big Brother: the EU’s security research programme”, TNI/Statewatch, Amsterdam, 2006. http://www.statewatch.org/news/2006/apr/bigbrother.pdf

[8] Burban, L., Gubareva, S., Karpova, T., Karpov, N., Kurbatov, V., Milovidov, D., Finogenov, P.: ‘Investigation Unfinished’, Regional Public Organization for Support of Victims of Terrorist Attacks, Moscou, 2006. Disponível em russo no site: http://www.pravdabeslana.ru/nordost/doklad.zip. Há também uma versão reduzida em inglês (sem apêndices) em: http://www.pravdabeslana.ru/nordost/dokleng.doc-> http://www.pravdabeslana.ru/nordost/dokleng.doc]

[9] Chantal Bismuth e Patrick Barriot, "A falsa retórica da classificação de armas", Le Monde Diplomatique Brasil, maio de 2003

[10] Lakoski, J., Bosseau, M.W., Kenny, JM.: “The advantages and limitations of calmatives for use as a non-lethal technique”, College of Medicine Applied Research Laboratory, Pennsylvania State University, 2000.

[11] Para uma revisão abrangente desses fatos, ver Davison, N., Lewer N.: Research Report no 8, Bradford Non-Lethal Weapons Research Project, 2006.

[12] http://uk.biz.yahoo.com/28062007/290/taser-international-forms-strategic-alliance-irobot.html

[13] http://www.sunshine-project.org/incapacitants/jnlwdpdf/

[14] Para uma análise clara destes temas ver Pearson, A: “Incapacitating bio-chemical weapons: science, technology, and policy for the 21st Century”, Non Proliferation Review, vol. 13, no 2, julho de 2006, pp. 151-179.

Elis Regina - 1976 - Falso Brilhante
Elis Regina - Falso Brilhante

Copiado de:Mate-Couro

domingo, 12 de agosto de 2007

Mulheres - Martinho da Vila

Wassily Kandinsky



Wassily Kandinsky poderia ter sido apenas um obscuro professor de direito na velha Rússia czarista, se não houvesse decidido, certa manhã, conferir uma exposição de pintores impressionistas franceses em Moscou. A visão de um monte de feno, pintado por Monet, provocou nele um entusiasmo incomum.Numa época em que os críticos mais tradicionais torciam o nariz e consideravam os quadros impressionistas meros borrões de tinta sobre a tela, Kandinsky ficou deslumbrado. Segundo ele próprio contaria mais tarde, foi ali que percebeu, pela primeira vez, que a obra de arte não precisava se resumir a imitar a natureza. Estava plantada a semente da arte abstrata, forma de expressão que teria em Kandinsky um pioneiro e um de seus mais ardorosos teóricos.Nascido em Moscou, no ano de 1866, Kandinsky não abraçou o abstracionismo da noite para o dia. Foi necessário todo um processo de evolução pictórica, até alcançar gradativamente a completa abolição da figura em sua obra.Ainda sob o efeito da exposição impressionista, decidiu recusar o cargo de assistente na faculdade de direito em uma universidade russa e, em 1896, aos 30 anos, mudou-se para Munique, na Alemanha, com o firme propósito de dedicar-se ao estudo da arte. Antes de partir, casou com uma prima, Anya Ticheyeva, que levou junto com ele.Mas as aulas ministradas pelos professores na Alemanha, ainda presos ao realismo e ao academicismo, não o satisfizeram. Aproximou-se então de artistas mais jovens, como Paul Klee, e passou a desenvolver sua própria teoria estética, pregando a libertação da arte da reprodução subserviente da natureza.Seus primeiros quadros europeus, é verdade, ainda mostravam nítidas influências impressionistas. Exibiam figuras humanas, objetos naturais e evocavam elementos da arte popular russa.

Aos poucos, porém, os contornos se fizeram mais imprecisos, os rostos perderam definição e, cada vez mais, as formas tornaram-se apenas vagas referências de algo existente no mundo real. "Enquanto a arte não dispensar o objeto, ela será meramente descritiva", sentenciou Kandinsky.Casado pela segunda vez, com uma artista alemã, Gabriele Muenter, Kandinsky decidiu voltar à Rússia em 1914. Três anos depois, em 1917, trocou Gabriele por uma jovem russa, Nina von Andreyewsky, com quem ficará até o fim da vida. Naquele mesmo ano, eclodiu a revolução socialista, liderada por Lênin. Respeitado pelos intelectuais revolucionários, o artista foi convidado a fazer parte do Comissariado para a Educação e a dar aulas em academias estatais, mantidas pelo novo regime.Mas a pintura de Wassily Kandinsky era abertamente incompatível com o "realismo socialista", estilo imposto aos artistas russos após a Revolução.

Classificado pelos ideólogos soviéticos como um representante da "arte burguesa e decadente", Kandinsky viu-se obrigado a deixar novamente o seu país natal, retornando em 1921 à Alemanha, onde assumiu o cargo de professor da Bauhaus, famosa e inovadora escola de arquitetura e artes aplicadas.Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, a alemã Bauhaus foi fechada. Kandinsky, que já fora criticado e defenestrado pelos soviéticos, passou a ser rotulado pelos nazistas como um "cancro da bolchevização da arte". Não lhe restava outra alternativa a não ser providenciar uma nova e imediata transferência, agora para Paris.Sete anos mais tarde, quando os nazistas invadiram a França, Wassily Kandinsky estava velho demais para empreender mais outra mudança. Septuagenário, cuidou de diminuir o ritmo de sua produção e passou a viver de forma discreta e reservada.Kandinsky morreu em 1944, aos 78 anos. Passado o obscurantismo nazista, seu nome foi aclamado, na Alemanha e em toda a Europa, como o mestre que inaugurou o abstracionismo, uma das maiores revoluções de todos os tempos na história da arte.

Kandinsky costumava dizer que passou a compreender de forma mais decisiva o poder da arte abstrata quando, certa noite, ao entrar em seu ateliê, não conseguiu reconhecer um de seus próprios trabalhos, que estava de cabeça para baixo.

As primeiras reações da crítica à obra abstracionista de Kandinsky foi de absoluta surpresa e rejeição. Muitos consideraram que aquele amontoado de linhas, cores e formas sem significado era obra de um doido varrido. Ou, na melhor das hipóteses, de alguém que manejara tintas e pincéis sob os efeitos de algum alucinógeno, como o haxixe.

Kandinsky mudou de nacionalidade duas vezes. Inicialmente, após deixar a Rússia e fixar-se em Munique, solicitou cidadania alemã. Mais tarde, com a ascensão dos nazistas ao poder, refugiou-se em Paris e, mais uma vez, trocou oficialmente de nacionalidade, tornando-se cidadão francês.

O abstracionismo de Kandinsky representou uma ruptura tão radical em relação à arte figurativa tradicional que, hoje, muitos críticos e historiadores da cultura costumam colocá-lo em um honroso panteão de grandes pensadores e cientistas da história da humanidade: ele estaria, para a pintura, no mesmo grau de importância que Freud tem para a psicologia e Einstein para a física.
Copiado de: AmigosDoFreud
A rotina

Joana de Angelis


A natural transformação social, decorrente dos efeitos da ciência aliada à tecnologia a partir do século 19, impôs que o individualismo competitivo pós renascentista cedesse lugar ao coletivismo industrial e comunitário da atualidade.
A cisão decorrente do pensamento cartesiano, na dicotomia do corpo e da alma, ensejou uma radical mudança nos hábitos da sociedade, dando surgimento a uma série de conflitos que irrompem na personalidade humana e conduzem a alienações perturbadoras.
Antes, os tabus e as superstições geravam comportamentos extravagantes, e a falsa moral mascarava os erros que se tornavam fatores de desagregação da personalidade, a serviço da hipocrisia refinada.
A mudança de hábitos, no entanto, se liberou o homem de algumas fobias e mecanismos de evasão perniciosos, impôs outros padrões comportamentais de massificação, nos quais surgem novos ídolos e mitos devoradores, que respondem por equivalentes fenômenos de desequilíbrio.
Houve troca de conduta, mas não de renovação saudável na forma de encarar-se a vida e de vivê-la.
De um lado, a ciência em constante progresso, não se fazendo acompanhar por um correspondente desenvolvimento ético-espiritual, candidata-se a conduzir o homem ao niilismo, ao conceito de aniquilamento.
Noutro sentido, o contubérnio subjacente, apresenta um elenco exasperador de áreas conflitantes nas guerras e ameaças de guerras que se sucedem, nas variações da economia, nos volumosos bolsões de miséria de vária ordem, empurrando o homem para a ansiedade, a insegurança, a suspeição contumaz, a violência.
A fim de fugir à luta desigual — o homem contra a máquina — os mecanismos responsáveis pela segurança emocional levam o indivíduo, que não se encoraja ao competitivismo doentio, à acomodação, igualmente enferma, como forma de sobrevivência no báratro em que se encontra, receando ser vencido, esmagado ou consumido pela massa crescente ou pelo desespero avassalador.
Estabelece algumas poucas metas, que conquista com relativa facilidade, passando a uma existência rotineira e neu-rotizante, que culmina por matar-lhe o entusiasmo de viver, os estímulos para enfrentar desafios novos.
Rotina é como ferrugem na engrenagem de preciosa maquinaria, que a corrói e arrebenta.
Disfarçada como segurança, emperra o carro do progresso social e automatiza a mente, que cede o campo do raciocínio ao mesmismo cansador, deprimente.
O homem repete a ação de ontem com igual intensidade hoje; trabalha no mesmo labor e recompõe idênticos passos; mantém as mesmas desinteressantes conversações: retorna ao lar ou busca os repetidos espairecimentos: bar, clube, televisão, jornal, sexo, com frenético receio da solidão, até alcançar a aposentadoria.. - Nesse ínterim, realiza férias programadas, visita lugares que o desagradam, porém reúne-se a outros grupos igualmente tediosos e, quando chega ao denominado período do gozo-repouso, deixa-se arrastar pela inutilidade agradável, vitimado por problemas cardíacos, que resultam das pressões largamente sustentadas ou por neuroses que a monotonia engendra.
O homem é um mamífero biossocial, construído para experiências e iniciativas constantes, renovadoras.
A sua vida é resultado de bilhões de anos de transformações celulares, sob o comando do Espírito, que elaborou equipamentos orgânicos e psíquicos para as respostas evolutivas que a futura perfeição lhe exige.
O trabalho constitui-lhe estímulo aos valores que lhe dormem latentes, aguardando despertamento, ampliação, desdobramento.
Deixando que esse potencial permaneça inativo por indolência ou rotina, a frustração emocional entorpece os sentimentos do ser ou leva-o à violência, ao crime, como processo de libertação da masmorra que ele mesmo construiu, nela encarcerando-se.
Subitamente, qual correnteza contida que arrebenta a barragem, rompe os limites do habitual e dá vazão aos conflitos, aos instintos agressivos, tombando em processos alucinados de desequilíbrios e choque.
Nesse sentido, os suportes morais e espirituais contribuem para a mudança da rotina, abrindo espaços mentais e emocionais para o idealismo do amor ao próximo, da solidariedade, dos serviços de enobrecimento humano.
O homem se deve renovar incessantemente, alterando para melhor os hábitos e atividades, motivando-se para o aprimoramento íntimo, com conseqüente movimentação das forças que fomentam o progresso pessoal e comunitário, a benefício da sociedade em geral.
Face a esse esforço e empenho, o homem interior sobrepõe-se ao exterior, social, trabalhado pelos atavismos das repressões e castrações, propondo conceitos mais dignos de convivência humana, em consonância com as ambições espirituais que lhe passam a comandar as disposições íntimas.
O excesso de tecnologia, que aparentemente resolveria os problemas humanos, engendrou novos dramas e conflitos comportamentais, na rotina degradante, que necessitam ser reexaminados para posterior correção.
O individualismo, que deu ênfase ao enganoso conceito do homem de ferro e da mulher boneca, objeto de luxo e de inutilidade, cedeu lugar ao coletivismo consumista, sem identidade, em que os valores obedecem a novos padrões de crítica e de aceitação para os triunfos imediatos sob os altos preços da destruição do indivíduo como pessoa racional e livre.
A liberdade custa um alto preço e deve ser conquistada na grande luta que se trava no cotidiano.
Liberdade de ser e atuar, de ter respeitados os seus valores e opções de discernir e aplicar, considerando, naturalmente, os códigos éticos e sociais, sem a submissão acomodada e indiferente aos padrões de conveniência dos grupos dominantes.
A escala de interesses, apequenando o homem, brinda-o com prêmios que foram estabelecidos pelo sistema desumano, sem participação do indivíduo como célula viva e pensante do conjunto geral.
Como profilaxia e terapêutica eficaz, existem os desafios propostos por Jesus, que são de grande utilidade, induzindo a criatura a dar passos mais largos e audaciosos do que aqueles que levam na direção dos breves objetivos da existência apenas material.
A desenvoltura das propostas evangélicas facilita a ruptura da rotina, dando saudável dinâmica para uma vida integral em favor do homem-espírito eterno e não apenas da máquina humana pensante a caminho do túmulo, da dissolução, do esquecimento.