sábado, 1 de setembro de 2007

Igreja Católica: uma grande seita
Leonardo Boff * Adital

Os acontecimentos ocorridos nos últimos meses dentro da Igreja Romano-Católica fazem suscitar a questão do risco de esta assumir claramente comportamentos de seita. Bento XVI está imprimindo um curso à Igreja Católica, provocando severas críticas não apenas de teólogos, mas de cardeais, de inteiros episcopados como o da França, de grupos de bispos da Alemanha e, espantosamente, de bispos da romaníssima Itália, além de outros líderes religiosos e de organismos ecumênicos mundiais. Desde seu tempo de Cardeal, tem tratado os grupos progressistas e os teólogos da libertação a bastonadas e com pele de pelica os conservadores e tradicionalistas, seguidores do Bispo Lefèbvre, excomungado em 1988 e que à revelia de Roma ordenou bispos e padres. O Vaticano acabou por acatar seus seminários onde formam o clero no rito tradicionalista. E agora acaba de atender a uma de suas demandas maiores: voltar à missa em latim do Concílio de Trento (1545-1563) com todas as limitações históricas, hoje inaceitáveis. Ai se reza "pelos pérfidos judeus" para que aceitem Jesus como Messias.

O mais grave ocorreu logo em seguida, com a publicação de cinco questões sobre a igreja, oriunda da Congregação da Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa, na qual se repete o que o então Cardeal J. Ratzinger, em 2000, enfatizava no documento Dominus Jesus, verdadeiro exterminador do futuro do ecumenismo: a única Igreja de Cristo subsiste somente na Católica, fora da qual não há salvação. As demais "igrejas" não o são, pois possuem apenas "elementos eclesiais" e a Igreja Ortodoxa, tida como uma expressão da catolicidade, foi rebaixada a simples igreja particular. Estas posições reacendem a guerra religiosa quando todos estão buscando a paz, cuja realização é enfraquecida pela Igreja.

A Igreja está se isolando mais e mais de tudo. Sua base social são principalmente os movimentos, medíocres no pensamento e subservientes às autoridades; preferem a aeróbica de Deus a confrontar-se com os problemas da pobreza e da injustiça. Uma Igreja se comporta como seita, segundo clássicos como Troeltsch e Weber, quando tem a pretensão absolutista de deter sozinha a verdade, quando se nega ao diálogo, rejeita o trabalho ecumênico e manifesta crescente autofinalização. Nesse sentido, cabe lembrar que o Vaticano não assinou, em 1948, a Carta dos Direitos Humanos; se recusou entrar no Conselho Mundial de Igrejas porque ela se julga acima e não junto das demais Igrejas; negou-se a apoiar a convocação de um Concílio universal de todos os cristãos na perspectiva da paz mundial, sob o pretexto de que cabe exclusivamente a Roma fazê-lo; proibiu a compra dos cartões da UNICEF destinados à infância carente, alegando que esta entidade favorecia o uso de preservativos. Ao lado disso, cresce o patrimônio imobiliário da Igreja que, segundo pesquisas (Adista 2/6/07), chega a 1/5 de todo o patrimônio italiano e romano. A especulação imobiliária e financeira rendeu ao Vaticano, entre 2004-2005, 1,47 bilhões de Euros.

A estratégia doutrinal do atual Papa é a do confronto direto com a modernidade, num pessimismo cultural inadmissível em alguém que deveria saber que o Espírito não é monopólio da Igreja e que a salvação é oferecida a todos.

Não causaria espanto se alguns mais radicais, animados por gestos do atual Papa, tentassem um cisma na Igreja. No século IV quase todos os bispos aderiram à heresia do arianismo (Cristo apenas semelhante a Deus). Foram os leigos que salvaram a Igreja, proclamando Jesus como Filho de Deus. É urgente atualizar esta história, dada a estreiteza de mente e o vazio teológico reinante nos altos escalões da Igreja.


lboff@leonardoboff.com


* Teólogo. Membro da Comissão da Carta da Terra

No Chile, trabalhadores exigem mudança da política econômica


Protesto critica presidente Michelle Bachelet e pede demissão do ministro da Fazenda; polícia reprime manifestação com violência, mais de 700 detidos


Protesto critica presidente Michelle Bachelet e pede demissão do ministro da Fazenda; polícia reprime manifestação com violência, mais de 700 detidos



Servidores públicos, professores, médicos, trabalhadores e estudantes protagonizaram nesta quarta-feira (29) um protesto massivo no Chile que paralisou a capital Santiago. O objetivo foi se opor à política econômica neoliberal da presidente Michelle Bachelet. O governo reprimiu com violência a manifestação e mais de 700 pessoas foram detidas.

Em alguns setores da cidade, a mobilização durou até a madrugada. Os manifestantes acusaram Bachelet de manter as políticas da ditadura de Augusto Pinochet e reivindicaram maior justiça social e condições de trabalho.

As marchas foram lideradas por dirigentes sindicais da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) com o lema “conquistar um Estado social, democrático e solidário”. A maior organização sindical do país acusa a presidente chilena de não cumprir suas promessas de campanha. Uma das reivindicações era a renúncia do ministro da Fazenda, Andrés Velasco.

A mobilização teve ampla acolhida. Em Santiago, reuniu cerca de 4 mil pessoas, de acordo com a polícia de Bachelet. Houve atos nas principais cidades como Rancagua, Valparaíso e Concepción, e na província de Arauco, com bloqueios de rodovias, segundo o dirigente da CUT Arturo Martínez. “Os trabalhadores deram uma mostra de dignidade. O povo do Chile está orgulhoso de ter trabalhadores conscientes, que saíram à rua para reclamar seus direitos”, disse ao La Jornada.

O sindicalista avaliou que a mobilização iniciou um processo de mudança no país. A mobilização teve como símbolo uma vaca que “está cansada de ser ordenhada em benefício de uns poucos”, segundo o dirigente. A central recorreu a essa analogia para descrever a situação dos trabalhadores chilenos, desprestigiados no atual modelo econômico do país. Este ano, a economia vai se expandir 6%. Mas o desemprego segue elevado, na faixa dos 7%.

“Há um descontentamento no movimento dos trabalhadores. Não se reajustam nossos salários e as pessoas estão esgotadas. Estamos aqui por isso, não nos faltam motivos para protestar”, afirmou à BBC Mundo Loreto Pérez, presidente de um sindicato de trabalhadores de farmácias. Juan Luis Castro, representante dos médicos, declarou à mesma rede de notícias: “Não há acesso igualitário à saúde. Há que se esperar dias ou meses para um atendimento e temos um elevado déficit de especialistas. Esses são problemas reais que não estão sendo abordados”.

“Não mudaram a matriz da ditadura que entende a educação como um privilégio para quem pode pagar. Nós cremos na unidade do povo”, afirmou Jorge Pávez, representante do sindicato dos professores.


Repressão

Os enfrentamentos com a polícia ocorreram durante todo o dia, com uso de violência por parte dos soldados. Para evitar que o protesto avançasse até a sede do governo, o Palácio de La Moneda, os policiais usaram a cavalaria e gases lacrimogênio. Os manifestantes responderam com pedras e bombas caseiras. O senador socialista Alejandro Navarro foi golpeado na cabeça por um cacetete. O prêmio Nobel de Literatura Raúl Zurita foi um dos feridos.

De acordo com o defensor de direitos humanos Hugo Gutiérrez, a polícia colocou em prática um novo sistema de contenção de multidões ao deter logo cedo os dirigentes das colunas de manifestantes em formação e, assim, desarticulá-las. Em meio ao protesto, a presidente Bachelet discursou pedindo diálogo. “Quero que entendam bem: é necessário disposição para acordos, e não de violência, porque a democracia não necessita nem de desordem”, afirmou.

Em paralelo aos protestos, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno uma reforma para a fracassada seguridade social. Além disso, sancionou pela primeira vez o “conselho da igualdade”, constituído por Bachelet com o objetivo de elaborar propostas nos temas de trabalho, competitividade e salário “ético”, superior ao mínimo atual equivalente a 274 dólares

Os protestantes do século XXI

Lançamento do livro A mídia nas eleições de 2006, organizado pelo prof. Venício A. de Lima, da UnB e do Observatório Brasileiro de Mídia, se transforma em debate sobre porque a campanha da mída conservadora contra a reeleição de Lula não deu certo.

Na noite de 30 de agosto, no Sindicato dos Jornalistas no Estado de S. Paulo, foi lançado o livro (Editora Fundação Perseu Abramo) A mídia nas eleições de 2006, organizado pelo professor Venício A. de Lima, da Universidade de Brasília e consultor do Observatório Brasileiro de Mídia. O livro tem apresentação do professor e mais 11 artigos de especialistas no setor, sobre o papel da mídia nas eleições presidenciais do ano passado. Acompanham o livro alguns anexos: as reportagens publicadas na época pela revista Carta Capital; as explicações do diretor executivo de jornalismo da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel; a carta do repórter Rodrigo Vianna, desligado da Globo naquela época, despedindo-se de seus colegas de trabalho (publicada em primeira mão, depois de circular em mensagens na internete, pela Carta Maior em reportagem de Bia Barbosa); e um mapa das votações no primeiro e no segundo turnos.

Além do prof. Venício, estiveram presentes ao lançamento os autores de artigos Renato Rovai, editor da revista Fórum, autor do capítulo “As muitas derrotas da mídia comercial tradicional”; Marcelo Coutinho, diretor executivo do Ibope Inteligência, co-autor de “Os usos das novas mídias na campanha presidencial de 2006; e Kjeld Jakobsen, presidente do Observatório Brasileiro de Mídia, autor de “A cobertura da míodia impressa aos candidatos nas eleições presidenciais de 2006”.

Além de debaterem o livro e seus artigos, os quatro presentes debateram, entre outras, a pergunta feita por Carta Maior sobre “porque em 2006 a campanha da mídia contra a reeleição de Lula não deu certo”. Carta Maior lembrou das vezes em que campanhas conservadoras na mídia “deram certo”: na eleição de 1989, no golpe de 1964, no de 1954 (revertido pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas), até mesmo (como lembrou Rovai) na campanha pelas privatizações, durante o governo de FHC, quando criou-se um clima de que tudo o que era público e estatal eram necessariamente ruim.

Houve colocações muito variadas. Todos concordaram que este é um assunto ainda a ser estudado, e que é impossível dar uma explicação cabal e definitiva. Mas aventaram algumas hipóteses. O prof. Venício lembrou o papel das “lideranças intermediárias”, isto é, os líderes de associações de bairros, ongues, sindicatos, etc., que são, agora, “formadores de opinião” tão importantes quanto aqueles que tradicionalmente se julgam donos da “formação de opinião”, os editorialistas, colunistas de jornais, e comentaristas de tevê. Essas “lideranças intermediárias” têm acesso à internete e a uma série de informações alternativas, antes não ou pouco disponíveis, o que pode ter ajudado a contrabalançar o poder da mídia tradicional.

Kjeld Jakobsen lembrou que de fato a vida das pessoas mais pobres, e de um modo geral, melhorou sob o governo Lula, e que isso levou muitas pessoas a pensarem duas vezes antes de simplesmente aderirem à campanha da mídia contra o governo. Lembrou também que a mídia, de um modo geral, tornou-se mais uniformemente conservadora, descolando-se de muitos de seus leitores tradicionais. Lembrouy por exemplo do tempo em que muita gente de esquerda considerava A Folha de S. Paulo um jornal “oficiosamente” à esquerda no espectro do jornalismo brasileiro, e que isso hoje não acontece mais.

Renato Rovai trouxe à baila a idéia de que, além do contrabalanço de informação disponível, havia o fato de que em 2006, ao contrário de 1989, Lula era governo, e isso lhe dá um poder enorme de também gerar informação, além dos poderes inerentes ao Estado brasileiro. Em sua fala lamentou que o governo não tenha avançado mais no sentido de democratização da mídia, curvando-se à pauta do conservadorismo brasileiro neste campo. O jornalista Carlos Tibúrcio, também presente, respondeu, dizendo que era necessário analisar a “correlação de forças” para entender a posição do governo nestas questões.

Mas a nota mais original do debate ficou por conta de Marcelo Coutinho. Depois de dizer que era necessário reconhecer que, apesar de todas as deficiências, o nível de escolaridade no eleitorado brasileiro tinha aumentado muito de 20 anos para cá, lembrou a situação européia ao fim da Idade Média.

Disse que naquela época o quase monopólio de interpretação religiosa detido pela Igreja Católica Romana na Europa foi quebrado pelo protestantismo. E que para a quebra do monopólio foi fundamental a invenção da imprensa no século XV. Hoje, lembrou ele, estaríamos na mesma situação: a pretensão de monopólio de expressão da “opinião pública” por parte da mídia tradicional foi quebrada pela internete, embora o alcance desta esteja longe de ser universal. Mas tão importante quanto reconhecer essa quebra é reconhecer que os atores convencionais, mídia e partidos políticos, ainda não conseguiram responder de modo conveniente e consistente a esse novo quadro cultural, aferrando-se a seus princípios dogmáticos, tanto no plano das idéias quanto no das formulações.

“Internete é diálogo”, lembrou ele. De fato, algo que anda meio longe da nossa mídia convencional, que está menos para polifonia, mesmo que barroca, e muito mais para o uníssono (e ponhamos sono aí) do cantochão gregoriano (É só uma metáfora provocativa, pessoal. Eu adoro cantochão. Na Igreja ou no concerto, é claro, não na mídia).

Eucaliptos ressecam mananciais no Uruguai


Porto Alegre (RS) - Pequenos agricultores da região de Soriano, no Uruguai, denunciam que os plantios de eucalipto em larga escala têm secado córregos, poços e riachos locais. De acordo com o Movimento dos Agricultores da Região de Mercedes, cerca de 150 famílias, entre produtores e moradores, são afetadas diretamente pela falta de água.

O agricultor Washigton Lockhart, integrante da organização camponesa, relata que a seca de poços iniciou na década de 90, mas tem se agravado nos últimos cinco anos na região. Ele relata que, hoje, cinco municípios estão em situação de emergência no departamento de Soriano.

Segundo Lockhart, “o primeiro impacto depois do início das plantações foi a falta de água, que afetou muita gente, e depois a migração de empresas estrangeiras para a região. A conseqüência disso tudo, diz o agricultor, foi a concentração da terra e o êxodo de pequenos produtores e populações locais para as grandes cidades.

Lockhart conta que as famílias atingidas pela seca recebem, diariamente, água das prefeituras municipais, por meio de caminhões-pipa. Ao todo, os governos carregam 25 mil litros de água para a população. No entanto, o agricultor alerta que muitas vezes a água é deixada em recipientes utilizados pelas famílias na agricultura, podendo conter vestígios de agrotóxicos.

Os agricultores realizam protestos na região desde 2004, mas até o momento as autoridades locais não tomaram nenhuma atitude. Soriano fica ao lado do departamento de Rio Negro, onde a papeleira Botnia está construindo mais uma fábrica de celulose, motivo de crises diplomáticas com o país vizinho, Argentina. Os dois departamentos são banhados pelo rio Uruguai.

Atualmente no Uruguai existem mais de 600 mil hectares de plantio de pínus e eucalipto.
Copiado de:AgenciaChasque


sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Jethro Tull . Aqualung (25th Anniversary Edition)




Aqualung (1971) é o quarto álbum da banda britânica Jethro Tull. É mais conhecido por sua faixa-título, que fala de um sem-teto bêbado e pedófilo com problemas respiratórios - daí o título aqualung. Embora seja tratado como tal, Ian Anderson sempre negou que este seja um álbum conceitual.Aqualung chegou à sétima colocação das paradas de álbuns pop da Billboard. O compacto "Hymn 43" ficou em 91# nas paradas de compactos pop da mesma publicação.
Copiado de: MusicGratis

CD1
CD2
Brasil - Os que cansam por não lutarem!

Arthur Conceição *Adital -

A campanha "Cansei", promovida pela OAB/SP e pelo setor do empresariado nacional, intitulada "movimento cívico pelo direito dos brasileiros", convocou os cansados para fazerem um minuto de silêncio às 13 h de ontem (29/08) "pelo bem do Brasil".

Espanto! O trabalhador brasileiro não fez e não fará um minuto de silêncio e nem baterá panelas. Muitas campanhas vindo da própria elite brasileira, mais especificamente a paulista com campanha "da paz" e campanha "contra o governo" nunca tiveram um resultado avassalador ao longo prazo. O cidadão excluído cansou dos berros que nunca favoreceu a minoria oprimida.

Cansamos da sociedade abastada e hipócrita que é incapaz de se ver refletida no espelho para se identificar com a política atual, sem a dignidade de assumir que a corrupção, que tanto critica, sem mudar sua própria postura. Em sua origem são os mesmos que não reivindicam o direito do trabalhador para um bom atendimento no hospital público e a melhora dos salários dos médicos dos SUS, que recebem R$ 2,04 por consulta. Aqueles mesmos que não fazem frente para moralizar o ensino público de qualidade e o salário do professor. São sempre os mesmos que contratam guardas particulares e não fazem manifestação para melhorar as condições dos policiais.

O povo brasileiro, principalmente um terço que está na linha da pobreza, está cansado da elite econômica que só enxerga a corrupção dos políticos. E ao mesmo tempo é cega e complacente com empresários corruptores e sonegadores de impostos, que financiam a campanha desses mesmos corruptos. Agora, um grupo minoritário de classe abastada vem disparando e-mails ideológicos e confundindo isso com consciência política. O trabalhador rural urbano está cansado dessa elite que menospreza a luta da gente do campo e daqueles que vivem nos guetos dos aglomerados urbanos desse País. Estamos cansados de uma classe média que odeia a política pelo erro primário e de cristão que confunde seres humanos com anjos, o que é uma receita para a decepção, pois é óbvio que homens não são anjos e, portanto, precisamos de político e de partidos sérios que sejam fiscalizados pelo Poder Público e pela sociedade. Hoje as instituições políticas partidárias não atraem mais jovens compromissados com um futuro digno para o Brasil. O que vemos nos partidos é uma minoria que lá está por serem filhos de políticos ou estão atrás de cargos no governo. Portanto, as agremiações partidárias não são mais espaço para as reivindicações políticas. Não temos mais espaços públicos para escoar os pedidos da sociedade civil organizada.

O Brasil tem suas contradições (como qualquer país) e uma delas é ser uma força econômica com uma péssima distribuição de renda. Aqui, a noção de poder legal, dentro da concepção do teórico alemão Weber, é subversiva em relação ao desenvolvimento humano. Está na hora mesmo é de fazer um movimento para a mudança político-partidária e abrir espaços legais e constituídos para os cidadãos bem intencionados fazerem suas lutas e reivindicações. Hoje, o único movimento legítimo com espaço público amplo e organizado são as associações de homossexuais e suas passeatas, que aglomeram milhões de pessoas pelo direito dessas pessoas descriminadas.

Agora agüenta essa elite blindada e herdeira de nossa tradição autoritária; a má distribuição de renda que é um problema coletivo; a indústria dos carros blindados e dos condomínios murados, que é reflexão de uma solução individual (e individualista). Mas essa equação não fecha: não há soluções individuais para problemas coletivos. A Ordem dos Advogados do Brasil, Subsecção São Paulo, que tanto já lutou pelos Direitos Humanos e fez belíssimas campanhas contra Ditadura Militar e sempre foi a favor das populações minoritárias, se perde. Há anos não vemos a bandeira da OAB ser hasteada, com as cores vermelhas predominantes, em favor dos direitos.

Qualquer movimento é justo. Respeitamos a indignação dos "Cansei", porém não é possível ver nada de "cívico" nesse movimento. Se perguntarem qual é, afinal, a solução para todos os problemas de nosso País, a resposta é não sei. Sei apenas que não existe mágica. Só sei que fazer política em todos os níveis é preciso ter responsabilidade, ética e moralidade. Uma coisa é certa: sempre haverá pedras no meio do caminho. É difícil, no dia de hoje, bater panelas e fazer um minuto de silêncio. E lembrando que há exatos 20 anos morria Carlos Drummond. Em homenagem ao poeta, chutarei as pedras ao meio do caminho para achar uma trilha e, ao anoitecer, na calada da noite refletirei as palavras do poeta: "é a hora dos corvos, bicando em mim meu passado, meu futuro, meu degredo: desta hora, sim, tenho medo".


* Cientista Político e articulista da Revista Bem Público

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

AQUELE QUE CARREGA A MORTE NOS BOLSOS

Conheci o som do Fela Kuti numa viagem de carro, quando um amigo, vocalista de uma banda me entregou uma fita cassete, minutos antes da viagem de duas horas que enfrentaríamos em comboio.

A banda desse amigo meu, iria se apresentar na mesma noite, algumas horas mais tarde. Isso mesmo, nós estávamos viajando de noite, e esse amigo me entregou uma fita cassete que tinha escrito apenas Nigera’s Fela. Tanto que eu achei que esse era o nome do artista, até que finalmente eu me rendi ao som fenomenal de Fela Ransome Kuti.

Neste agosto, fizeram 10 anos da morte de Fela Kuti, em decorrência a complicações com a AIDS, em três de agosto de 1997. Muito antes, no dia 15 de outubro de 1938, Fela nascia em Abeokuta, cidade do sul da Nigéria, mais conhecida como a capital do Estado de Ogum.

Fela nasceu em berço político, seu pai era professor e sua mãe tinha atividades feministas, e como bem definiu Alexandre Matias, num texto publicado na ‘Radiola Urbana’ e no ‘Trabalho Sujo’, “ele era o equivalente africano a Che Guevara e Bob Marley”. Praticamente em todos os sentidos.

Na juventude, Fela mudou-se para Londres a fim de estudar medicina, mas foi a música que capturou sua essência. Na Inglaterra mesmo, ele formou a banda ‘Koola Lobitos’, e iniciou os primeiros passos no estilo afrobeat, uma mistura de jazz, funk, e música tradicional africana.

No final dos anos 60, Fela foi para os Estados Unidos e gravou o disco, ‘The Los Angeles sessions’, e conheceu um grupo intitulado ‘Panteras Negras’ que lhe mostrou o movimento blackpower, que acabou definindo sua luta política em prol de movimentos sociais na sua terra natal, tanto que ele renomeou a banda para ‘Nigéria 70’.

Ao retornar para Nigéria, Fela rebatizou a banda mais uma vez para ‘África 70’, e lançou o selo musical, que também tinha função de comunidade, estúdio e lar para todos aqueles que se consideravam independentes do Estado da Nigéria, o ‘Kalakuta Republic’.

Fela cada vez mais lutava pela libertação da Nigéria e pelos direitos humanos na África. E também espelhando-se nas ações que ecoavam do movimento negro norte-americano, com expoentes como Martin Luther King e Malcom X, Fela adotou o nome Anikulapo, que significava ‘aquele que carrega a morte no bolso’, e repudiou o nome Ransome por ser o nome de escravo da família.

Em 77 Fela lançou o disco ‘Zombie’, que criticava as ações dos militares nigerianos, fazendo uma alusão a mortos-vivos. O disco fez muito sucesso, mas desagradou o governo nigeriano, que lançou um ataque contra a ‘Kalakuta Republic’, num incidente que causou a morte da mãe do artista e destruiu as instalações do estúdio do artista.

Em 1978 Fela se casou com vinte e sete mulheres, que faziam parte de sua banda, como dançarinas ou backing vocals, para relembrar a massiva destruição do ‘Kalatula Republic’. Logo após, Fela lançou em campanha para presidente na Nigéria, mas sua candidatura foi recusada.

Fela remontou sua banda com novo nome de ‘Egypt 80’, e continuou a lançar discos no estilo afrobeat. Ele tentou mais uma vez se candidatar à presidência da Nigéria, mas foi preso sob a acusação de envolvimento com a máfia.

Após quase dois anos, Fela foi liberado da prisão e voltou a gravar com a ‘Egypt 80’, com quem se apresentou no Concerto ‘Conspiracy of hope’ em beneficio da Anistia Internacional em 1990.

Fela lutou até o fim da vida contra a ditadura na Nigéria, mas o que ficou mesmo foi sua música.

1966 Fela Ransome Kuti and His Koola Lobitos

1. Highlife time
2. Omuti tide
3. Ololufe mi
4. Wadele wa Robin
5. Laise Lairo
6. Wayo

http://www.badongo.com/file/4134556

1969 The ’69 Los Angeles Session (& Koola Lobitos)

1. My lady frustation
2. Viva Nigeria
3. Obe
4. Ako
5. Witchcraft
6. Wayo
7. Lover
8. Funky horn
9. Eko
10. This is sad

http://www.badongo.com/file/4134788

1971 Fela Kuti & África 70 (& Ginger Baker)

1. Let’s start
2. Black man’s cry
3. Ye ye de smell
4. Egbe mi o (Carry me I want to die)
5. Drum solo (Ginger Baker & Tony Allen)

http://www.mediafire.com/download.php?2kxg4ncrjzj

1972 Na Poi (& África 70)

1. Na poi
2. You no go die

http://www.4shared.com/file/22682723/6610d1cb/1971_Na_Poi.html

1972 Open & Close (& África 70)

1. Open and close
2. Swegbe and pako
3. Gbagada gbagada gbogodo gbogodo

http://www.4shared.com/file/22685903/c36fa6fa/1971_Open__Close.html

1972 Roforofo Fight (& África 70)

1. Roforofo fight
2. Go show
3. Question jam answer
4. Trouble sleep yanga wake am
5. shenshema
6. Ariya

Parte 1: http://www.mediafire.com/?cmetndotu4x

1973 Afrodisiac (& África 70)

1. Alu jon jonki jon
2. Jeun ko ku (Chop'n quench)
3. Eko lle
4. Je'nwi temi (Don't gag me)

http://www.4shared.com/file/22687410/e1ac9dd9/1973_Afrodisiac.html

1973 Gentleman (& África 70)

1. Gentleman
2. Fefe naa efe
3. Igbe (Na shit)

1975 Expensive Shit (& África 70)

1. Expensive shit
2. Water no get enemy

1975 He Miss Road (& África 70)


1. He miss road
2. Monday morning in Lagos
3. He no possible

1975 Kalatula Show (& África 70)

1. Kalatula show
2. Don't make garan garan

http://www.badongo.com/file/4135261

1976 Before I Jump Like Monkey Give Me Banana (& África 70)

1. Monkey banana
2. Sense wiseness

http://www.badongo.com/file/4135122

1976 Ikoy Blindness (& África 70)

1. Ikoy blindness
2. Gba mi meti ki ndolowo

http://www.4shared.com/file/22695794/bb378caa/1976_Ikoy_Blindness.html

1976 No Buredi (& África 70)

1. No buredi (No bread)
2. Unnecessary begging

http://www.badongo.com/file/4135436

1976 Yellow Fever (& África 70)

1. Yellow fever
2. Na poi 1975

http://www.badongo.com/file/4135682

1976 Zombie (& África 70)

1. Zombie
2. Mr. follow follow
3. Observation is no crime

http://www.badongo.com/file/4135557

1977 J.J.D. (& África 70)

1. J.J.D. (Johnny just drop)

http://www.4shared.com/file/22697169/ec9a58e1/1977_JJD.html


Copiado de:LagrimaPsicodelica

Não cansei, enchi o saco!



Max Luiz Gimenes


Após anos de corrupção e de uma política aeroportuária desleixada, não foi sem surpresa que o Brasil recebeu, na última semana de julho, o lançamento do “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros” – o famigerado “Cansei”. O movimento pretende-se “apartidário”, mas as circunstâncias acabam impedindo que essa inverdade se prolifere e a pergunta que não quer calar é: onde estavam os “cansados” em tempos de crise do governo FHC? Mas, ainda que esta pergunta quisesse ser calada, não encontraria resposta plausível. Dizem que a população está deixando o comodismo ou que é melhor revoltar-se tarde do que nunca o fazer. Lorota. As verdadeiras razões estão muito bem guardadas, talvez em cofres de bancos na Suíça.

Dirigido pela OAB-SP e com o apoio de vários setores a serviço da elite – como FIESP, FEBRABAN e outros –, o movimento ganhou força ao se aproveitar, de maneira oportunista, do caos aéreo que tem assolado o país. Até o mensalão foi tirado do baú conservador. (Hoje, certamente, o lulo-petismo se arrepende profundamente por não ter inventado um nome criativo para a sistemática corrupção tucana, pois “corrupção” e “roubalheira” são palavras muito genéricas.) Sem respeitar o sentimento dos envolvidos na tragédia, a direita “rebelde” aproveitou o acidente da TAM para realizar o marketing de seu movimento. Muitos, de maneira inocente, caíram nessa ladainha como se cai no golpe do bilhete premiado, e engrossaram as fileiras do “Cansei”.

Como era de se esperar, a reação do PT não demorou a acontecer. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que por muitos anos foi exemplo de luta e independência dos trabalhadores, transformou-se em guarda particular do presidente Lula e foi quem assumiu a missão de se contrapor ao “Cansei”, a fim de preservar a imagem do presidente e de seu governo. Para tanto, lançaram o “Cansamos”, que, sem dúvida, soa melhor devido ao companheirismo sugerido pelo verbo no plural. Mas esta melhora não vai além do marketing político.

Aliás, a “qualidade” da propaganda petista tem evoluído à medida que sua identidade política se perde; já a direita, que parece não aprender, peca também pelo individualismo do nome-fantasia de sua articulação. As bandeiras do “Cansamos”, é verdade também, possuem um rótulo mais humanitário. Evocam, por exemplo, o “cansaço” em relação aos trabalhos escravo e infantil. Mas, contra isso, palavras não bastam e o governo Lula já mostrou de que lado da trincheira está ao dar aos usineiros – que praticam o trabalho, no mínimo, semi-escravo – o status de “heróis”. O pior cego é aquele que não quer ver e, contra fatos, não há argumentos.

Para romper esta falsa polarização que tem ocorrido desde as últimas eleições é que surgiu a idéia de um movimento independente, o “Enchi o saco”. Não há eufemismo que atenue as injustiças que permeiam o Brasil. A intenção é mostrar que estamos cansados, sim, e faz tempo. Um dos nossos objetivos é desmascarar o debate vazio que tomou conta da pauta de discussões políticas na sociedade. Este é um chamado para que aqueles que, há anos, resistem bravamente não sejam ludibriados por nenhum dos lados desse debate inócuo.

Enchemos o saco da corrupção do governo Lula, assim como já estávamos cheios da improbidade tucana. Enchemos o saco da política neoliberal – iniciada por Collor, aprofundada por FHC e continuada por Lula –, que há anos tenta diminuir o papel social de um Estado que deveria controlar efetivamente o setor aéreo, sem deixar que empresas privadas arriscassem vidas a fim de garantir lucros cada vez maiores. Enchemos o saco da elite e da classe média aspirante à elite, que ignoram a miséria que está presente na vida de grande parte da população.

Estamos cansados, é verdade, mas não a ponto de deixar de ocupar universidades, realizar greves e paralisações, ir às ruas em passeatas ou manifestações por um mundo mais justo. Continuar na luta em CAs, DCEs, partidos políticos de luta, sindicatos combativos, entre outros movimentos sociais, é o que é preciso ser feito. O resto é conversa mole.

Max Luiz Gimenes participa do núcleo Vila Prudente de militância do Psol.

Corações em greve



Maria Clara Lucchetti Bingemer


Neta de médico, cansei de ver meu avô ser chamado no meio da noite e sair com maletinha e estetoscópio para atender doentes, às vezes em lugares afastados e considerados não muito seguros. Paraibano de temperamento impetuoso, seu rosto e sua voz se transformavam quando em contato com os pacientes. Brincava, sorria, animava. Mais: seus sentidos entravam em contato direto com a corporeidade adoecida do outro.

Examinava com as mãos, os ouvidos, os olhos. Não havia para ele outra prioridade naquele momento do que a necessidade daquele doente específico que apelava à sua ciência.

A vida passou, meu avô morreu quando eu ainda era jovem e a vida me fez cruzar com vários médicos em meu caminho. Em quase todos encontrei a mesma disponibilidade, a mesma entrega, o mesmo amor pela profissão e pelos pacientes daquele paraibano que viera estudar medicina no Rio e se casara com uma carioca. E eu acreditei e dei fé que o juramento de Hipócrates que os médicos fazem quando se formam é mesmo para valer.

Ou melhor, acreditava nisso até tomar ciência, no último domingo, da morte de Elizangela Ferraz, jovem paraibana cardíaca, que necessitava de uma cirurgia urgente para ter esperança de viver. Acontece que os corações dos médicos paraibanos, todos conterrâneos de meu querido avô, não se encontravam disponíveis naquele momento. A categoria estava em greve, à espera de uma revisão da tabela do SUS.

A mãe e a irmã de Elizangela, desesperadas, tentavam de tudo e mais um pouco. Ofereceram-se, inclusive, para pagar o anestesista. A resposta era sempre implacável. “Estamos em greve. Há que ter paciência”. O coração combalido de Elizangela fazia esforços sobre-humanos para continuar batendo. E a greve seguia.

Domingo, o coração de Elizangela parou. Era uma morte anunciada. A lucidez dessa moça de 28 anos, que pressentia o que estava para lhe acontecer, a fez comentar poucos dias antes de morrer, em entrevista: “Não sei se estarei aqui amanhã. Estou dependendo dessa greve”. Com uma arritmia cardíaca, Elizangela morreu antes de chegar ao hospital.

Caros doutores, onde estamos? Que preço tem a vida humana? Onde está o juramento que fizeram ao terminar a faculdade? Como pode não haver um único cirurgião que se disponha a operar uma moça que tem problema cardíaco grave e cuja única chance de viver é a cirurgia que lhe negam em nome de uma greve?

Não digo que a greve não seja justa. A tabela do SUS está defasada há dez anos. A categoria tem razão em protestar e usar o único instrumento de que dispõe para pressionar o governo. Tomara que a greve ajude a reflexão sobre o que sucede no Brasil com as profissões mais nobres e importantes: a de professor e a de médico. Com seus salários aviltados a um ponto insuportável, esses profissionais acabam deixando a profissão ou acumulando um sem número de empregos e prejudicando a qualidade de sua inestimável contribuição para o bem comum.

No entanto, para tudo há limites. Não há reivindicação justa que valha mais do que uma vida humana. Um doente não tem paciência. Tem urgência. E o coração de Elizangela tinha urgência de ser reconstruído e reparado por uma cirurgia que a medicina podia lhe dar. Se assim tivesse sido, ainda bateria até agora. Desatendido, extinguiu-se.

Diante da dor dos familiares de Elizangela, além do silêncio respeitoso e compassivo, urgem atitudes claras e eficazes. Por onde anda a ética profissional e os princípios que defende? Por onde anda aquilo que me faz humano, que é principal e primeiramente a obrigação para com cada ser que comigo partilha a condição humana?

Que a fragilidade do coração de Elizangela, vencido pela arritmia, possa comover os corações dos médicos do serviço público e ajudá-los a nunca mais fazer greve quando se trata de salvar uma vida.


Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

O livro dos mortos e desaparecidos



Frei Betto


“Direito à Memória e à Verdade” registra o perfil dos mortos e desaparecidos sob a ditadura militar brasileira.

A obra resulta de cuidadoso trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, presidida pelo advogado Marco Antonio Rodrigues Barbosa. Editada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República, nesta gestão do ministro Paulo Vannuchi, é, com certeza, o mais importante documento histórico sobre os anos de chumbo, desde a publicação de “Brasil, Nunca Mais”, assinado por dom Paulo Evaristo Arns, hoje cardeal emérito de São Paulo, e o reverendo Jaime Wright.

O que faz a diferença é que “Direito à Memória e à Verdade” é um documento oficial do governo e, portanto, sinaliza importante passo no reconhecimento do arbítrio prevalecente no regime militar e na abertura dos arquivos daquele período.

Quis a sorte, resultante das oscilações conjunturais de nossa política, que o processo que culmina na publicação do livro tenha sido iniciado, em 1995, por Nelson Jobim, então ministro da Justiça do governo FHC. Hoje, Jobim é ministro da Defesa, autoridade máxima, à exceção do presidente da República, sobre as Forças Armadas que insistem em não abrir seus arquivos sobre a repressão.

Há que sublinhar o mérito do governo FHC, bem como do ex-ministro José Gregori, ao reconhecer a responsabilidade do governo brasileiro frente à questão dos mortos e desaparecidos, bem como o empenho na indenização às vítimas e suas famílias.

Nenhuma vítima da ditadura, por questão de bom senso humanitário, encara esta iniciativa do governo Lula pela ótica da vingança. Não se trata de vingança, e sim de justiça. Aprendi no cárcere que o ódio destrói primeiro quem odeia e não quem é odiado.

A nação, entretanto, tem o direito de resgatar a sua memória e corrigir aberrações jurídicas como a “anistia recíproca” do governo Figueiredo. Inútil querer impedir que as famílias pranteiem seus mortos e clamem por seus entes queridos desaparecidos. E, a exemplo do Chile e da Argentina, o princípio elementar do Direito exige que crimes, sobretudo aqueles cometidos em nome do Estado, sejam investigados e seus responsáveis punidos, para que a impunidade não prevaleça sobre a lei nem se perpetue como tributo histórico.

A memória brasileira tem sofrido tentativas de “apagão” quando os conjurados mineiros são qualificados de inconfidentes (que significa aqueles que não merecem confiança ou não são capazes de guardar confidências, leia-se dedos-duros) e em episódios históricos como a Guerra do Paraguai, o massacre de Canudos e tantas outras rebeliões que semearam a nossa independência e forjaram a nossa identidade. Não se pode admitir agora que um período trágico de nossa história como foi a ditadura militar fique relegado ao olvido com seus documentos tão desaparecidos quanto muitas de suas vítimas.

É meritório que o governo Lula tenha revogado o caráter de “sigilo eterno” de documentos oficiais, conforme havia sido determinado pelo governo FHC, ao estabelecer prazo de trinta anos, prorrogáveis por mais 30, para que a sociedade tenha acesso a eles. Espera-se que também esse longo período venha a ser revogado, para que interpretações falseadas e/ou equivocadas de nossa história não adquiram nos livros didáticos e na opinião pública status de verdade.

“Direito à Memória e à Verdade” soma-se ao crescente esforço de trazer à luz a realidade dos anos de chumbo. Aplausos para o cinema nacional que exibe nas telas o caráter deletério do regime militar em produções recentes: “Zuzu Angel”, “Hércules 51”, “Quando nossos pais saíram de férias”, “ Batismo de Sangue”, “Ato de Fé”, “Conspiração do Silêncio – Araguaia”, “Serra do Caparaó”, “Quase Dois Irmãos”, “Barra 68”, “Cabra-Cega” etc.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos - cujo empenho no combate à exploração sexual de crianças e na defesa dos direitos de indocumentados e portadores de deficiência física mereceria amplo espaço na publicidade oficial - ostenta agora o mérito de fazer jus à memória nacional.


Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.