terça-feira, 11 de setembro de 2007

Música - Carlos Poyares - Revendo Com a Flauta Os Bons Tempos do Chorinho - 1977 - Vinil

01. Choro Serenata
(Sivuca)
02. Variações Sobre o Urubu Malandro
(Onorino Lopes)
03. Fala Baixinho
(Pixinguinha)
04. Gingando
(Horondino Silva “Dino” / Waldiro Tramontano “Canhoto”)
05. Cinco Companheiros
(Pixinguinha)
06. Encabulado
(José Menezes / Luis Bittencourt)
07. Ingênuo
(Pixinguinha)
08. Flor Amorosa
(Catulo da Paixão Cearense / Joaquim Callado)
09. Entardecendo
(Sivuca)
10. Brejeiro
(Ernesto Nazareth)
11. Um Chorinho Diferente
(Gaúcho / Ivone Rebelo)
12. 3 Estrelinhas
(Anacleto de Medeiros)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Memorando Debray sobre a Palestina

A distância entre o que é dito (porque queremos ouvi-lo) e o que é feito (que nos repugna ver) pelos governos israelenses no local assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia

Régis Debray

Em outubro de 2006, o então presidente da República Francesa, Jacques Chirac, encarregou o intelectual Régis Debray de “conduzir uma pesquisa de campo sobre a situação das diversas comunidades etno-religiosas do Oriente Médio”, recomendando que fosse “dirigida a todos os setores, sem exceção”. Foi dentro desse quadro, entre outras observações recolhidas na região, que o autor remeteu às autoridades francesas, no dia 15 de janeiro de 2007, este memorando sobre a Palestina e os riscos implicados na utilização de expressões retóricas, empregadas dentro de certa linguagem internacional estereotipada, atualmente em vigor. Embora seja conveniente, como nos lembrou o autor, levar em conta as regras estritas do gênero “memorando diplomático” (concisão e circunspeção), este documento, corroborado em seguida por relatórios públicos e oficiais (Banco Mundial, ONU etc), é uma importante interpretação do longo desvio a cujos resultados trágicos estamos assistindo.

“O processo diplomático não levou devidamente em conta as evoluções no terreno e suas conseqüências — Que evolução? — Para começar, a colonização ” (Dennis Ross, ex-mediador americano no Oriente Médio, questionado, em 2000, a respeito do erro cometido durante os acordos de Camp David, de 1978)

De 1994 a 2000, o número de colonos judeus nos territórios palestinos havia efetivamente dobrado. Desde os acordos de Oslo, de 1993, o número de israelenses que se instalou na Cisjordânia iguala o dos 25 anos anteriores. No momento em que evocamos mais uma vez uma conferência internacional, seria nefasto refazer o inventário da situação anterior ou da realidade atual. É inútil nomear uma nova comissão. Esse levantamento já foi feito bem mais de uma vez. Nenhum conflito no mundo foi tão bem documentado, mapeado e arquivado.

O OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), subordinado à ONU, mantém em dia mapas evolutivos e precisos dos territórios em disputa, com fotos, recenseamentos, gráficos etc. Seu exame leva em torno de uma hora, mas permite economizar as eternas declarações de boas intenções. O que esses mapas mostram? Que as bases físicas, econômicas e humanas de um “Estado palestino viável” estão em vias de desaparecimento, de forma que a “two state solution", o “divórcio justo e imparcial” (Amoz Oz), o território partilhado entre duas nações, um menor que o outro, desmilitarizado, porém soberano, viável e contínuo, parecem palavras vazias, a conjugar no futuro do pretérito. Poderíamos contestar que se tenha chegado ao ponto de não-retorno, argumentando que, se os israelenses ganharam a batalha territorial (apenas 22% do território palestino na época do mandato britânico ainda foge ao seu controle), os palestinos ganharão a batalha demográfica. Poderíamos opor a impressionante “resiliência” das populações locais ao calmo rolo compressor que, avançando lentamente, executa o Plano Allon, de 1968, e o “Plano Rodoviário 50”, de 1984.

Nem por isso se deixa de deduzir, dos “avanços na região”, que: 1. a barreira de segurança não pretende, como se crê, traçar uma fronteira — talvez ilegal (uma vez que engloba mais de 10% da Cisjordânia), mas que serve, pelo menos, se pensava, como demarcação internacional pontilhada; 2. é bem verdade (como afirmou Ehud Omert na rádio do Exército Israelense, no dia 20 de março de 2006) que as fronteiras estratégicas de Israel se encontram no rio Jordão (o vale inteiro foi declarado “zona proibida”) — a conquista paulatina da zona intermediária já permite, em alguns lugares, o contato entre as duas margens;

3. as novas estradas ditas “de contorno leste-oeste”, que sacrificam o antigo eixo norte-sul, desenham claramente o mapa de um território em vias de anexação, admitindo três ou quatro bantustões árabes (Jenin, Ramallah e Jericó) — enclaves congestionados, com recursos naturais fadados ao esgotamento, o que, portanto, determina, a termo, um êxodo mais ou menos intenso (uma boa parte das elites, particularmente as cristãs, já se expatriaram); 4. com a construção do muro, a “judaização” em curso de Jerusalém Leste e, principalmente, a recomposição do município, as reiteradas condenações da ONU, puramente formais, não têm nenhuma incidência sobre a continuidade do processo de apoderamento do conjunto da cidade [1]. A distância entre o que é dito, porque queremos ouvi-lo (retiradas localizadas, flexibilização na outorga de licenças, levantamento de uma barreira a cada vinte, moderação do tom), e o que é feito no local, e que nos repugna ver (a estruturação das colônias, a construção de pontes e túneis, o cerco de territórios palestinos, as expropriações de terras, a destruição de casas), assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia. Como o velho “um dinam a mais, uma cabra a mais” ocorre longe das câmeras, sem repercussão e, melhor ainda, sem “diktat colonial” explícito, ninguém se ofende, supondo que chegue a se informar a respeito (o que é difícil, já que ninguém envelhece no local). “Judéia-Samaria” é o nome dado à Cisjordânia pelos mapas e manuais escolares israelenses, nos quais o desaparecimento da linha verde de 1967 é uma conquista legalizada, como acaba de decidir a Knesset (o parlamento israelense), recusando a proposta de uma ministra da educação trabalhista.

Mais do que um hiato episódico entre o de facto e o de jure, trata-se de um método e de uma tradição que remontam aos primeiros passos do Yichuv [2], a do fato consumado, e que sempre deram certo (o Estado estava lá antes de ser declarado e reconhecido como tal, em 1947, assim como o exército): um teatro de dois palcos, no qual um vê a repetição de palavras vagas, de uma imprecisão vantajosa (retirada, coexistência, Estado), mas onde as coisas sérias (implantações, estradas, túneis, lençóis aquáticos) acontecem paralelamente, no decisivo palco de operações a termo (sem publicidade).

Conhecendo as engrenagens da democracia de opinião, que precisa de esperanças e anúncios exultantes, como todos, aliás, os sucessivos governos israelenses (de esquerda e de direita) são zelosos em administrar-lhe sua dose trimestral de analgésicos (planos de retirada unilateral, desmantelamentos parciais, anúncios julgados “interessantes”, mas sempre condicionados e, portanto, sem continuidade). A mídia vive no dia-a-dia e não cultiva a memória. Quem se lembra que o “mapa do caminho” [3] estipulava “um acerto definitivo e global do conflito israelense-palestino até 2005”?

O ex-processo de Oslo, reconheçamos, não ficou apenas sem efeitos. Com a reocupação militar das zonas A e B [4] em abril de 2002, ele cumpre, digamos assim, suas proposições ao inverso.

Se acrescentarmos à fragmentação do território (que desconecta todo eventual comando central palestino de governos locais, e esses uns dos outros) a destruição física e metódica das instituições “nacionais”, da infra-estrutura e dos próprios quadros políticos pelo exército israelense (garantia de anarquia interna, de proliferação de gangues, de clãs e de acertos de contas, enfim, de um caos sem fim), constatamos claramente que o caminho percorrido não foi o da nation-building, mas o da desconstrução de toda governabilidade possível do outro lado do Muro. É o avesso lógico de uma anexação programada em médio prazo (30 anos) e que será confirmada no momento adequado “em vista da nova realidade local”.

Nestas condições, o recurso consensual, mas enfeitiçante, ao mapa do caminho (sinais promissores e janelas de oportunidades) parece pertencer mais ao domínio do método Coué do que à sábia preocupação com uma transformação constante e coerente das coisas. Esse mapa não é visível de Genebra, Paris ou Nova Iorque, mas se descortina a quem quer que retorne após alguns anos de ausência, rastreando um país militarmente quadriculado por todos os lados, no qual as “colônias” israelenses já não desenham formas sobre um fundo palestino, mas os grânulos palestinos, sim, constituem formas sobre um fundo hebreu solidamente estruturado; no qual as reservas de água são preemptivas; no qual nada separa a restrição temporária de circulação da proibição pura e simples.

Podemos, isto dito, nos reconfortar com a idéia de que: 1. Se a retirada das colônias foi possível em Gaza, poderá sê-lo amanhã na Cisjordânia. Significa esquecer que a retirada de 8 mil colonos aqui (com um jornalista para cada três colonos) veio acompanhada, nos meses seguintes, da instalação discreta de 20 mil colonos em outras áreas. Gaza não fazia parte da herança sagrada, ao passo que a “Judéia-Samaria” é sua espinha dorsal. E Sharon nunca escondeu que essa remoção marginal tinha como contrapartida o reforço da presença israelense para além da linha verde (438 mil colonos até agora, incluindo 192.910 em Jerusalém Oriental); 2. Com o desmantelamento de quatro pequenas colônias no norte (mil colonos) e a hipótese de um reagrupamento de colonos (60 mil) nos três blocos mais populosos — Maale Adumim, Ariel e Gush Etzion—, um espaço seria liberado. Seria esquecer que, com a continuação dos rosários de colonização, ao abrigo da barreira de segurança, a Cisjordânia está simplesmente dividida em duas. O Muro separa os palestinos uns dos outros, tanto quanto ou até mais do que os separa dos israelenses. No lugar do Estado palestino, anunciado e desejado por todos, perfila-se, em resumo, um território israelense ainda despercebido, com três municípios palestinos auto-regidos encravados.

Todas as partes têm interesse na manutenção das falsas aparências e fachadas internacionais [5]. Os israelenses, porque a história avança dissimulada. Os palestinos porque não se pode dizer a verdade a um povo ocupado, e que mantém a esperança, sem incitá-lo a se autodestruir; e porque personalidades, deputados e funcionários extraem, do que se tornou uma esperança estéril, sustento, titulação, dignidade e razão de ser. Os europeus, porque escolheram compensar sua conduta mediante uma ajuda financeira e humanitária considerável, que os exonera de sua passividade política e de sua cegueira voluntária. E os norte-americanos, mentalmente mais ligados ao Antigo Testamento do que ao Novo, porque seu laço existencial com Israel é do tipo filial e, portanto, acrítico. A ilusão autoprotetora e compartilhada resulta, assim, de uma coincidência de interesses opostos — aí é que está a ironia da história.

De imediato: essa situação é sustentável no longo prazo, digamos, até o final desse século? Pode-se duvidar, visto o tanto que sua obsessão securitária oculta de insegurança para Israel e de inconsciência das pesadas predisposições da região, particularmente demográfica, informática e religiosa [6]Um governo europeu, ou vários, não podia avisar aos nossos amigos israelenses: 1) que não somos todos idiotas; e 2) que, se há enganação, seus promotores não serão as primeiras vítimas, mas, infelizmente, as últimas?



[1] Nota da Redação: Ler Dominique Vidal e Philippe Rekacewicz, “A anexação de Jerusalém Oriental”, Le Monde Diplomatique - Brasil , fevereiro de 2007.

[2] Nota da Redação: Termo hebraico, utilizado pelo movimento sionista antes da criação do Estado de Israel, para designar os residentes e os novos imigrantes judeus da Palestina.

[3] Nota da Redação : O “mapa do caminho” foi adotado pelo “quarteto” (Organizações das Nações Unidas, Estados Unidos, União Européia e Federação Russa) no dia 30 de abril de 2003, como uma proposta para pôr fim ao conflito israelense-palestino.

[4] Os territórios palestinos compreendem a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (45 km de comprimento e 10 km de largura) e Jerusalém Oriental. No final dos acordos de Oslo, os territórios foram divididos em três zonas: Zona A: abrangendo, a partir de 1994, Gaza assim como as cidade de Jericó, Jenin, Qalqilya, Ramallah, Tulkarem, Nablus e Belém (a cidade de Hebron foi objeto de um acordo distinto, em janeiro de 1997) — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce jurisdição civil, incluindo o poder de polícia; Zona B: abrangendo as outras áreas da Cisjordânia — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce competências civis, compartilhando a promoção da segurança interna com o exército israelense; Zona C: abrangendo as colônias israelenses implantadas na Cisjordânia, em Gaza (hoje desmanteladas) e em Jerusalém Oriental. Esta continua sob o controle do Estado judeu.

[5] Nota da Redação : Ler Alain Gresh, “Comment le monde a enterré la Palestine”, Le Monde diplomatique, julho de 2007.

[6] Nota da Redação : Ler, em especial, o relatório entregue ao secretário geral da Organização das Nações Unidas, no dia 5 de maio de 2007, por Alvaro de Soto, coordenador especial da ONU pelo processo de paz no Próximo Oriente. Texto integral em inglês disponível no site

O Decodificador

Há violações da propriedade privada que não causam qualquer comoção social apesar de serem graves, por exemplo, os salários em atraso. No caso dos transgênicos, o tratamento do direito de propriedade apresenta contradições flagrantes.

Freqüentemente, um pequeno acontecimento revela aspectos da vida coletiva que, apesar de importantes, permanecem submersos na consciência dos cidadãos e na opinião pública. A destruição de um campo de milho transgênico no Algarve (Portugal) é um desses acontecimentos. Através dele revelaram-se entre outras, as questões da legitimidade das lutas sociais, da propriedade privada, da influência dos interesses econômicos nas legislações nacionais, do papel do Estado nos conflitos sociais, da construção social da periculosidade de certos grupos sociais e da possível nocividade dos organismos geneticamente modificados (OGMs) para a saúde pública.

As lutas sociais são frequentemente compostas de acções legais e ilegais. Os atos fundacionais das democracias modernas foram, quase sem exceção, ilegais: greves e manifestações proibidas, lutas clandestinas, insurreições militares (como o 25 de Abril), atos que hoje consideramos terroristas (como os do "terrorista" Nelson Mandela). Em certos contextos, os ativistas podem escolher entre meios legais e ilegais (como no caso em questão), noutros, não têm outra opção que não a da ilegalidade.

A propriedade privada é um alvo difícil porque as concepções sociais a seu respeito são muito contraditórias e evoluem historicamente. Os primeiros impostos sobre o capital industrial não foram considerados pelos empresários como uma violação do direito de propriedade?

Enquanto, por um lado, a polinização cruzada faz com que culturas convencionais venham a ser contaminadas pelos OGMs, o que, sendo uma violação do direito de propriedade, não levanta nenhum clamor. Por outro lado, um agricultor canadense, vítima de polinização cruzada, foi obrigado a pagar uma indemnização à Monsanto, empresa de sementes, por ter violado o direito de propriedade desta (a patente) ao usar sementes que tinham sido contaminadas contra a sua vontade.

Estas contradições decorrem do fortíssimo lobby das grandes empresas de sementes, cinco ou seis a nível mundial, na legislação e nas políticas nacionais. Só essa pressão explica: que Portugal - durante um tempo visto como refúgio da agricultura biológica e orgânica da Europa – seja hoje um dos seis países a aceitar os transgênicos; que a legislação portuguesa seja tão enviesada a favor dos OGMs que quase parece ter sido redigida pelos advogados das empresas; que o ministro da triste figura faça, de um campo de milho, um campo de batalha a exigir imediata ajuda humanitária; que os técnicos do Estado apaguem, como ciência, os press releases da Monsanto e escamoteiem a questão principal: se os OGMs fazem mal às borboletas e outros animais inferiores porque não accionar o princípio da precaução?

Este lobby encontra no caldo de cultura conservador da opinião pública o contexto ideal para estigmatizar a oposição aos seus interesses. E assim os ativistas são transformados em "ecofascistas" ou "terroristas light".

PS: dedico esta coluna ao Eduardo Prado Coelho

* Publicado originalmente na revista Visão em 30 de Agosto de 2007


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

domingo, 9 de setembro de 2007

Até breve, mestre!!!!

Luciano Pavarotti

Luciano Pavarotti nasceu em Módena, na Itália, em outubro de 1935 era filho de padeiro e de uma operária de tecelagem de Módena. Torcedor fanático do Juventus, chegou, por um tempo, a pensar na carreira de jogador profissional; mas acabou optando pela de professor, e chegou a obter o diploma elementar. Cantava juntamente com Fernando Pavarotti, o seu pai, no coral Gioachino Rossini, de sua cidade, com o qual viajou para o País de Gales, onde ganharam o primeiro prêmio do Concurso Internacional de Corais de Llangollen. Entusiasmado com esse resultado, Luciano começou, ao voltar para casa, a estudar canto com Arrigo Pola.

Sua estréia se deu em abril de 1961 na ópera popular "La Bohème", de Puccini, no teatro de ópera de Reggio Emilia. Esse sucesso levou a convites para apresentar-se em toda a Itália e várias partes do mundo. Ele conquistou o público de Amsterdã, Viena, Zurique e Londres. Sua grande chance aconteceu em Londres, graças a outro grande tenor lírico italiano, Giuseppe di Stefano, que precisou faltar a uma apresentação de "La Bohème" em 1963. Sua estréia nos EUA aconteceu em fevereiro de 1965 numa produção feita em Miami de uma ópera de Gaetano Donizetti, "Lucia di Lammermoor", com Joan Sutherland. Foi o início de uma parceria que se tornaria histórica.Em 1972, numa apresentação de "La Fille du Regiment", de Donizetti, Pavarotti cantou uma ária contendo nove dós altos, sem nenhum esforço. O público explodiu numa ovação frenética, e a fama do jovem tenor espalhou-se para além dos limites da ópera e da música erudita. Em 1990 Pavarotti uniu-se aos tenores espanhóis Plácido Domingo e José Carreras na Copa do Mundo de Futebol, apresentando clássicos da ópera a milhões de torcedores de futebol em todo o mundo. As vendas de álbuns de ópera cresceram vertiginosamente depois de um concerto de gala nas Termas de Caracalla, em Roma, ter sido transmitido para 800 milhões de pessoas, e trechos de "Nessun Dorma", da ópera "Turandot", de Puccini, passaram a ser uma parte tão integral da futebolmania quanto são os cantos geralmente mais barulhentos.

A ascensão para o estrelato vinha acompanhada de um cortejo de problemas: as exigências cada vez maiores, como a de transportar para a China toda a cozinha de seu restaurante predileto. Em 1989, tinha causado grandes repercussões a decisão de Ardis Krainik, diretor do Lyric Opera de Chicago, de romper com ele um contrato que se estendera por 15 anos porque, nos oito últimos desses anos, Pavarotti cancelara 26 das 41 apresentações previstas. Ao lado disso, o cantor envolveu-se em inúmeras causas beneficentes e humanitárias. Criou a Pavarotti International Voice Competition, destinada a revelar cantores jovens, na década de 80. As séries de shows intitulados Pavarotti And Friends, reunindo intérpretes clássicos e populares, levantaram fundos para ajudar refugiados e crianças carentes na Bósnia e na Guatemala, em Kossovo e no Iraque. Amigo da princesa Diana, uniu seus esforços aos dela na campanha para a eliminação das minas de solo. E recusou-se a cantar no serviço fúnebre da princesa, em Westminster, pois "não conseguiria fazê-lo com um nó na garganta". Ter-se tornado, em dezembro de 1998, o primeiro (e único) cantor de ópera a se apresentar no programa Saturday Night Live, da televisão americana, ao lado da cantora pop Vanessa Williams, projetou de forma astronômica o prestígio do artista que, naquele mesmo ano, recebera o Grammy Legend Award, raríssimas vezes concedido.

Ao mesmo tempo em que a fama de Pavarotti nos palcos foi diminuindo quando ele chegou à casa dos 60 anos, ele renovou sua vida pessoal, deixando a esposa com quem esteve casado por 37 anos para casar-se com uma assistente 34 anos mais jovem que ele e ainda com menos idade que suas três filhas. O tenor de barba negra casou-se com Nicoletta Mantovani após um divórcio marcado por desavenças. Um timbre privilegiado, com grande riqueza de coloridos - a sua mais notável qualidade, ele a recebeu como uma dádiva da natureza: nasceu tenor. Ao contrário de cantores como Carlos Bergonzi ou Plácido Domingo, que iniciaram a carreira como barítonos e, depois, reiniciaram os estudos para colocar a voz no registro mais agudo, Luciano Pavarotti era um tenor natural. Dotado, além disso, da mais preciosa das características: um timbre absolutamente inconfundível, que permitia à sua legião de admiradores reconhecê-lo, bastando, para isso, ouvi-lo cantar dois ou três compassos.

O maior tenor de todos os tempos esteve no Brasil várias vezes. A primeira foi em 1979, no Teatro Municipal do Rio, quando foi ovacionado pelo público logo após interpretar Una furtiva lagrima, de Donizetti, Partir c'est mourrir Un peu, de Tosti, e E lucevan le estelle, de Puccini. Dias depois da apresentação no Rio, ele cantou para um público composto em grande parte por jovens no Anhembi, em São Paulo. Ao final, gritos de "Bravo" ecoavam no complexo.
Doze anos depois, em dezembro de 1991, o tenor italiano voltou à capital paulista para mais uma apresentação de sucesso. Mas o que realmente marcou sua segunda passagem por São Paulo foi o tratamento dispensado pelo hotel onde ficou hospedado, o Cà D'Oro. O tenor recebeu tratamento digno de reis, como guardanapos "suaves", toalhas e toucas de banho extras, ingredientes finos para a cozinha (o tenor adorava comer e cozinhar a própria comida), além de um piano afinado e um afinador de plantão. Sua excentricidade marcou também o menu do restaurante do hotel. Atendido e servido, o tenor não deixou que o garçom colocasse queijo ralado. Apanhando um saquinho pendurado à cintura, disse: "Scusa, il formaggio è mio." E com a mão aspergiu o queijo por cima do penne com peperoncino. O prato, então, foi batizado de penne à Pavarotti.

Os problemas de saúde se sucederam muito rapidamente. Uma cirurgia nas vértebras do pescoço, em março de 2005, prejudicou os planos para a turnê de despedida anunciada no ano anterior. A infecção hospitalar que se seguiu a uma operação da coluna, em janeiro de 2006, forçou o cancelamento de vários concertos. O câncer no pâncreas foi diagnosticado em junho de 2006. Pavarotti emagreceu 30 quilos desde então e usava uma cadeira de rodas para se locomover.

Nessun dorma
Nessun dorma! Nessun dorma!
Tu pure, o, Principessa,
nella tua fredda stanza,
guardi le stelle
che tremano d'amoree di speranza.
Ma il mio mistero e chiuso in me,
il nome mio nessun saprá!
No, no, sulla tua bocca lo diró
quando la luce splenderá!
Ed il mio bacio sciogliera il silenzio
che ti fa mia!
(Il nome suo nessun saprá!...e noi dovrem, ahimé, morir!)
Dilegua, o notte!Tramontate, stelle!
Tramontate, stelle!
All'alba vinceró!
vinceró, vinceró!

Ninguém durma! ninguém durma!
Tu também, ó princesa,
na tua fria alcova olhas as
Estrelas que tremulam de amor e de esperança!
Mas o meu mistério está fechado comigo,
O meu nome ninguém saberá!
Não, não, sobre a tua boca o direi,
Quando a luz resplandescer!
E o meu beijo destruirá o silêncio que te faz minha!
O seu nome ninguém saberá ...
E nós deveremos, ai de nós, morrer!
Morrer!
Desvaneça, ó noite!
Desapareçam, estrelas!
Desapareçam, estrelas!
Pela manhã vencerei!
Vencerei! vencerei!
Giácomo Puccini

A estabilidade mata a paixão?


A expressão estabilidade está associada à idéia de permanência em um determinado estado por um determinado ente. Explicar o amor não é tarefa fácil, porque nós o definimos por sua manifestação e cada pessoa expressa de maneira diferente. Mas na tentativa de conceituá-lo, os estudiosos estão inclinados a concordar com Robert Heinhein: "amor é a condição na qual a felicidade de outra pessoa é essencial para a sua própria felicidade". Mas na verdade o que se quer, é que o amor aconteça e permaneça pronto por toda a vida, de maneira incondicional e eterna – como nos contos de fadas. Deseja-se que o ser amado seja capaz de realizar todos os nosso desejos e que seja o nosso porto seguro para onde possamos fugir do mundo. Acredita-se que o amor seja capaz de tudo transformar pelo próprio poder. Este é o amor romântico
...O amor e a paixão são sentimentos que podem ser negligenciados, pois não tem o selo da garantia eterna. Quando trocamos paixão por estabilidade não estamos simplesmente trocando uma fantasia por outra?
...Desejamos nas relações constância, trabalhamos para tê-la, mas ela nunca está garantida. Quando amamos, nos relacionamos e sempre estaremos correndo o risco da perda, independente do esforço que se faça.
...Entendo que a diminuição da paixão está mais relacionada com os limites da familiaridade, da intimidade, do peso da realidade e da rotina do que com o medo. Afinal de contas amor e sexo e amor e desejo, nem sempre andam juntos.
...O medo da perda faz com que busquemos o familiar, a rotina, a segurança do aconchego da estabilidade, do sexo confortável, dos aspectos cotidianos da vida que nos mantêm amarrados à realidade e seguros.
...Por maior que seja o amor afetivo entre os casais é necessário que haja instinto, impulso natural para que o prazer sexual aconteça. A sensualidade adormecida pelo excesso de preocupação, atividades, ressentimentos, mágoas e lembranças não favorece o aparecimento de fantasias e desejos e isso leva o casal a entender que o amor acabou ou que existe alguma disfunção erétil ou de frigidez, restando apenas ao casal as cansativas atividades diárias e cotidianas com a casa, os filhos, despesas e contas ...
...E esquecemos que o erotismo gosta do imprevisível. O desejo entra em conflito com o hábito e a repetição! Então o que fazer? Como reacender ou mesmo manter a chama? Quebrar a rotina, surpreender, realizar fantasias, permitir-se ao novo!
...Fantasiar sobre sexo nada mais é do que um recurso natural para alcançar o prazer sexual combinando, corpo, mente e sentimentos.

Kátia Horpaczky - Psicóloga Clinica
Copiado de:AmigosDoFreud

Protestos contra Bush na Austrália

Anunciam grande marcha para o sábado. Dispersam forças especiais para vigiar a cúpula da APEC

CAMBERRA, Austrália. — Os protestos pela presença de George W. Bush na Austrália continuam tendo lugar em Sidney, e crescerão ainda mais na medida em que se aproximar a data de realização do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), a se efetuar nessa cidade, no fim de semana próximo.


Pelo segundo dia consecutivo, os australianos marcharam em Sidney contra Bush (AP)

A organização ecologista Geeenpeace marchou na quarta-feira, 5 de setembro, e colocou gigantescas estátuas de gelo de Bush e John Howard, primeiro-ministro australiano, com o objetivo de que se derretam como protesto pelo descaso da Austrália e dos Estados Unidos no tema do aquecimento global, informou a AFP.

Os ecologistas criticam a utilização excessiva por parte dos países industrializados de energias fósseis, enquanto Sidney e Washington se recusam a ratificar o Protocolo de Kyoto sobre a redução de gases que provocam o efeito estufa.

Além disso, vai se fazer outro protesto na sexta-feira, dia 7, que reunirá cerca de 2 mil pessoas num parque de Sidney, perto de onde se reunirão os dirigentes da APEC para dizerem verdadeiramente a Bush o que pensam de sua visita.

O ponto culminante das demonstrações de repúdio unânime, pela presença do chefe da Casa Branca em território australiano, será uma grande marcha no sábado, dia 8, da qual participarão dezenas de milhares de pessoas.

Fonte:Granma

sábado, 8 de setembro de 2007

O mundo refém das finanças

Por que o estouro da bolha imobiliária dos EUA é uma ameaça à economia internacional. Quais as novas formas de especulação nos mercados financeiros, e de que modo elas podem propagar a crise. Como os grandes bancos e fundos de investimento transferem a conta de sua irresponsabilidade para os Estados e sociedades

Frédéric Lordon

Há dois séculos, Hegel deplorava a incapacidade crônica dos Estados de aprender com as experiências da história. Os governos não são os únicos poderes incapazes de aprender. O capital – notadamente o financeiro – também parece condenado à perseverança no erro, à aberração recorrente e ao eterno retorno da crise financeira. Apesar de envolver novos “produtos”, a atual crise dos mercados de crédito permite entrever, uma vez mais, os ingredientes quimicamente puros do desastre. Também oferece, a quem quiser enxergar, uma oportunidade a mais para refletir sobre as “vantagens” da liberalização dos mercados de capitais.

É que a crença financeira não se dissipa com facilidade. Logo ela, que se vangloria de ser a encarnação do princípio de realidade, que submete as empresas à “validação dos fatos”, segundo os critérios do “reporting” (prestação de contas trimestral) e do “track record” (histórico de desempenho), mantém-se ignorante do que a história recente — sua própria história — lhe entrega de bandeja. É que o “track record” da liberalização financeira não tem boa reputação. Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de três anos seguidos sem um incidente de envergadura. Quase todos poderiam figurar nos livros de história econômica: 1987, quebra dos mercados de ações; 1990, quebra dos “junk bonds” (“títulos podres”) e crise das “savings and loans” (instituições financeiras de poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-americanos; 1997, primeira fase da crise financeira internacional (Tailândia, Coréia, Hong Kong); 1998, segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-2003, estouro da bolha da Internet.

E aqui estamos nós, em 2007. Leitura dos devotos: “A globalização é auspiciosa, mas dolorosa” [1]. No Le Monde, Pierre-Antoine Delhommais deleita-se com a resistência da besta diante de tantos choques de vulto — que parecem prestes a matá-la, apenas para vê-la reerguer-se caminhar com ânimo renovado. Omite-se quanto custou, aos assalariados, pagar a conta da embriaguez financeira em cada ocasião. Invariavelmente, o solavando dos mercados atinge os bancos, e portanto o crédito; em seguida, os investimentos, o crescimento e o emprego.

Seria necessário quem sabe, que o jornal fosse adquirido por um fundo de investimentos um pouco impiedoso para que, ao viver a experiência concreta do “downsizing” (“enxugamento”), o jornalista se visse mais impelido a calcular o número de empregos destruídos em função das práticas do mundo financeiro e de suas crises.

A crise dos mercados de crédito que castiga a economia norte-americana oferece uma visão quase ideal das relações fatais da especulação desenfreada. Como em uma parada, desfilam novamente as toxinas gerais do mundo financeiro, sempre as mesmas e numa ordem absolutamente idêntica: 1. as tendências “Ponzi” da especulação; 2. a lassidão das avaliações de riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3. a vulnerabilidade estrutural a uma pequena mudança de ambiente e o efeito catalizador de um enfraquecimento pontual do sistema, que precipita a reviravolta; 4. a revisão instantânea das estimativas; 5. o contágio de outros setores do mercado; 6. o choque dos bancos excessivamente expostos; 7. a ameaça de um acidente sistêmico, ou seja, de um colapso global, seguido de uma recessão generalizada por estrangulamento do crédito e um pedido de socorro aos bancos centrais feito por todos os fanáticos da livre iniciativa privada.

1. AS TENDÊNCIAS “PONZI” DOS MERCADOS

Como "pirâmides da felicidade", as bolhas especulativas apóiam-se numa hipótese impossível: a de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para sustentar os ganhos dos que chegaram antes

Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky evidenciou os encadeamentos da economia de mercado, resumidos por ele na eloqüente expressão “cegueira ao desastre” [2]. Minsky dedicou particular atenção aos distúrbios provocados por Charles Ponzi, especulador dos anos 20, que iludiou pessoas ingênuas, seduzidas por promessas de rendimentos extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção infinita do fluxo de novos clientes.

Próximas à fraude, todas as bolhas especulativas baseiam-se num mecanismo bastante semelhante. Elas requerem uma entrada constante de investimentos, para manter o mercado em alta e a ilusão de que, assim, todo mundo ganha. O segredo da bolha é a adesão especulativa. Investimentos de alta rentabilidade atraem aplicadores cada vez mais comuns — portanto, cada vez menos esclarecidos, porém mais numerosos.

Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se prolongasse, se possível ad aeternum, era necessário que grupos cada vez mais significativos de famílias fossem levados a procurar o mercado de empréstimos hipotecários. Com a ajuda do sonho norte-americano de ser proprietário, não foi difícil convencê-los no início. Escaldados pela queda das ações no estouro da bolha da internet, eles estavam à procura de outras formas de investimento. Mas o contingente de tomadores de empréstimo “saudáveis” esgotou-se rapidamente. Como o mercado precisava imperativamente ser sustentado, as instituições financeiras foram à procura de novos clientes. Os rios de dinheiro emprestados levaram os preços dos imóveis às alturas.

Mesmo que não seja possível manter o pagamento da dívida, famílias e emprestadores julgam que o imóvel poderá ser vendido com valorização para uns e comissão para outros. A crença no crescimento incessante do mercado leva a aprovar qualquer empréstimo. As torneiras do crédito são abertas por completo, e a alta especulativa parece dar razão a todos. Surge a categoria das hipotecas de segunda linha (subprime mortgages) — cujos beneficiários têm capacidade de pagamento mais que duvidosa. Como a euforia está no auge, todos os limites podem ser ultrapassados. Criam-se figuras como os empréstimos “Ninja”: “No Income, No Job or Asset”, ou seja concedidos a clientes, “sem renda, sem emprego ou sem ativo (a ser dado como garantia)” — e o champanhe de brinde, talvez.

2. LASSIDÃO NAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

Fantástico milagre da securitização: em teoria, qualquer empréstimo pode ser fatiado em infinitos pedaços, para que os riscos de inadimplência sejam pulverizados até se tornarem irrisórios

Mas o mercado financeiro, que costuma se dizer especialista em controle de riscos tem alternativas. Ele não peca jamais por falta de criatividade. A grande mágica? Os “produtos derivados”. O problema de um crédito, ainda mais quando de risco, é que ele continua nos livros contábeis de quem o concedeu até sua liquidação — seja ela boa ou ruim. O grande achado, que remonta ao início dos anos 90, consiste em “fundir” um certo número de créditos para, com lastro neles, emitir títulos negociáveis. A grande vantagem dessa operação, adequadamente chamada de “securitização”, é o fato de que os títulos assim “fabricados” podem ser vendidos nos mercados em pequenos lotes a múltiplos investidores (institucionais). E eis que, então, os créditos duvidosos saem do balanço do banco. Compreende-se agora que ele os conceda com tanta facilidade: pode livrar-se deles assim que forem securitizados!

Por que os investidores querem comprar aquilo de que o banco quer se livrar? Para começar, porque adquirem os títulos em pequenas quantidades e, sobretudo, porque esses papéis são negociáveis, ou seja, podem ser novamente vendidos. Além disso, a linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes fatias de risco homogêneas. Conforme seu próprio perfil, cada investidor institucional garimpará na fatia que lhe convém, sabendo que sempre encontrará algo — especialmente os “hedge funds” [3]. Mesmo as fatias de alto risco são atraentes, por oferecerem maior retorno... enquanto tudo vai bem.

Evidentemente, a instituição que fez o empréstimo inicial transfere todos os direitos (juros e amortizações) e riscos (de inadimplência) aos portadores desses títulos, chamados de RMBS (“Residential Mortgage Backed Securities”, ou seja, títulos amparados em créditos imobiliários). Porém, esses portadores são tantos — e mudam tanto — que daí decorre uma extraordinária dispersão do risco global. Antes, o banco enfrentava sozinho a inadimplência relativa a um de seus empréstimos. Agora não somente está totalmente desembaraçado como também as conseqüências do não-pagamento estão pulverizadas entre uma miríade de investidores. Cada um assume uma parte mínima do risco, diluída no conjunto de sua própria carteira.
Riscos diluídos… ou subestimados?

Mas então, por que o alarme se, com o milagre da securitização, o mercado financeiro resolveu a quadratura do círculo? Ocorre que as piores fatias de uma dívida recebem um tratamento especial, para serem mais facilmente escoadas. Alguns investidores re-fatiarão os próprios RMBS que adquiriram. Emitirão um novo tipo de títulos negociáveis, os CDO (Collateralised Debt Obligations). Títulos derivados de títulos, os CDOs podem ser de três tipos, correspondentes ao risco de inadimplência da fatia da dívida a que se referem. A fatia superior, chamada de “investment grade”, torna seus portadores imunes aos primeiros 20% ou 30% de inadimplência sobre os créditos imobiliários iniciais. Segue-se uma fatia intermediária, chamada de “mezzanino”, e finalmente uma mais baixa, que sofrerá o choque das primeiras insolvências.

Dá-se o nome pudico de “equity” a essa fatia, mas a linguagem dos mercados diz as coisas mais na lata: “toxic waste”, ou seja, “resíduos tóxicos”. Esses produtos elevam o risco ao quadrado, pois representam a fatia de maior risco dos CDOs, derivada da fatia mais arriscada dos RMBSs, retirados da carteira inicial de créditos. Mas, enquanto o mercado imobiliário seguir em alta e as famílias continuarem pagando as dívidas, sempre haverá quem compre os papéis. Como a toxicidade ainda não está materializada, o que aparece são as remunerações espetaculares.

Um dos segredos do desempenho dos “hedge funds” é levantar fundos a taxas mais baixas e investir em títulos de alto risco, que remuneram proporcionalmente — ou seja, muito. As margens são enormes, os “resíduos tóxicos” são vistos como minas de ouro e os golden boys fazem a festa. Os lucros faraônicos mascaram os riscos objetivos, que ninguém quer enxergar para que a ciranda gire o maior tempo possível.

3. DA VULNERABILIDADE ESTRUTURAL À INSOLVÊNCIA

A construção cresce como um enorme castelo de cartas. Em certo ponto, qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o edifício

A dispersão dos riscos por meio das operações de securitização em cadeia acabou levando a crer que eles não mais existiam. É uma ilusão. Ainda mais porque essa doce embriaguez logicamente induziu a comportamentos cada vez mais aventureiros. Já que estou me desfazendo dos meus créditos, mesmo dos piores, diz a si mesmo o financiador imobiliário, então o negócio é ir cada vez mais fundo nos empréstimos. E já que o mercado está com liquidez, diz a si mesmo, na outra ponta, o “hedge fund”, por que não comprar os CDO mais podres, que são os mais lucrativos? Os riscos certamente foram diluídos, mas a própria diluição engendrou um crescimento totalmente descontrolado de seu volume global e a situação caminha suavemente para as zonas críticas.

A fragilidade estrutural do edifício agora é tal que ele se torna vulnerável a modificações do ambiente a priori insignificantes. A elevação de 0,25% na taxa de juros pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve, FED) aparentemente não é nada. Exceto pelo fato de que, na outra ponta da curva de riscos, o crédito imobiliário de Mrs. Brimmage passou dos 6,3%, em 2005, para 11,25%, e suas parcelas mensais subiram de 414 para 691 dólares [4]. Razão mais que suficiente para ela deixar de pagar. Como ela, 14% dos tomadores de empréstimo subprime entraram em inadimplência no primeiro trimestre de 2007.

Falando em termos modestos, as altas da taxa de juros do FED têm um duplo efeito de corte. De um lado, há menos gente entrando no mercado imobiliário e os preços começam a baixar. De outro, aqueles que estão nele vêem as parcelas de suas dívidas se tornarem insuportáveis. A própria possibilidade de "sair" do sistema fica comprometida. A eventual venda da propriedade, para tentar saldar a dívida, se fará por um preço inferior ao previsto. E a multiplicação das vendas acentua a pressão de baixa generalizada dos preços dos imóveis.

Como sempre ocorre nas crises financeiras, uma instituição financeira tem uma grande perda e o abalo provocado por seu colapso dá o sinal da grande virada. Nesse caso, duas falências — nas duas pontas da corrente — vieram colocar um ponto final na embriaguez dos mercados. Primeiro, foi o banco de investimentos Bear Stearns, que teve de fechar dois de seus fundos "dinâmicos", ou muito lucrativos. Mas também o American Home Mortgage (AHM), agente imobiliário, teve de se colocar claramente sob a proteção do capítulo 11 da lei de falências norte-americana [5]. Esse fato é mais inquietante que o anterior. O AHM não está especialmente comprometido no compartimento dos empréstimos “subprime”. Será sinal de que as inadimplências estão se generalizando? Haverá outras instituições em dificuldades?

4. A REVISÃO IMEDIATA DAS AVALIAÇÕES DE RISCOS

A crise está provavelmente no começo. A queda do preço dos imóveis provocará uma onda de inadimplência que pode atingir os poderosos "hedge funds"

Desta vez, houve uma leve brisa de pânico. Os “toxic wastes” já cheiram bem mal e as pessoas começam a dizer que os CDOs antes tidos como mais seguros talvez estejam bastante contaminados. Mas como se pôde chegar a erros de avaliação tão monumentais? Com certeza, a complexidade objetiva da avaliação dos produtos derivados não tem nada a ver com isso. Com certeza, as agências de avaliação de risco (rating) avaliam essas fatias de CDO e RMBS às centenas. Entretanto, elas são, num certo sentido, impotentes. Seu próprio faturamento provém das instituições financeiras, que emitiram incessantemente títulos a serem avaliados — 40% do rendimento de 2006 da Moody’s foi conseguido com avaliações de produtos estruturados. Para que haja novos produtos a analisar, sem dúvida é preferível que os antigos sejam declarados saudáveis.

As agências de rating nunca souberam ser independentes dos entusiasmos do mercado que deveriam moderar. Na maior parte do tempo, lhe serviram de coro. Quem está próximo ao meio financeiro e vive às suas custas, tem dificuldade se mostrar independente, num momento em que todo mundo está enchendo os bolsos. Catastroficamente pró-cíclicas quando deveriam ser contra-cíclicas, as agências mantêm-se alheias durante a alta. Quando a reviravolta acontece, lançam-se, apavoradas, a fazer à revisão das avaliações anteriores, contribuindo para transformar o sobressalto em colapso.

E a crise provavelmente está apenas no começo. As falências imobiliárias que estão por vir caminham lado a lado com as teasing rates, as taxas muito atraentes que os corretores usam para seduzir os clientes. Nos últimos anos, uma das modalidades mais praticadas ficou conhecida como “2 + 28”. Nos dois primeiros anos, uma taxa de juros simpática. Nos 28 seguintes, a taxa plena, que causa problemas. Portanto, ainda não irrompeu a inadimplência relativa às vendas em 2006, e quase nada da de 2005 — as mais fortes da bolha imobiliária. Sem dúvida serão notáveis. Trarão grandes prejuízos aos “hedge funds”, empanturrados de seus produtos derivados.

E com a globalização das finanças e a estupidez financeira, nada disso se detém nas fronteiras norte-americanas. É nos EUA que o mercado hipotecário delira, mas a securitização daí derivada se oferece a todos os fundos especulativos do planeta. Os alemães, durante muito tempo considerados mornos e tediosos, agarrados a seus melancólicos bancos de varejo, decidiram, na virada do século, tornar-se “modernos” e se voltar mais decididamente para as atividades de mercado. Resultado: depois do grande susto de 1998 (risco russo) e das surras da bolha de internet (2001), eis que um banco, o IKB, encontra-se à beira da falência por causa da superexposição aos papéis subprime…

5. SUSPEITAS POR CONTÁGIO

Num dominó típico das crises financeiras, a descoberta de riscos num setor da economia desperta dúvidas sobre outros. Ninguém confia na solidez de atividades contaminadas pela especulação

Agora, tudo se encadeia de um canto a outro do globo e dos mercados. O frágil equilíbrio dos produtos derivados resistia enquanto ninguém o provocava — ou seja, enquanto todos fingiam acreditar que o mercado tinha liquidez. Mas assim que um dos atores sofre perdas exageradas e considera a hipótese de sair do sistema, vendendo seus CDO, o medo latente se cristaliza e todos os compradores desaparecem. Com a liquidez evaporada, os papéis, formalmente negociáveis, praticamente deixam de sê-lo. Torna-se quase impossível avaliá-los, já que seu preço pode virtualmente cair a zero.

Engraçado — até a hora em que se começa a chorar —, o comunicado do BNP-Paribas, que, em 9 de agosto, fechou três de seus fundos (também eles “dinâmicos”): “O desaparecimento em certos segmentos do mercado da securitização nos Estados Unidos conduz a uma ausência de preço de referência e a uma falta de liquidez quase total dos ativos dos fundos, não importa qual seja a sua qualidade ou classificação” [6]. Tudo isso não havia impedido que Baudoin Prot, controlador do banco, afirmasse categoricamente, uma semana antes, que a liquidez dos três fundos estava assegurada. Significa, sobretudo, que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos produtos de maior risco e contamina as fatias consideradas mais seguras.

Nesse seara tão fértil, o contágio não vai parar. Além de atingir todas as classes de risco dos RMBS e seus derivados, ele também se estende a outras partes do mercado que nada têm a ver com crédito imobiliário — exceto o fato de terem também caído na orgia dos créditos indiscriminados. É exatamente o caso do setor de private equity, esses fundos de investimento, vedetes das finanças nos últimos anos, que recompram integralmente empresas tidas como promissoras, fazem-nas sair da bolsa, reestruturam-nas no tranco para revendê-las, dois a quatro anos mais tarde, com forte valorização.

Tais fundos comprometem muito pouco dos seus capitais próprios. Mergulham fundo em dívidas, cujo serviço, aliás, transferem à empresa recomprada. A rentabilidade que resulta é excepcional. Atingiu tais níveis que os bancos literalmente se precipitaram para financiar tais operações. Num estado de quase mistificação, e persuadidos de que se ganha de todos os lados, concederam a esses fundos condições de empréstimo surpreendentes. É o caso dos chamados empréstimos covenant-lite, ou seja, livres de todas as cláusulas relativas a coeficientes financeiros elementares a que são normalmente submetidos os tomadores de empréstimo — “aconteça o que acontecer, nós estamos do seu lado".

Melhor ainda são os chamados empréstimos PIK (Payment In Kind – pagamento em espécie) ou ainda IOU (I Owe You), cujos juros e principal são reembolsados não em dinheiro, mas em adicional de dívida acrescentado à dívida inicial. Os encargos de crédito orientados para os fundos de private equity atingiram volumes astronômicos. Ora, as operações desse tipo são particularmente vulneráveis no momento de desatá-las, já que se trata de revender ativos notoriamente sem liquidez: não blocos de ações, mas empresas inteiras. Ao primeiro acidente que ocorra em meio a essa operação — revenda impossível, adiada ou com desvalorização — será a vez de todo o setor viver seu momento dramático.

As recentes operações para captação de recursos financeiros acontecem de forma bastante trabalhosa, se comparadas com a facilidade exuberante dos meses anteriores. É que os bancos, antes cúmplices lassivos, tornam-se subitamente reticentes. Por um efeito de amálgama, típico das crises financeiras, a súbita revelação dos riscos em um setor suscita questionamentos paralelos em outros, onde a euforia quase produziu o mesmo estrago. Em 1994, os insucessos do México induziram a dúvida em relação à Tailândia, por um puro efeito de amálgama, com base na categoria “mercados emergentes”. Da mesma forma, hoje, o mercado imobiliário produz efeitos sobre a private equity.

6. CHOQUE NOS BANCOS

Expulso pela porta, o risco implícito nos empréstimos retornou pela janela. Para reequilibrar as contas, será preciso fechar as torneiras do crédito, atingindo trabalhadores e empresas não-financeirizadas

Ainda que tenham conseguido se desfazer de suas carteiras de créditos imobiliários por meio da securitização, os bancos suportam o giro da manivela, por múltiplas vias. Para começar, deixaram seus fundos de gestão se encarregar dos produtos derivados, e o risco hipotecário expulso pela porta voltou pela janela. Mas é, também, o contágio lateral que os ameaça, marcadamente por meio da private equity, onde estão diretamente expostos.

Ora, a regulação prudente do setor bancário não brinca: os bancos são forçados a manter cuidadosos coeficientes de solvência entre seus capitais próprios e compromissos. Se houver desvalorizações de patrimônio — e elas se anunciam com muito mais força, levando as agências de rating a despertar e rever todas as avaliações para baixo —, os bancos devem contabilizar as provisões correspondentes. Para manter seus coeficientes, terão de reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente à contração do numerador (os capitais próprios onerados pelas provisões).

Em conseqüência, e como sempre, serão os agentes da economia real — assalariados e empresas não-financeirizadas, distantes de todas as piruetas da especulação — que encontrarão as torneiras de crédito fechadas, sem nem mesmo compreender o que fizeram para merecer isso. Porque, para recompor os balanços dos bancos, a contração do crédito será geral, e todos os tomadores de empréstimos serão atingidos.

7. O PEDIDO DE SOCORRO AOS BANCOS CENTRAIS

Quando a crise bate à porta, as finanças engolem o discurso privatista e aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo imposto às sociedades é idêntico ao resgate que se cobra de um seqüestrado

Bela figura fazem agora os heróis do mundo das finanças. Modernos e arrogantes quando os mercados estavam em alta, ei-los pendurados nas tetas do Estado, que tanto desprezam, quando a fortuna os estimula ao discuro ideológico privatista. Os bancos centrais, chamados a livrá-los da ruína cortando as taxas de juros para restaurar a liquidez geral, não são o próprio Estado — mas integram o setor público, o fora-do-mercado, detestado quando os lucros correm soltos, requisitado quando fecha o tempo.

Jim Cramer, que tem um programa de aconselhamento financeiro na rede norte-americana de negócios CNBC, teve um ataque de nervos em 3 de agosto. Aos berros e vestindo camisa de mangas curtas, com um fundo musical de hard rock saturado, de buzzers e bulls [7] sobrepostos, insultou [8] Ben Bernanke, presidente do FED, aos gritos de “cut! cut!” — "corta! corta!” (as taxas de juros). E como Bernanke parece dispor de tempo, Cramer premia-o com o insulto supremo: ele não entende nada, não passa de um “intelectual” (acadêmico) [9].

Bem vestidos e não tão vulgares, os outros gestores de fundos consultados no mesmo canal estão totalmente de acordo. Ah, que saudade de Alan Greenspan, que “cortava” as taxas de juros sem reclamar. Um verdadeiro clínico, não se deixava atrapalhar por estudos inúteis. Bastava-lhe simplesmente tatear o lombo da besta, para saber que era preciso afrouxar o nó.

Os menos idiotas começam, porém, a dizer que essa longa tolerância monetária com os excessos das finanças tem algo a ver com o surgimento e multiplicação dos riscos que irromperam agora. Bernanke tendeu, de início, a deixar os operadores mais imprudentes suportarem as conseqüências de sua inconseqüência. Mas não devemos nos enganar. Essa posição do banqueiro central só pode ser mantida se os problemas continuarem localizados. Quando eles se concentram e precipitam um “risco sistêmico” — ou seja, uma quebra generalizada, por efeito-dominó —, não há outra escolha a não ser intervir, e maciçamente.

Aliás, é esse o aspecto mais insuportável dos danos causados pelo mundo das finanças. Sempre encorajado a ir longe demais, ele avança muito além do limite a partir do qual o Estado é obrigado a entrar de cabeça — e a atingir a sociedade — para lhe salvar o pescoço. Nada mais parecido com um seqüestro de reféns.



[1] Delhommais, Pierre-Antoine, Le Monde, 9 ago. 2007.

[2] Minsky, Hyman P. Stabilizing an Unstable Economy. Yale University Press, 1986.

[3] Fundos de investimentos aplicados em diversos mercados visando diminuir riscos e reduzir eventuais prejuízos ao mesmo tempo (Nota da Edição brasileira

[4] Mortgage Maze May Increase Forclosures, The New York Times, 6 ago. 2007.

[5] Entre outros aspectos, este capítulo libera o empregador de suas obrigações trabalhistas e permite renegociar os acordos salariais.

[6] Comunicado do BNP-Paribas, 9/8/2007

[7] O touro – bull – é o animal que representa a alta da Bolsa.

[8] CNBC, 3 ago. 2007. Veja no YouTube

[9] Ben Bernanke tem um longo passado de economista acadêmico.
Copiado de:LeMondeDiplomatique(portugues)
Manu Chao

Link: Luciana Berde
Postagem: Johnny F
Copiado de:LagrimaPsicodelica
2007 - La Radiolina

1. 13 Días
2. Tristeza Maleza
3. Politik Kills
4. Rainin In Paradize
5. Besoin de la Lune
6. El Kitapena
7. Me Llaman Calle
8. A Cosa
9. The Bleedin Clown
10. Mundorévès
11. El Hoyo
12. La Vida Tómbola
13. Mala Fama
14. Panik Panik
15. Otro Mundo
16. Piccola Radiolina
17. Y Ahora Que ?
18. Mama Cuchara
19. Siberia
20. Soñe Otro Mundo

Download

KIM 'FABULOUS' WILSON

Mesmo sendo mais conhecido como membro do lendário grupo Fabulous Thunderbirds, o gaitista e vocalista Kim Wilson tem uma sólida carreira solo. Nascido em 1951 em Detroit, Michigan, Wilson tem em seu extenso currículo a experiência de ter tocado no Antone's Club em Austin, Texas, com ninguém menos do que Muddy Waters , além de Eddie Taylor, Buddy Guy e Jimmy Rogers, entre outros. O próprio Waters declarou que Kim Wilson era "...o melhor gaitista que surgiu desde Little Walter...". Impressionante as palavras de uma lenda como Waters que além do próprio Walter, teve em sua banda nomes do calibre de James Cotton e Carey Bell ! Mas, não temos como discordar muito do mestre Waters. Wilson é realmente um dos melhores (se não o melhor) gaitista da geração surgida nos anos de 1970. Atualmente está na ativa, onde alterna sua carreira solo com apresentações junto aos Fabulous Thunderbirds.

Abaixo duas pequenas amostras do talento de Kim Wilson durante sua apresentação no programa Woodsongs Old-Time Radio Hour apresentado por Michael Johnathon.
Copiado de: Marcus mikhail
Foto de: Kurt Swanson









sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Soja transgênica: tudo contra

Autorizar soja transgênica só pode trazer prejuízo ao Brasil. Contas mirabolantes e dados confusos: este é o balanço da argumentação favorável à liberação do produto no Brasil. Nada autoriza a pensar que ela seja mais produtiva ou econômica do que a soja tradiiconal.

O jornal "O Estado de São Paulo" publicou há algumas semanas, com grande destaque, matéria onde afirmava que o Brasil perdeu 26 bilhões de reais desde 1996 por não ter liberado a produção comercial de transgênicos já a partir daquele ano. A matéria está baseada em estudo da empresa de consultoria econômica Céleres, de Minas Gerais, e causou total incredulidade a quem acompanha o tema, pois nem os propagandistas mais ferrenhos ousaram, até então, afirmar cifras tão gigantescas.

O estudo não só foi amplamente divulgado pela mídia como valeu aos seus autores convites para exporem seus resultados em palestras no Congresso Nacional, transformando-se em importante argumento na campanha em curso para pressionar o governo do presidente Lula a acelerar as liberações de cultivos comerciais dos transgênicos, atropelando as avaliações de impacto ambiental e de riscos para a saúde dos consumidores.

A análise detalhada das informações apresentadas no estudo, entretanto, mostra a sua inconsistência e a leviandade de se dar publicidade a tais argumentos. Se esta é a base sobre a qual se apóia a pressão para a liberação dos transgênicos é melhor, definitivamente, não liberá-los.

O cálculo das alegadas "perdas" indicadas pela Céleres tem como premissa básica que os produtos transgênicos têm custo de produção mais baixo que os convencionais e aplica este princípio à produção de soja, milho e algodão, quer resistentes ao herbicida glifosato ou tendo um poder tóxico capaz de matar lagartas (e outras espécies não-alvo).

Dos três produtos, a soja resistente ao glifosato, conhecida como soja RR, da multinacional Monsanto, é o único produto transgênico cultivado no Brasil desde 1996 sendo, portanto, o único sobre o qual é possível avaliar os resultados práticos a partir de dados empíricos e não de especulações. Por esta razão vamos analisar apenas as afirmações da Céleres sobre as "perdas" derivadas da não liberação da soja RR em 1996, que eles dizem ser da ordem de 4,6 bilhões de dólares.

Em primeiro lugar, o estudo diz que a produtividade das variedades de soja transgênica importadas clandestinamente da Argentina e reproduzidas nas propriedades dos agricultores é "elevada, o que potencializou a vantagem quantitativa da semente geneticamente modificada".

Esta linguagem enrolada parece indicar que a produtividade foi mais alta do que nas variedades convencionais o que não se verificou em nenhum lugar do mundo. Os únicos testes comparativos de que se tem notícia no Brasil foram realizados pela Fundacep, do Rio Grande do Sul. Em todos os testes de campo, tanto as sementes de variedades transgênicas produzidas ilegalmente como as fornecidas pelas empresas tiveram resultados piores do que os das variedades convencionais, com uma diferença média da ordem de 13%. Os testes realizados nos Estados Unidos confirmam esta verdade com um diferencial de produtividade da ordem de 6,0% em média contra as variedades de soja transgênica no conjunto do país[ii].

Apesar deste comentário sobre a produtividade, o estudo da Céleres não atribui qualquer ganho de produtividade na soja RR quando faz seus cálculos sobre as "perdas". Esta é apenas uma dentre as muitas inconsistências do estudo.

A Céleres cita uma empresa inglesa de consultoria, a PG Economics, como fonte para afirmar que existe redução nos custos de produção da soja RR devido a uma diminuição da ordem de 53% no uso de herbicidas; de 3,06 kg/ha para 1,44 kg/ha. No estudo da PG Economics encontrado no seu site estes números simplesmente não existem. Ao contrário, na página 7 do mesmo se lê: "deve-se notar que em alguns países, como na América do Sul, a adoção da soja RR coincidiu com aumentos no volume de herbicidas empregados em relação aos seus níveis históricos".

Apesar da indicação acima sobre o aumento do uso dos herbicidas na América do Sul a PG Economics afirma que houve uma redução nos custos do uso de herbicidas no Brasil com a entrada da soja RR, redução de 73 dólares por hectare. Esta contradição não é explicada no texto, mas talvez os ingleses não saibam que o Brasil fica na América do Sul. Mas de onde tiraram esse dado?

A PG Economics não fez qualquer pesquisa no Brasil, ao contrário do que aparece no estudo da Céleres. Sua fonte de informação é uma publicação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA. O Gain Report Br4629, de novembro de 2004, apresenta uma tabela comparativa entre os custos de produção da soja transgênica e da soja convencional apenas para a safra 2004/2005 e apenas para a região de Cascavel, no Paraná. Com base em dados tão parciais a consultora inglesa extrapola as supostas economias de 73 dólares por hectare para todo o Brasil e para todo o período de 1996 a 2006.

Mas de onde o USDA tirou o seu dado? A publicação americana cita o Deral, Departamento de Estudos rurais da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná, mas a tabela em questão simplesmente não existe no site do Deral.

Contas mirabolantes
Para confundir ainda mais o leitor é preciso dizer que o estudo da Céleres apresenta uma tabela onde a economia de custos conseguida com o uso de soja RR é de 35 dólares por hectare, em média, para todo o Brasil de 1996 a 2006, mais uma vez devida a uma redução de 50% na quantidade de herbicidas utilizada. A fonte é uma outra empresa, Arcádia Internacional, de origem belga. Nenhum dos textos obtidos no site da dita empresa, entretanto, permitiu identificar qual a fonte de informação utilizada para esta suposta redução do uso de herbicidas.

A Céleres não teve sequer o cuidado de incluir nas suas contas o custo da tecnologia transgênica, observação que a Arcádia faz na sua tabela. A Monsanto cobra 2% sobre o valor da saca de 60kg de soja entregue pelo agricultor. Hoje a saca tem um valor médio de 25 reais e a parte da Monsanto seria de 50 centavos por saca. Calculando uma produtividade de 50 sacas por hectare, o custo da tecnologia seria de 25 reais por hectare. Este valor é de aproximadamente 12,5 dólares por hectare, ou seja, no balanço entre a suposta economia de 35 dólares no uso de herbicidas e o aumento de custo de 12,5 dólares pelo uso da tecnologia, o resultado é uma redução no custo de produção da ordem de 22,5 dólares apenas, menos do que o mercado está pagando de prêmio de qualidade para a soja não transgênica _ 30 dólares por hectare para uma produtividade de 3000 kg/ha.

Em outras palavras, o que queremos dizer é que o estudo da Céleres não se sustenta porque está baseado no estudo da PG Economics que está baseado no boletim do USDA que está baseado em um estudo atribuído equivocadamente ao Deral e cujos critérios e fontes não podem ser verificados. Por outro lado, a citada tabela da Arcádia Internacional também não dá a fonte dos dados e a Céleres esqueceu de incluir o custo da tecnologia nas suas contas. O que temos aqui são puras especulações de "pesquisadores internacionais" que são citados pelos pesquisadores nacionais como fontes sérias e seguras e, com isso, busca-se impressionar o público leitor.

A notória inconsistência dos dados apresentados é perceptível para qualquer um que esteja familiarizado com o uso de herbicidas na agricultura. A mera idéia de que o dado de uso de herbicidas em um determinado ano possa ser extrapolado para dez anos já é um absurdo total.

O caso dos EUA
Na falta de qualquer estudo minimamente sério sobre a cultura de transgênicos no Brasil, penso que podemos olhar para os estudos realizados nos Estados Unidos e que cobrem quase o mesmo período daquele da consultora inglesa, nove anos desde 1996. Estes estudos, realizados pelo pesquisador norte americano Charles Benbrook usam dados oficiais do governo daquele país e uma metodologia que é apresentada de forma transparente em seus estudos[iii].

O estudo de Benbrook prova que o uso de soja RR nos Estados Unidos desde 1996 fez crescer e não diminuir o consumo de herbicidas em comparação com os cultivos de soja convencional. Trabalhando com médias nacionais, Benbrook mostra que em 1996, o primeiro ano de cultivo de soja RR nos EUA, a redução do uso de herbicidas foi da ordem de 30% enquanto no segundo ano a redução foi de 23% em comparação com a soja convencional. Em 1998, a comparação entre a soja RR e a soja convencional resultou em um consumo de herbicidas 6% maior para a primeira. Deste ano em diante, as diferenças de uso de herbicidas vão ficando cada vez maiores, chegando a soja RR a consumir 86% mais herbicidas do que a convencional no nono ano do cultivo, 2005.

O estudo de Benbrook sobre milho e algodão resistentes a herbicidas segue o mesmo padrão, com 20% e 56% de uso de herbicidas a mais nos produtos transgênicos ao final de nove anos de cultivos.

Como é possível que os dados sejam tão discrepantes? Haverá realmente ou terá havido uma redução no uso de herbicidas pelo emprego de soja transgênica no Brasil? Pelo padrão exposto pelo pesquisador americano é provável que no início tenha havido uma redução de uso que, junto com a maior facilidade na aplicação dos herbicidas, tenha provocado o entusiasmo dos agricultores do Rio Grande do Sul em relação a esta tecnologia. Mas é impossível que os dados econômicos e agronômicos tenham se mantidos neste patamar ótimo entra ano e sai ano desde 1996. Já se fala em resistência das ervas invasoras ao uso do Roundup crescendo no RS há alguns anos. As estatísticas sobre o uso de herbicidas no RS, embora não detalhadas por cultura apontam para um forte crescimento no consumo que coincide com a expansão da área com cultura de soja RR naquele estado.

A hipótese mais provável é que a forte redução nos preços do glifosato, com o fim da patente da Monsanto junto com a súbita queda no valor do real em 1999, tenha mascarado as contas dos agricultores. Com o glifosato até 50% mais barato de um ano para outro, usar mais herbicida não aumentou os custos de produção quando comparados com os anos anteriores. Com o dólar quase dobrando também de um ano para outro, os sojicultores do RS tiveram ganhos tão significativos que certamente lhes pareceu justificar até um uso maior de herbicida para ter mais facilidade no controle de invasoras. Daí a se afirmar que o país perdeu bilhões por não ter usado soja RR mais cedo vai uma leviandade que beira a má fé.

Se as tendências constatadas por Benbrook para os Estados Unidos se confirmam para o Brasil _ e não há porque haver diferenças significativas entre os dois casos _ o "atraso" na regulamentação da soja RR em nosso país representou uma forte economia de custos, de cerca de dois bilhões de dólares, e não uma perda de 4,6 bilhões como especula o estudo da Céleres.

Está na hora de se fazer um estudo a sério sobre os custos de produção da soja RR no Brasil e suspender as operações de marketing com cálculos mirabolantes sem base na realidade após dez anos de produção no Rio Grande do Sul. O estudo da Céleres, assim como o da inglesa PG Economics ou o da belga Arcádia em que o primeiro se baseia, é totalmente inconsistente.


* Jean Marc von der Weid é economista e coordenador da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) aspta@aspta.org.br