quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Estratégias existenciais



Gabriel Perissé


Pensemos no mundo como um tabuleiro de xadrez. Isto é reduzi-lo bastante, certamente, mas serve como metáfora, como alegoria, como símbolo.

No jogo da vida temos adversários. Não podemos ser tão pacifistas a ponto de negá-los. Há quem lute contra nós, mesmo que estejamos dispostos a dar a outra face até as últimas conseqüências.

Temos adversários, com quem vamos jogar o jogo da vida. Mesmo que com muito fair play, com muita elegância e educação, movemos nossas peças e não queremos levar xeque-mate. E queremos dar xeque-mate. Refletindo melhor, mais vale um jogo assumido do que, covardemente, puxar o tapete daqueles que, covardemente, quereriam puxar o nosso.

Contudo, o nosso mais perigoso adversário não é o outro, não é o vizinho, não é o patrão, não é o concorrente, não é o candidato do outro partido. Jogando com as brancas, ou com as pretas, estou eu mesmo diante de mim. Eu sou o meu próprio e mais insidioso adversário.

Diariamente, os lances da vida representam tomadas de decisão. Decidir é arriscar-se. Certa vez ouvi alguém hesitante perguntar-se: “Será que sou indeciso?” A única forma de romper com a indecisão é avançar os peões, avançar os cavalos, abrir espaço para os bispos, para a rainha e torres, sair em campo.

O que está em jogo neste jogo? O rei representa os meus valores. Devo defendê-los (com o roque). Defender e conservar é apenas parte da história. Preciso pensar numa estratégia existencial.

Vencer a mim mesmo nesta luta em que valores e antivalores disputam espaço e poder. No tabuleiro da consciência, cada lance cria problemas e soluções. O confronto comigo mesmo é inevitável. O poeta inglês D. H. Lawrence escreveu esses versos: “ [...] tente chegar à verdade. // E a primeira pergunta para si mesmo é: / Quão grande mentiroso eu sou?”.

A honestidade comigo mesmo consiste em descobrir o que eu prefiro, o que pretendo “ganhar” no jogo da vida. Afinal, o que decido fazer quando não há nada a fazer? O que devo desejar quando ninguém me diz o que desejar devo?

A cada dia, sentar-se ao tabuleiro, recomeçar o jogo! Talvez a partida de ontem tenha terminado empatada. Talvez eu tenha sido derrotado pela preguiça, pelo medo, pela presunção. Mais uma vez é preciso decidir. Vivendo e aprendendo a jogar. Nem sempre ganhando. Nem sempre perdendo...

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor - Web Site: www.perisse.com.br

Felicidade realista



A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo.
Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.
Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio. Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade. Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
Mário Quintana

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

EE.UU SOU O TAL

Sandro Villar*


Vamos brincar de Alca, mas quem manda sou EE.UU. Ah, já estou pra lá de aborrecido com as estripulias do Huguinho e, por causa da influência dele, vejo-me compelido (compelido? Eta língua bonita que vocês têm, seus cucarachas) a ficar de olho no Lulinha, no Nestorzinho, no Tabarézinho, na Michelinha e, principalmente, no Evinho, esse indiozinho boliviano metido a besta. Todos são moleques travessos e EE.UU já não tenho mais idade para tolerar travessuras de quem quer que seja.

Eles precisam entender de uma vez por todas que quem sempre manda sou EE.UU. Sempre foi assim e, pelo andar da carruagem atômica, assim será e quem não gostar que vá se queixar ao prelado mais próximo.

Atenção, assessores de meia-tigela: desta vez acertei na mosca e em outros insetos, pois EE.UU disse prelado e não pelado.

Ufa, acho que me redimi das gafes cometidas na Austrália. Depois de trocar as bolas, chamando os australianos de austríacos e a Apec de Opep, vou tomar cuidado e serei mais atento nos meus pronunciamentos aos nossos escravos, quer dizer, nossos colonizados ao redor do mundo. Ou nos cinco continentes. Tanto faz.

Quero deixar explícito aos mencionados moleques que EE.UU não engulo esse negócio de Mercosul até porque quem faz negócio mesmo sou EE.UU. Aliás, EE.UU sou o mercado do mundo, como definiu muito bem o saudoso Paulo Francis.

Compro quase tudo dessa turma e ainda assim eles reclamam. Até petróleo compro do Huguinho e mesmo assim esse garoto ingrato me xinga sem medir as conseqüências. Vai ver é porque não existe Ipem na Venezuela.

A sorte deles é que os tempos são outros, pois do contrário tomaríamos providências, como na época dos inesquecíveis Richard Nixon, Henry Kissinger e, principalmente, Vernon Walters e Lincoln Gordon. Tenho certeza absoluta que eles matariam o Mercosul no ninho. Ou, se me permitem outra metáfora, abortariam esse bloco mesmo já em adiantado estado de gestação. Alca neles e, quando o assunto é comércio, concorrente bom é concorrente morto. Estamos conversados?

Só mais um dedinho de anão de prosa: quero deixar bem claro que, no frigir das claras e das gemas do mercado financeiro, o primeiro beneficiado sou EE.UU, o segundo também e o terceiro idem. Só depois é que vem o resto, como naquela piada do brasileiro avarento: “Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, quarto eu, quinto a minha família, sexto as minhas amantes e só depois é que vem o resto”.

EE.UU mando prender e mando soltar. Tás pensando o quê, cara-pálida? Não sou pouca porcaria. EE.UU sou o dono do mundo e minha hegemonia está longe de terminar, apesar dos avanços da Rússia, rica em petróleo, gás natural e o escambau. E o colega russo que não se meta a besta comigo, ficando Putin da vida por causa de algum deslize meu. No mais, abraços ao Alanzinho e ao Uribinho, os únicos que ainda me apóiam “in South América”, meu ex-quintal (pô, desse jeito vou acabar no bloco do EE.UU sozinho).

“Deus protege as crianças, os bêbados e os Estados Unidos da América”.
(Bismark)

*Sandro Villar é jornalista e escritor

E ainda falam em ditadura....NÃO À CONCESSÃO DA GLOBO!!!

Rodrigo Vianna

"LEALDADE"

Quando cheguei à TV Globo, em 1995, eu tinha mais cabelo, mais esperança, e também mais ilusões. Perdi boa parte do primeiro e das últimas. A esperança diminuiu, mas sobrevive. Esperança de fazer jornalismo que sirva pra transformar - ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou indo embora.

Quando entrei na TV Globo, os amigos, os antigos colegas de Faculdade, diziam: "você não vai agüentar nem um ano naquela TV que manipula eleições, fatos, cérebros". Agüentei doze anos. E vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos - sim - bom jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção.

Na última década, em debates nas universidades, ou nas mesas de bar, a cada vez que me perguntavam sobre manipulação e controle político na Globo, eu costumava dizer: "olha, isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás".

Isso não era só um discurso. Acompanhei de perto a chegada de Evandro Carlos de Andrade ao comando da TV, e a tentativa dele de profissionalizar nosso trabalho. Jornalismo comunitário, cobertura política - da qual participei de 98 a 2006. Matérias didáticas sobre o voto, sobre a democracia. Cobertura factual das eleições, debates. Pode parecer bobagem, mas tive orgulho de participar desse momento de virada no Jornalismo da Globo.

Parecia uma virada. Infelizmente, a cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido. O que vivemos aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu. Pode ser que algum chefe queira fazer abaixo-assinado para provar que não aconteceu. Mas, é ruim, hem!

Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto".

Tudo isso aconteceu. E nem foi o pior.

Na reta final do primeiro turno, os "aloprados do PT" aprontaram; e aloprados na chefia do jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo de trabalho aqui.
Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: "por que não vamos repercutir a matéria da "Istoé", mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira?"

Por que isso, por que aquilo... Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber?

Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de "petistas" e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do "governo anterior", acharam que ninguém ia achar estranho?

Faltando seis dias para o primeiro turno, o "petista" Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!

Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud Godoy. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição.

Não vi matérias mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.

Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo.

E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...).

O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.!

Um colega nosso chegou a produzir, de forma precária, por telefone (vejam, bem, por telefone! Uma TV como a Globo fazer reportagem por telefone), reportagem com perfil do Abel. Foi editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!

Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do "dossiê". Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não demos Serra com sanguessugas?
E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra?

Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas "desagradáveis". A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.

E isso era um segredo de polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores...
E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas, porque não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro), tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa - as fotos, e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder.

Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!
Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite?
Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN?

O JN levou um furo, foi isso?

Um colega nosso, aqui da Globo ouviu a fita e botou no site pessoal dele... Mas, a Globo não pôs no ar... O portal "G-1" botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a "CartaCapital" ter dado o caso. Era noticia? Para o portal das Organizações Globo, era.

Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo?
Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.
E, pra terminar, aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da "CartaCapital". Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!

Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista "Quatro Rodas" dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!

Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...

De resto, está difícil continuar fazendo jornalismo numa emissora que obriga repórteres a chamarem negros de "pretos e pardos". Vocês já viram isso no ar? Sinto vergonha...

A justificativa: IBGE (e, portanto, o Estado brasileiro) usa essa nomenclatura. Problema do IBGE. Eu me recuso a entrar nessa. Delegados de policia (representantes do Estado) costumavam (até bem pouco tempo) tratar companheiras (mesmo em relações estáveis) como "concubinas" ou "amásias". Nunca usamos esses termos! Árabes que chegaram ao Brasil no início do século passado eram chamados de "turcos" pelas autoridades (o passaporte era do Império Turco Otomano, por isso a nomenclatura). Por causa disso, jornalistas deviam chamar libaneses de turcos?

Daqui a pouco, a Globo vai pedir para que chamemos a Parada Gay de "Parada dos Pederastas". Francamente, não tenho mais estômago.

Mas, também, o que esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita pela Globo na época das Diretas? Respeito a imensa maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês.

Olhem no ar. Ouçam os comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo lado. Mas sabem o que me deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições.

Ele comemorou a reação (dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de jornalistas em defesa da cobertura da Globo: "(...)diante de calúnias e infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação. Chamo isso de lealdade e confiança".

Entendi. Ele comemora que não haja dúvidas e incertezas... Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento de jornal. Incerteza e dúvida são palavras terríveis. Devem ser banidas. Como qualquer um que diga que há racismo - sim - no Brasil.

E vejam o vocabulário: "lealdade e confiança". Organizações ainda hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da "lealdade".

Caro João, você talvez nem saiba direito quem eu sou.
Mas, gostaria de dizer a você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo, infelizmente, não foi "leal" com o público. Nem com os jornalistas.Vai pagar o preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!
João, da família Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno:
"Pude ter certeza absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas cabeças pensando".

C
aro João, em que planeta você vive? Várias cabeças? Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!

Cumpro agora um dever de lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha editorial da casa foi posto na "geladeira". Foi lamentável, caro João. Você devia saber como anda o ânimo da Redação - especialmente em São Paulo.

Boa parte dos seus "colaboradores" (você, João, aprendeu direitinho o vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas - "colaboradores", essa é boa... Eu não sou colaborador, coisa nenhuma! Sou jornalista!) está triste e ressabiada com o que se passou.

Mas, isso tudo tem pouca importância.
Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente?

Isso me lembra a Igreja Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente. Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?

Depois, não sabem porque os protestantes crescem...
Eu, que não sou católico nem protestante, fico apenas preocupado por ver uma concessão pública ser usada dessa maneira! Mas, essa é também uma carta de despedida, sentimental. Por isso, peço licença pra falar de lembranças pessoais.

Foram quase doze anos de Globo.
Quando entrei na TV, em 95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia a Toninha - nossa mendiga de estimação, debaixo do viaduto. Os berros que ela dava em frente à entrada da TV traziam uma dimensão humana ao ambiente, lembravam-nos da fragilidade de todos nós, de como nossa razão pode ser frágil.

Havia o João Paulada - o faz-tudo da Redação.
Havia a moça do cafezinho (feito no coador, e entregue em garrafas térmicas), a tia dos doces...
Era um ambiente mais caseiro, menos pomposo. Hoje, na hora de dizer tchau, sinto saudade de tudo aquilo.

Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós - nas ruas, no Metrô, na padaria.
Todos, do apresentador ao contínuo, tinham que entrar a pé na Redação. Estacionamentos eram externos (não havia "vallet park", nem catraca eletrônica). A caminhada pelas calçadas do centro da cidade obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.

Hoje, quando olho pra nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade. Mas triste, quase desumano.

Mas, há as pessoas. Essas valem a pena. Pra quem conseguiu chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas...

1) Sinto-me aliviado por ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem "lealdade"; parecem "poderosos chefões" falando com seus seguidores... Se depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.

2) Mas, de meus colegas, da imensa maioria, vou sentir saudades.

Saudades das equipes na rua - UPJs que foram professores; cinegrafistas que foram companheiros; esses sim (todos) leais ao Jornalismo. Saudades dos editores - que tiveram paciência com esse repórter aflito e procuraram ser leais às minúcias factuais.

Saudades dos produtores e dos chefes de reportagem - acho que fui leal com as pautas de vocês e (bem menos) com os horários! Saudades de cada companheiro do apoio e da técnica - sempre leais.

Saudades especialmente, das grandes matérias no Globo Repórter - com aquela equipe de mestres (no Rio e em São Paulo) que aos poucos vai se desmontando, sem lealdade nem respeito com quem fez história (mas há bravos resistentes ainda).

Bem, pelo tom um tanto ácido dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui.
Perdi cabelos e ilusões. Mas, não a esperança.

Um beijo a todos.
Rodrigo Vianna."

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Música - Carlos Poyares - Revendo Com a Flauta Os Bons Tempos do Chorinho - 1977 - Vinil

01. Choro Serenata
(Sivuca)
02. Variações Sobre o Urubu Malandro
(Onorino Lopes)
03. Fala Baixinho
(Pixinguinha)
04. Gingando
(Horondino Silva “Dino” / Waldiro Tramontano “Canhoto”)
05. Cinco Companheiros
(Pixinguinha)
06. Encabulado
(José Menezes / Luis Bittencourt)
07. Ingênuo
(Pixinguinha)
08. Flor Amorosa
(Catulo da Paixão Cearense / Joaquim Callado)
09. Entardecendo
(Sivuca)
10. Brejeiro
(Ernesto Nazareth)
11. Um Chorinho Diferente
(Gaúcho / Ivone Rebelo)
12. 3 Estrelinhas
(Anacleto de Medeiros)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Memorando Debray sobre a Palestina

A distância entre o que é dito (porque queremos ouvi-lo) e o que é feito (que nos repugna ver) pelos governos israelenses no local assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia

Régis Debray

Em outubro de 2006, o então presidente da República Francesa, Jacques Chirac, encarregou o intelectual Régis Debray de “conduzir uma pesquisa de campo sobre a situação das diversas comunidades etno-religiosas do Oriente Médio”, recomendando que fosse “dirigida a todos os setores, sem exceção”. Foi dentro desse quadro, entre outras observações recolhidas na região, que o autor remeteu às autoridades francesas, no dia 15 de janeiro de 2007, este memorando sobre a Palestina e os riscos implicados na utilização de expressões retóricas, empregadas dentro de certa linguagem internacional estereotipada, atualmente em vigor. Embora seja conveniente, como nos lembrou o autor, levar em conta as regras estritas do gênero “memorando diplomático” (concisão e circunspeção), este documento, corroborado em seguida por relatórios públicos e oficiais (Banco Mundial, ONU etc), é uma importante interpretação do longo desvio a cujos resultados trágicos estamos assistindo.

“O processo diplomático não levou devidamente em conta as evoluções no terreno e suas conseqüências — Que evolução? — Para começar, a colonização ” (Dennis Ross, ex-mediador americano no Oriente Médio, questionado, em 2000, a respeito do erro cometido durante os acordos de Camp David, de 1978)

De 1994 a 2000, o número de colonos judeus nos territórios palestinos havia efetivamente dobrado. Desde os acordos de Oslo, de 1993, o número de israelenses que se instalou na Cisjordânia iguala o dos 25 anos anteriores. No momento em que evocamos mais uma vez uma conferência internacional, seria nefasto refazer o inventário da situação anterior ou da realidade atual. É inútil nomear uma nova comissão. Esse levantamento já foi feito bem mais de uma vez. Nenhum conflito no mundo foi tão bem documentado, mapeado e arquivado.

O OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), subordinado à ONU, mantém em dia mapas evolutivos e precisos dos territórios em disputa, com fotos, recenseamentos, gráficos etc. Seu exame leva em torno de uma hora, mas permite economizar as eternas declarações de boas intenções. O que esses mapas mostram? Que as bases físicas, econômicas e humanas de um “Estado palestino viável” estão em vias de desaparecimento, de forma que a “two state solution", o “divórcio justo e imparcial” (Amoz Oz), o território partilhado entre duas nações, um menor que o outro, desmilitarizado, porém soberano, viável e contínuo, parecem palavras vazias, a conjugar no futuro do pretérito. Poderíamos contestar que se tenha chegado ao ponto de não-retorno, argumentando que, se os israelenses ganharam a batalha territorial (apenas 22% do território palestino na época do mandato britânico ainda foge ao seu controle), os palestinos ganharão a batalha demográfica. Poderíamos opor a impressionante “resiliência” das populações locais ao calmo rolo compressor que, avançando lentamente, executa o Plano Allon, de 1968, e o “Plano Rodoviário 50”, de 1984.

Nem por isso se deixa de deduzir, dos “avanços na região”, que: 1. a barreira de segurança não pretende, como se crê, traçar uma fronteira — talvez ilegal (uma vez que engloba mais de 10% da Cisjordânia), mas que serve, pelo menos, se pensava, como demarcação internacional pontilhada; 2. é bem verdade (como afirmou Ehud Omert na rádio do Exército Israelense, no dia 20 de março de 2006) que as fronteiras estratégicas de Israel se encontram no rio Jordão (o vale inteiro foi declarado “zona proibida”) — a conquista paulatina da zona intermediária já permite, em alguns lugares, o contato entre as duas margens;

3. as novas estradas ditas “de contorno leste-oeste”, que sacrificam o antigo eixo norte-sul, desenham claramente o mapa de um território em vias de anexação, admitindo três ou quatro bantustões árabes (Jenin, Ramallah e Jericó) — enclaves congestionados, com recursos naturais fadados ao esgotamento, o que, portanto, determina, a termo, um êxodo mais ou menos intenso (uma boa parte das elites, particularmente as cristãs, já se expatriaram); 4. com a construção do muro, a “judaização” em curso de Jerusalém Leste e, principalmente, a recomposição do município, as reiteradas condenações da ONU, puramente formais, não têm nenhuma incidência sobre a continuidade do processo de apoderamento do conjunto da cidade [1]. A distância entre o que é dito, porque queremos ouvi-lo (retiradas localizadas, flexibilização na outorga de licenças, levantamento de uma barreira a cada vinte, moderação do tom), e o que é feito no local, e que nos repugna ver (a estruturação das colônias, a construção de pontes e túneis, o cerco de territórios palestinos, as expropriações de terras, a destruição de casas), assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia. Como o velho “um dinam a mais, uma cabra a mais” ocorre longe das câmeras, sem repercussão e, melhor ainda, sem “diktat colonial” explícito, ninguém se ofende, supondo que chegue a se informar a respeito (o que é difícil, já que ninguém envelhece no local). “Judéia-Samaria” é o nome dado à Cisjordânia pelos mapas e manuais escolares israelenses, nos quais o desaparecimento da linha verde de 1967 é uma conquista legalizada, como acaba de decidir a Knesset (o parlamento israelense), recusando a proposta de uma ministra da educação trabalhista.

Mais do que um hiato episódico entre o de facto e o de jure, trata-se de um método e de uma tradição que remontam aos primeiros passos do Yichuv [2], a do fato consumado, e que sempre deram certo (o Estado estava lá antes de ser declarado e reconhecido como tal, em 1947, assim como o exército): um teatro de dois palcos, no qual um vê a repetição de palavras vagas, de uma imprecisão vantajosa (retirada, coexistência, Estado), mas onde as coisas sérias (implantações, estradas, túneis, lençóis aquáticos) acontecem paralelamente, no decisivo palco de operações a termo (sem publicidade).

Conhecendo as engrenagens da democracia de opinião, que precisa de esperanças e anúncios exultantes, como todos, aliás, os sucessivos governos israelenses (de esquerda e de direita) são zelosos em administrar-lhe sua dose trimestral de analgésicos (planos de retirada unilateral, desmantelamentos parciais, anúncios julgados “interessantes”, mas sempre condicionados e, portanto, sem continuidade). A mídia vive no dia-a-dia e não cultiva a memória. Quem se lembra que o “mapa do caminho” [3] estipulava “um acerto definitivo e global do conflito israelense-palestino até 2005”?

O ex-processo de Oslo, reconheçamos, não ficou apenas sem efeitos. Com a reocupação militar das zonas A e B [4] em abril de 2002, ele cumpre, digamos assim, suas proposições ao inverso.

Se acrescentarmos à fragmentação do território (que desconecta todo eventual comando central palestino de governos locais, e esses uns dos outros) a destruição física e metódica das instituições “nacionais”, da infra-estrutura e dos próprios quadros políticos pelo exército israelense (garantia de anarquia interna, de proliferação de gangues, de clãs e de acertos de contas, enfim, de um caos sem fim), constatamos claramente que o caminho percorrido não foi o da nation-building, mas o da desconstrução de toda governabilidade possível do outro lado do Muro. É o avesso lógico de uma anexação programada em médio prazo (30 anos) e que será confirmada no momento adequado “em vista da nova realidade local”.

Nestas condições, o recurso consensual, mas enfeitiçante, ao mapa do caminho (sinais promissores e janelas de oportunidades) parece pertencer mais ao domínio do método Coué do que à sábia preocupação com uma transformação constante e coerente das coisas. Esse mapa não é visível de Genebra, Paris ou Nova Iorque, mas se descortina a quem quer que retorne após alguns anos de ausência, rastreando um país militarmente quadriculado por todos os lados, no qual as “colônias” israelenses já não desenham formas sobre um fundo palestino, mas os grânulos palestinos, sim, constituem formas sobre um fundo hebreu solidamente estruturado; no qual as reservas de água são preemptivas; no qual nada separa a restrição temporária de circulação da proibição pura e simples.

Podemos, isto dito, nos reconfortar com a idéia de que: 1. Se a retirada das colônias foi possível em Gaza, poderá sê-lo amanhã na Cisjordânia. Significa esquecer que a retirada de 8 mil colonos aqui (com um jornalista para cada três colonos) veio acompanhada, nos meses seguintes, da instalação discreta de 20 mil colonos em outras áreas. Gaza não fazia parte da herança sagrada, ao passo que a “Judéia-Samaria” é sua espinha dorsal. E Sharon nunca escondeu que essa remoção marginal tinha como contrapartida o reforço da presença israelense para além da linha verde (438 mil colonos até agora, incluindo 192.910 em Jerusalém Oriental); 2. Com o desmantelamento de quatro pequenas colônias no norte (mil colonos) e a hipótese de um reagrupamento de colonos (60 mil) nos três blocos mais populosos — Maale Adumim, Ariel e Gush Etzion—, um espaço seria liberado. Seria esquecer que, com a continuação dos rosários de colonização, ao abrigo da barreira de segurança, a Cisjordânia está simplesmente dividida em duas. O Muro separa os palestinos uns dos outros, tanto quanto ou até mais do que os separa dos israelenses. No lugar do Estado palestino, anunciado e desejado por todos, perfila-se, em resumo, um território israelense ainda despercebido, com três municípios palestinos auto-regidos encravados.

Todas as partes têm interesse na manutenção das falsas aparências e fachadas internacionais [5]. Os israelenses, porque a história avança dissimulada. Os palestinos porque não se pode dizer a verdade a um povo ocupado, e que mantém a esperança, sem incitá-lo a se autodestruir; e porque personalidades, deputados e funcionários extraem, do que se tornou uma esperança estéril, sustento, titulação, dignidade e razão de ser. Os europeus, porque escolheram compensar sua conduta mediante uma ajuda financeira e humanitária considerável, que os exonera de sua passividade política e de sua cegueira voluntária. E os norte-americanos, mentalmente mais ligados ao Antigo Testamento do que ao Novo, porque seu laço existencial com Israel é do tipo filial e, portanto, acrítico. A ilusão autoprotetora e compartilhada resulta, assim, de uma coincidência de interesses opostos — aí é que está a ironia da história.

De imediato: essa situação é sustentável no longo prazo, digamos, até o final desse século? Pode-se duvidar, visto o tanto que sua obsessão securitária oculta de insegurança para Israel e de inconsciência das pesadas predisposições da região, particularmente demográfica, informática e religiosa [6]Um governo europeu, ou vários, não podia avisar aos nossos amigos israelenses: 1) que não somos todos idiotas; e 2) que, se há enganação, seus promotores não serão as primeiras vítimas, mas, infelizmente, as últimas?



[1] Nota da Redação: Ler Dominique Vidal e Philippe Rekacewicz, “A anexação de Jerusalém Oriental”, Le Monde Diplomatique - Brasil , fevereiro de 2007.

[2] Nota da Redação: Termo hebraico, utilizado pelo movimento sionista antes da criação do Estado de Israel, para designar os residentes e os novos imigrantes judeus da Palestina.

[3] Nota da Redação : O “mapa do caminho” foi adotado pelo “quarteto” (Organizações das Nações Unidas, Estados Unidos, União Européia e Federação Russa) no dia 30 de abril de 2003, como uma proposta para pôr fim ao conflito israelense-palestino.

[4] Os territórios palestinos compreendem a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (45 km de comprimento e 10 km de largura) e Jerusalém Oriental. No final dos acordos de Oslo, os territórios foram divididos em três zonas: Zona A: abrangendo, a partir de 1994, Gaza assim como as cidade de Jericó, Jenin, Qalqilya, Ramallah, Tulkarem, Nablus e Belém (a cidade de Hebron foi objeto de um acordo distinto, em janeiro de 1997) — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce jurisdição civil, incluindo o poder de polícia; Zona B: abrangendo as outras áreas da Cisjordânia — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce competências civis, compartilhando a promoção da segurança interna com o exército israelense; Zona C: abrangendo as colônias israelenses implantadas na Cisjordânia, em Gaza (hoje desmanteladas) e em Jerusalém Oriental. Esta continua sob o controle do Estado judeu.

[5] Nota da Redação : Ler Alain Gresh, “Comment le monde a enterré la Palestine”, Le Monde diplomatique, julho de 2007.

[6] Nota da Redação : Ler, em especial, o relatório entregue ao secretário geral da Organização das Nações Unidas, no dia 5 de maio de 2007, por Alvaro de Soto, coordenador especial da ONU pelo processo de paz no Próximo Oriente. Texto integral em inglês disponível no site

O Decodificador

Há violações da propriedade privada que não causam qualquer comoção social apesar de serem graves, por exemplo, os salários em atraso. No caso dos transgênicos, o tratamento do direito de propriedade apresenta contradições flagrantes.

Freqüentemente, um pequeno acontecimento revela aspectos da vida coletiva que, apesar de importantes, permanecem submersos na consciência dos cidadãos e na opinião pública. A destruição de um campo de milho transgênico no Algarve (Portugal) é um desses acontecimentos. Através dele revelaram-se entre outras, as questões da legitimidade das lutas sociais, da propriedade privada, da influência dos interesses econômicos nas legislações nacionais, do papel do Estado nos conflitos sociais, da construção social da periculosidade de certos grupos sociais e da possível nocividade dos organismos geneticamente modificados (OGMs) para a saúde pública.

As lutas sociais são frequentemente compostas de acções legais e ilegais. Os atos fundacionais das democracias modernas foram, quase sem exceção, ilegais: greves e manifestações proibidas, lutas clandestinas, insurreições militares (como o 25 de Abril), atos que hoje consideramos terroristas (como os do "terrorista" Nelson Mandela). Em certos contextos, os ativistas podem escolher entre meios legais e ilegais (como no caso em questão), noutros, não têm outra opção que não a da ilegalidade.

A propriedade privada é um alvo difícil porque as concepções sociais a seu respeito são muito contraditórias e evoluem historicamente. Os primeiros impostos sobre o capital industrial não foram considerados pelos empresários como uma violação do direito de propriedade?

Enquanto, por um lado, a polinização cruzada faz com que culturas convencionais venham a ser contaminadas pelos OGMs, o que, sendo uma violação do direito de propriedade, não levanta nenhum clamor. Por outro lado, um agricultor canadense, vítima de polinização cruzada, foi obrigado a pagar uma indemnização à Monsanto, empresa de sementes, por ter violado o direito de propriedade desta (a patente) ao usar sementes que tinham sido contaminadas contra a sua vontade.

Estas contradições decorrem do fortíssimo lobby das grandes empresas de sementes, cinco ou seis a nível mundial, na legislação e nas políticas nacionais. Só essa pressão explica: que Portugal - durante um tempo visto como refúgio da agricultura biológica e orgânica da Europa – seja hoje um dos seis países a aceitar os transgênicos; que a legislação portuguesa seja tão enviesada a favor dos OGMs que quase parece ter sido redigida pelos advogados das empresas; que o ministro da triste figura faça, de um campo de milho, um campo de batalha a exigir imediata ajuda humanitária; que os técnicos do Estado apaguem, como ciência, os press releases da Monsanto e escamoteiem a questão principal: se os OGMs fazem mal às borboletas e outros animais inferiores porque não accionar o princípio da precaução?

Este lobby encontra no caldo de cultura conservador da opinião pública o contexto ideal para estigmatizar a oposição aos seus interesses. E assim os ativistas são transformados em "ecofascistas" ou "terroristas light".

PS: dedico esta coluna ao Eduardo Prado Coelho

* Publicado originalmente na revista Visão em 30 de Agosto de 2007


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

domingo, 9 de setembro de 2007

Até breve, mestre!!!!

Luciano Pavarotti

Luciano Pavarotti nasceu em Módena, na Itália, em outubro de 1935 era filho de padeiro e de uma operária de tecelagem de Módena. Torcedor fanático do Juventus, chegou, por um tempo, a pensar na carreira de jogador profissional; mas acabou optando pela de professor, e chegou a obter o diploma elementar. Cantava juntamente com Fernando Pavarotti, o seu pai, no coral Gioachino Rossini, de sua cidade, com o qual viajou para o País de Gales, onde ganharam o primeiro prêmio do Concurso Internacional de Corais de Llangollen. Entusiasmado com esse resultado, Luciano começou, ao voltar para casa, a estudar canto com Arrigo Pola.

Sua estréia se deu em abril de 1961 na ópera popular "La Bohème", de Puccini, no teatro de ópera de Reggio Emilia. Esse sucesso levou a convites para apresentar-se em toda a Itália e várias partes do mundo. Ele conquistou o público de Amsterdã, Viena, Zurique e Londres. Sua grande chance aconteceu em Londres, graças a outro grande tenor lírico italiano, Giuseppe di Stefano, que precisou faltar a uma apresentação de "La Bohème" em 1963. Sua estréia nos EUA aconteceu em fevereiro de 1965 numa produção feita em Miami de uma ópera de Gaetano Donizetti, "Lucia di Lammermoor", com Joan Sutherland. Foi o início de uma parceria que se tornaria histórica.Em 1972, numa apresentação de "La Fille du Regiment", de Donizetti, Pavarotti cantou uma ária contendo nove dós altos, sem nenhum esforço. O público explodiu numa ovação frenética, e a fama do jovem tenor espalhou-se para além dos limites da ópera e da música erudita. Em 1990 Pavarotti uniu-se aos tenores espanhóis Plácido Domingo e José Carreras na Copa do Mundo de Futebol, apresentando clássicos da ópera a milhões de torcedores de futebol em todo o mundo. As vendas de álbuns de ópera cresceram vertiginosamente depois de um concerto de gala nas Termas de Caracalla, em Roma, ter sido transmitido para 800 milhões de pessoas, e trechos de "Nessun Dorma", da ópera "Turandot", de Puccini, passaram a ser uma parte tão integral da futebolmania quanto são os cantos geralmente mais barulhentos.

A ascensão para o estrelato vinha acompanhada de um cortejo de problemas: as exigências cada vez maiores, como a de transportar para a China toda a cozinha de seu restaurante predileto. Em 1989, tinha causado grandes repercussões a decisão de Ardis Krainik, diretor do Lyric Opera de Chicago, de romper com ele um contrato que se estendera por 15 anos porque, nos oito últimos desses anos, Pavarotti cancelara 26 das 41 apresentações previstas. Ao lado disso, o cantor envolveu-se em inúmeras causas beneficentes e humanitárias. Criou a Pavarotti International Voice Competition, destinada a revelar cantores jovens, na década de 80. As séries de shows intitulados Pavarotti And Friends, reunindo intérpretes clássicos e populares, levantaram fundos para ajudar refugiados e crianças carentes na Bósnia e na Guatemala, em Kossovo e no Iraque. Amigo da princesa Diana, uniu seus esforços aos dela na campanha para a eliminação das minas de solo. E recusou-se a cantar no serviço fúnebre da princesa, em Westminster, pois "não conseguiria fazê-lo com um nó na garganta". Ter-se tornado, em dezembro de 1998, o primeiro (e único) cantor de ópera a se apresentar no programa Saturday Night Live, da televisão americana, ao lado da cantora pop Vanessa Williams, projetou de forma astronômica o prestígio do artista que, naquele mesmo ano, recebera o Grammy Legend Award, raríssimas vezes concedido.

Ao mesmo tempo em que a fama de Pavarotti nos palcos foi diminuindo quando ele chegou à casa dos 60 anos, ele renovou sua vida pessoal, deixando a esposa com quem esteve casado por 37 anos para casar-se com uma assistente 34 anos mais jovem que ele e ainda com menos idade que suas três filhas. O tenor de barba negra casou-se com Nicoletta Mantovani após um divórcio marcado por desavenças. Um timbre privilegiado, com grande riqueza de coloridos - a sua mais notável qualidade, ele a recebeu como uma dádiva da natureza: nasceu tenor. Ao contrário de cantores como Carlos Bergonzi ou Plácido Domingo, que iniciaram a carreira como barítonos e, depois, reiniciaram os estudos para colocar a voz no registro mais agudo, Luciano Pavarotti era um tenor natural. Dotado, além disso, da mais preciosa das características: um timbre absolutamente inconfundível, que permitia à sua legião de admiradores reconhecê-lo, bastando, para isso, ouvi-lo cantar dois ou três compassos.

O maior tenor de todos os tempos esteve no Brasil várias vezes. A primeira foi em 1979, no Teatro Municipal do Rio, quando foi ovacionado pelo público logo após interpretar Una furtiva lagrima, de Donizetti, Partir c'est mourrir Un peu, de Tosti, e E lucevan le estelle, de Puccini. Dias depois da apresentação no Rio, ele cantou para um público composto em grande parte por jovens no Anhembi, em São Paulo. Ao final, gritos de "Bravo" ecoavam no complexo.
Doze anos depois, em dezembro de 1991, o tenor italiano voltou à capital paulista para mais uma apresentação de sucesso. Mas o que realmente marcou sua segunda passagem por São Paulo foi o tratamento dispensado pelo hotel onde ficou hospedado, o Cà D'Oro. O tenor recebeu tratamento digno de reis, como guardanapos "suaves", toalhas e toucas de banho extras, ingredientes finos para a cozinha (o tenor adorava comer e cozinhar a própria comida), além de um piano afinado e um afinador de plantão. Sua excentricidade marcou também o menu do restaurante do hotel. Atendido e servido, o tenor não deixou que o garçom colocasse queijo ralado. Apanhando um saquinho pendurado à cintura, disse: "Scusa, il formaggio è mio." E com a mão aspergiu o queijo por cima do penne com peperoncino. O prato, então, foi batizado de penne à Pavarotti.

Os problemas de saúde se sucederam muito rapidamente. Uma cirurgia nas vértebras do pescoço, em março de 2005, prejudicou os planos para a turnê de despedida anunciada no ano anterior. A infecção hospitalar que se seguiu a uma operação da coluna, em janeiro de 2006, forçou o cancelamento de vários concertos. O câncer no pâncreas foi diagnosticado em junho de 2006. Pavarotti emagreceu 30 quilos desde então e usava uma cadeira de rodas para se locomover.

Nessun dorma
Nessun dorma! Nessun dorma!
Tu pure, o, Principessa,
nella tua fredda stanza,
guardi le stelle
che tremano d'amoree di speranza.
Ma il mio mistero e chiuso in me,
il nome mio nessun saprá!
No, no, sulla tua bocca lo diró
quando la luce splenderá!
Ed il mio bacio sciogliera il silenzio
che ti fa mia!
(Il nome suo nessun saprá!...e noi dovrem, ahimé, morir!)
Dilegua, o notte!Tramontate, stelle!
Tramontate, stelle!
All'alba vinceró!
vinceró, vinceró!

Ninguém durma! ninguém durma!
Tu também, ó princesa,
na tua fria alcova olhas as
Estrelas que tremulam de amor e de esperança!
Mas o meu mistério está fechado comigo,
O meu nome ninguém saberá!
Não, não, sobre a tua boca o direi,
Quando a luz resplandescer!
E o meu beijo destruirá o silêncio que te faz minha!
O seu nome ninguém saberá ...
E nós deveremos, ai de nós, morrer!
Morrer!
Desvaneça, ó noite!
Desapareçam, estrelas!
Desapareçam, estrelas!
Pela manhã vencerei!
Vencerei! vencerei!
Giácomo Puccini

A estabilidade mata a paixão?


A expressão estabilidade está associada à idéia de permanência em um determinado estado por um determinado ente. Explicar o amor não é tarefa fácil, porque nós o definimos por sua manifestação e cada pessoa expressa de maneira diferente. Mas na tentativa de conceituá-lo, os estudiosos estão inclinados a concordar com Robert Heinhein: "amor é a condição na qual a felicidade de outra pessoa é essencial para a sua própria felicidade". Mas na verdade o que se quer, é que o amor aconteça e permaneça pronto por toda a vida, de maneira incondicional e eterna – como nos contos de fadas. Deseja-se que o ser amado seja capaz de realizar todos os nosso desejos e que seja o nosso porto seguro para onde possamos fugir do mundo. Acredita-se que o amor seja capaz de tudo transformar pelo próprio poder. Este é o amor romântico
...O amor e a paixão são sentimentos que podem ser negligenciados, pois não tem o selo da garantia eterna. Quando trocamos paixão por estabilidade não estamos simplesmente trocando uma fantasia por outra?
...Desejamos nas relações constância, trabalhamos para tê-la, mas ela nunca está garantida. Quando amamos, nos relacionamos e sempre estaremos correndo o risco da perda, independente do esforço que se faça.
...Entendo que a diminuição da paixão está mais relacionada com os limites da familiaridade, da intimidade, do peso da realidade e da rotina do que com o medo. Afinal de contas amor e sexo e amor e desejo, nem sempre andam juntos.
...O medo da perda faz com que busquemos o familiar, a rotina, a segurança do aconchego da estabilidade, do sexo confortável, dos aspectos cotidianos da vida que nos mantêm amarrados à realidade e seguros.
...Por maior que seja o amor afetivo entre os casais é necessário que haja instinto, impulso natural para que o prazer sexual aconteça. A sensualidade adormecida pelo excesso de preocupação, atividades, ressentimentos, mágoas e lembranças não favorece o aparecimento de fantasias e desejos e isso leva o casal a entender que o amor acabou ou que existe alguma disfunção erétil ou de frigidez, restando apenas ao casal as cansativas atividades diárias e cotidianas com a casa, os filhos, despesas e contas ...
...E esquecemos que o erotismo gosta do imprevisível. O desejo entra em conflito com o hábito e a repetição! Então o que fazer? Como reacender ou mesmo manter a chama? Quebrar a rotina, surpreender, realizar fantasias, permitir-se ao novo!
...Fantasiar sobre sexo nada mais é do que um recurso natural para alcançar o prazer sexual combinando, corpo, mente e sentimentos.

Kátia Horpaczky - Psicóloga Clinica
Copiado de:AmigosDoFreud

Protestos contra Bush na Austrália

Anunciam grande marcha para o sábado. Dispersam forças especiais para vigiar a cúpula da APEC

CAMBERRA, Austrália. — Os protestos pela presença de George W. Bush na Austrália continuam tendo lugar em Sidney, e crescerão ainda mais na medida em que se aproximar a data de realização do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), a se efetuar nessa cidade, no fim de semana próximo.


Pelo segundo dia consecutivo, os australianos marcharam em Sidney contra Bush (AP)

A organização ecologista Geeenpeace marchou na quarta-feira, 5 de setembro, e colocou gigantescas estátuas de gelo de Bush e John Howard, primeiro-ministro australiano, com o objetivo de que se derretam como protesto pelo descaso da Austrália e dos Estados Unidos no tema do aquecimento global, informou a AFP.

Os ecologistas criticam a utilização excessiva por parte dos países industrializados de energias fósseis, enquanto Sidney e Washington se recusam a ratificar o Protocolo de Kyoto sobre a redução de gases que provocam o efeito estufa.

Além disso, vai se fazer outro protesto na sexta-feira, dia 7, que reunirá cerca de 2 mil pessoas num parque de Sidney, perto de onde se reunirão os dirigentes da APEC para dizerem verdadeiramente a Bush o que pensam de sua visita.

O ponto culminante das demonstrações de repúdio unânime, pela presença do chefe da Casa Branca em território australiano, será uma grande marcha no sábado, dia 8, da qual participarão dezenas de milhares de pessoas.

Fonte:Granma