segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Consumidores, uni-vos!

Há um truque banal no recém-lançado "manifesto" dos publicitários. Ao apresentar a propaganda como base da liberdade de expressão, ele despreza público e sociedade. Mas ignora os movimentos pela radicalização da democracia — que exigem, inclusive, um novo padrão de propaganda

Ivana Bentes


Custou, mas apareceu, o "manifesto" dos publicitários, que se dizem ameaçados pela tentativa de regulamentação da publicidade por parte dos órgãos de defesa do consumidor e da saúde pública.

A retórica e estratégia são conhecidas: qualquer tentativa do Estado de regular a mídia (seja a faixa etária indicativa de programas na TV, seja a veiculação de publicidade de cigarros, bebida alcoólica, gordura trans ou uma cota de filmes brasileiros na TV); qualquer movimento social que ameace os lucros exorbitantes da publicidade e a liberdade de empresa são considerados "censura" e "ataque a liberdade de expressão".

Em nova embalagem, a velha retórica. De forma grosseira, as emissoras de TV já tinham veiculado anúncio dizendo que o governo queria "tirar o direito do telespectador de escolher seus programas", diante da proposta em votação no Congresso de uma cota para conteúdo brasileiro nas TVs a cabo.

Como se os pacotes com enlatados e programas comprados pelas emissoras tivessem algum grau de "escolha" e participação do espectador, obrigado ainda a levar no pacotão que compra uma porcentagem de lixo cultural adicional.

Mas o manifesto dos publicitários vai mais longe. Faz uma inversão ainda mais espetacular ao esvaziar totalmente o lugar de poder (o zapping é um deles) que está nas mãos da audiência e do público. O verdadeiro "produto" que é "vendido" para os anunciantes a peso de ouro e que sequer é mencionado no texto.

Os publicitários escamoteiam que sociedade é quem produz valor simbólico e real. Conteúdos, opiniões, produtos, mídia — inclusive de graça e de forma colaborativa, com as novas formas de produção e difusão da cultura

O manifesto tenta nos convencer do contrário. Não, não somos nós — a audiência o espectador, o público e a sociedade — que sustentamos o mercado e a mídia e sim "a publicidade" em si. São eles, os mediadores, os publicitários, diz o manifesto, os verdadeiros protagonistas dessa história.

Transformados em arautos da democracia e da "livre expressão", os publicitários defendem no seu manifesto que "é a publicidade que viabiliza, do ponto de vista financeiro, a liberdade de imprensa e a difusão de cultura e entretenimento para toda a população. É a publicidade que torna possível a existência de milhares de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, assim como de outras expressões da mídia." (!!!)

Ou seja: para os publicitários, estamos num cenário em que os mediadores são os protagonistas todo-poderosos da sociedade! Para eles, é a publicidade o esteio da democracia (e não o contrário: a radicalização da democracia que vai democratizar inclusive a publicidade corporativa). Que vende quase qualquer coisa, que cria necessidades, fidelidades, hábitos e valores, estilos mais ou menos predadores... É essa publicidade que quer se "auto-regulamentar"?

Os publicitários escamoteiam que é o espectador, a audiência, o público, a sociedade que produz valor simbólico e real. Conteúdos, opiniões, produtos, mídia — inclusive de graça e de forma colaborativa, hoje, com as novas formas de produção e difusão da cultura livre pós-internet. Produtos que, aliás, podem ser acessados diretamente, sem a mediação da publicidade tradicional.

A campanha sequer cogita os movimentos que exigem saber a origem da mão-de-obra dos produtos, a forma da produção, o caráter transgênico ou não. Ou seja: liberdade de sabermos o que ingerimos, vestimos, lemos, consumimos

O manifesto dos publicitários não discute o que poderia ser uma publicidade democrática ou com objetivos "públicos" e não simplesmente predadora ou visando o lucro imediato. Sequer cogita a emergência de uma série de movimentos e ativistas, que batalham no campo do consumo. Exigindo rótulos explicativos e indicativos dos venenos que ingerimos e que a publicidade vende sob um lindo design e letras miúdas.

Movimentos que exigem saber a origem da mão-de-obra de certos produtos, a forma de produção, a origem natural ou modificada, transgênica ou não, com ou sem agrotóxicos, etc. Ou seja: a liberdade de sabermos o que afinal ingerimos, calçamos, vestimos, lemos, vemos, consumimos.

Movimentos que mostram que o preço embutido da publicidade encarece os produtos de forma exorbitante! O que também não é dito no manifesto, ou seja, que somos nós que pagamos a própria publicidade que consumimos.

Incutindo o medo. Com décadas de atraso em relação a outros países, e apesar do lobby poderoso, a propaganda de cigarros foi proibida na mídia brasileira. O que não levou à falência nem as emissoras de TV e jornais, nem as fábricas de cigarros (que passaram a apoiar festivas de música e produtos culturais).

O fim da propaganda de cigarro também não levou a uma diminuição da "liberdade de expressão" de ninguém. Quem quer fuma, mas diminuiu-se, sim, os riscos de câncer de pulmão em nível planetário.

Ninguém deixará de tomar sua bebida alcoólica. Mas o consumo será balizado por outras forças, que não simplesmente o bombardeamento diário da publicidade ostensiva e reiterativa

Agora, a batalha é proibir a publicidade de bebidas alcoólicas, sendo o alcoolismo uma epidemia de ricos e pobres, no Brasil. Ninguém deixará de tomar sua cerveja, cachaça, vinho, whisky, o que for. Mas, sem dúvida, o consumo será balizado por outras forças, que não simplesmente o bombardeamento diário da publicidade ostensiva e reiterativa.

Ao tentarem neutralizar a força do consumidor e se colocarem na "origem" da liberdade de expressão e como fonte primordial de sustentação da mídia democrática, os publicitários fazem uma peça de marketing ruim e corporativa, distorcida.

Esquecem, que o telespectador e a audiência, o público, o "prossumidor" (o consumidor que se tornou produtor e publicista) está mobilizado e é a nova forca de transformação no capitalismo midiático e imaterial.

A Mídia somos nós, a liberdade de expressão não tem nada a ver com propaganda de cerveja ou de gordura trans! Mesmo parados diante da TV estamos trabalhando para a audiência. O poder de consumo, de produção, criação e difusão está em toda a sociedade. É a sociedade que deve ser empoderada! Ao invés da defesa incondicional da "perenidade" do mercado publicitário, principalmente num capitalismo da abundância e da emergência da economia da gratuidade.

Precisamos de uma nova publicidade: de democratização, colaborativa e feita pelo próprio consumidor. O que falta são mais movimentos de consumidores e telespectadores — para exigir, opinar, protestar e pressionar

O estágio atual é de politização do consumo! Não precisamos de manifesto de publicitários defendendo sua corporação e propondo "adequar" os cursos de Comunicação a suas exigências, adestrando os jovens a um complexo industrial/publicitário em crise. Precisamos de uma nova publicidade, de democratização, colaborativa e feita pelo próprio consumidor.

O que falta são mais movimentos de consumidores, de telespectadores que pudessem exigir, opinar, protestar e pressionar os fabricantes de produtos e os publicitários. Algo que o anonimato e a impessoalidade da audiência não estimulam.

Como dar credibilidade a um manifesto que apaga o consumidor como fonte de poder e valor e coloca no seu lugar...os publicitários. Ou que demoniza o Estado, que quer regular e restringir certas propagandas?

O Manifesto dos Publicitários torna-se uma jogada de marketing ruim, pois:

Para os publicitários, não existe comunicação sem publicidade!

Para os publicitários, a proibição de anunciar bebida alcoólica vai levar a mídia a falência!

Para os publicitários, sem a publicidade não existe "liberdade de expressão"!

Para os publicitários, para não "desaquecer" o mercado não se pode intervir nem restringir certos anúncios, como o de "bebidas alcoólicas, remédios, alimentos, refrigerantes, automóveis, produtos para crianças, entre outras".

Um Civita e um Marinho, com seus ternos cinzas, vozes monocórdias e rostos descansados, adentraram a nossa casa, pela concessão pública que lhes demos, para fazer sua própria publicidade e anunciar essa estranha contrafação

Seria o equivalente a dizer que para não "desaquecer" o mercado de drogas não se pode intervir no sistema de venda, de tráfico de armas e de corrupção existente. Pois esse é um mercado aquecidíssimo e que movimenta zilhões, sem publicidade!

"Seria demais pedir a um anunciante que proponha o desestímulo ao consumo", nas palavras de Gilberto Leifert, presidente do Conar, ao vender o texto — ou, melhor, a publicidade dos publicitários. Perfeito, é essa a lógica do Manifesto!

"O objetivo central é sempre o fortalecimento da indústria da comunicação", completa o texto, ou seja, a manutenção de um mercado publicitário "perene" a qualquer custo. A mesma lógica "desenvolvimentista" que ainda é dominante na política, apesar de ultrapassada e discutível.

Os publicitários querem criar uma confusão entre as liberdades individuais, o "risco escolhido" (consumir, viver e morrer, ter prazer fumando cigarro, ingerindo gordura trans, bebendo ou usando drogas leves e pesadas, por vontade própria), a "liberdade de expressão" (que tem a ver com a possibilidade da pluralidade e da autonomia). Capturam a defesa legítima dessas liberdades com a sua defesa de "liberdade comercial", mesmo que essa liberdade das empresas afronte a saúde pública e a construção do comum.

É muito preocupante que os publicitários transformem a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Congresso em inimigos públicos número um de sua categoria! Ou seja, o que está sendo descartado são as questões de saúde pública! E a construção do interesse "comum".

Estranhamente os publicitários não falam em democratizar as verbas públicas destinadas as suas empresas e que são repartidas entre uns poucos veículos de comunicação. Essa repartição pouco democrática do bolo nem sequer é mencionada. Ou seja, o Estado só incomoda quando quer regular para todos, não quando privilegia poucos.

O manifesto dos publicitários que ganhou ampla repercussão na própria TV, em horário nobre, teve dois garotos-propaganda de peso. Um Civita e um Marinho, donos de corporações de mídia e TV, com seus ternos cinzas, voz monocórdia e rosto descansado, adentraram a nossa casa, pela concessão pública que lhes demos, para fazer a sua própria publicidade e anunciar essa estranha contrafação.

domingo, 17 de agosto de 2008


Os futuros domínios da mente


Flávio Gikovate


1. A psiquiatria é uma especialidade médica que faz fronteira com a neurologia, por um lado, e com a filosofia, por outro. Estivemos muito ocupados com seu conteúdo intrínseco, qual seja, o dos conflitos derivados de eventuais experiências traumáticas individuais, uma vez que a psicanálise foi o grande evento do século XX. Além de nos alertar para os dilemas pessoais, trouxe para o domínio da ciência algumas das grandes questões humanas, tais como o significado dos sonhos e a existência do inconsciente, os inexoráveis conflitos entre pais e filhos, a sexualidade e os problemas derivados da necessidade de repressão deste impulso para a viabilização da vida em sociedade, etc.

Creio que estamos chegando perto do fim deste tipo de reflexão sobre nossa condição. Penso que os grandes conflitos existenciais, sempre tratados pela filosofia, tomarão vulto enorme, uma vez que nossos conflitos são ínfimos diante de temas como o do medo da morte, a insignificância cósmica da condição humana, o desamparo físico e metafísico que nos envolve, etc. A reflexão filosófica passará a ser o centro, enquanto que os eventuais conflitos individuais serão a periferia daquilo que será analisado em nossa subjetividade. Exatamente o oposto do que fazemos hoje.
Por outro lado, os avanços da neurofisiologia e da farmacologia daí derivada nos trarão importantes reforços terapêuticos de natureza essencialmente orgânica. Não só os quadros depressivos e ansiosos poderão ser combatidos com eficiência crescente, mas também distúrbios de natureza alucinatória, delirante, e mesmo aqueles relacionados com a idade - entre os quais ressalta o prejuízo da memória. Cirurgias cerebrais para tratamento de sintomas específicos, relacionados não só com a epilepsia, serão realizadas com freqüência crescente. Ou seja, boa parte daquilo que hoje constitui a psiquiatria se bandeará na direção da neurologia.
Não é o caso, porém, de superdimensionarmos estes dados de previsão. O grande mistério de como as células cerebrais são capazes de gerar isto que chamamos de pensamento ainda continuará sem desvendamento. A hipótese de que algo de imaterial - a alma - tenha nos penetrado e se exerça através do sistema nervoso continuará a ser aventada, pois é mais ou menos assim que nos percebemos: portadores de uma lado material e outro, o da mente pensante, que parece totalmente separado do corpo.

2. Este setor aparentemente não material da nossa atividade cerebral, aquele que se compõe de percepções externas e internas que alimentam o pensamento, o raciocínio e a lógica, continuará a ser muito importante. Duas modificações são previsíveis: a primeira será no sentido de aprimoramento do rigor lógico, hoje muito descuidado. Isto é grave, pois tem gerado equívocos inadmissíveis causadores de grandes sofrimentos. Quando pensamos mal concluímos de modo errado e somos incapazes de levar adiante nossos projetos de vida. A eles se transferem nossos equívocos racionais.

A outra modificação consistirá na crescente importância que assumirão os chamados fenômenos paranormais. Telepatia, premonição, materialização estão entre os processos psíquicos que indiscutivelmente existem, mas que não temos a menor idéia dos ingredientes nele contidos. Não creio que saberemos muito sobre eles nas próximas décadas. Porém, conseguiremos nos livrar dessa forma simplista de pensar, que é a de que só existem as coisas cuja explicação fomos capazes de nos apropriar. Assim sendo, conviveremos com estes fenômenos, que serão parte integrante de nossa vida cotidiana. Poderemos nos treinar para a comunicação telepática com aquelas pessoas que nos interessem, poderemos mudar objetos de lugar através da força do pensamento, poderemos levar mais a sério nossas previsões acerca do futuro. Tudo isto gerará novos e imprevisíveis avanços e trará também novas dores, novas disputas e talvez um novo tipo de poder; isto porque os "dons" paranormais não serão iguais entre os humanos.

3. Nossa mente será povoada com lembranças de situações que efetivamente vivenciamos, com pensamentos lógicos que fomos capazes de construir e também com dados que nos chegaram pela via telepática. Chegarão vindos de outras mentes. Poderão ser mentes iguais às nossas. Mas poderão ser de seres que habitam outros planetas em outros sistemas estelares. É muito provável que existam seres extraterrenos e que venhamos a nos comunicar com eles em breve; e talvez isto se dê exatamente pela via telepática.

Da mesma forma, não é impossível que sejamos capazes de nos comunicar com eventuais espíritos que porventura nos rodeiam. Não será fácil distinguir entre o que seja imaginação, telepatia com terrenos, telepatia com extraterrenos e telepatia com eventuais espíritos. É bem provável que o pensamento religioso sofra enormes modificações, de modo que serão pouco convincentes os textos místicos tradicionais. Deverão surgir novas doutrinas, que atrairão as grandes multidões. Elas estarão cada vez mais disponíveis para isso, uma vez que os novos processos psíquicos de natureza paranormal nos darão a impressão de estarmos, de novo, cercados por brutais mistérios e rodeados de magia e de espiritualidade.

4. O reacender desta visão mágica e mística da vida trará consigo várias conseqüências. Uma delas será o fim da idéia de que o pensamento lógico é o único meio de chegarmos ao conhecimento - e este tipo de pensar, quando exercido será, como disse, mais rigoroso. Estará sendo reforçado o pensamento do tipo indutivo, mais rico e criativo do que a dedução. As artes florescerão depois de um longo período de aridez que já está em curso.

Em decorrência deste tipo de visão mais religiosa da vida - e também em conseqüência dos processos ligados aos limites energéticos e ecológicos do planeta - nossa tendência materialista atual sofrerá radical reversão. As pessoas se aperceberão, de modo definitivo, que os bens materiais para além dos indispensáveis não são capazes de trazer os benefícios sugeridos. A corrida consumista acabará. Ser muito apegado aos bens materiais voltará a ser visto como coisa fútil e menor. É provável que uma visão mais clara das questões metafísicas e religiosas trará aos nossos espíritos um certo tipo de alívio e serenidade que desconhecemos.
Desta forma, o trabalho também mudará de conotação. Deixará de ser visto como a maior virtude, como o que de melhor temos para fazer com nossa inteligência, agora entretida com telepatia e também com equipamentos eletrônicos cada vez mais sofisticados e interessantes. A automação diminuirá cada vez mais as oportunidades de trabalho no mundo concreto que nos cerca. É curioso prever que isto coincidirá com as alterações em nossa subjetividade que também trarão um menor apego do homem às coisas materiais e ao trabalho que é o veículo para sua aquisição.

5. Muitos dos bens produzidos em decorrência dos recentes avanços tecnológicos são relacionados com o lazer. E mais do que isto, têm a ver com entretenimentos individuais, solitários. As crianças hoje já se ocupam mais com a televisão e com os computadores do que com as outras crianças - e mesmo com os pais. Este dado objetivo da nossa nova realidade é fundamental, pois finalmente nos permite uma visão individual do ser humano. Sempre nos vimos como uma parte de um todo maior. No amor romântico, éramos a "metade" da laranja. Sempre nos sentimos incompletos e isto nos impediu de nos reconhecermos como inteiros, como unidade. Aprendemos a conceber a salvação com algo que viria de fora, do outro; isto é, que o indivíduo não se resolve em si mesmo.
Num primeiro instante este individualismo crescente apareceu como algo nefasto, como um subproduto negativo, como um alto preço que estávamos pagando pelo nosso progresso tecnológico. Com o passar das décadas, poderemos perceber que estávamos muito enganados. Perceberemos que o individualismo é, em primeiro lugar, nossa verdade maior. Isto nos levará a uma revisão definitiva do fenômeno amoroso tal como o conhecemos. A idéia de fusão de duas criaturas para formar a unidade romântica será facilmente relacionada com um anseio regressivo relacionado com nossa origem - fusão da mãe e seu feto. O amor adulto será respeitoso dos direitos e do modo de ser dos indivíduos. Será próximo do que hoje chamamos de amizade e será muito mais gratificante do que imaginamos.

Perceberemos que o sexo é um fenômeno essencialmente individual e que as práticas que envolvem trocas de carícias não têm a importância que a ele atribuímos. Tornar-se-á um fato simples e será praticado entre criaturas de sexo oposto ou do mesmo sexo de acordo com os desejos de cada um. Será visto como algo totalmente isolado do amor, podendo - ou não - a ele se acoplar. A igualdade no modo de ser e de se comportar de homens e mulheres será inevitável, ressalvadas apenas as diferenças que são da biologia. Viveremos a igualdade possível para criaturas desiguais.
A vaidade, ingrediente importante da nossa sexualidade que nos leva a desejar muito o destaque e o exibicionismo de todo o tipo, será melhor entendida, de modo que ficará essencialmente relacionada com nossas funções corpóreas. A vaidade intelectual, que tanto mal tem feito ao nosso modo de pensar, será desprezada e rejeitada como o pior dos males. O controle sobre essa vaidade nociva será outro ingrediente que, junto com a diminuição do materialismo, tenderá para conduzir as pessoas numa direção de menos disputa e mais companheirismo. Os prazeres intelectuais crescerão juntamente com a espiritualidade e o ressurgimento das artes. Será, porém, livre deste danoso ingrediente da vaidade.

6. Talvez a mudança mais inesperada e radical que as décadas vindouras irão assistir seja aquela relacionada com o pensamento - e com a prática - moral. Vivemos sob o domínio de um modo de pensar que atribui à generosidade o papel de virtude, sendo o egoísmo o vício. Sabemos que a humanidade se divide essencialmente entre estes dois tipos, onde predomina uma ou outra destas posturas. A proporção das pessoas desta ou daquela forma é mais ou menos a mesma, distribuída igualmente entre os sexos. Egoístas se alimentam das dádivas dos generosos. Estes se sentem melhores e superiores por causa disso. Os primeiros se sentem espertos e um tanto humilhados com seu procedimento, que é típico das crianças ainda fracas e dependentes. Na realidade, compõe-se uma espécie de recíproca dependência, uma vez que os que se dispõem a dar mais do que recebem necessitam deste tipo de auto-afirmação. Alianças deste tipo se estabelecem no amor e também nas relações profissionais.

Voltaremos a pensar, como Aristóteles o fez há 24 séculos, que a virtude está na temperança, no meio. Qualquer desvio, tanto na direção do excesso como de escassez daquela propriedade, será entendido como vício igual. Generosidade e egoísmo são, pois, vícios complementares. A virtude será o ponto de justiça. Só os justos serão vistos como portadores de um modo de ser equilibrado, onde não predomina nem a vaidade intelectual e nem as fraquezas operacionais. O desaparecimento dos generosos trará como conseqüência inevitável o fim dos egoístas; estes não terão a quem parasitar e tratarão de evoluir. Finalmente desaparecerá este duplo modo de se comportar e de pensar que hoje tanto nos confunde e nos impede de educar nossos filhos. Com qual modelo irão eles se identificar quando o pai é de um modo e a mãe do outro?
Pessoas justas construirão famílias onde a justiça irá prevalecer, onde os privilégios indevidos não existirão. Pessoas justas construirão ambientes de trabalho onde não irão mais acontecer de uns fazerem a maior parte do esforço e outros levarem os louros e as glórias. Pessoas justas não se deixam explorar. Exigem direitos iguais aos que atribuem aos outros. Não querem mais e nem menos do que aquilo que merecem. Pessoas justas construirão sociedades mais justas, nas quais as diferenças de talento definirão privilégios para uns, mas não às custas da miséria dos menos dotados.

Até aí o discurso parece o de um homem de bem sonhando com um mundo melhor, que poderá ou não ocorrer. O que me deixa fascinado é que acredito que isto irá acontecer mesmo que não seja este o desejo daqueles que nos governam; e mais, irá acontecer independente da vontade dos nossos intelectuais e pensadores. Acontecerá em virtude das alterações nos processos econômicos mundiais e será simultâneo, pois se dará ao mesmo tempo de todos os cantos do planeta. Acontecerá não por vontade dos humanistas e sim por causa dos desígnios das novas leis da economia.
A "globalização" que estamos assistindo é processo irreversível. A competição entre empresas, países, modos de produção tenderá a crescer cada vez mais. O que acontecerá dentro das empresas? Elas terão que desenvolver um sistema de convívio interno extremamente competente e cooperativo para que possam se tornar competitivas em relação à concorrência. Ora, o desenvolvimento deste ambiente cooperativo só será possível se os participantes daquele grupo de trabalho forem justos. Se forem, como hoje, egoístas e generosos, viverão às turras, uns explorando e se sentindo pouco competentes para o trabalho efetivo enquanto que outros se sentirão competentes e mal reconhecidos pelos seus feitos. A recíproca rivalidade e inveja é responsável por tensões e competições internas que tornarão pouco competitivas as empresas assim constituídas e que necessitam de toda a energia para a disputa externa.

As empresas terão que ser como times de futebol - ou de qualquer outro esporte - onde o interesse coletivo terá que prevalecer sobre os óbvios e fortes interesses individuais. As pessoas finalmente compreenderão que o seu sucesso depende mais do que tudo do sucesso do grupo. Com isto surgirá, por necessidade e não por ideologia ou convicção, a prazerosa sensação de solidariedade e cooperação. Serão sentimentos que tenderão a se estabelecer porque são muito agradáveis. As empresas demitirão aqueles que não se integrarem neste sistema cooperativo capaz de promover a máxima produtividade e fazer delas vitoriosas nas crescentes competições do mercado internacional. Os egoístas terão que se reformar sob pena de ficarem sem trabalho. Os generosos não poderão mais exercer suas peculiaridades porque não existirão pessoas diferentes deles no ambiente de trabalho.

Aos poucos, e sem que nos apercebamos, todos teremos nos tornado pessoas justas. E isto acontecerá pelo caminho mais inesperado, qual seja, o do estabelecimento de um modo de vida de tal forma competitivo - derivado das novas regras da economia mundial - em que não poderemos mais sustentar a antiga divisão entre generosos e egoístas.

Flávio Gikovate é médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.

Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.

Confira o programa "No Divã do Gikovate" que vai ao ar todos os domingos das 21h às 22h na Rádio CBN (Brasil), respondendo questões formuladas pelo telefone e por e-mail gikovate@cbn.com.br

Email: instituto@flaviogikovate.com.br


A educação e a nova classe gerencial



Victor Alberto Danich

Num mundo dominado por teorias que colocam o Estado como coadjuvante da economia de mercado, o aparelho da legitimação e justificação da dominação abarca a ideologia e a política.

Historicamente, no processo de constituição das sociedades nacionais dependentes, as oligarquias que foram entrelaçando seus interesses ao modelo liberal, desenvolveram uma consciência alienada sujeita aos moldes ideológicos e culturais, tanto da Europa como dos Estados Unidos. Para esses grupos oligárquicos, a Nação era algo que devia constituir-se conforme o modelo político daqueles países, centrado numa visão alienada e impregnada de uma vocação hegemônica, pautada numa concepção formal e vergonhosa de soberania territorial. O atual modelo neoliberal criou uma nova burguesia apátrida, que se expressa não apenas como uma consciência alienada, senão como a exteriorização da mesma em diferentes formas de alienação cultural. Os membros desta “burguesia gerencial” excluíram toda idéia de soberania e de Nação. Sua pátria é a sociedade dos negócios que operam indistintamente tanto na América como na Ásia, cuja visão de futuro é a eficácia traduzida em bons dividendos e “choques de gestão”, no qual todo sentimento humano ou toda dimensão da vida real dos povos ou das pessoas se dissolve em função da produtividade. São tecnocratas, administradores, investigadores de mercado, racionalizadores e especuladores, que ligam seu próprio destino aos grandes mercados e as transações globais.

Cidadãos do dinheiro, não estão alienados ao modelo dos centros hegemônicos, senão que são a própria ideologia da eficiência monopólica aplicadas a todo tipo de sociedade, mimetizando sua profissão em qualquer região geográfica, com outro idioma e com outra gente. Nesta nova realidade, a classe média “pequeno burguesa” que se encontra no meio do caminho dos setores mais explorados da sociedade e daqueles que possibilitam essa exploração, pendula entre a consciência alienada e os valores de seu próprio povo, por um lado submetida ao modelo dominador, e por outro, na procura ideológica de uma inserção no destino comum da nação despojada. O conhecimento, como formação profissional limitada, configura técnicos treinados sem referências sociais, que os levam a acreditarem na incapacidade de avaliar o contexto no quais os problemas sociais surgem. Esta forma de educação faz crer que estes problemas são resultado da ineficiência da própria sociedade ou do Estado, neutralizando dessa forma o surgimento de qualquer tipo de descontentamento coletivo.

Em contrapartida se instala o discurso da “elevação do nível de educação”, da busca da “excelência no ensino” e a “modernização do plano de estudos”, que apenas pretende justificar a privatização da educação, de modo a transformar os estudantes em trabalhadores acríticos identificados apenas com os interesses do mundo dos negócios.

Nas sociedades assim formatadas, as classes dominantes tendem a ligar os sistemas de poder a mecanismos ideológicos e culturais que, indistintamente, procuram homogeneizar a consciência dominadora, legalizando-a e justificando-a como se fosse um fato natural os sistemas de poder. No entanto, a consciência popular, articulada na luta permanente e dolorosa contra a ruptura de sua identidade, deve ter o apoio incondicional e solidário dos intelectuais comprometidos com formas superiores e pragmáticas da verdadeira democracia, que permita, sem condicionantes, uma saída coletiva de igualdade e dignidade para todos.

Victor Alberto Danich é sociólogo.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

John Coltrane - Traneing In (1957)

http://i35.tinypic.com/2cmsv1z.jpg


http://i37.tinypic.com/keys7l.jpg


John Coltrane - Traneing In (1957)
Genre: Jazz / hard bop
MP3 / 320Kbps / RS.com: 86mb / covers


Músicos:
John Coltrane (saxophone),
Red Garland (piano),
Paul Chambers (bass),
Arthur Taylor (drums)

Faixas:
1. Traneing In 12:34
2. Slow Dance 5:27
3. Bass Blues 7:46
4. You Leave Me Breathless 7:23
5. Soft Lights and Sweet Music 4:41

Uploader: redbhiku


Mahmud: Imortal!





Por Elaine Tavares.

“Venham companheiros de correntes e tristezas
Caminhemos para a mais bela margem
Nós não nos submeteremos
Só podemos perder
O ataúde”.

Ele era assim. Essa voz poderosa chamando para a revolução. Queria ver seu povo livre, soberano, feliz. Queria de volta a sua Palestina, não como concessão de algum político bonzinho, mas porque esse é o direito do povo, usurpado em 1948 pela criação do Estado de Israel. Mahmud Darwish, poeta, guerreiro, anjo, criança, renitente, insistente. Encantou no último sábado (dia 9) quando seu coração, pesado de tanta dor, deixou de bater. Mas, enganam-se aqueles que pensam que Mahmud vivia por conta de seu coração. Não. Ele vivia pelas palavras que criava, pelas construções poéticas que erguia e, estas, nunca haverão de morrer.

Ninguém disse nada, mas quando os olhos de Mahmud apagaram para este mundo, abriram-se para a velha aldeia onde nasceu, Al Barwua, de onde sua família foi expulsa pelas armas de Israel. Um lugar que não existe mais, a não ser nos sonhos do menino que nunca a esqueceu. Encravado no coração da Galiléia, o povoado é hoje um acampamento judeu. Mas, para Mahmud sempre foi seu torrão natal, seu ninho. E é possivelmente lá que agora ele passeia, entre as oliveiras.

“Registra-me
Sou árabe
O número de minha identidade é cinqüenta mil
Tenho oito filhos
E o nono... virá logo depois do verão
Vais te irritar por acaso?”

Mahmud foi o poeta palestino que de forma mais radical imortalizou a dor e a luta de seu povo. Até porque nunca se limitou a ser apenas um escrevinhador. Era um animal político, absolutamente conectado com as ações e com a vida real. Seu canto poético brotava das vísceras à mostra, do homem pé-no-chão, do palestino encarcerado, do humano grávido de esperanças. Suas palavras nunca foram criações estéticas. Eram o gume cortante de uma vida real, expressa em sangue e lágrimas. Seu poema nos arranca da apatia e nos convida a lutar, concretamente.

“Ainda verte a fonte do crime.
Obstruam-na!
E permaneçam vigilantes
Prontos para o combate”

Pois agora a mão que rasgava em fogo o papel com o grito da Palestina ocupada já não escreverá mais. Mas precisa? Seu canto de liberdade está cravado na terra fértil dos corações que sonham com o ainda-não, e dali nunca fugirão. Mahmud passeia em Al Barwa. Mahmud passeia nas terras antigas, onde vivia uma gente livre. Mahmud passeia nas cabeças das gentes e grita, com elas. Mahmud imortal, imenso, menino, homem, pura vontade de ser aquilo que sempre foi: palestino, livre, soberano. Porque a liberdade, afinal, vive lá dentro, no profundo do humano. Mahmud! Presente! Sua alma imortal dançará no dia da vitória!

“selvagens... árabes”
sim! Árabes
e estamos orgulhosos
e sabemos como empunhar a foice
como resistir
inclusive sem armas
e sabemos como construir a fábrica moderna
a casa
o hospital
a escola
a bomba”

Primeira entrevista com o Presidente depois do triunfo no revogatório





Bolívia

Buenos Aires, 13 ago (Martín Sivak, de Crítica Digital, tomado por ABI).- Sorridente e sempre sóbrio, Evo Morales jantou sopa de quinua, trucha (um peixe comum no Lago Titicaca), sorvete de chirimoya de sobremesa e bebeu só um vaso de mocochinchi (pêssego desidratado).

"Sábado e domingo voltei a ser Evo Morales", diz o presidente da Bolívia. Não fala do resultado do referend

o que ratificou seu mandato mas de um costume que recuperou nas horas prévias à eleição: dirigir velozmente com música de bandas e melodias andinas como fundo.

"Assim me distraio e me lembro de como era a vida antes de chegar aquí". Aquí é o comedor principal da residência de São Jorge, onde o Presidente está só. Destacam-se as cortinas bordô, um televisor de tela plana, poltronas de um rosa gastado e a foto oficial do Chefe de Estado, único detalhe que dá um toque pessoal a um ambiente impessoal.

Ao sentar-se à mesa para jantar, Morales conhece o último dado do referendo revogatório: o Sim a sua continuidade chega a 65% dos votos.

Crê que nas horas seguintes superará os dois terços dos sufrágios, uma proporção que nenhuma pesquisa de voto antecipou e que provocou surpresa no próprio governo, que começou a campanha no pico do conflito com o oriente do país. O objetivo inicial consistia em manter os 53,7% das eleições gerais de 2005.

"Superamos nossa votação por quase 12 pontos, e votaram mais de 83% dos bolivianos", aponta o Presidente, enquanto toma um prato de sopa de quinua.

Soa um de seus dois celulares, com novidades de Pando: é o departamento do Oriente ao que o Executivo destinou maiores esforços para revogar o governador Leopoldo Fernández. Faltaram menos de dois mil votos. Uma vitória haveria provocado a erosão do bloco de governadores opositores do Oriente, unidos pela reclamação de autonomia e pelo rechaço a Morales e suas políticas.

"Eu fui sempre de diálogo: não sei por que tanta surpresa por meu discurso", diz sobre suas palavras desde os balcões do Palácio Queimado, quando convocou à unidade nacional, felicitou os gpvernadores ratificados e propôs uma agenda que harmonizaria a Constituição Política do Estado (votada pela maioria oficialista e desconhecida pela oposição) com as autonomías departamentais (a reclamação do Oriente).

O Presidente concede que esse entendimento não será nada fácil com ol Oriente. "Mas faremos todo o possível para chegar a isso: meu dever como presidente é esgotar as possibilidades".

Sabe que um fracasso nesse diálogo implicaria o reinicio de um novo ciclo de conflitos com derivações insuspeitadas.

No oriente do país, onde os governadores adversários ganharam, Morales cresceu em todos os departamentos. Em Santa Cruz, por exemplo, ganhou nas zonas rurais e suburbanas de migração interna e perdeu por uma grande diferença nas zonas urbanas. Essa tendência de grande apoio no campo e menos nas cidades se repetiu em quase todos os nove departamentos.

O Governo segue acreditando que em Santa Cruz é decisivo encontrar a liderança local de um crucenho ou crucenha que possa instalar a agenda do Governo nacional e incorporar novos sectores.

Morales não viu por inteiro, pela televisão, o discurso de Rubén Costas, o prefeito ratificado de Santa Cruz. Se surpreendeu quando depois leu na transcrição que havía acusado a seu Governo de ser uma ditadura, de praticar o terrorismo de Estado e de viver prisioneiro do fundamentalismo aimará.

Durante a noite da eleição também ficou em evidencia a dureza com o Governo da maioria dos meios de comunicação onde despontou Unitel, propiedade de uma das famílias latifundiárias mais favorecidas do Oriente.

"Os resultados mostram que os bolivianos crêem cada vez menos nos meios de comunicação privados: me atacam sistematicamente, mas não puderam impedir que ganhemos. 90% dos meios de comunicação está contra mim, mas dois terços do país apóia este processo de mudança".

Enquanto prova a trucha criola do Lago Titicaca, conta que Fidel Castro lhe mandou uma mensagem de felicitação: lhe disse que sua vitória fora "colossal". Durante o jantar recebe chamados a cada três minutos. Um deles para terminar de definir as atividades de terça-feira: às 5h da manhã tem sua primeira reunião com a equipe de "Evo Cumpre", depois conversará com uma delegação do Governo dos Estados Unidos sobre questões vinculadas com o narcotráfico e seguirá para um encontro com membros da Organização de Estados Americanos.

Prefere de sobremesa um sorvete de chirimoya ― fruta parecida à palta por fora e à pêra por dentro ― que lhe oferece um garçom vestido com camisa mao negra. Se serve o último vaso de mocochinchi.

Morales ainda se emociona ao recordar a queda do helicóptero ruso ― piloteado por uma equipe de quatro venezuelanos e um boliviano ― que o transportava diariamente por toda a Bolívia.

Recorda cada uma das viagens com esses pilotos por geografias e climas mais difíceis que os do dia dla queda. Crê que possa ter sido um atentado. "Mas não deixarei de subir nos helicópteros e de voar aos povoados porque é a única maneira que sei governar".

Na semana prévia ao referendo, o Presidente não pode assistir a atos em Sucre pelo Día da Independência nem em Tarija, onde deveria encontrar-se com Cristina Fernández de Kirchner e Hugo Chávez, pelos bloqueios a aeroportos feitos por grupos de oposição.

Depois do referendo, certas vozes radicais do Oriente intentaram instalar a idéia de que o presidente fora revocado em Santa Cruz (perdeu por 60% contra 40%) e que nessas terras já não exercia a presidência.

"Eu seguirei viajando ao Oriente porque sou o Presidente de todos os bolivianos", assegura às 10h30min da noite, quando já tem dois ministros esperando-o numa sala contigua. Ao despedir-se disse que quer dirigir sua camioneta por uma zona inóspita de Tarija que conhece bem. "Pura terra e pedras".

Vitoriosos entre amigos

O avanço dos cômputos oficiais da contagem dos votos no referendo revogatório de 10 de agosto deu uma grande surpresa. Foi no departamento amazônico e oriental de Pando, que junto a Santa Cruz, Beni e Tarija lideram a demanda autonomista da região da chamada "media luna" contra La Paz.

Com 97% dos votos computados, o Sim à continuidade do presidente Evo Morales se impôs em Pando com 52,70% sobre o Não. O governador de Pando Leopoldo Fernández foi ratificado em seu cargo com quase 56% dos sufrágios, mas o triunfo do presidente no âmbito departamental sem dúvida socavará a capacidade de negociação deste, ademais de que implicará numa quebra no bastião opositor das regiões autonomistas. Ao mesmo tempo, o revogado governador de Cochabamba, o ex-militar Manfred Reyes Villa, ex-guarda-costas do ditador Luis García Meza, renunciou ontem de surpresa a seu cargo, logo de anunciar que não reconheceria os resultados que lhe foram contrários. Reyes Villa advertira que lutaria pela sua continuidade ante a Justiça, depois de ser revogado por seis de cada dez cochabambinos. Logo de conhecidos os resultados contrários ao governador, militantes do oficialista Movimento ao Socialismo (MAS) ameaçaram sacá-lo à força do edifício da governadoria.

Poderosos interesses não permitem efetivo estudo da Amazônia




Gabriel Brito e Valéria Nader

Com o planeta cada vez mais mergulhado na crise sobre como tratar as questões ambientais, não é difícil imaginar que os olhos, não só de governos, como também de grandes parcelas da sociedade internacional, se dirijam crescentemente ao território brasileiro e seu ecossistema, dotado de riquezas praticamente inigualáveis.

Mediante esse quadro, pouco, ou nada, impede que empresas estrangeiras se apoderem de grandes fatias de nosso território. Ao Brasil não caberá, portanto, o direito de protelar amplos debates na dita esfera, sob pena de degradar ainda mais suas áreas ou ver sua soberania verdadeiramente em risco.

Somente nos últimos meses, três discussões de grande relevância agitaram os militantes da causa ambiental e os defensores do desenvolvimento a qualquer custo: o lobby pela redução da área de reserva ambiental de 80% para 50% em propriedade privada; a MP 422, alardeada como a MP de incentivo à grilagem, por aumentar de 500 para 1500 hectares o limite de áreas que podem ser legalizadas sem qualquer licitação; e a privatização da floresta amazônica, que já teve 96 mil hectares de suas áreas vendidas (na Flona Jamari-RO) e corre o risco de ver outros mais de 200 milhões de hectares de terras públicas cercadas ilegalmente passarem pelo mesmo processo. O Serviço Florestal Brasileiro acaba de anunciar, por exemplo, um novo projeto de concessão, que permite que empresas privadas explorem trechos da floresta nacional Saracá-Taquera, nos municípios de Faro e Oriximiná, no estado do Pará.

Obviamente, este não é um tema de interesse exclusivo das partes citadas, mas sim de toda a sociedade, verdadeiros donos do patrimônio natural da nação. Com gigantes áreas ainda devolutas, está claro que no Brasil a política de defesa do meio ambiente sofre muitos entraves e tem muito por desenvolver-se.

A ausência de estudos e mapeamentos da Amazônia

Para o geógrafo Aziz Ab’saber, que desenvolveu estudo que mapeia a Amazônia em sub-regiões, é urgente a necessidade de se fatiar suas regiões, a fim de se estudar cada uma delas mais profundamente e compreendê-las melhor. "Só quando for feito o zoneamento de cada célula espacial, como defini essas sub-regiões, é que vão aparecer as diferenças sub-regionais de cada uma delas. A parte científica e técnica é a mais importante: fazer um detalhamento de cada célula-espacial em termos de seu desenvolvimento internalizado".

O professor emérito da USP ainda prossegue em suas advertências. "O conhecimento dessas realidades regionais, tanto em pequenas como em grandes cidades, é muito importante para identificar os problemas de vários setores". Ou seja, para Aziz, somente uma conhecimento a fundo da Amazônia pode levar a que se efetivem políticas eficientes de proteção ambiental e das populações locais.

Porém, fatos como a retirada do único artigo da famigerada MP 422 que podia oferecer algum controle sobre a grilagem, que condicionava a regularização fundiária de propriedades na Amazônia Legal ao zoneamento ecológico-econômico dos estados, mostram a cara de um país fortemente vulnerável a pressões dos maiores beneficiários econômicos da destruição ambiental. Interesses de grandes transnacionais na área seguem prevalecendo sobre o maior rigor na concessão e legalização de terras, apesar dos discursos de efeito do ministro Carlos Minc.

Em artigo publicado na página da Radioagência NP, assim com em diversas de suas falas a este Correio, o também geógrafo Ariovaldo Umbelino recapitula momentos da história do país que marcaram a luta da elite pela propriedade privada e define que "a elite brasileira raramente botou a mão no bolso para comprar a terra. Ela sempre criou instrumentos legais para se apropriar gratuitamente de vastas extensões de terras no Brasil. É por isso que o capitalismo no Brasil tem o caráter rentista". Lembrança muito bem vinda para realçar a compreensão da nova dimensão dos interesses que estão em questão.

"Quando o Lula assumiu a presidência, imaginei ser preciso organizar uma reunião em Brasília com técnicos, cientistas e políticos mais sensíveis sobre as questões da Amazônia, trabalhando para aprofundar conhecimentos em cada uma de suas regiões. Poderiam ser organizadas equipes de trabalho para cuidar de cada célula espacial, que depois se reuniriam e discutiriam o que foi encontrado em cada região. Seria fundamental essa visão dos problemas. É um tema muito importante em termos de conhecimento e da possibilidade de se fazer um planejamento para a região", afirma Ab’saber, explicando como o governo poderia se direcionar na gestão da Amazônia.

Os dados trazidos por Umbelino no artigo supracitado reforçam a importância desse planejamento que nunca saiu no papel. Segundo o geógrafo, "na atualidade, mais de 212 milhões de hectares de terras públicas, devolutas ou não, estão fora dos registros do Incra, dos Institutos de Terras estaduais e dos Cartórios de Registro de Imóveis. Ou seja, estão cercadas, mas não existem para o Estado.Foi por isso que os grileiros sempre atuaram politicamente para impedir que os governos estaduais e a União fizessem as ações discriminatórias das terras devolutas sob suas jurisdições. E aí está a razão pela qual são contra a reforma agrária".

O zoneamento defendido por Aziz também já foi citado pela ex-ministra Marina da Silva como fundamental, e até mesmo pelo diretor do Plano Amazônia Sustentável, ministro Mangabeira Unger. Sendo assim, por que não é levado adiante pelo governo de forma mais decidida e objetiva?

A luta pela apropriação de riquezas

Sem deixar de lado os já numerosos embates internos, há no cenário internacional uma temerária escalada na luta pela apropriação de riquezas naturais, como petróleo, gás, minérios e água. Somos já alvo de potências (nacionais e empresariais) na luta pelo controle de tantos e imprescindíveis recursos, não nos iludamos. A reativação da Quarta Frota norte-americana e o grande número de empresas transnacionais que já operam em nosso território são no mínimo sintomáticos de gordos olhos sobre nossa nação.

A criação de uma Guarda Florestal, sugestão do ministro Minc, é apenas parte de eventuais medidas que podem se tornar necessárias. No entanto, proposições destinadas a atender ao interesse geral da sociedade brasileira têm perdido constantemente as quedas de braço com o agronegócio e as madeireiras. Grilagem legitimada pelo governo e venda de pedaços da floresta é o que temos visto se concretizar de fato.

O bioma amazônico, ocupante de praticamente 60% do nosso território, é peça fundamental para que tenhamos o tão propalado desenvolvimento sustentável, em sua acepção honesta. Conhecê-lo e cuidar dele em sua totalidade são obrigações inadiáveis de quem pretende crescer sem perder sua soberania, que certamente não está ameaçada por conta dos índios, como chegou a se apavorar o general Heleno.

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

Antigo testamento para fomentar uso do preservativo

camisinha05

www.blocomotiva.net

Uma campanha apresentada terça-feira no México utiliza frases do Antigo Testamento para promover o uso do preservativo entre a população do país como meio para combater a expansão da Sida. A campanha consistirá em cartazes e folhetos divulgados nos comboios e estações das linhas do metro da capital mexicana antes e durante a Conferencia Internacional sobre Sida 2008, que se realiza na cidade de 3 a 8 de Agosto.

"Ama ao teu próximo como a ti mesmo. Usa preservativo" e "Gozar não é pecado. Arriscar a tua vida e a do teu parceiro, sim. Protege-te do HIV e da SIDA" são os lemas desta iniciativa promovida por duas associações: Rede Nacional Católica de Jovens pelo Direito a Decidir (RNCJDD) e Católicas pelo Direito a Decidir (CPDD).

A campanha consistirá em cartazes e folhetos nos comboios e no metropolitano da capital mexicana antes e durante a Conferencia Internacional sobre Sida 2008, que se realiza na cidade de 3 a 8 de Agosto. As citações "exaltam o amor como sentimento sagrado, exemplificando-o poeticamente na relação entre duas pessoas" para, deste modo, afirmar que "gozar não é pecado", precisou uma das promotoras da campanha.

"Amado meu! que delicioso eras, que delicioso! O nosso leito e só de folhagem", "Serão teus peitos como cachos de uva e a tua respiração como perfume de maçãs" e "Debaixo da tua língua encontra-se leite e mel" são as três referências do "Cântico dos Cânticos" utilizadas na campanha, um livro do Antigo Testamento, que narra a relação amorosa entre um homem e uma mulher.

Os promotores da campanha criticam a posição da Igreja Católica, que se opõe ao uso do preservativo e que defende a abstinência como método para travar a expansão do HIV. "Precisamos de uma hierarquia mais realista e consciente dos problemas dos seus paroquianos" já que no interior da igreja há muitas pessoas comprometidas com o uso do preservativo", reclamou a porta-voz das jovens católicas.

No México, estima-se que haja 180 mil pessoas infectadas ou doentes com HIV/SIDA e todos os anos são detectados entre 8.000 e 8.500 casos da doença. É urgente que a Igreja, sendo uma instituição que ainda influencia milhões de pessoas, tome posições responsáveis: defender e fomentar o uso do preservativo, abandonando princípios moralistas desadequados da realidade.


Não Existe Um Povo Brasileiro


Mário Maestri*


A cultura, língua, história, tradições, etc. luso-brasileiras não podem e não devem ser tidas como as únicas do Brasil. Isso constitui desrespeito e agressão às outras nacionalidades do país, sobretudo porque, sendo essa nação “um país típico de imigração”, “não existe”, no frigir dos ovos, “um povo brasileiro”, mas um “Estado brasileiro, no qual vivem diversos povos”, descendentes de lusitanos, de alemães, de italianos, de africanos, etc. O Brasil deve “servir de pátria” para “todos os povos” de sua terra.

O Estado brasileiro não deve assegurar privilégios, mas garantir a todas os grupos étnicos que constituem a comunidade nacional, “equivalentes e equiparados” direitos de língua, cultura, escola, etc. O reconhecimento ao ensino da história singular de cada comunidade constitui elemento fundamental, “porque somente então” cada uma delas “se reconhecerá como um fator que faz história, e saberá se libertar da sua posição de inferioridade [...].”

O monopólio político do “luso-brasileiro” deve dar lugar à representação dos diversos grupos étnicos, já “que nada há, neste mundo, que não tenha sido criado pelos homens – e mesmo que no momento pareça solidamente construído – nada há que não possa ser [...] reconstruído pelos mesmos.” “Brasilidade é e somente pode ser o sentimento de profunda união com o solo [...] e a nação brasileira, [...], sem nenhuma tendência de imperialismo étnico por parte de qualquer etnia isolada”, já que o Brasil deve “servir de pátria” “para todas as raças e todos os povos representados no país” e não apenas ao luso-descendente.

Essa proposta de democratização do Brasil, através de sua racialização, ou seja, do reconhecimento dos direitos de expressão, organização e representação singular dos diversos grupos étnicos que integram a comunidade nacional, que sintetizamos, foi apresentada, em Benneckenstein, em 19-22 de março de 1937, no 3º Congresso Anual do Círculo Teuto-Brasileiro de Trabalho de Berlim, na Alemanha nazista. [1]

Destaque-se que esse programa racista procuravam interpretar direitos democráticos efetivamente desrespeitados, sobretudo das comunidades rurais teuto-brasileiras do sul do Brasil, mantidas, mais ou menos, nos cem anos anteriores, com destaque para o período imperial, em inferioridade lingüística, cultural e política, apesar de importante contribuição à sociedade nacional.

A retórica racial nazista enfatizava, corretamente, o monopólio luso-brasileiro, absolutizando as aparências raciais e desconhecendo as essências sociais. Literalmente soterrava o fato de que o monopólio era exercido prioritariamente por classe dominante com luso-ascendência, e não por aquela comunidade como um todo. Essa interpretação racial da realidade social era imprescindível à conquista nazista do direito de representação dos teuto-brasileiros, no contexto de novas instituições nacionais que mantivessem a velha ordem classista, também em relação à comunidade explorada de origem alemã.

A retórica racista encobriu sempre a militância anti-social nazi-fascista. O poder fora entregue pelo capital, na Itália, ao fascismo, em 1922, e na Alemanha, ao nazismo, em 1933, para jugularem o movimento operário que assaltava a ordem capitalista, restaurando hegemonia e dominação fraturadas. No Brasil e no mundo, as propostas de racialização almejavam substituir os interesses comuns dos explorados por identidades fantasmagóricas de etnia, consolidando e não superando a opressão de classe.

O fato de que essa proposta impugnava a construção-consolidação de Estado-nação brasileiro, mesmo sob hegemonia das classes dominantes nacionais, então em fortalecimento, explica o comportamento contraditório dessas últimas, expresso pela ditadura de Getúlio Vargas – simpatia ideológica ao nazi-fascismo e repressão à sua organização e desenvolvimento no Brasil.

O programa de racialização nazi-fascista foi combatido pela política de nacionalização autoritária do Estado Novo [1937-45] e superadas com a derrota do Eixo, em 1945. Sobretudo, foi ultrapassado pela integração das comunidades de descendentes de italiano e alemães e com o fortalecimento do Estado-nação ensejado pelo empuxe nacional-desenvolvimentista. Nos dias atuais, também no Brasil, a mundialização capitalista enseja a retomada das propostas de racialização, como meio de fragilização do movimento social e dos vínculos nacionais dos Estados periféricos.

* Mário Maestri, 59, é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net