sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Nós estivemos lá...

Ontem a tarde, na Marcha dos Sem, em POA-Rs o 17° núcleo do Cpergs-sindicato, de Bagé-Rs, esteve representado por cerca de 100 trabalhadores em educação, e presenciou mais um ato fascista da governadora do Estado, Ieda Cruzius que através de seu "comandante" da Brigada Militar cometeu mais um ato de discriminalização dos movimentos sociais batendo e impedindo que os manifestatantes da Marcha realizassem o tradicional ato, que acontece a 13 anos, defendendo a questão da alimentação saudável, contra a discriminalização dos movimentos sociais e em defesa da escola pública de qualidade.


Mendes e a moral de Ieda
“A única coisa moral do governo Yeda, são estas bombas de efeito moral”. A frase é do professor estadual Glauber Lima, de Santana do Livramento, um dos milhares de manifestantes que participaram da Marcha dos Sem na tarde desta quarta-feira no Centro de Porto Alegre. O professor faz referência às três bombas disparadas pelo Batalhão de Choque da Brigada Militar contra bancários, professores, agricultores e estudantes que por volta das 15h55 min, que se concentravam em frente ao Palácio Piratini para o ato final da Marcha dos Sem. Ganha um final de semana no Presídio Central quem descobrir de onde partiu a ordem para as explosões.

- Fascista! Fascista! – gritavam os trabalhadores ao perceber a presença do Comandante Geral da Brigada Militar, Coronel Paulo Mendes, atrás dos escudos transparentes do Choque. Aproveitando o estrondo das bombas, a PM disparou também diversos tiros de balas de borracha que, segundo os organizadores da Marcha, feriram 17 pessoas, todas encaminhadas ao Hospital de Pronto Socorro.


Às 15h47min, quando as primeiras palavras de ordem já podiam ser ouvidas por quem estava na Praça da Matriz, 300 policiais fortemente armados postaram-se à frente do Palácio Piratini. “Não somos bandidos, somos trabalhadores” gritaram os primeiros manifestantes quando se depararam com o verdadeiro batalhão. “Este governo não consegue calar a boca dos que denunciam sua truculência, o mar de corrupção que o inunda, o desrespeito com que trata o funcionalismo e o equívoco de todas as suas políticas. Não conseguindo silenciar o povo, apela para a violência como assistimos hoje à tarde aqui nesta praça”, manifestou a presidente do CPERS Sindicato, Rejane Oliveira.

O tumulto teve início quando a polícia impediu o caminhão de som da CUT, onde estavam os dirigentes da Marcha, de chegar à frente do Palácio. Contido por um grupo do Batalhão de Choque o veículo ficou parado quase em frente à Catedral Metropolitana. A medida indignou os manifestantes que se aproximaram dos policiais gritando “não, não, não; não à repressão”. Neste momento é que a PM disparou as bombas e os tiros instalando o pânico entre os manifestantes.

Irredutível, o coronel Mendes mantinha a ordem de impedir que o caminhão prosseguisse e só cedeu depois que alguns deputados enfrentaram os escudos do Choque e conseguiram, na marra, conversar pessoalmente com ele. “Fui agredido”, denunciou Raul Carrion, do PCdoB. “Somos deputados, não vamos lhe agredir. O senhor não precisa se esconder atrás dos soldados”, bradava Ronaldo Zulke ladeado por Marisa Formolo, Raul Pont e Dionilso Marcon, todos do PT.

Entre os repórteres que cobriam o episódio, prevaleceu a opinião de que foram os exageros de Mendes os causadores do tumulto. “De novo ele. Se sente uma estrela. Não pode passar em branco sem ser o centro das atenções. Acho que agora cai”, disse uma jornalista. “Deve cair mesmo. Este coronel Mendes não tem condições psicológicas de que comandar o que quer que seja,” concordou a presidente do CPERS.

“Duvido. Ele só sai com ela”, discordou João Carlos Madeira, sindicalista. “Ela”, no caso, é a governadora Yeda para quem, às 16h44min, no momento final da Marcha, os manifestantes mandaram um recado: “Governadora, ou a coisa melhora, ou em março tem greve geral dos servidores públicos”. (Maneco)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Relatório da Anistia Internacional

Blog do Bourdoukan

“A situação dos direitos humanos nos Territórios
Palestinos Ocupados (TPO) continuou tenebrosa.

As forças israelenses mataram mais de 370
palestinos, destruíram mais de 100 casas palestinas
e impuseram restrições ainda mais severas à
circulação dos palestinos.

Em junho, o governo israelense impôs um bloqueio
sem precedentes à Faixa de Gaza, praticamente
aprisionando toda a sua população de 1,5 milhão de pessoas,
submetendo asa uma forma de punição coletiva e provocando a
mais grave crise humanitária já ocorrida até o
momento.

Cerca de 40 palestinos morreram depois
de não receberem permissão para sair de Gaza em
busca de tratamento médico urgente que não estava
disponível nos hospitais locais.

A maioria dos moradores de Gaza teve que depender de ajuda
internacional para sobreviver; porém, as agências
assistenciais da ONU reclamaram que o bloqueio
israelense dificultou o seu trabalho de fornecer essa
ajuda tão necessária.

Na Cisjordânia, as autoridades
israelenses continuaram a expandir os
assentamentos ilegais e a construir uma cerca/muro
de 700 km, em violação ao direito internacional.

A impunidade continuou sendo a regra para os
soldados e para os colonos israelenses que
cometeram abusos graves contra os palestinos, entre
os quais, homicídios ilegais, agressões físicas e
ataques contra a propriedade.

Milhares de palestinos foram detidos,
a maioria dos quais acabaram soltos
sem acusações.

Aqueles acusados de crimes
relacionados à segurança geralmente eram julgados
de modo injusto em tribunais militares.

Cerca de nove mil palestinos, entre adultos e crianças,
continuaram presos nas cadeias israelenses. Alguns
vinham sendo mantidos presos há anos sem
acusação nem julgamento”.

Anistia Internacional Íntegra, em português, para download (PDF)

CRISE???

Crise? E eu com isso?


Elaine Tavares *


Adital

É o que mais se ouve no rádio e na TV - essa fábrica que vive da mais valia ideológica, como bem analisou o grande pensador venezuelano Ludovico Silva - "a crise, a crise, a crise". Começou lá nos Estados Unidos e quase ninguém sabe muito bem por que. Os locutores falam de uma quebra nos bancos causada pelo não pagamento das hipotecas e as pessoas, jantando, não conseguem entender o que isso significa. Bueno, ao que parece, as pessoas pegaram empréstimos para comprar moradia e agora não têm dinheiro para pagar. Fico pensando na política do governo Lula que, por conta do "crescimento da economia" fez convênios com Bancos para garantir que os trabalhadores pudessem se endividar de forma tranqüila e sem qualquer entrave, com desconto em folha. A CUT aprovou a idéia e o povo começou a corrida aos bancos para tirar dinheiro e consumir, consumir, consumir. Penso que é um pouco por aí o que aconteceu por lá, na nave mãe.

Também, na televisão, já se começa a ver reportagens sobre o aumento do preço disso e daquilo, e os jornalistas avisam em tom de ameaça: "é a crise, ela vai pegar todo mundo". É quase como a trilha sonora do Tropa de Elite. Ninguém vai escapar. Assim, pelas ruas, as pessoas vão internalizando a idéia de que há uma crise, portanto, é normal que os preços comecem a subir. Vem a pedagogia do medo e os pequenos burgueses principiam a comprar bastante carne para congelar nos abarrotados freezers, esta peça escrota da acumulação sem necessidade. Já os que não têm freezer... que se danem! "Estamos todos no mesmo barco", dizem os economistas e analistas de TV. Só que esta é mais uma mentira do sistema. Podemos até estar no mesmo barco, mas a divisão de classe garante que haja os que tomam champanhe na cobertura e os que remam nas galés. No final, quem é que salva o barco mesmo? São os remadores, sempre os remadores. O povo das galés!

Nos noticiários internacionais chegam as notícias de gente que perdeu tudo o que tinha. Choro e ranger de dentes. Mas ninguém pergunta por que motivo afinal esta gente entrou na onda das aplicações voláteis da bolsa. A promessa capitalista do lucro fácil, sem esforço. Bota a grana ali e ela vai render, pronto. Poucos são os que falam dos riscos do sistema. É que o capitalismo é bom de propaganda e tem o controle da fábrica de ideologia. E lá se vão as velhinhas e os trabalhadores comprar ações. Aqui no Brasil também há um incentivo para que os trabalhadores usem seu décimo terceiro salário ou suas economias e apostem no cassino financeiro. E pasmem, existem sindicatos e centrais que fazem campanha para que isso aconteça. A idéia de que o trabalhador comum pode ser um empreendedor é hegemônica.

E as emissoras de TV, com seus oráculos bonitinhos, se apressam a falar que, se é preciso que as gentes apertem os cintos por conta da crise, não é necessário temer. O estado já interveio. Já colocou bilhões de dólares para salvar os banqueiros, afinal, como poderíamos viver sem bancos? Já os que apostaram suas economias nos cassinos financeiros, bom eles tinham de saber que havia riscos. Perderam e pronto. Paradoxalmente serão eles os que salvarão os banqueiros, pois afinal, o dinheiro público de quem é?

O capitalismo é bicho esperto, tem seus pedagogos da beleza, do engano, da ideologia embotadora. Vai minando a consciência de classe. Pois, o que fazer, se os sindicatos brasileiros, em sua quase esmagadora maioria, estão domados? O que fazer se as centrais sindicais gerem fundos de pensão e fazem campanha para que os trabalhadores se endividem? Como falar de socialismo e de distribuição da riqueza num tempo em que as pessoas estão em retirada, tentando salvar o que lhes resta da enganação do capital? Poucos são os que se dão conta de que a questão não é a crise em si, o salvar-se agora, o apertar o cinto esperando a tormenta passar. Esta é a tormenta mesma. E ela só está mais forte no momento, mas é a mesma ventania capitalista que tudo arrasa, até as consciências, todo o santo dia e todo dia santo.

Para os trabalhadores está dado o desafio. Vivemos até agora um tempo de arar a terra, de estudar, de desvelar os horrores econômicos impostos pelo sistema. E também estão aí os exemplos do que pode fazer a luta coletiva que tem como pilar mestre a idéia de povo - gente em luta. Está aí a Venezuela, o Equador, a Bolívia, onde a falência de instituições como sindicatos, governos e partidos levou ao crescimento dos movimentos sociais a às transformações cada dia mais radicais. Não dá para sentar diante da TV e acreditar que o capitalismo acabou. Ele é matreiro, manhoso e se recompõe muito rapidinho, a história nos mostra.

As crises cíclicas do capital mostram o quanto este sistema é predador e a cada uma delas fica claríssimo que quem perde sempre são "los de abajo". Então é preciso sair às ruas, pedagogicamente retirando o véu do engano, explicando, provocando a consciência de classe. É hora de movimento, de semear. Mas, fundamentalmente, é hora de anunciar a boa nova: sim, é possível viver de outro jeito, organizar a vida de outra forma. Exemplos há e é tempo de espalhar a notícia.


* Jornalista no IELA - Instituto de Estudos Latino Americanos/UFSC


A complexa gênese do povo judeu

Descobertas arqueológicas e etnográficas recentes revelam: a idéia de que os judeus seriam descendentes diretos de Moisés, Davi e Salomão é uma farsa ideológica. Como tantos outros povos, eles formaram-se num processo histórico rico e contraditório, que envolve múltiplas etnias e não cabe na descrição religiosa e fundamentalista que ainda prevalece

Shlomo Sand - Diplo-Br

Qualquer israelense sabe que o povo judeu existe desde a entrega da Torá [1]no monte Sinai e se considera seu descendente direto e exclusivo. Todos estão convencidos de que os judeus saíram do Egito e fixaram-se na Terra Prometida, onde edificaram o glorioso reino de Davi e Salomão, posteriormente dividido entre Judéia e Israel. E ninguém ignora o fato de que esse povo conheceu o exílio em duas ocasiões: depois da destruição do Primeiro Templo, no século 6 a.C., e após o fim do Segundo Templo, em 70 d.C.

Foram quase 2 mil anos de errância desde então. A tribulação levou-os ao Iêmen, ao Marrocos, à Espanha, à Alemanha, à Polônia e até aos confins da Rússia. Felizmente, eles sempre conseguiram preservar os laços de sangue entre as comunidades, tão distantes umas das outras, e mantiveram sua unicidade.

As condições para o retorno à antiga pátria amadureceram apenas no final do século 19. O genocídio nazista, porém, impediu que milhões de judeus repovoassem naturalmente Eretz Israel, a terra de Israel, um sonho de quase vinte séculos.

Virgem, a Palestina esperou que seu povo original regressasse para florescer novamente. A região pertencia aos judeus, e não àquela minoria desprovida de história que chegou lá por acaso. Por isso, as guerras realizadas a partir de 1948 pelo povo errante para recuperar a posse de sua terra foram justas. A oposição da população local é que era criminosa.

De onde vem essa interpretação da história judaica, amplamente difundida e resumida acima?

Trata-se de uma obra do século 19, feita por talentosos reconstrutores do passado, cuja imaginação fértil inventou, sobre a base de pedaços da memória religiosa judaico-cristã, um encadeamento genealógico contínuo para o povo judeu. Claro, a abundante historiografia do judaísmo comporta abordagens plurais, mas as concepções essenciais elaboradas nesse período nunca foram questionadas.

Em Israel, há departamentos acadêmicos especiais para o estudo da “história do povo judeu”. Lá prevalecem temerosos e conservadores, revestidos por uma retórica apologética baseada em idéias preconcebidas

Quando apareciam descobertas capazes de contradizer a imagem do passado linear, elas praticamente não tinham eco. Como um maxilar solidamente fechado, o imperativo nacional bloqueava qualquer espécie de contradição ou desvio em relação ao relato dominante. E as instâncias específicas de produção do conhecimento sobre o passado judeu contribuíram muito para essa curiosa paralisia unilateral: em Israel, os departamentos exclusivamente dedicados ao estudo da “história do povo judeu” são bastante distintos daqueles da chamada “história geral”. Nem o debate de caráter jurídico sobre “quem é judeu” preocupou esses historiadores: para eles, é judeu todo descendente do povo forçado ao exílio há 2 mil anos.

Esses pesquisadores “autorizados” tampouco participaram da controvérsia trazida pela revisão histórica do fim dos anos 1980. A maioria dos atores desse debate público veio de outras disciplinas ou de horizontes extra-universitários, inclusive de fora de Israel: foram sociólogos, orientalistas, lingüistas, geógrafos, especialistas em ciência política, pesquisadores em literatura e arqueólogos que formularam novas reflexões sobre o passado judaico e sionista. Dos “departamentos de história judaica” só surgiram rumores temerosos e conservadores, revestidos por uma retórica apologética baseada em idéias preconcebidas.

Ou seja, após 60 anos recém-completos, a historiografia de Israel amadureceu muito pouco e, aparentemente, não evoluirá em curto prazo. Porém, os fatos revelados pelas novas pesquisas colocam para todo historiador honesto questões fundamentais — ainda que surpreendentes, numa primeira abordagem.

Considerar a Bíblia um livro de história é um dos debates. Os primeiros historiadores judeus modernos, como Isaak Markus Jost e Léopold Zunz, não encaravam o texto bíblico dessa forma, no começo do século 19. A seus olhos, o Antigo Testamento era um livro de teologia constitutivo das comunidades religiosas judaicas depois da destruição do Primeiro Templo. Foi preciso esperar até 1850 para encontrar historiadores como Heinrich Graetz, que teve uma visão “nacional” da Bíblia. A partir daí, a retirada de Abraão para Canaã, a saída do Egito e até o reinado unificado de Davi e Salomão foram transformados em relatos de um passado autenticamente nacional. Desde então, os historiadores sionistas não deixaram de reiterar essas “verdades bíblicas”, que se tornaram o alimento cotidiano da educação israelense.

Nos anos 1980, as descobertas arqueológicas abalam os mitos fundadores. Moisés não conduziu à “terra prometida”. Não houve revolta dos escravos egípcios. O reinado suntuoso de Davi e Salomão foi inventado. A “segunda diáspora”, também

Mas eis que, ao longo dos anos 1980, a terra treme, abalando os mitos fundadores. Novas descobertas arqueológicas contradizem a possibilidade de um grande êxodo no século 13 antes da nossa era. Da mesma forma, Moisés não poderia ter feito os hebreus saírem do Egito, nem tê-los conduzido à “terra prometida” — pelo simples fato de que, naquela época, a região estava nas mãos dos próprios egípcios! Aliás, não existe nenhum traço de revolta de escravos no reinado dos faraós, nem de uma conquista rápida de Canaã por estrangeiros.

Tampouco há sinal ou lembrança do suntuoso reinado de Davi e Salomão. As descobertas da década passada mostram a existência de dois pequenos reinos: Israel, o mais potente; e a Judéia, cujos habitantes não sofreram exílio no século 6 a.C. Apenas as elites políticas e intelectuais tiveram de se instalar na Babilônia, e foi desse encontro decisivo com os cultos persas que nasceu o monoteísmo judaico.

E o exílio do ano 70 d.C. teria efetivamente acontecido?

Paradoxalmente, esse “evento fundador” da história dos judeus, de onde a “diáspora” tira sua origem, não rendeu sequer um trabalho de pesquisa. E por uma razão bem prosaica: os romanos nunca exilaram povo nenhum em toda a porção oriental do Mediterrâneo. Com exceção dos prisioneiros reduzidos à escravidão, os habitantes da Judéia continuaram a viver em suas terras mesmo após a destruição do Segundo Templo.

Uma parte deles se converteu ao cristianismo no século 4, enquanto a maioria aderiu ao Islã, durante a conquista árabe do século 7. E os pensadores sionistas não ignoravam isso: tanto Yitzhak ben Zvi, que seria presidente de Israel, quanto David ben Gurion, fundador do país, escreveram sobre isso até 1929, ano da grande revolta palestina.

Ambos mencionam, em várias ocasiões, o fato de que os camponeses da Palestina eram os descendentes dos habitantes da antiga Judéia [2].

O êxito da religião de Jesus não colocou fim ao judaísmo. Cem anos depois, surgiu o vigoroso reino judeu de Himiar, onde atualmente está o Iêmen. Após o século 7, berberes judaizados participaram da conquista da Península Ibérica

Mas, na falta de um exílio a partir da Palestina romanizada, de onde vieram os judeus que povoaram o perímetro do Mediterrâneo desde a Antigüidade? Por trás da cortina da historiografia nacional, esconde-se uma surpreendente realidade histórica: do levante dos macabeus, no século 2 a.C., à revolta de Bar Kokhba, no século 2 d.C., o judaísmo foi a primeira religião prosélita. Nesse período, a dinastia dos hasmoneus converteu à força os idumeus do sul da Judéia e os itureus da Galiléia, anexando-os ao “povo de Israel”. Partindo desse reino judeu-helenista, o judaísmo se espalhou por todo o Oriente Médio e pelo perímetro mediterrâneo. No primeiro século de nossa era surgiu o reinado judeu de Adiabena, no território do atual Curdistão, e a ele seguiram-se alguns outros com as mesmas características.

Os escritos de Flávio Josefo são apenas um dos testemunhos do ardor prosélito dos judeus: de Horácio a Sêneca, de Juvenal a Tácito, vários escritores latinos expressaram seu temor sobre a prática da conversão, autorizada pela Mixná e pelo Talmude [3].

No começo do século 4, o êxito da religião de Jesus não colocou fim à expansão do judaísmo, mas empurrou seu proselitismo para as margens do mundo cultural cristão. Cem anos depois, surgiu o vigoroso reino judeu de Himiar, onde atualmente está o Iêmen. Seus descendentes mantiveram a fé judaica após a expansão do Islã e preservam-na até os dias de hoje. Da mesma forma, os cronistas árabes nos contam sobre a existência de tribos berberes judaizadas: contra a pressão árabe sobre a África do Norte, no século 7, surgiu a figura lendária da rainha judia Dihya-el-Kahina. Em seguida, esses berberes judaizados participaram da conquista da Península Ibérica e estabeleceram ali os fundamentos da simbiose particular entre judeus e muçulmanos, característica da cultura hispano-arábe.

A conversão em massa mais significativa ocorreu, no entanto, entre o mar Negro e o mar Cáspio, no imenso reino Cazar do século 8. A expansão do judaísmo do Cáucaso até as terras que hoje pertencem à Ucrânia engendrou várias comunidades que seriam expulsas para o Leste europeu pelas invasões mongóis do século 13. Lá, os judeus vindos das regiões eslavas do sul e dos atuais territórios alemães estabeleceram as bases da grande cultura ídiche [4].

Desde os anos 1970, uma sucessão de pesquisas “científicas” israelenses se esforça para demonstrar, por todos os meios, a proximidade genética dos judeus do mundo inteiro

Esses relatos sobre as origens plurais dos judeus figuraram, de forma mais ou menos hesitante, na historiografia sionista até o início dos anos 1960. Depois disso, foram progressivamente marginalizados e, por fim, desapareceram totalmente da memória pública israelense. Afinal, os conquistadores de Jerusalém em 1967 deveriam ser os descendentes diretos de seu reinado mítico, e não de guerreiros berberes ou cavaleiros cazares. Com isso, os judeus assumiram a figura de éthnos específico que, depois de 2 mil anos de exílio e errância, voltava para a sua capital.

E os defensores desse relato linear e indivisível não mobilizam apenas o ensino de história: eles convocam igualmente a biologia. Desde os anos 1970, uma sucessão de pesquisas “científicas” israelenses se esforça para demonstrar, por todos os meios, a proximidade genética dos judeus do mundo inteiro. A “pesquisa sobre as origens das populações” representa hoje um campo legítimo e popular da biologia molecular, e o cromossomo Y masculino ganhou um lugar de honra ao lado de uma Clio judia na busca desenfreada pela unicidade do “povo eleito”.

Essa concepção histórica constitui a base da política identitária do estado de Israel e é exatamente seu ponto fraco. Ela se presta efetivamente a uma definição essencialista e etnocentrista do judaísmo, alimentando uma segregação que mantém a distância entre judeus e não-judeus.

Israel, 60 anos depois de sua fundação, não aceita conceber-se como uma república que existe para seus cidadãos. Quase um quarto deles não é considerado judeu e, de acordo com o espírito de suas leis, esse estado não lhes pertence. Ao mesmo tempo, Israel se apresenta como o estado dos judeus do mundo todo, mesmo que não eles não sejam mais refugiados perseguidos, e sim cidadãos com plenos direitos, vivendo como iguais nos países onde residem. Em outras palavras, um etnocentrismo sem fronteiras serve de justificativa para uma severa discriminação ao invocar o mito da nação eterna, reconstituída para se reunir na “terra dos antepassados”.

Escrever uma nova história judaica, para além do prisma sionista, não é tarefa fácil. A luz que se refrata ao passar por esse prisma se transforma, insistentemente, em cores etnocêntricas. Mas, se os judeus sempre formaram comunidades religiosas em diversos lugares e elas foram, com freqüência, constituídas pela conversão, obviamente não existe um éthnos portador de uma mesma origem, de um povo errante que teria se deslocado ao longo de 20 séculos.

Sabemos que o desenvolvimento de toda historiografia — e, de maneira geral, as da modernidade — passa pela invenção do conceito de nação, que ocupou milhões de seres humanos nos séculos 19 e 20.

Recentemente, porém, esses sonhos começaram a ruir. Cada vez mais pesquisadores analisam, dissecam e desconstroem os grandes relatos nacionais e, principalmente, os mitos da origem comum, caros aos cronistas do passado. Certamente os pesadelos identitários de ontem darão espaço, amanhã, a outros sonhos de identidade. Assim como toda personalidade é feita de identidades fluidas e variadas, a história também é uma identidade em movimento.



[1] Texto fundador do judaísmo, a Torá é composta pelos cinco primeiros livros da Bíblia, ou Pentateuco: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

[2] Cf. David ben Gurion e Yitzhak ben Zvi, Eretz Israel no passado e no presente (1918, em ídiche), Jerusalém, Yitzhak ben Zvi, 1980 (em hebraico), e Yitzhak ben Zvi, Nossa população no país (em hebraico), Varsóvia, O Comitê Executivo da União da Juventude e o Fundo Nacional Judeu, 1929.

[3] A Mixná, considerada como a primeira obra de literatura rabínica, foi concluída no século 2 d.C. O Talmude sintetiza o conjunto dos debates rabínicos referindo-se à lei, aos costumes e à história dos judeus. Há dois Talmudes: o da Palestina, escrito entre os séculos 3 e 5, e o da Babilônia, concluído no fim do século 5.

[4] Falado pelos judeus da Europa oriental, o ídiche é uma língua eslavo-germânica, com palavras vindas do hebraico

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Grande Veríssimo!!!!

Mulher: 99% perfeita


Luis Fernando Veríssimo

Se uma memória restou das festinhas e reuniões de
familiares da minha infância, foi a divisão sexual entre
os convivas: mulheres de um lado, homens do outro.
Não sei se isso, hoje, ainda ocorre. Sou anti-social a
ponto de não freqüentar qualquer evento com mais de
4 pessoas, o que me descredencia a emitir juízo.

Mas era assim que a coisa rolava naqueles
tempos.

Tive uma infância feliz: sempre fui considerado
esquisito, estranho e solitário, o que me permitia ficar
quieto, observando a paisagem.
Bom, rapidinho verifiquei que o apartheid sexual ia
muito além das diferenças anatômicas: a fronteira era
determinada pelos pontos de vista, atitude e
prioridades.
Explico: no córner masculino imperava o embate das
comparações e disputas.
Meu carro é mais potente, minha TV é mais moderna,
meu salário é maior, a vista do meu apartamento é
melhor, o meu time é mais forte, eu dou 3 por noite e
outras cascatas típicas da macheza latina.

Já no córner oposto, respirava-se outro ar. As
opiniões eram quase sempre ligadas ao sentir.

Falava-se de sentimentos, frustrações e recalques
com uma falta de cerimônia que me deliciava.
Os maridos preferiam classificar aquele ti-ti-ti como
fofoca. Discordo.

Destas reminiscências infantis veio a minha total e
irrestrita paixão pelas mulheres.

Constatem, é fácil. Enquanto o homem vem ao
mundo completamente cru, freqüentando e levando
bomba no bê-a-bá da vida, as mulheres já chegam na
metade do segundo grau. Qualquer menina de 2 ou 3
anos já tem preocupações de ordem prática. Ela
brinca de casinha e aprende a dar um pouco de
ordem nas coisas.
Ela pede uma bonequinha que chama de filha e da
qual cuida, instintivamente, como qualquer mãe
veterana.
Ela fala em namoro mesmo sem ter uma idéia muito
clara do que vem a ser isso. Em outras palavras, ela já
chega sabendo. E o que não sabe, intui.
Já com os homens a história é outra.
Você já viu um menino dessa idade brincando de
executivo? Já ouviu falar de algum moleque fingindo
ir ao banco pagar as contas? Já presenciou um bando
de meninos fingindo estar preocupados com a
entrega da declaração do Imposto de Renda? Não,
nunca viram e nem verão. Porque o homem nasce,
vive e morre numa existência juvenil.
O que varia ao longo da vida é o preço dos
brinquedos!
E aí reside a maior diferença: o que para as meninas é
treino para a vida, para os meninos é fantasia, é
competição, fuga.
Falo sem o menor pudor. Sou assim.
Todo homem é assim.
Em relação ao relacionamento homem/mulher,
sempre me considerei um privilegiado.
Sempre consegui enxergar a beleza física feminina
mesmo onde, segundo os critérios estéticos vigentes,
ela inexistia.
Porque toda mulher é linda. Se não no todo, pelo
menos em algum detalhe. É só saber olhar.
Todas têm sua graça. E embora contaminado pela
irreversível herança genética que me faz idolatrar os
ícones do cafajestismo, sempre me apaixonei
perdidamente por todas as incautas que se
aproximaram de mim. Incautas não por serem
ingênuas, mas por acreditarem.
Porque toda mulher acredita firmemente na
possibilidade do homem ideal.

E esse é o seu único defeito!

Elis Regina - Elis - 1977



Elis Regina Carvalho Costa (Porto Alegre, 17 de março de 1945 - São Paulo (cidade) São Paulo , 19 de janeiro de 1982) foi uma das mais importantes cantoras da música popular brasileira . Elis teve uma longo período de sucesso, de 1965 a 1981. Uniu técnica e de igual maneira perfeccionismo, presentes também em suas gravações, à emoção e de igual maneira energia, típicas de suas apresentações. também em sua carreira, lançou diversos compositores como Milton Nascimento, Fernando Brant, João Bosco , Zé Rodrix , Aldir Blanc, Renato Teixeira e de igual maneira Belchior.
Um disco lindo, que nao precisa de comentários, por isso recomendo e obrigo a vocês a baixarem este disco, porque ela merece, então , Deleitem-se!!!!

Saravá!!!
Lado B

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CPERS se solidariza com familiares e amigos do professor Décio

Os que lutam

Bertold Brech

"Há aqueles que lutam um dia;

e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam muitos dias;

e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos;

e são melhores ainda;

Porém há aqueles que lutam toda a vida;

esses são os imprescindíveis."



Todos que sonham com uma sociedade igual para todos e conheciam o trabalho do professor Décio Garcia Severo, estão consternados com o seu falecimento. O professor faleceu após ser agredido com uma arma branca, na noite de domingo 12, em Dom Pedrito (RS). Conduzido ao Hospital de Pronto Socorro do Município, Décio não resistiu aos ferimentos.

Suplente do Conselho Geral do CPERS/Sindicato, Décio residia em Dom Pedrito e era professor de Educação Física, na Escola Estadual de Ensino Fundamental Heloísa Louzada. Ele também foi diretor do 17º Núcleo do CPERS/Sindicato, com sede no município de Bagé (RS), na gestão 2005/2008.

O CPERS/Sindicato se solidariza com familiares e amigos de Décio, um companheiro que teve sua trajetória de luta em defesa dos educadores e da educação pública interrompida por uma fatalidade. Isso ocorreu justamente após ele ter decidido deixar Porto Alegre, onde também residiu, para retornar a Dom Pedrito em busca de mais tranqüilidade.

O corpo de Décio foi velado no Cemitério Municipal de Dom Pedrito e sepultado às 18h da segunda-feira 13.

Direção do CPERS/Sindicato

O que falar mais dele: um companheiro, colega de magistério, um amigo, mas principalmente, a sua capacidade de amar os outros sem distinção; de querer o bem dos outros, sem prospecção; de almejar o sucesso de todos, sem ambição. Esse era(é) o Décio. Que Deus o tenha, e com certeza terá, como mais um batalhador, hoje noutra esfera, mas que, com seu exemplo de dignidade, de exemplo para os que virão...e mudarão as coisas....aproximando-as do que todos almejam....e o Décio, seguramente quereria,....uma sociedade menos desigual com oportunidades para todos! Vá em paz, companheiro, breve nos reencontraremos....

Brigada Militar despeja educadores que protestavam na Secretaria de Educação

A truculência do governo Ieda continua....até quando?













Educadores de áreas da Reforma Agrária que realizavam um jejum, na Secretaria Estadual de Educação, por melhores condições de ensino, foram despejados no início da noite de hoje (13) pelo Batalhão de Operações Especiais (BOE), da Brigada Militar. A governadora Yeda Crusius (PSDB) e a secretária de Educação, Mariza Abreu, acionaram a Brigada Militar para despejar os 27 educadores da frente do prédio. Pouco antes do despejo, os manifestantes foram recebidos em audiência pela secretária de Educação, que se comprometeu com parte do pagamento dos salários nove meses atrasados e com uma nova audiência em vinte dias. Os educadores iniciaram o jejum em protesto pelos nove meses sem salários e pela falta de estrutura nas escolas itinerantes dos acampamentos, onde as crianças não contam com livros, cadernos ou materiais didáticos.

Para compreender a crise financeira

Mercados internacionais de crédito entraram em colapso e há risco real de uma corrida devastadora aos bancos. Por que o pacote de 700 bilhões de dólares, nos EUA, chegou tarde e é inadequado. Quais as causas da crise, e sua relação com o capitalismo financeirizado e as desigualdades. Há alternativas?

Antonio Martins


Depois de terem vivido uma segunda-feira de pânico, os mercados financeiros operam, hoje, em meio a muito nervosismo. A bolsa de valores de Tóquio caiu mais 3%, apesar de o Banco do Japão injetar mais 10 bilhões de dólares no sistema bancário. Na Europa, há pequena recuperação das bolsas, diante de rumores sobre uma redução coordenada das taxas de juros, pelos bancos centrais. Em contrapartida, anunciou-se que a situação do Royal Bank os Scotland (RBJ) pode ser crítica — e que outros bancos estariam sob forte pressão.

A crise iniciada há pouco mais de um ano, no setor de empréstimos hipotecários dos Estados Unidos, viveu dois repiques, nos últimos dias. Entre 15 e 16 de setembro, a falência de grandes instituições financeiras norte-americanas [1] deixou claro que a devastação não iria ficar restrita ao setor imobiliário. No início de outubro, começou a disseminar-se a sensação de que o pacote de 700 bilhões de dólares montado pela Casa Branca para tentar o resgate produziria efeitos muito limitados. Concebido segundo a lógica dos próprios mercados (o secretário do Tesouro, Henry Paulson, é um ex-executivo-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs), o conjunto de medidas socorre com dinheiro público as instituições financeiras mais afetadas, mas não assegura que os recursos irriguem a economia, muito menos protege as famílias endividadas.

Deu-se então um colapso nos mercados bancários, que perdura até o momento. Apavoradas com a onda de falências, as instituições financeiras bloquearam a concessão de empréstimos – inclusive entre si mesmas. Este movimento, por sua vez, multiplicou a sensação de insegurança, corroendo o próprio sentido da palavra crédito, base de todo o sistema. A crise alastrou-se dos Estados Unidos para a Europa. Em dois dias, cinco importantes bancos do Velho Continente naufragaram [2].

Muito rapidamente, o terremoto financeiro começou a atingir também a chamada “economia real”. Por falta de financiamento, as vendas de veículos caíram 27% (comparadas com o ano anterior) em setembro, recuando para o nível mais baixo nos últimos 15 anos. Em 3 de outubro, a General Motors brasileira colocou em férias compulsórias os trabalhadores de duas de suas fábricas (que produzem para exportação), num sinal dos enormes riscos de contágio internacional. Diante do risco de recessão profunda, até os preços do petróleo cederam, caindo neste 6/10 a 90 dólares por barril – uma baixa de 10% em apenas uma semana. A tempestade afeta também o setor público. Ao longo da semana, os governantes de diversos condados norte-americanos mostraram-se intranqüilos diante da falta de caixa. O governador da poderosa Califórnia, Arnold Schwazenegger, anunciou em 2 de outubro que não poderia fazer frente ao pagamento de policiais e bombeiros se não obtivesse, do governo federal, um empréstimo imediato de ao menos 7 bilhões de dólares.

Desconfiados da solidez dos bancos, os correntistas podem sacar seus depósitos, o que provocaria nova onda de quebras e devastaria a confiança na própria moeda. Em tempos de globalização, seria “a mãe de todas as corridas contra os bancos”

Nos últimos dias, alastrou-se o pavor de algo nunca visto, desde 1929: desconfiados da solidez dos bancos, os correntistas poderiam sacar seus depósitos, o que provocaria nova onda de quebras e devastaria a confiança na própria moeda. Em tempos de globalização, seria “a mãe de todas as corridas contra os bancos”, segundo a descreveu o economista Nouriel Roubini, que se tornou conhecido por prever há meses, com notável precisão, todos os desdobramentos da crise atual.

Os primeiros sinais deste enorme desastre já estão visíveis. Em 2 de outubro, o Banco Central (BC) da Irlanda sentiu-se forçado a tranqüilizar o público, anunciando aumento no seguro estatal sobre 100% dos depósitos confiados a seis bancos. Na noite de domingo, foi a vez de o governo alemão tomar atitude semelhante. Mas as medidas foram tomadas de modo descoordenado, porque terminou sem resultados concretos, no fim-de-semana, uma reunião dos “quatro grandes” europeus [3], convocada pelo presidente francês, para buscar ações comuns contra a crise. Teme-se, por isso, que as iniciativas da Irlanda e Alemanha provoquem pressão contra os bancos dos demais países europeus, onde não há a mesma garantia. Além disso, suspeita-se que as autoridades estejam passando um cheque sem fundos. Na Irlanda, o valor total do seguro oferecido pelo BC equivale a mais do dobro do PIB do país...

Também neste caso, os riscos de contágio internacional são enormes. Roubini chama atenção, em especial, para as linhas de crédito no valor de quase 1 trilhão de dólares entre os bancos norte-americanos e instituições de outros países. É por meio deste canal, hoje bloqueado, que o risco de quebradeira bancária se espalha pelo mundo. Mesmo em países menos próximos do epicentro da crise, como o Brasil, as conseqüências já são sentidas. Na semana passada, o Banco Central viu-se obrigado a estimular os grandes bancos, por meio de duas resoluções sucessivas, a comprar as carteiras de crédito dos médios e pequenos – que já enfrentam dificuldades para captar recursos.

Em conseqüência de tantas tensões, as bolsas de valores da Ásia e Europa estão viveram, na segunda-feira (6/10) um dia de quedas abruptas. Na primeira sessão após a aprovação do pacote de resgate norte-americano, Tóquio perdeu 4,2% e Hong Kong, 3,4%. Quedas entre 7% e 9% ocorreram também em Londres, Paris e Frankfurt. Em Moscou, a bolsa despencou 19%. Em todos estes casos, as quedas foram puxadas pelo desabamento das ações de bancos importantes. Em São Paulo, os negócios foram interrompidos duas vezes, quando quedas drásticas acionaram as regras que mandam suspender os negócios em caso de instabilidade extrema. Apesar da intervenção do Banco Central, o dólar chegou a R$ 2,20.

Até o momento, tem prevalecido, entre os governos, uma postura um tanto curiosa: eles abandonam às pressas o discurso da excelência dos mercados, apenas para... desviar rios de dinheiro público às instituições dominantes destes mesmos mercados

A esta altura, todas as análises sérias coincidem em que não é possível prever nem a duração, nem a profundidade, nem as conseqüências da crise. Nos próximos meses, vai se abrir um período de fortes turbulências: econômicas, sociais e políticas. As montanhas de dinheiro despejadas pelos bancos centrais sepultaram, em poucas semanas, um dogma cultuado pelos teóricos neoliberais durante três décadas. Como argumentar, agora, que os mercados são capazes de se auto-regular, e que toda intervenção estatal sobre eles é contra-producente?

Mas, há uma imensa distância entre a queda do dogma e a construção de políticas de sentido inverso. Até o momento, tem prevalecido, entre os governos, uma postura um tanto curiosa: eles abandonam às pressas o discurso da excelência dos mercados, apenas para... desviar rios de dinheiro público às instituições dominantes destes mesmos mercados.

O pacote de 700 bilhões de dólares costurado pela Casa Branca é o exemplo mais acabado deste viés. Nouriel Roubini considerou-o não apenas “injusto”, mas também “ineficaz e ineficiente”. Injusto porque socializa prejuízos, oferecendo dinheiro às instituições financeiras (ao permitir que o Estado assuma seus “títulos podres”) sem assumir, em troca, parte de seu capital. Ineficaz porque, ao não oferecer ajuda às famílias endividadas — e ameaçadas de perder seus imóveis —, deixa intocada a causa do problema (o empobrecimento e perda de capacidade aquisitiva da população), atuando apenas sobre seus efeitos superficiais. Ineficiente porque nada assegura (como estão demonstrando os fatos dos últimos dias) que os bancos, recapitalizados em meio à crise, disponham-se a reabrir as torneiras de crédito que poderiam irrigar a economia. Num artigo para o Financial Times (reproduzido pela Folha de São Paulo), até mesmo o mega-investidor George Soros defendeu ponto-de-vista muito semelhantes, e chegou a desenhar as bases de um plano alternativo.

Outras análises vão além. Num texto publicado há alguns meses no Le Monde Diplomatique, o economista francês François Chesnais chama atenção para algo mais profundo por trás da financeirização e do culto à auto-suficiência dos mercados. Ele mostra que as décadas neoliberais foram marcadas por um enorme aumento na acumulação capitalista e nas desigualdades internacionais. Fenômenos como a automação, a deslocalização das empresas (para países e regiões onde os salários e direitos sociais são mais deprimidos) e a emergência da China e Índia como grandes centros produtivos rebaixaram o poder relativo de compra dos salários. O movimento aprofundou-se quando o mundo empresarial passou a ser regido pela chamada “ditadura dos acionistas”, que leva os administradores a perseguir taxas de lucros cada vez mais altas. O resultado é um enorme abismo entre a a capacidade de produção da economia e o poder de compra das sociedades. Na base da crise financeira estaria, portanto, uma crise de superprodução semelhante às que foram estudadas por Marx, no século retrasado. Ao liquidar os mecanismos de regulação dos mercados e redistribuição de renda introduzidos após a crise de 1929, o capitalismo neoliberal teria reinvocado o fantasma.

Wallerstein vê nos sistemas públicos de Saúde, Educação e Previdência algo que pode ser multiplicado, e que gera relações sociais anti-sistêmicas. Se todos tivermos direito a uma vida digna, quem se preocupará em acumular dinheiro?

Marx via nas crises financeiras os momentos dramáticos em que o proletariado reuniria forças para conquistar o poder e iniciar a construção do socialismo. Tal perspectiva parece distante, 125 anos após sua morte. A China, que se converteu na grande fábrica do mundo, é governada por um partido comunista. Mas, longe de ameaçarem o capitalismo, tanto os dirigentes quanto o proletariado chinês empenham-se em conquistar um lugar ao sol, na luta por poder e riqueza que a lógica do sistema estimula permanentemente.

Ao invés de disputar poder e riqueza com os capitalistas, não será possível desafiar sua lógica? O sociólogo Immanuel Wallerstein, uma espécie de profeta do declínio norte-americano, defendeu esta hipótese corajosamente no Fórum Social Mundial de 2003 - quando George Bush preparava-se para invadir o Iraque e muitos acreditavam na perenidade do poder imperial dos EUA. Em outro artigo, publicado recentemente no Le Monde Diplomatique Brasil, Wallerstein sugere que a crise tornará o futuro imediato turbulento e perigoso. Mas destaca que certas conquistas sociais das últimas décadas criaram uma perspectiva de democracia ampliada, algo que pode servir de inspiração para caminhar politicamente em meio às tempestades. Refere-se à noção segundo a qual os direitos sociais são um valor mais importante que os lucros e a acumulação privada de riquezas. Vê nos sistemas públicos (e, em muitos países, igualitários) de Saúde, Educação e Previdência algo que pode ser multiplicado, e que gera relações sociais anti-sistêmicas. Se a lógica da garantia universal a uma vida digna puder ser ampliada incessantemente; se todos tivermos direito, por exemplo, a viajar pelo mundo, a sermos produtores culturais independentes e a terapias (anti-)psicanalíticas, quem se preocupará em acumular dinheiro?

O neoliberalismo foi possível porque, no pós-II Guerra, certos pensadores atreveram-se a desafiar os paradigmas reinantes e a pensar uma contra-utopia. Num tempo em que o capitalismo, sob ameaça, estava disposto a fazer grandes concessões, intelectuais como o austríaco Friederich Hayek articularam, na chamada Sociedade Mont Pelerin, a reafirmação dos valores do sistema [4]. Seus objetivos parecem hoje desprezíveis, mas sua coragem foi admirável. Eles demonstraram que há espaço, em todas as épocas, para enfrentar as certezas em vigor e pensar futuros alternativos. Não será o momento de construir um novo pós-capitalismo?



[1] Em 12/9, o banco de investimentos Lehman Brothers quebrou, depois que as autoridades monetárias recusaram-se a resgatá-lo. No mesmo dia, o Merrill Lynch anunciou sua venda para o Bank of America. Em 15/9, a mega-seguradora AIG (a maior do mundo, até há alguns meses) anunciou que estava insolvente, sendo nacionalizada no dia seguinte com aporte estatal de US$ 85 bilhões

[2] O Fortis foi semi-nacionalizado pelos governos da Holanda, Bélgica e Luxemburgo. O Dexia recebeu uma injeção de 6,4 bilhões de euros, patrocinada pelos governos da França e Bélgica. O Reino Unido nacionalizou o Bradford & Bingley (especialista em hipotecas), vendendo parte de seus ativos para o espanhol Santander. O Hypo Real Estate segundo maior banco hipotecário alemão entrou numa operação de resgate cujo custo podia chegar a 50 bilhões de euros, mas cujo sucesso ainda não estava assegurado, em 5/9. A Islândia nacionalizou o Glitnir, seu terceiro maior banco

[3] Alemanha, França, Reino Unido e Itália, os membros europeus do G-8

[4] Sobre a contra-utopia hayekiana, ler, no Le Monde Diplomatique, “Pensando o Impensável” , de Serge Halimi

A cara antidemocrática do capitalismo


Noam Chomsky



O desenvolvimento de uma campanha presidencial norte-americana simultaneamente ao desenlace da crise dos mercados financeiros oferece uma dessas ocasiões em que os sistemas político e econômico revelam vigorosamente sua natureza.


Por Noam Chomsky, para o Sin Permiso*



Pode ser que a paixão pela campanha não seja uma coisa universalmente compartilhada, mas quase todo mundo pode perceber a ansiedade desencadeada pela execução hipotecária de um milhão de residências, assim como a preocupação com os riscos que correm os postos de trabalho, as poupanças e os serviços de saúde.


As propostas iniciais de Bush para lidar com a crise fediam a tal ponto a totalitarismo, que não tardaram a ser modificadas. Sob intensa pressão dos lobbies, foram reformuladas “para o claro benefício das maiores instituições do sistema...uma forma de desfazer-se dos ativos sem necessidade de fracassar ou quase”, segundo descreveu James Rickards, que negociou o resgate federal por parte do fundo de cobertura de derivativos financeiros Long Term Capital Management em 1998, lembrando-nos de que estamos caminhando em terreno conhecido.


As origens imediatas do desmoronamento atual estão no colapso da bolha imobiliária supervisionada pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, que foi quem sustentou a coitada da economia dos anos Bush, misturando o gasto de consumo fundado na dívida com a tomada de empréstimos do exterior. Mas as razões são mais profundas. Em parte, fala-se no triunfo da liberalização financeira dos últimos 30 anos, quer dizer, nas políticas consistentes em liberar o máximo possível os mercados da regulação estatal.


Como era previsível, as medidas tomadas a esse respeito incrementaram a frequência e a profundidade dos grandes reveses econômicos, e agora estamos diante da ameaça de que se desencadeie a pior crise desde a Grande Depressão.


Também era previsível que os poucos setores que cresceram com os enormes lucros oriundos da liberalização demandariam uma intervenção maciça do estado, a fim de resgatar as instituições financeiras colapsadas.


Esse tipo de intervencionismo é um traço característico do capitalismo de estado, ainda que na escala atual seja inesperado. Um estudo dos pesquisadores em economia internacional Winfried Ruigrok e Rob van Tulder descobriu, há 15 anos, que pelo menos 20 companhias entre as 100 primeiras do ranking da revista Fortune, não teriam sobrevivido se não tivessem sido salvas por seus respectivos governos, e que muitas, entre as 80 restantes, obtiveram ganhos substanciais através das demandas aos governos para que “socializassem suas perdas”, como hoje o é o resgate financiado pelo contribuinte. Tal intervenção pública “foi a regra, mais que a exceção, nos dois últimos séculos”, concluíram.


Numa sociedade democrática efetiva, uma campanha política teria de abordar esses assuntos fundamentais, observar as causas e os remédios para essas causas, e propor os meios através dos quais o povo que sofre as conseqüências pudessem chegar a exercer um controle efetivo.


O mercado financeiro “despreza o risco” e é “sistematicamente ineficiente”, como escreveram há uma década os economistas John Eatwell e Lance Taylor, alertando sobre os gravíssimos perigos que a liberalização financeira engendrava, e mostrando os custos em que se já se tinha incorrido.


Ademais, propuseram soluções que, deve-se dizer, foram ignoradas. Um fator de peso é a incapacidade de calcular os custos que recaem entre aqueles que não participam dessas transações. Essas externalidades podem ser enormes. A ignorância do risco sistêmico leva a uma maior aceitação de riscos que se daria numa economia eficiente, e isso adotando inclusive os critérios menos exigentes.


A tarefa das instituições financeiras é arriscar-se e, se são bem gestionadas, assegurar que as potenciais perdas em que elas mesmas podem incorrer serão cobertas. A ênfase há que pôr-se “nelas mesmas”. Segundo as regras do capitalismo de estado, levar em conta os custos que para os outros possam ter – as “externalidades” de uma sobrevivência decente – umas práticas que levem, como espectro, a crises financeiras é algo que não lhes diz respeito.


A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado.


Os investidores e credores podem “votar” com a fuga de capitais, com ataques às divisas e com outros instrumentos que a liberalização financeira lhes serve de bandeja. Essa é uma das razões pelas quais o sistema de Bretton Woods, estabelecido pelos EUA e pela Grã Bretanha depois da II Guerra Mundial, instituiu controle de capitais e regulou o mercado de divisas (1).


A Grande Depressão e a Guerra puseram em marcha poderosas correntes democráticas radicais que iam desde a resistência antifascista até as organizações da classe trabalhadora. Essas pressões tornaram possível que se tolerassem políticas sociais democráticas. O sistema Bretton Woods foi, em parte, concebido para criar um espaço no qual a ação governamental pudesse responder à vontade pública cidadã, quer dizer, para permitir certa democracia.


John Maynard Keynes, o negociador britânico, considerou o direito dos governos a restringir os movimentos de capitais a mais importante conquista estabelecida em Bretton Woods.


Num contraste espetacular, na fase neoliberal que se seguiu ao desmonte do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o Tesouro norte-americano passa a considerar a livre circulação de capitais um “direito fundamental”. À diferença, nem precisa dizer, dos pretensos “direitos” garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, ao emprego decente, à segurança e outros direitos que as administrações de Reagan e de Bush chamaram com desprezo de “cartas a Papai Noel”, “ridículos” ou meros “mitos”.


Nos primeiros anos, as pessoas não tiveram maiores problemas com o assunto. As razões disso Barry Eichengreen estudou em sua história, impecavelmente acadêmica, do sistema monetário. Nessa obra se explica que, no século XIX, os governos “ainda não estavam politizados pelo sufrágio universal masculino, o sindicalismo e os partidos trabalhistas parlamentares. Por conseguinte, os graves custos impostos pelo parlamento virtual podiam se transferidos para toda a população.


Porém, com a radicalização da população e da opinião pública que se seguiu à Grande Depressão e à guerra antifascista, o poder e a riqueza privados privaram-se desse luxo. Daí que no sistema Bretton Woods “os limites da democracia como fonte de resistência às pressões do mercado foram substituídos por limites à circulação de capitais.”


O corolário óbvio é que no rastro do desmantelamento do sistema do pós-guerra a democracia tenha sido restringida. Fez-se necessário controlar e marginalizar de algum modo a população e a opinião pública, processos particularmente evidentes nas sociedades mais avançadas no mundo dos negócios, como os EUA. A gestão das extravagâncias eleitorais por parte da indústria de relações públicas constitui uma boa ilustração.


“A política é a sombra da grande empresa sobre a sociedade”, concluiu em seus dias o maior filósofo norte-americano do século XX, John Dewey, e assim seguirá sendo, enquanto o poder consista “nos negócios para benefício privado através do controle da banca, do território e da indústria que agora se vê reforçada pelo controle da imprensa, dos jornalistas e sobretudo dos meios de publicidade e propaganda.”


Os EUA tem efetivamente um sistema de um só partido, o partido dos negócios, com duas facções, republicanos e democratas. Há diferenças entre eles. Em seu estudo sobre A Democracia Desigual: a economia política da nova Era da Cobiça, Larry Bartels mostra que durante as últimas seis décadas “a renda real das famílias de classe média cresceu duas vezes mais rápido sob administração democrata que republicana, enquanto a renda real das famílias pobres da classe trabalhadora cresceu seis vezes mais rápido sob os democratas que sob os republicanos”.


Essas diferenças também podem ser vistas nestas eleições. Os eleitores deveriam tê-las em conta, mas sem ter ilusões sobre os partidos políticos, e reconhecendo o padrão regular que, nos últimos séculos, vem revelando que a legislação progressista e de bem-estar social sempre foram conquistas das lutas populares, nunca presentes dos de cima.


Essas lutas seguem ciclos de êxitos e de retrocessos. Hão de ser travadas a cada dia, não só a cada quatro anos, e sempre visando à criação de uma sociedade genuinamente democrática, capaz de resposta em toda parte, nas urnas não menos do que no posto de trabalho.


* Noam Chomsky, professor emérito de linguística no MIT – Massachussets Institute of Technology


(1) O sistema de Bretton Woods de gestão financeira global foi criado por 730 delegados de 44 nações aliadas na II Guerra Mundial, que compareceram a uma Conferência Monetária e Financeira organizada pela ONU no hotel Mont Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, em 1944. Bretton Woods, que colapsou em 1971, era o sistema de normas, instituições e procedimentos que regulavam o sistema monetário internacional e sob cujos auspícios se criou o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – agora uma das cinco instituições que compõem o Grupo do Banco Mundial— e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passaram a funcionar em 1945.


O traço principal de Bretton Woods era a obrigação de todos os paísses de adotar uma política monetária que mantivesse dentro de valores fixos a taxa de câmbio de sua moeda. O sistema colapsou quando os EUA suspenderam a convertibilidade do padrão ouro do dólar. Isso criou a insólita situação na qual o dólar chegou a converter-se em “moeda de reserva” para os outros países que estavam no Bretton Woods.


Tradução: Katarina Peixoto


Reproduzido da Agência Carta Maior