terça-feira, 28 de outubro de 2008

Eduardo Galeano

da série de Eduardo Galeano, "A Vida Segundo Galeano"

Parte I



Parte II



Parte III



Parte IV

A desigualdade global tem de acabar
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Jayati Ghosh - economista indianaOs pobres têm subsidiado os ricos desde há muito tempo. Um maior envolvimento do estado na actividade económica é agora necessário. O mais importante é que o sistema financeiro internacional fracassou em encontrar duas exigências óbvias: prever instabilidades e crises e transferir recursos das economias ricas para as pobres. A análise é da economista indiana Jayati Ghosh.

Artigo publicado originalmente no jornal britânico The Guardian, em 24 de Outubro de 2008, traduzido por Carta Maior.

Agora todo mundo reconhece a necessidade de reformar o regime económico internacional. Mas a ideia não deveria simplesmente ser consertar um sistema que está obviamente quebrado: precisamos mudá-lo para um modelo melhor. Porque a arquitectura financeira fracassou em alguns aspectos muito importantes.

O mais importante é que o sistema financeiro internacional fracassou em encontrar duas exigências óbvias: prever instabilidades e crises e transferir recursos das economias ricas para as pobres. Não apenas experimentamos uma volatilidade muito maior e a propensão ao derretimento financeiro em mercados emergentes e agora até mesmo nos países industrializados, mas mesmo os períodos de expansão económica estiveram baseados no subsídio global dos países ricos pelos países pobres.

Esses fracassos globais são tão imensos que constituem razão suficiente para abandonar este sistema. Mas eis outros fracassos associados em que o regime esteve implicado no interior das economias nacionais: ele encorajou a pró-ciclicidade; tornou impossível regular os sistemas financeiros nacionais; encorajou bolhas e o fervor especulativo no lugar do investimento produtivo para crescimento futuro; permitiu a proliferação de transacções paralelas através de paraísos fiscais e da perda de controle nacional; reduziu o papel crucial do desenvolvimento do crédito directo.

Por isso nós claramente necessitamos de um novo sistema, mesmo que com os mesmos objectivos do original Bretton Woods: assegurar a estabilidade das transacções financeiras através da cooperação monetária internacional; encorajar a expansão do comércio internacional de um modo estável e promover o desenvolvimento com a facilitação do investimento produtivo.

Para alcançar isso no actual contexto, quatro elementos são cruciais. Em primeiro lugar, a crença na auto-regulação, sustentada com a classificação de risco por agências como modo adequado de administrar um sistema financeiro se desmanchou no ar. Não há alternativa, portanto, a uma sistemática regulação estatal da finança.

Segundo, uma vez que os actores privados vão inevitavelmente tentar contornar a regulação, o coração do sistema financeiro - bancos - deve ser protegido, e isso só é possível através da apropriação social. Portanto, algum grau de socialização dos bancos (e não somente socialização dos riscos inerentes à finança) também é inevitável. Nos países em desenvolvimento também é importante porque isso permite o controle público do crédito, sem o qual nenhum país foi industrializado.

Em terceiro, para superar os efeitos perversos desta crise na economia real, estímulo fiscal é essencial tanto em países desenvolvidos como naqueles em vias de desenvolvimento. O aumento do gasto público é necessário para prevenir que a actividade e económica e o emprego caiam abruptamente, para coordenar os efeitos da mudança climática e promover tecnologias verdes e para que o projecto de desenvolvimento do sul do planeta avance.

Quarto, precisamos de um sistema económico internacional que sustente isso, o que em outras palavras significa que o fluxo de capitais deve ser controlado e regulado, pois assim ele não desestabiliza nenhuma dessas estratégias.

Pode-se argumentar que um sistema internacional desses, baseado na regulação estatal, reduzirá a possibilidade dos países em desenvolvimento terem acesso ao capital de que tanto se precisa para a expansão das suas economias. Mas esta percepção é errada, porque na verdade o actual sistema liberalizado não propiciou uma rede de transferência de recursos para o mundo em desenvolvimento. Nos últimos 6 anos, houve uma rede de recursos financeiros flutuantes de todas as regiões desenvolvidas do planeta para o norte, especialmente para os EUA, e mesmo com o aumento do lucro global, as disparidades aumentaram. E no interior dos países, a ideia de que a finança desregulada poderia pôr mais recursos nas mãos dos pobres (como nos empréstimos subprime) mostrou-se insustentável.

Portanto, um maior envolvimento do estado na actividade económica é agora tanto necessário como desejável. O tempo para arguir se isso é ou não o caso já passou. Agora, deveríamos estar a pensar em como tornar esse envolvimento mais democrático e responsável, no interior dos nossos países e internacionalmente.

Tradução: Katarina Peixoto

Jayati Ghosh é economista e professora, especialista em globalização, finança internacional, padrão de emprego nos países em desenvolvimento, política macroeconómica e questões relativas a género e desenvolvimento. É professora na JNU - Jawaharlal Nehru University e é uma das fundadoras da Economic Research Foundation em Nova Deli, uma fundação sem fins lucrativos especializada em investigação em desenvolvimento económico. Publicou, com C.P.Chandrasekhar "Crisis as Conquest: Learning from East Asia" (2001) e "The Marke that Failed: A Decade of Neoliberal Economic Reforms in India" (2002). Foi a autora principal do West Bengal Humam Development Report, com o qual ganhou o Prémio UNPD (United Nations Development Program) em análise.

Daniel Bensaïd em Porto Alegre

Está iniciando a temporada de mais uma Feira do Livro de Porto Alegre, com uma série de debates e lançamentos de livros já marcados. Um deles ocorrerá no dia 5 de novembro com Daniel Bensaïd, ativista político francês e professor de Filosofia na Universidade de Paris VIII. Autor de vários ensaios sobre o debate marxista contemporâneo, Bensaid estará no Brasil para uma série de encontros de lançamento de seu novo livro “Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente” (Editora Boitempo). Em Porto Alegre, o encontro ocorrerá no dia 5 de novembro, quarta-feira, a partir das 19 horas, na Sala dos Jacarandás, Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega. Daniel Bensaid fará uma conferência sobre seu livro, com a mediação de Ronan Prigent, adido cultural da França. O livro integra a coleção Marxismo e Literatura, publicada pela Boitempo sob a coordenação de Leandro Konder.

Nesta obra, ele procura rebater o que considera ser reduções simplistas da filosofia política pós-moderna. Para ele, ser irredutível hoje significa, entre outras coisas, não perder a noção de que a globalização financeira, que representa os interesses do grande capital, e as degenerações burocráticas de cunho stalinista não são as únicas formas de organizar o pensamento político e o mundo. As alternativas, ele as apresenta em um texto aforismático e provocador. Alguns dos títulos dos teoremas apresentados no livro são: “A política é irredutível à ética e à estética”, “A luta de classes é irredutível às identidades comunitárias”, “A dominação imperial não é solúvel nas beatitudes da globalização mercantil”, “Quaisquer que sejam as palavras para expressá-lo, o comunismo é irredutível às suas falsificações burocráticas”, “A dialética da razão é irredutível ao espelho quebrado da pós-modernidade”.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Peço desculpas





Frei Betto

Estou gravemente enfermo. Gostaria de manifestar publicamente minhas escusas a todos que confiaram cegamente em mim. Acreditaram em meu suposto poder de multiplicar fortunas. Depositaram em minhas mãos o fruto de anos de trabalho, de economias familiares, o capital de seus empreendimentos.

Peço desculpas a quem assiste às suas economias evaporarem pelas chaminés virtuais das Bolsas de Valores, bem como àqueles que se encontram asfixiados pela inadimplência, os juros altos, a escassez de crédito, a proximidade da recessão.

Sei que nas últimas décadas extrapolei meus próprios limites. Arvorei-me em rei Midas, criei em torno de mim uma legião de devotos, como se eu tivesse poderes divinos. Meus apóstolos – os economistas neoliberais – saíram pelo mundo a apregoar que a saúde financeira dos países estaria tanto melhor quanto mais eles se ajoelhassem a meus pés.

Fiz governos e opinião pública acreditarem que o meu êxito seria proporcional à minha liberdade. Desatei-me das amarras da produção e do Estado, das leis e da moralidade. Reduzi todos os valores ao cassino global das Bolsas, transformei o crédito em produto de consumo, convenci parcela significativa da humanidade de que eu seria capaz de operar o milagre de fazer brotar dinheiro do próprio dinheiro, sem o lastro de bens e serviços.

Abracei a fé de que, frente às turbulências, eu seria capaz de me auto-regular, como ocorria à natureza antes de ter seu equilíbrio afetado pela ação predatória da chamada civilização. Tornei-me onipotente, supus-me onisciente, impus-me ao planeta como onipresente. Globalizei-me.

Passei a jamais fechar os olhos. Se a Bolsa de Tóquio silenciava à noite, lá estava eu eufórico na de São Paulo; se a de Nova York encerrava em baixa, eu me recompensava com a alta de Londres. Meu pregão em Wall Street fez de sua abertura uma liturgia televisionada para todo o orbe terrestre. Transformei-me na cornucópia de cuja boca muitos acreditavam que haveria sempre de jorrar riqueza fácil, imediata, abundante.

Peço desculpas por ter enganado a tantos em tão pouco tempo; em especial aos economistas que muito se esforçaram para tentar imunizar-me das influências do Estado. Sei que, agora, suas teorias derretem como suas ações, e o estado de depressão em que vivem se compara ao dos bancos e das grandes empresas.

Peço desculpas por induzir multidões a acolher, como santificadas, as palavras de meu sumo pontífice Alan Greenspan, que ocupou a sé financeira durante dezenove anos. Admito ter ele incorrido no pecado mortal de manter os juros baixos, inferiores ao índice da inflação, por longo período. Assim, estimulou milhões de usamericanos à busca de realizarem o sonho da casa própria. Obtiveram créditos, compraram imóveis e, devido ao aumento da demanda, elevei os preços e pressionei a inflação. Para contê-la, o governo subiu os juros e a inadimplência se multiplicou como uma peste, minando a suposta solidez do sistema bancário.

Sofri um colapso. Os paradigmas que me sustentavam foram engolidos pela imprevisibilidade do buraco negro da falta de crédito. A fonte secou. Com as sandálias da humildade nos pés, rogo ao Estado que me proteja de uma morte vergonhosa. Não posso suportar a idéia de que eu, e não uma revolução de esquerda, sou o único responsável pela progressiva estatização do sistema financeiro. Não posso imaginar-me tutelado pelos governos, como nos países socialistas. Logo agora que os Bancos Centrais, uma instituição pública, ganhavam autonomia em relação aos governos que os criaram e tomavam assento na ceia de meus cardeais, o que vejo? Desmorona toda a cantilena de que fora de mim não há salvação.

Peço desculpas antecipadas pela quebradeira que se desencadeará neste mundo globalizado. Adeus ao crédito consignado! Os juros subirão na proporção da insegurança generalizada. Fechadas as torneiras do crédito, o consumidor se armará de cautelas e as empresas padecerão a sede de capital; obrigadas a reduzir a produção, farão o mesmo com o número de trabalhadores. Países exportadores, como o Brasil, verão menos clientes do outro lado do balcão, portanto, trarão menos dinheiro para dentro de seu caixa e precisarão repensar suas políticas econômicas.

Peço desculpas aos contribuintes dos países ricos que vêem seus impostos servirem de bóia de salvamento de bancos e financeiras, fortuna que deveria ser aplicada em direitos sociais, preservação ambiental e cultura.

Eu, o mercado, peço desculpas por haver cometido tantos pecados e, agora, transferir a vocês o ônus da penitência. Sei que sou cínico, perverso, ganancioso. Só me resta suplicar para que o Estado tenha piedade de mim.

Não ouso pedir perdão a Deus, cujo lugar almejei ocupar. Suponho que, a esta hora, Ele me olha lá de cima com aquele mesmo sorriso irônico com que presenciou a derrocada da torre de Babel.

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.

domingo, 26 de outubro de 2008

Mares Da Espanha
(Ângela Rô Rô)

Nem que eu caminhasse às três da manhã
Nem que eu me enganasse prá ver o que é bom
Nem que eu caminhasse até o Leblon
Não iria encontrar

Você navegando os mares da Espanha
Tecendo prá outra seu corpo com manha
Você navegando o vazio da Espanha
E eu no Leblon

Loucura é loucura não me compreenda
Loucura é loucura pior é a emenda
Loucura é loucura não me repreenda
Eu amei demais

Você quando acorda tem gente do lado
Mas eu quando durmo é um sono abafado
De uísque e vergonha
Por nunca encontrar você...
Ainda insiste na experiência
Pensando que o amor é como a ciência
Amantes diversas não vão trazer nada a mais

Nem que eu caminhasse de volta prá casa
Deixando as mentiras e os sonhos prá trás
Tentando viver o real de um amor
Que se deu demais

Nem que eu caminhasse às seis da manhã
Nem que eu me cegasse prá ver o que é bom
Nem que eu rastejasse até o Leblon
Não iria encontrar....

Loucura é loucura não me compreenda
Loucura é loucura pior é a emenda
Loucura é loucura não me repreenda
Eu amei demais

sábado, 25 de outubro de 2008

Tim Maia - Tim Maia Racional Vol. 1 (1975)




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E o massacre continua...

Terror israelense


Blog do Bourdoukan

A vida na Faixa de Gaza continua desesperadora. Nada mudou.

O legislador palestino Jamal Al-Khudari, chefe do Comitê Popular Contra o Bloqueio a Gaza, anunciou que 35% das mortes causadas pelo bloqueio vitimaram crianças por falta de atendimento médico

Sami, Ahmed Nahid, Soheb, Hamza, Ahmed Talat Sohe e Mohammed são crianças palestinas que têm entre cinco meses e seis anos de idade.
As crianças padecem de graves problemas cardíacos, incluidos defeitos congênitos.
Segundo Al-Khdari, já morreram até o momento 252 pessoas por falta de medicamento.

Alimento, combustível e material de construção continuam proibidos de entrar.

O único laboratório de produções de remédios fechou há um mês e o governo Israel permanece insensível aos apelos internacionais para que afrouxe o cerco.
O capitalismo está a chegar ao fim versão para impressão

Fim. Foto de Mayr, FlickRDepois de ter, antes de todos, previsto o declínio do império americano, Immanuel Wallerstein afirma agora que entrámos desde há 30 anos na fase terminal do sistema capitalista. "A situação torna-se caótica, incontrolável para as forças que até então o dominavam, e assiste-se à emergência de uma luta, já não entre os detentores e os adversários do sistema, mas entre todos os actores para determinar o que o vai substituir", diz o sociólogo norte-americano.
Entrevista feita por Antoine Reverchon, para o diário francês Le Monde e publicado no sitio Esquerda.net de Portugal.

Para além de signatário do manifesto do Fórum social de Porto Alegre, em 2005, o senhor é considerado um dos inspiradores do movimento altermundialista. Fundou e dirigiu o Centro Fernand-Braudel para o estudo da economia dos sistemas históricos e das civilizações da universidade do Estado de Nova York, em Binghamton. Como situa a crise económica e financeira actual no "tempo longo" da história do capitalismo?

Immanuel Wallerstein: Fernand Braudel (1902-1985) distinguia o tempo da "longa duração", que vê sucederem-se na história humana sistemas que regem as relações do homem com o seu meio material, e, no interior destas fases, o tempo dos ciclos longos conjunturais, descritos por economistas como Kondratieff (1982-1930) ou Schumpeter (1883-1950). Encontramo-nos hoje claramente numa fase B de um ciclo de Kondratieff que começou há 30-35 anos, após uma fase A que foi a mais longa (de 1945 a 1975) dos 500 anos de história do sistema capitalista.

Numa fase A, o lucro é gerado pela produção material, industrial ou outra; numa fase B, o capitalismo deve, para continuar a gerar lucro, financiarizar-se e refugiar-se na especulação. Desde há mais de 30 anos, as empresas, os Estados e as famílias estão a endividar-se maciçamente. Estamos hoje na última parte de uma fase B de Kondratieff, uma vez que o declínio virtual se torna real, e que as bolhas explodem umas a seguir às outras; as falências multiplicam-se, a concentração do capital aumenta, o desemprego aumenta, e a economia conhece uma situação de deflação real.

Mas actualmente, esse momento do ciclo conjuntural coincide com, e portanto agrava, um período de transição entre dois sistemas de longa duração. Penso de facto que entrámos desde há 30 anos na fase terminal do sistema capitalista. O que distingue fundamentalmente esta fase da sucessão ininterrupta dos ciclos conjunturais anteriores, é que o capitalismo já não consegue "fazer sistema", no sentido que entendia o físico e químico Ilya Prigogine (1917-2003): quando um sistema, biológico, químico ou social, se desvia cada vez mais frequentemente da sua situação de estabilidade, quando deixa de poder encontrar o equilíbrio, então assiste-se a uma bifurcação.

A situação torna-se caótica, incontrolável para as forças que até então o dominavam, e assiste-se à emergência de uma luta, já não entre os detentores e os adversários do sistema, mas entre todos os actores para determinar o que o vai substituir. Eu reservo o uso da palavra "crise" para este tipo de período. Pois bem, encontramo-nos numa crise. O capitalismo está a chegar ao seu fim.

Por que não haveria de tratar-se de uma nova mutação do capitalismo, que já conheceu a passagem do capitalismo mercantil para o capitalismo industrial, depois do capitalismo industrial para o financeiro?

O capitalismo é omnívoro, capta o lucro precisamente onde ele é mais importante num determinado momento; não se contenta com pequenos lucros marginais; pelo contrário, maximiza-os constituindo monopólios - ele ainda tentou fazê-lo ultimamente nas biotecnologias e nas tecnologias da informação. Mas penso que as possibilidades de acumulação real do sistema atingiram os seus limites. O capitalismo, desde o seu nascimento na segunda metade do século XVI, alimenta-se do diferencial de riqueza entre um centro, onde convergem os lucros, e periferias (não necessariamente geográficas) cada vez mais empobrecidas.

Neste sentido, a recaptura económica da Ásia do Leste, da Índia, da América Latina, constitui um desafio inultrapassável para a "economia-mundo" criada pelo Ocidente, que já não é capaz de controlar os custos da acumulação. As três curvas mundiais dos preços da mão-de-obra, das matérias-primas e dos impostos estão por todo o lado em forte subida desde há décadas. O curto período neoliberal que está prestes a concluir-se apenas inverteu esta tendência provisoriamente: no final dos anos 1990, estes custos eram certamente menos elevados que em 1970, mas eram bem mais importantes que em 1945. Na realidade, o último período de acumulação real - os "trinta gloriosos anos" - só foi possível porque os Estados keynesianos puseram as suas forças ao serviço do capital. Mas, também aí, foi atingido o limite!

Há precedentes da fase actual, tal como a está a descrever?

Houve muitos na história da humanidade, ao contrário do que pretende a representação, forjada no século XIX, de um progresso contínuo e inevitável, inclusive na versão marxista. Prefiro situar-me na tese da possibilidade do progresso, e não na sua inelutabilidade. Com certeza que o capitalismo é o sistema que soube produzir de uma maneira extraordinária e notável mais bens e riquezas. Mas há também que olhar para a soma das perdas - para o ambiente, para as sociedades - que ele provocou. O único bem é aquele que permite obter para o maior número uma vida racional e inteligente.

Dito isto, a crise mais recente parecida à de hoje é o afundamento do sistema feudal na Europa, entre os meados do século XV e do século XVI, e a sua substituição pelo sistema capitalista. Esse período, que culminou com as guerras de religião, vê afundar-se o poder das autoridades reais, senhoriais e religiosas em favor das comunidades camponesas mais ricas e das cidades. Foi aí que se construíram, por pequenos passos sucessivos e de uma forma inconsciente, soluções inesperadas cujo sucesso acabará por "fazer sistema", alargando-se lentamente, sob a forma de capitalismo.

Quanto tempo poderia durar a transição actual, e em que poderia culminar?

O período de destruição de valor que encerra a fase B de um ciclo Kondratirff dura geralmente entre dois e cinco anos antes das condições de entrada numa fase A, quando um lucro real que pode de novo ser extraído de novas produções materiais, descritas por Schumpeter, estiverem reunidas. Mas o facto de esta fase corresponder actualmente a uma crise de sistema fez-nos entrar num período de caos político durante o qual os actores dominantes, à frente das empresas e dos estados ocidentais, vão fazer tudo o que é tecnicamente possível para reencontrar o equilíbrio, mas é muito provável que não o consigam.

Os mais inteligentes, esses, já compreenderam que seria preciso arranjar algo de totalmente novo. Mas múltiplos actores agem já, de forma desordenada e inconsciente, para fazer emergir novas soluções, sem que se saiba ainda que sistema resultará destas tentativas.

Encontramo-nos num período, bastante raro, em que a crise e a impotência dos poderosos deixam um espaço ao livre arbítrio de cada um: existe hoje um lapso de tempo durante o qual nós temos, cada um, a possibilidade de influenciar o futuro pela nossa acção individual. Mas como este futuro será a soma do número incalculável destas acções, é absolutamente impossível prever que modelo se irá impor no final. Dentro de dez anos, talvez vejamos mais claramente; dentro de trinta ou quarenta anos, um novo sistema terá emergido. Creio que é absolutamente possível tanto assistir-se à instalação de um sistema de exploração ainda mais violento que o capitalismo, como ver ao contrário instalar-se um sistema mais igualitário e redistributivo.

As mutações anteriores do capitalismo culminaram muitas vezes num deslocamento do centro da "economia-mundo", por exemplo da Bacia do Mediterrâneo para a costa Atlântica da Europa, e depois para os Estados Unidos da América. O sistema que se segue será centrado na China?

A crise que vivemos corresponde também ao fim de um ciclo político, o da hegemonia americana, encetado igualmente nos anos 1970. Os Estados Unidos continuarão a ser um actor importante, mas jamais poderão reconquistar a sua posição dominante face à multiplicação dos centros de poder, com a Europa ocidental, a China, o Brasil, a Índia. Um novo poder hegemónico, se quisermos retomar o "tempo longo" braudeliano, pode levar ainda uns 50 anos a impor-se. Mas ignoro qual será.

Entretanto, as consequências políticas da crise actual serão enormes, na medida em que os donos do sistema vão tentar encontrar bodes expiatórios para o afundamento da sua hegemonia. Penso que metade do povo americano não vai aceitar o que está em vias de acontecer. Os conflitos internos vão por isso exacerbar-se nos Estados Unidos, que estão na iminência de se transformar no país mais instável politicamente do mundo. E há que não esquecer que nós, os americanos, estamos todos armados...

Immanuel Wallerstein é investigador do departamento de sociologia da universidade de Yale (EUA), ex-presidente da Associação internacional de sociologia, fundador e director do Centro Fernand-Braudel para o estudo da economia dos sistemas históricos e das civilizações da universidade do Estado de Nova York, em Binghamton, e colunista, entre outras publicações, do Esquerda.net

Tradução de Jaime Pinho


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A NÓS A LIBERDADE (À Nous la Liberté, FRA, 1931)



Formato: RMVB
Áudio: Francês
Legendas: Português (embutidas)
Duração: 1:23
Tamanho: 295 MB (03 partes)
Servidor: Rapidshare

LINKS:
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Créditos: F.A.R.R.A. - dylan dog

Direção
: René Clair
Roteiro: René Clair
Fotografia: Georges Périnal
Música: Georges Auric
Montagem: René Le Hénaff, René Clair
Direção de Arte: Lazare Meerson
Elenco: Henri Marchand, Raymond Cordy, Rolla France, Paul Olivier, Jacques Shelly, Germaine Aussey, André Michaud, Léon Lorin

Fugitivo da prisão torna-se rico industrial; o companheiro de fuga, que havia sido recapturado, ao terminar de cumprir a pena vai trabalhar com ele e o ajuda a livrar-se da polícia; os dois acabam entregando a fábrica aos operários e tornam-se felizes vagabundos. Sem dúvida, essa sátira à produção em massa influenciou Chaplin para realizar seu Tempos Modernos(36). Um belo poema em louvor à liberdade.



A máquina contra os ideais humanos
Em A Nós a Liberdade, René Clair satiriza a indústria que reduz o homem ao nível da máquina e isso foi uma fonte inequívoca de influência para o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, feito cinco anos depois. Dois companheiros de fuga de prisão são os protagonistas desta bela e inteligente comédia musical. Um, interpretado pelo simpático Raymond Cordy, que sobe rápida e habilmente no intrincado mundo industrial. O outro, Henri Marchand, perambula inocentemente pela narrativa, querendo aceitar o inesperado. Aproveitando o talento do brilhante diretor de arte Lazare Meerson, Clair usa o vasto complexo industrial em sua totalidade, transformando-o num palácio maravilhoso, cheio de salas para caçadas e brincadeiras.




A música alegre e despreocupada de Georges Auric sublinha o filme, e a câmara de Georges Perinal explora as superfícies brancas e grandes da super-fábrica e o brilho das suas paredes. Mas a excelente técnica empregada no filme é apenas uma moldura para a crítica à pomposidade e a processos técnicos desumanos. Com este filme, o diretor defende o estabelecimento de valores essenciais e faz uma apreciação sem concessões das incoerências do ser humano. O mundo é retratado pelos olhos de dois personagens com visões diametralmente opostas. Talvez a idéia de utopia apresentada por Clair em A Nós a Liberdade seja primitiva, inocente e impraticável, mas continua sendo um ideal muito caro a todas as pessoas sensíveis. Fonte - Guia Vídeo 1990 Nova Cultural

"Devemos pensar grande"

Susan George é conhecida por suas críticas aos dirigentes da globalização corporativa e pelos livros combativos sobre a fome, o desenvolvimento e a dívida dos países pobres. Agora, argumenta, podemos aprender lições do início dos anos 40 para transformar nossas economias esfaceladas e interromper a mudança climática antes que seja tarde.

Nosso pobre e combalido mundo está envolto em múltiplas crises. Há pobreza em massa e desigualdade crescente dentro e entre países pobres e ricos. O desastre financeiro que começou com as hipotecas subprimes se espalhou inexoravelmente pelos EUA e pelo resto do mundo, ameaçando mergulhar a economia global num período prolongado de estagnação tão severa como a Depressão. O pior de tudo é que a mudança climática e a destruição de espécies estão sendo aceleradas mais rapidamente do que muitos cientistas e alguns governos pensavam que fosse possível.

Uma crise retro-alimenta e intensifica a outra. Depois de anos de “inovações” irresponsáveis, grandes instituições financeiras estão sendo resgatadas com dinheiro público e muitos executivos pegam o dinheiro e desaparecem, enquanto milhões perdem seus empregos e frequentemente suas casas. Vejam a explosão da bolha imobiliária, o estouro especulativo das commodities do mercado, impulsionando o aumento do preço dos alimentos e da energia. O aumento dramático do preço dos gêneros de primeira necessidade mergulham outras 150 milhões de pessoas na pobreza. Comunidades pobres em recursos fazem o que podem, derrubam árvores, matam animais e super-exploram a pouca terra que têm, mas os ricos causam, de muito longe, um dano muito maior, com suas dinossáuricas pegadas ecológicas.

Defensor devoto da redução das suas emissões de dióxido de carbono, os EUA destina mais de um terço do plantio de seu milho e soja aos biocombustíveis, pressionando os preços dos alimentos para as alturas. O aquecimento global e a fúria de tempestades que ele provoca atingem mais duramente as regiões mais pobres da Terra, assim como o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC) disse há muito tempo.

Então, há um caminho de saída? Sim, mas não o ambientalista bem conhecido e há muito advogado. Desculpem-me, mas “nós” não podemos salvar o planeta nem se amanhã “nós” reduzirmos o nosso consumo de energia pela metade. Eu não estou sugerindo que os indivíduos não devam fazer todas as mudanças que puderem, mas eles não devem nutrir quaisquer ilusões de que o comportamento pessoal, ainda que virtuoso quanto à emissão de dióxido de carbono, possa fazer diferença. Os maiores destruidores não vão desistir e medidas voluntárias são ineficientes. A escala é o problema, e nossa tarefa é promover um quantitativo e qualitativo salto na ação ambiental, reconhecendo que grande pode ser não apenas bonito mas crucial, se pretendemos evitar o pior.

Um passo desses é possível? Está o planeta salvaguardado enquanto o capitalismo internacional prevalece, com seu foco no crescimento e no lucro a todo custo, com a captura predatória de recursos e com a euforia financeira? Como disse um homem sábio: “Tudo para nós e nada para outro povo parece, em todas as épocas do mundo, ter sido a máxima vil dos senhores da humanidade”. Quem disse isso foi Adam Smith, em A Riqueza das Nações, não Karl Marx.

Se Smith estiver certo e nossos “senhores” continuam a exibir voracidade e avareza, devemos organizar uma revolução mundial antes de que possamos salvar a Terra? Há algum ponto único de ataque? Se sim, por favor, diga-me o nome do Czar e o endereço do Palácio de Inverno. Ele não é para ser encontrado em Wall Street, que não apenas sobreviveu ao 11 de Setembro mas parece ter capturado o governo norte-americano, a despeito de algumas das maiores empresas terem virado pó. Nem tampouco alguém iria receber bem o sistema político que cobriu a vasta área em que essa revolução ocorreu. De alguma maneira, contudo, porque nosso sistema atual parece determinado à catástrofe, precisamos de uma alternativa entre o capitalismo “vermelho-no-dente-e-na-garra” (1) e uma insurgência mundial tão improvável como utópica.

Há um precedente histórico. Quando os Aliados enfrentaram o fascismo na Segunda Guerra Mundial, havia um adversário que lhes era tão calamitoso como o é a mudança climática para nós. Os EUA ainda não haviam se recuperado plenamente da Depressão, mas tinham em Franklin D. Roosevelt um presidente que entendeu o que era preciso. Sob sua direção, a economia se transformou espantosamente em pé de guerra num curto espaço de tempo. Minha cidade natal, Akron, em Ohio, a “capital vermelha do mundo” (2), passou a produzir pneus e equipamentos para o exército e para a força aérea. Todos os outros centros industriais também se voltaram para as necessidades militares. Os executivos-chefes se tornaram prestigiados “homens de um dólar por ano” (3), pagos com essa simbólica soma pelo Tesouro por ajudarem ao governo a encontrar objetivos quantitativos e qualitativos. Muitos desses executivos emolduraram os seus cheques de um dólar como um distintivo de honra.

Sim, ainda havia conflito entre patrões e empregados, mas no geral era um tempo de oportunidades, especialmente para as mulheres e as minorias. Os trabalhadores eram bem pagos e exibiam em alto e bom som os seus cultivos de “victory gardens(4), as crianças usavam suas mesadas para comprar broches de guerra, o petróleo foi racionado. O país nunca tinha estado tão unido antes – ou desde então. A guerra fez o país unir esforços para superar, finalmente, a Depressão. Foi a economia keynesiana, nomeada graças ao economista britânico John Maynard Keynes.

Um esforço parecido seria necessário para enfrentar o derretimento ambiental e isso seria menos difícil do que parece. O ponto político é que o keynesianismo ecológico é um cenário em que todos ganham. As pessoas geralmente se põem frente aos governos reconhecendo o seu perigo, e elas tendem a construir coalizões para convencer os políticos de que elas votarão em quem quer que leve tão a sério uma crise específica como elas o fazem. Os políticos podem vencer com um programa keynesiano ambiental porque agora, como no momento em que o keynesianismo foi experimentado, ele promete uma sociedade altamente especializada, altamente bem paga por empregos qualificados e que renova oportunidades de exportação.

Mas onde está o dinheiro para financiar isso? O mundo está inundado de dinheiro, o problema está em chegar até ele. De acordo com a gigantesca prestadora de serviços financeiros, a norte-americana Merril Lynch, 10 milhões de pessoas no mundo estão sentadas sobre 40 trilhões de dólares em investimento potencial à vista. Os bancos devem ser informados de que, em troca das falências das garantias eles devem destinar X por cento de sua carteira de crédito para produtos ambientalmente comprometidos e tratar esse percentual sob as regras e classificações de mercado. Ele pode fazer a diferença quando concederem empréstimos aos maiores promotores do efeito estufa, em 10%.

Critérios básicos para novas construções devem ser tornar a norma, enquanto outras podem ser reconsideradas em termos simples; famílias e proprietários de terras devem receber incentivos financeiros para construir “casas verdes” e painéis de energia solar – e venderem o excesso de energia para a rede de energia. A pesquisa pode ser orientada em direção das energias alternativas e materiais fortes e ultra-leves para aviões e veículos. Falando tecnicamente, nós já sabemos como fazer essas coisas, ainda que algumas soluções limpas ainda estejam mais caras que as poluentes. A produção em massa poderia alterar isso.

A crise ambiental oferece uma oportunidade ideal para pôr o sistema financeiro global sob controle. Taxar transações financeiras correntes internacionais e outras operações de mercado é uma medida que requer apenas determinação política e algum programa. O cancelamento da dívida dos países pobres pelo G8 por uma década deveria ocorrer, com a exigência da contrapartida de que eles contribuam para o esforço global de reflorestamento, conservação do solo e coisas do gênero. Os paraísos fiscais deixariam de existir. Metade de todo o comércio mundial atual passa por ele; eles permitem que as pessoas ricas e as corporações escondam trilhões em ativos que poderiam prover os governos com pelo menos 250 bilhões de dólares por ano em arrecadação fiscal.

E quanto aos executivos relutantes e hostis? Vamos criar uma ultra-exclusiva Ordem dos Conquistadores de Carbono ou dos Eco-Heróis, dando-lhes fitas brilhantes de seda verde e dourado, para usarem em suas lapelas, e nos cartazes na frente de suas casas energeticamente neutras, e bandeirolas para os seus carros movidos à eletricidade. Poderíamos inclusive pagá-los 1 dólar por ano. Isso não seria melhor do que uma outra guerra?

Susan George é licenciada em filosofia pela Sorbonne e doutora em política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). Autora de diversos livros, é dirigente da ATTAC-França (Associação pela Taxação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos) e presidente do conselho de administração do Transnacional Institute (Amsterdã).

Tradução: Katarina Peixoto

(1) Expressão de lingua inglesa, provavelmente derivada do poema “In Memoriam A.H.H.”, de 1849, de autoria de Alfred Lord Tennyson. A passagem do poema se refere ao homem e à natureza selvagem ou violenta frequentemente atribuída à natureza. O trecho do poema em que essa expressão ocorre é este: “Who trusted God was love indeed/And love Creation's final law/Tho' Nature, red in tooth and claw/With ravine, shriek'd against his creed”. No contexto, a autora parece estar se referindo ao que em português se conhece ordinariamente por “capitalismo selvagem”. N. de T.

(2) A capital vermelha significa a capital “republicana”, já que a cor com que o Partido Republicano é identificado nos EUA é o vermelho. N. de T.

(3) Os “homens de um dólar por ano eram executivos que ajudavam o governo norte-americano a reerguer a economia nacional em períodos de guerra, especialmente na Primeira Guerra. A lei norte-americana proibia o governo de aceitar serviços gratuitos de quem quer que fosse. Em função disso, voluntários habilitados a prestar seus serviços ao Estado tinham de ser de alguma maneira pagos, nem que fosse, como ocorreu, com a simbólica quantia de 1 dólar por ano. Assim tornaram-se conhecidos os “dollar-a-year mens”. N.deT.

(4) Victory Gardens ou War Gardens ou Food Gardens for Defense era o cultivo, como esforço de guerra privado, de vegetais, frutas e ervas, nas residências dos EUA, Canadá e Reino Unido, durante as Primeira e Segunda Guerras, a fim de reduzir a pressão sobre o preço dos alimentos. Esses cultivos também eram considerados parte do esforço moral da população – os cidadãos que cultivavam esses “jardins” poderiam sentir o poder de ser recompensados pelo crescimento da produção. Cultivar “victory gardens” se tornou parte da vida cotidiana em pleno quintal, como um front doméstico.