quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Solidariedade ao povo palestino....


O GUETO DE GAZA


Urda Alice Klueger


Eu me lembro com intensa nitidez dos profundos olhos aveludados e escuros daqueles homens, daquelas moças. Passei a conhecê-los nos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre – costumava chegar quase na hora do começo da passeata de abertura, e quando meus amigos me perguntavam:

- Vamos todos juntos?

Eu não titubeava:

- A gente se encontra depois. Vou junto com quem tiver mais necessidade de apoio. Vou ver se encontro o pessoal do Iraque, ou da Palestina...

Sempre encontrava o da Palestina. Eram homens de profundos olhos inteligentes e sofridos; eram moças com olhos iguais, algumas vestidas como certas figuras bíblicas femininas que pintores do Renascimento pintaram, e sempre com tamanha fé na Justiça! Vinham em poucas pessoas lá do seu mundo distante e garroteado, poderiam sumir no meio de multidões de 100.000 pessoas com as suas humildes “hattas”[1], mas eram eles os mais visíveis, porque as pessoas que se abalavam até os Fóruns Sociais Mundiais bem sabiam da realidade torturante daqueles irmãos. Na primeira vez que desfilei com eles decerto pareci-lhes estranha – não falávamos uma palavra sequer um da língua do outro, mas já lá no final, chegando ao anfiteatro do Pôr-do-Sol (quanta saudade!), alguém serviu de intérprete e contou para um dos palestinos que eu perdera um emprego por defender a Palestina. O homem de profundos olhos de veludo deu uma risada contagiante, e respondeu algo que também me foi traduzido: ele também perdera o emprego por ser palestino! Nosso simpático contato sem palavras começou ali.

Em outras ocasiões em que nos encontramos eles já me recebiam calorosamente com seus olhos que tudo expressavam, e que tinham uma ternura aveludada que poderia adoçar o mundo.

Depois que os Fóruns Sociais Mundiais saíram de Porto Alegre e foram para outros países, passamos a ter uma palavra de contato: quando nos encontrávamos, sempre primeiro na passeata de abertura, apontávamos uns para os outros e dizíamos: “Porto Alegre!”, palavra chave que, aliada aos olhos profundos e misteriosos deles, significava todo um caloroso discurso. E nos abraçávamos como irmãos que somos (ou eram? Estarão vivos?), e na passeata de Caracas/Venezuela, um dos homens mais velhos tirou da sua mochila uma belíssima bandeira da Palestina em seda verde, vermelha branca e preta, e me deu. Sorrimos um para o outro e dissemos a palavra mágica:

- Porto Alegre! - e eu guardo com imenso carinho aquela bandeira de seda assim como a recebi, talvez ainda trazendo entretecido nos seus fios finos esporos ou pólen de plantas ou de outras formas de vida daquela distante Palestina onde provavelmente não poderei ir no decorrer da minha vida, pois envelheço, e o gueto que é a Faixa de Gaza está cada vez mais inacessível, e a mágoa da minha desesperança me faz pensar muito na solução final[2] dada ao Gueto de Varsóvia...[3]

Vejo as notícias e as fotos na Internet, e sei de tantas coisas, faz tanto tempo! Sei como os meus irmãos da Palestina tem que suportar o cheiro nauseabundo do lixo em decomposição, pois o Estado de Israel não deixa sequer que de lá se retire o lixo... e sei das crianças palestinas que são feridas por obuses lançados por tanques enquanto brincam, e que morrem de hemorragia nos portões do seu gueto porque insensíveis membros do exército israelense dizem que só dali a tantas horas tal portão poderá ser aberto, para a criança chegar a um hospital... e sei de detalhes que me deixam com vergonha por ser chamada de humana, pois um exército a serviço de também ditos humanos judeus faz coisas que quase não são críveis, como derrubar um edifício inteirinho para matar um único homem a quem perseguem, e que sabem que está escondido no poço do elevador... ou esse mesmo exército lançar um míssel sobre uma inocente festa de casamento, ou sobre uma formatura de guardas de trânsito...

Mil páginas seriam poucas para enumerar todos os horrores que sei, que tenho lido, tenho sabido, tenho aprendido sobre o que o governo de Israel faz com o Gueto de Gaza sob os olhos de todo o mundo, como se ninguém se importasse. O espaço, aqui, não permite entrar nas causas históricas dos acontecimentos, mas é bom aprender a respeito, para se entender que Israel não tem razão, que as barbaridades que vêm desde a década de 1940 são das mais abjetas da humanidade. O que me horroriza ainda mais, neste momento, são as fotos que não param de chegar de Gaza, de crianças carregadas nos braços dos pais, sem os pés e parte das pernas, com tendões e nervos que sobraram retorcidos como se fossem molas de metal, ou das fileiras de meninos e meninas nos seus trajes de frio, mortinhos, prontos para o funeral, e das caras sem consolo dos pais que ali estão, ou daquele menininho morto e ensangüentado, que o pai carrega no colo embrulhado na bandeira, bandeira igual àquela que tenho, menininho que nunca terá nos olhos aquela força forte como aço e suave como veludo e que nunca entenderá a palavra “Porto Alegre” – de novo digo que mil páginas seriam poucas para contar sobre cada foto, cada fato, cada texto e cada análise que tenho lido – um último fio que me une à esperança é a existência daquela gente de Israel que se nega ao crime, daqueles soldados israelenses que preferem a prisão do que ir assassinar seus irmãos já quase mortos de fome, frio e sede no gueto vizinho – pois Gaza hoje tem 1.500.000 habitantes trancafiados sem recursos numa área de 350 quilômetros quadrados, o que é mais ou menos a metade do tamanho desta minha pequena cidade de Blumenau...

Não há como dizer “enfim”, para um texto como este. A dor e a mágoa por se saber que tais injustiças continuam acontecendo diante do mundo é uma coisa que poderia me matar de angústia, e então tenho que reagir escrevendo, que é o meu jeito de ser – mas o que escrever, se todos os grandes escritores, todos os grandes pensadores deste mundo já escreveram tudo o que eu gostaria de escrever, pois não é só a mim que a indignação arrasa – e por todos os lados as populações estão saindo às ruas para protestar contra este massacre inumano? Então achei que poderia escrever sobre os meus palestinos, aqueles que sabem a palavra “Porto Alegre”, e que tem aqueles olhos profundamente cheios de significado, força e doçura. Então penso se estarão vivos, se aquelas lindas moças não serão hoje cadáveres só com meia cabeça, ou se os netinhos daqueles homens não estejam, talvez, com ferimentos como se fossem couve-flores de sangue nas suas barriguinhas de meninos mortos, ou se meus próprios amigos já não terão vidrados e frios os seus olhos que eram cheios de doçura e de força...

Ah! Palestina, ah! Palestina, como me dóis cá dentro do meu peito que parece estraçalhado... Ah! Palestina, ah! Palestina, que me resta fazer além de chorar angustiadamente, como estou a fazê-lo agora?

Blumenau, 06 de Janeiro de 2009.

Urda Alice Klueger

Escritora e historiadora



[1] Hatta: Lenço palestino, quadriculado de preto e branco, ou de vermelho e branco, que se tornou um símbolo de resistência. Era usado por Yasser Arafat.

[2] Solução final: expressão usada pelo nazismo que significava, a grosso modo, “matar todos”.

[3] Gueto de Varsóvia: onde 380.000 judeus foram implacavelmente mortos pelos nazistas até a última pessoa. Procurar se informar melhor a respeito. Hoje é o Estado de Israel que repete a história, matando sem piedade os palestinos da Faixa de Gaza.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Mídia, blogues, cidadãos jornalistas e as notícias de Gaza


Do Blog escrevinhamentos - Barone

A garantia de liberdade de imprensa é a primeira condição para que o que se sustenta como verdade seja, de fato, corroborado e apresentado para fins de argumentação e debate. Nos conflitos do Oriente Médio, desde a operação Tempestade no Deserto, e em especial de 2005 para cá, esta premissa caiu por terra, de modo que a informação que nos chega através das grandes corporações midiáticas não pode ser considerada 100% confiável. Ocorre que confiabilidade, em se tratando de informação, não tem meio termo: ou se tem credibilidade ou não.

Portanto, diante do atual conflito na Faixa de Gaza - que no momento em que escrevo este artigo contabiliza cerca de 630 mortos e 3000 feridos, a maior parte destes civis – é preciso estar atento e com o senso crítico elevado ao nível máximo para não engolir os “pacotões” de notícias que se quer vender como fatos, em especial no mainstream.

Até o dia 6, Israel mantinha a proibição da entrada de jornalistas estrangeiros na Faixa de Gaza, apesar da recente decisão da Suprema Corte do País contra esta medida e dos protestos da Associação da Imprensa Estrangeira (FPA). Enquanto a Suprema Corte autorizou a entrada de oito jornalistas estrangeiros na zona de combate (medida que o exército israelense não havia cumprido até o término deste artigo), a FPA emitiu um comunicado condenando o que classificou como "proibição sem precedente" e uma "grave violação da liberdade de imprensa”, que coloca Israel “ao lado de alguns regimes que impedem com freqüência os jornalistas de fazer seu trabalho".

Daniel Seamen, diretor do gabinete de imprensa governamental do governo israelense afirmou que a proibição se deve ao fato de que os soldados "não vão se sacrificar para proteger os jornalistas". Certo, mas a função do jornalista é “escavucar” a verdade e profissionais que optam pela cobertura da frente de batalha sabem bem os riscos que correm. Tenho certeza de que não estão em busca de escolta, mas de liberdade para trabalhar.

O resultado imediato desta opção pelo obscurantismo é a manipulação de informações e, pior, a divulgação de notícias “filtradas” travestida de bom jornalismo.

No artigo “A guerra escondida”, publicado ontem (05/01) no Observatório da Imprensa, o jornalista Luciano Martins resume o sentimento de impotência: “...tudo que se lê hoje na imprensa sobre os combates e até mesmo sobre o eventual cumprimento das normas do direito internacional para situações de guerra é informação limitada e censurada por uma das partes. O público não está sendo servido de jornalismo, mas do trabalho de relações-públicas que selecionam o que pode e o que não pode ser divulgado. Os relatos que enchem as páginas dos jornais, vinte e quatro horas após o início dos combates em terra, são produzidos a partir de textos distribuídos pelo exército israelense.”.

Mas, devemos ser justos. Censura e desinformação em áreas de conflito do Oriente Médio não são exclusividades de Israel. Em 2007, o próprio Hamas – hoje alvo principal da ofensiva de Israel, ao lado da população civil palestina - exerceu esta violência ao impor a jornalistas em atuação na Faixa de Gaza severas restrições, entre elas a necessidade de credenciais e a proibição de divulgar qualquer informação que "cause prejuízo à unidade nacional, incite crimes, ódio ou dissidência religiosa". O artigo “Hamas impõe restrições à imprensa em Gaza”, publicado no Observatório da Imprensa em novembro de 2007, esmiúça o tema.

Outras fontes

Em busca de informação menos comprometida, resta - a quem quer entender o que ocorre de fato pelas ruas de Gaza - recorrer à rede de TV Al-Jazeera e as redes de solidariedade, como a as Redes de Cooperação Comunitária sem Fronteiras (que traduziram e divulgaram os panfletos lançados pela aviação israelense sobre a população sitiada na zona de guerra), relatos isolados de correspondentes que conseguiram furar o bloqueio e de cidadãos que tem usado a web para se comunicarem com o mundo em meio aos bombardeios.

A Al-Jazeera, que tem sede em Doha, no Catar, tem feito uma cobertura intensa do conflito, em especial a partir de seu correspondente in loco, Ayman Mohyeldin. A emissora também abriu mais um canal de comunicação por meio do Twitter, onde notícias sobre os combates e o dia a dia dos palestinos em Gaza são postadas a cada minuto. Além disso, disponibilizaram uma ferramenta para receber relatos e imagens de quem está em Gaza.

Cidadão repórter

Mas não é na mídia oficial ocidental, israelense ou árabe que encontrarão alento os que anseiam pelos fatos.

São os relatos de civis, de gente comum que ainda consegue se comunicar com o mundo, que mais chamam a atenção pela crueza e perplexidade com que o horror da guerra é narrado. De acordo com o Technorati, site que indexa posts do mundo inteiro, somente no domingo (4) foram escritos mais de quatro mil textos sobre Gaza mundo afora. É o que mostra a reportagem “Blogueiros contam o terror da guerra direto da Faixa de Gaza”, publicada ontem (5) pelo jornal O Globo.

Um exemplo destas manifestações é o relato do italiano Vittorio Arrigoni, voluntário do movimento Free Gaza, que conseguiu enviar algumas mensagens após o primeiro dia de bombardeio (veja o relato completo aqui – em inglês).

Meu apartamento em Gaza fica de frente para o mar, com uma vista panorâmica que provoca milagres em meu humor, desafiando a miséria causada por uma vida em estado de sítio. Quer dizer, antes desta manhã, quando o inferno golpeou minha janela. Nesta manhã despertamos em Gaza com o barulho das explosões das bombas, e muitas caíram a algumas centenas de metros de minha casa. Alguns de meus amigos morreram debaixo delas... É um banho de sangue sem precedentes. Arrasaram o porto em frente a minha janela e pulverizaram as estações das docas”.

Apesar da constante falta de energia, outras pessoas na zona de conflito ainda conseguem enviar notícias através de blogues como o Ingaza. Ontem (05/01), às 11h59, sob o título “I’ll tell you how he died” (Vou lhe dizer como ele morreu), seu autor relata a morte de um amigo no dia 4: “Um homem bom, corajoso e engraçado foi morto ontem enquanto ajudava a colocar o corpo de um civil em uma ambulância. Os membros dos serviços de emergência médica Arafa Hani Abd al Dayem, 35, e Alaa Ossama Sarhan, 21, estavam respondendo a um chamado para socorrer Thaer Abed Hammad, 19, e o corpo de seu amigo, Ali, 19, que haviam sido atingidos por estilhaços, quando foram, eles mesmos, atingidos pelo disparo de um tanque israelense”.

Às 9h34 de domingo, em outro artigo, intitulado “Panicked residents unable to flee” (Habitantes em pânico não conseguem fugir), ele expõe a crueza dos bombardeios e o pânico da população durante os ataques israelenses.

O que me abala mais neste momento, mais do que os corpos desmembrados e queimados que eu vi há duas noites, mais do que a intensidade dos mísseis atingindo tudo a nossa volta na noite passada e a sensação de que, a qualquer momento, forças especiais israelenses podem entrar disparando… é o pânico no rosto dos moradores. Pânico fugindo, pânico tentando sinalizar para que uma ambulância atenda um ferido, um morto, pânico até mesmo dos motoristas das ambulâncias e times de socorro. Eles viram muita coisa, muitos trabalham nisso há uma década ou mais, mas o que acontece agora, eles me dizem, é muito pior do que tudo o que eles já viram ou imaginaram. Nos primeiros raios da manhã, enquanto nossa ambulância tenta socorrer outro ferido, eu vejo novas levas de mulheres, crianças e homens, carregando consigo poucos pertences”.

Hoje (06/01), às 18h34, ele pergunta: “Se o seu inacreditavelmente pequeno e super-povoado território está sendo aterrorizado, pulverizado por bombas do quarto maior exército do mundo, e suas fronteiras estão fechadas; se sua casa não é segura, sua mesquita (igreja) não é segura, sua escola não é segura, se os campos de refugiados das Nações Unidas não são seguros.... Para onde você irá, correr, se esconder?

Autor do blog RafahKid ft. Rafah Pundits, o jovem Rafah Kid tecla direto de Gaza: “Antes que todo mundo da Faixa de Gaza esteja morto, entenda que o Hamas é um sintoma e não uma causa. A ocupação é a causa. (...) Estamos sem eletricidade, sem poder chamar ao telefone, na escuridão e chove fogo. As crianças estão gritando”, escreveu no domingo. Kid também mantém um álbum de fotos no Flickr mostrando imagens dos bombardeios. Ontem (05/01), às 18h13, ele postou um vídeo onde crianças interagem com a destruição total.

Escrito por Sharon, uma voluntária na Faixa de Gaza, o blogue Tales to Tell teve seu mais recente registro postado às 20h de ontem (05/01). Em diversos momentos ela relatou o seu dia a dia como integrante de uma das equipes de socorro. “Acabamos de ouvir que a escola Al Fakhoura UNWRA foi bombardeada, achamos que por tanques, e que foi confirmada a morte de 43 membros de uma mesma e grande família. As escolas UNWRA abrigam pessoas cujas casas já foram bombardeadas por Israel ou que estão sob ameaça de bombardeio. Ouvimos também que outras duas escolas UNWRA foram atacadas mais cedo, mas não temos detalhes. Não posso expressar a raiva que estou sentindo neste momento”.

O grupo International Solidary Movement (ISP Gaza) tem tentado estabelecer canais de contato através de seu site. A última postagem registrada, datada de domingo (04/01), foi feita por Sharon do Tales to Tell, às 18h. Dizia: “To Al Awda hospital...”.

Uma outra fonte interessante é o site do Palestine Red Crescent Society (PRCS), que reúne toda a ação dos grupos de resgate e socorro que atuam em Gaza. Em seu relato englobando o período entre 9h do dia 5 (segunda-feira) e 9h de terça-feira (6), a entidade registrou o número de ataques, mortos e feridos a que teve acesso: "Durante as últimas 24 horas, ambulâncias e equipes médicas foram enviadas para pelos menos 47 localidades onde o exército israelense realizou bombardeios aéreos, terrestres e marítimos. De acordo com seus relatos, pelo menos 42 civis palestinos foram mortos, incluindo 17 crianças e 5 mulheres, além de aproximadamente 173 feridos”.

A PRCS também externa no mesmo memorando sua preocupação com ataques israelenses contra missões médicas na cidade: “Ontem o exército israelense abriu fogo contra duas ambulâncias na Faixa de Gaza, danificando uma delas. Por sorte não houve feridos. Além disso, um médico foi ferido e outras duas ambulâncias danificadas após o ataque aéreo israelense na área de Jabaliya, efetuado no momento em que as equipes de socorro tentavam recolher feridos e mortos”.

No blogue Gaza Strip, The Untold Story, Sameh Akram Habeeb, de 23 anos, nascido e criado em Gaza, relata o cotidiano sob o efeito da guerra por um ponto de vista cáustico: diariamente ele apresenta um relatório com os ataques israelenses e as baixas registradas entre seu povo.

Há muitas outras fontes de informação do mesmo gênero que, se não comportam a acuidade e confiabilidade que deveriam ter os canais midiáticos tradicionais, expressam, por outro lado, uma verdade crua e tão válida quanto a que vemos no noticiário da noite, confortavelmente instalados em nossos sofás. Se não posso confiar 100% neles, penso que, ainda assim, possuem mais credibilidade que a pasteurização que nos é apresentada diariamente pela imprensa.

Os blogues e a imprensa

Um grupo de ativistas pelos direitos humanos e cidadãos comuns residentes em Gaza mantém o blogue Moments of Gaza, e se esforça por divulgar os relatos do que está ocorrendo na região. Em sua postagem de hoje (06/01), às 9h56, divulga o link de dois artigos publicados no Le Monde e no holandês De Volksrant Newspaper que, resumidamente, “sustentam que Gaza não é mais lugar para jornalistas (por questões de segurança)... ela se tornou um vibrante local para blogueiros”.

Pode soar estranho, mas o que pensar quando lemos e ouvimos a cobertura feita pelo mainstream?

Em meio à pasmaceira e a falta de foco por parte de imensa fatia de nossa mídia, o blogue Amálgama iniciou uma série de traduções do Electronic Intifada (EI), com notícias que não são publicadas pelo jornalismo tupiniquim. O EI é um site especializado em notícias, comentários, análises e material de referência sobre o conflito entre israelesnses e palestinos. Elucidativo.

Idelber Avelar, em seu blogue O biscoito fino e a massa, tem também realizado um trabalho minucioso para expor os relatos feitos por quem está vivendo a notícia em Gaza. Hoje (06/01), às 15h44, postou um emocionante relato de um pai que, enclausurado pela guerra, conversava por telefone com a filha, palestina, residente na Carolina do Norte.

Meu pai falou calma, eloquentemente, na escuridão de Gaza sitiada, só com o fogo das bombas israelenses iluminando o seu mundo: “eles estão destruindo tudo o que é belo e vivo”, ele disse ao âncora. Suas mãos tremiam, ele confessava, enquanto se apoiavam no chão de sua casa, onde eles moviam os colchões para mais longe das janelas, com as explosões ensurdecedoras rasgando o céu negro ao redor, iluminando-o em enormes nuvens de fogo.
[...]
“O que está acontecendo, o que está acontecendo?”, ele repete em tom exausto, hipnótico. “A sensação é que eles bombardearam nossa rua de dentro para fora. Não vejo nada. Não sei o que está acontecendo. O que dizem as notícias?”, ele pergunta freneticamente, desesperado por qualquer migalha de informação que possa fazer sentido do terror que tomou conta dele.


Laila é uma mãe palestina de Gaza, casada com um palestino refugiado. Seu pai vive o inferno em Gaza. As conversas telefônicas entre Laila e seu pai, relatadas acima, ocorreram no sábado (03/01) à noite. O blog de Laila é o Diary of a Palestinian Mother.

Voltando ao início

"Cerca de 1,4 milhão de pessoas, sobretudo crianças, amontoam-se em uma das regiões mais densamente povoadas do mundo, sem qualquer liberdade de movimento, sem lugar para escapar e nenhum espaço para esconder". A análise, feita em setembro de 2006 por Jan Eliasson, então ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia, e Jan Egeland, então responsável pelo setor de ajuda internacional da ONU, foi publicada no jornal Le Fígaro e reproduzida pelo jornalista John Pilger, no artigo “Terror and starvation in Gaza”, em janeiro de 2007.

É esta região – e as pessoas que nela se amontoam - que está sendo bombardeada incessantemente por uma máquina de guerra moderna e poderosa.

Seria de bom tom que os jornalistas que cobrem as editorias internacionais, os “banbanbans” do impresso e galãs do telejornalismo, olhassem ao largo do óbvio e do “oficialesco” antes de proferirem seus libelos de legalidade e de apoio ao Ocidente agredido pelos bárbaros árabes xiitas.

Ler o trabalho, por exemplo, do historiador israelense Ilan Pappe, segundo quem "a política genocida (em Gaza) não é formulada num vácuo" e sim parte da deliberada e histórica limpeza étnica do sionismo. Ler os repórteres israelenses Gideon Levy e Amira Hass, que descreveram a política da fome implementada sobre os palestinos. Ler, acima de tudo e, aliado a isso, olhar o mundo com olhos de jornalista.

Enfim, enquanto os “jornalões” e emissoras espetaculares reproduzem o óbvio, cidadãos continuarão fazendo o papel da imprensa - e esta permanecerá afastada de seu mais nobre desígnio: expor a verdade nua e crua.


Leia mais sobre o mesmo tema:
- Para Azevedo, palestino bom é palestino morto
- Frases - XXX
- Para entender o ininteligível
- Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama
- Terrorismo de Estado
- Judeus e Palestinos
- Olmert abre portas ao entendimento
- Erros que não se justificam

PARA ENTENDER OS BASTIDORES DA DIPLOMACIA NO ORIENTE MÉDIO

Do blog www.viomundo.com.br

Luiz Carlos Azenha

Eu sei que muitos de vocês agora estão tentando entender o que está acontecendo nos bastidores da diplomacia. Farei algumas observações.

Israel quer reduzir o poder do Hamas em Gaza. Já fez isso militarmente. Agora quer fazê-lo politicamente. O Hamas, como vocês sabem, expulsou a Autoridade Palestina de Gaza. A Autoridade Palestina é comandada majoritariamente pelo Fatah.

Há mais facções entre os palestinos do que as famosas "tendências" do movimento estudantil, mas é assim mesmo em qualquer movimento político.

O Fatah representa o nacionalismo árabe tradicional, secular.

O Hamas é um movimento religioso sunita.

Israel considera o Hamas -- assim como o Hizbollah -- um braço regional do Irã. Mas já apoiou o movimento, quando precisava enfraquecer o Fatah.

Já reproduzi no site um texto do jornal israelense Haaretz em que as propostas de Israel eram colocadas na mesa: algum arranjo internacional para monitorar as fronteiras de Gaza e evitar a entrada de armas para o Hamas.

Um papel mais ativo para o Egito, que faz fronteira com Gaza.

O objetivo, lógico, é enfraquecer o Hamas. O que interessa, também, ao Egito. O Hamas tem ligações com a Irmandade Muçulmana, o movimento religioso que é implacavelmente reprimido pelo governo egípcio, com apoio dos Estados Unidos.

Não desprezem o papel que os neocons ainda jogam nos bastidores da política e da diplomacia dos Estados Unidos.

Os neocons, como eu já disse, são os "falcões" da política externa americana, alguns dos quais floresceram no interior do Partido Democrata. Migraram para o Partido Republicano e começaram a ter maior influência direta na Casa Branca no governo de Ronald Reagan. Foram sustentados, no interior do Partido Republicano, pela coalizão que reuniu a direita religiosa. Desde os anos 80 os neocons se articulam em jornais, revistas e institutos de Washington propagando suas teorias de que os Estados Unidos devem "promover a democracia" no mundo, se preciso à bala. O papel de Israel, nessa equação, é defender os Estados Unidos no Oriente Médio.

Os neocons mandaram na política externa dos Estados Unidos no governo Bush.

O texto do professor Avi Shlaim, publicado no jornal britânico Guardian, explica o papel dos neocons nos bastidores da disputa entre o Hamas e o Fatah. Um trecho:

No final dos anos 80, Israel tinha apoiado o nascente Hamas para enfraquecer a Fatah, o movimento nacionalista secular liderado por Yasser Arafat. Agora, Israel começou a encorajar os líderes corruptos do Fatah para derrubar seus rivais políticos religiosos e recapturar o poder. Os agressivos neoconservadores americanos participaram do plano sinistro para instigar uma guerra civil palestina. A interferência deles foi um fator-chave para o colapso do governo de unidade nacional e para o Hamas tomar o poder em junho de 2007, se antecipando a um golpe do Fatah.

A guerra iniciada por Israel em 27 de dezembro foi a culminação de uma série de confrontos com o governo do Hamas. Em amplo sentido, no entanto, é uma guerra entre Israel e o povo palestino, porque o povo havia eleito o partido [Hamas]. O objetivo declarado da guerra é enfraquecer o Hamas e intensificar a pressão até que os líderes concordem com um cessar-fogo nas condições de Israel. O objetivo não declarado é garantir que os palestinos em Gaza sejam vistos simplesmente como um problema humanitário e assim enfraquecer a luta por independência e um estado.

A íntegra está aqui.

Agora fica mais fácil entender a proposta de John Bolton, o ex-embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas, publicada há dias no jornal Washington Post.

Ele quer simplesmente "redesenhar" o mapa, atropelando os palestinos. Um trecho:

Vamos começar reconhecendo que criar a Autoridade Palestina a partir da velha OLP fracassou e que a solução de dois-estados baseado nela está morta. O Hamas matou essa idéia e mesmo a Terra Santa só serve para uma ressureição. Em vez disso, deveríamos buscar uma solução de "três estados", onde Gaza voltasse ao controle do Egito e a Cisjordânia, em alguma configuração, voltasse para a soberania da Jordânia. Entre outras anomalias, o conflito de hoje está entre três estados que estão nominalmente em paz. Fazer com que dois estados árabes retomem sua autoridade política é uma forma autêntica de estender a zona de paz e, mais importante, acrescentar a governos que estão dando paz e estabilidade a seus próprios países. "Observadores internacionais" ou coisas do gênero não chegam perto do necessário; precisamos estados de verdade com forças de segurança reais.

A íntegra está aqui.

O texto é no melhor estilo neocon, inclusive com as "sacadas" supostamente irônicas de que "a Terra Santa só serve para uma ressureição". Humor negro à custa dos palestinos. Notem, inclusive, as artimanhas da linguagem, que também são típicas. Por exemplo, quando diz que os dois estados árabes deveriam "retomar" sua autoridade sobre Gaza e Cisjordânia. Como "retomar", se nunca tiveram autoridade em Gaza e na Cisjordânia?

Mas os neocons são assim mesmo: embusteiros, mentirosos, cínicos. Faz parte da fé religiosa deles de que são intelectualmente superiores e de que ninguém está prestando atenção. Se colar, colou. Foi assim que eles conseguiram empurrar o governo Bush para a "promoção da democracia" no Iraque, que matou um milhão de pessoas e provocou mais estabilidade ainda no Oriente Médio.

O que querem eles, agora? Que os Estados Unidos patrocinem um ataque de Israel às instalações nucleares do Irã.

No finalzinho do ano passado o mesmo John Bolton, o da solução dos três estados, publicou um artigo no The Wall Street Journal em que dizia:

Iran and North Korea achieved their objectives through diplomacy. Mr. Bush failed to achieve his. How can Mr. Obama do better? For starters, he could increase the pressure on China, which has real leverage over North Korea, to press Kim Jong Il's regime in ways that the six-party talks never approached. Options on Iran are more limited, but meaningful efforts at regime change and assisting Israel should it decide to strike Iran's nuclear facilities would be good first steps.

[O Irã e a Coréia do Norte atingiram seus objetivos através da diplomacia. Mr. Bush fracassou em atingir os seus. O Mr. Obama pode fazer melhor? Para início de conversa, ele poderia aumentar a pressão na China, que tem poder de influência na Coréia do Norte, para pressionar o regime de Kim Jong Il de forma que as negociações de seis países nunca fizeram. As opções no Irã são mais limitadas, mas tentativas significativas de mudar o regime e de assessorar Israel se Israel decidisse atacar as instalações nucleares do Irã seriam bons primeiros passos].

Ou seja, o cara é um maníaco do parque intelectual. Quer "trocar" o regime no Irã, com o Oriente Médio em chamas.

Resta saber qual será a influência dos neocons na política externa de Barack Obama. O presidente eleito dos Estados Unidos escolheu Hillary Clinton como secretária de Estado. Do ponto-de-vista dos neocons, uma boa escolha. Ela já prometeu "obliterar" o Irã para evitar que o país obtenha armas nucleares.

Israel joga com o medo que o Ocidente tem do Irã para obter o minimo. É aquela história: colocar o bode na sala para negociar a retirada. Tudo bem, não vamos bombardear o Irã, mas a comunidade internacional tem que "assumir Gaza". E o estado palestino? Ah, como escreveu John Bolton, seria muito fraco para enfrentar os "terroristas". Vamos dar Gaza para o Egito e a Cisjordânia para a Jordânia. E fica tudo "entre amigos".

O problema é que não faltam aos neocons dinheiro e espaço para propagar as suas idéias. Vejam só: o Bolton emplacou um artigo no Wall Street Journal e outro no Washington Post em três semanas!

Mas -- e o estado palestino? Não dá. Os argumentos o professor Shlaim explicou em seu artigo:

A máquina de propaganda de Israel persistentemente promoveu a noção de que os palestinos são terroristas, de que eles rejeitam coexistência com o estado judeu, de que o nacionalismo deles é pouco mais do que anti-semitismo, que o Hamas é apenas um punhado de fanáticos religiosos e que o islã é incompatível com democracia. Mas a verdade pura e simples é que o povo palestino é um povo normal, com aspirações normais. Não são melhores, mas também não são piores que qualquer grupo nacional. O que eles aspiram, acima de tudo, é um pedaço de terra que possam chamar de seu no qual possam viver com liberdade e dignidade.

Do blog www.patrialatina.com.br

Morrem 40 palestinos por ataque israelense a escola de ONU em Gaza

Segundo médicos, o número de mortos e feridos deve ultrapassar 40 crianças


Gaza (Prensa Latina) Ao menos 40 pessoas morreram e outras 45 resultaram feridas hoje pelo bombardeio israelense contra uma escola da ONU perto do campo de refugiados de Jabaliya, que era utilizado como refúgio por civis palestinos.
Fontes da organização mundial confirmaram que se trata do segundo plantel que é atingido por fogo hebreu, nesta ocasião projeteis disparados por um tanque que apoiava soldados de infantaria, elevando a cifra de mortos palestinos a mais de 640.
O ataque aconteceu no mesmo dia em que três palestinos pereceram e dezenas sofreram lesões quando a aviação israelense bombardeou e destruiu outra escola da 0NU, na que se protegiam cerca de 400 pessoas, segundo disseram fontes internacionais.
Outras pessoas morreram por causa de incursões aéreas e disparos de tanques contra a zona costeira desta região, a cidade de Gaza e o campo de refugiados de Jabaliya, no nordeste do território.
A resistência imposta pelas milícias islamitas às bem
apetrechadas tropas regulares israelenses levou os invasores a atacar com artilharia pesada prédios civis para facilitar o avanço ao interior desta cidade capital.
Até o undécimo dia de ataques e quarto de ofensiva terrestre, os israelenses confirmaram a perda de cinco soldados e três civis, e uns 50 feridos, enquanto fontes médicas aqui reportam uns dois mil 800 lesionados palestinos e mais de 13 mil deslocados internos.
Os movimentos Hamas e a Jihad Islâmica reportaram, por sua vez, ter atacado com metralhadoras e foguetes em Gaza às tropas hebréias que continuam realizando bombardeios aéreos, navais e terrestres de forma indiscriminada.
Entre a noite da segunda-feira e nesta terça-feira também se escutaram fortes explosões nos campos de refugiados de Deir a al-Balah e Bureij no centro de Gaza.
Enquanto, o chefe da agência da ONU que assiste aos
refugiados palestinos aqui (UNRWA), John Ging, criticou a situação provocada por Israel e instou ambos os adversários a deter as hostilidades e permitir um corredor humanitário.
Os civis são os que estão pagando o preço, é impressionante a natureza dos feridos, a brutalidade das feridas, a magnitude dos ataques. É algo chocante, descreveu Ging ao afirmar que "ninguém está seguro em Gaza".
Acrescentou que o conflito não será resolvido por vias militares e os adversários devem se sentar a dialogar num foro político. "Precisamos deter isto e agora", sentenciou ao invocar o compromisso "com os seres humanos e a humanidade".
Ging relatou que os hospitais trabalham a duras penas com geradores porque 75 por cento do território está sem energia elétrica, e que se carece de combustível, água, alimentos, medicinas e pessoal para atender às vítimas.
Paradoxalmente, conheceu-se que o Egito impede a entrada a médicos turcos e de outras nacionalidades dispostos a chegar para assistir à população palestina através do cruze fronteiriço de Rafah, também objeto de intermitentes bombardeios.

Demissões proíbidas na Venezuela até ao final de 2009

Na Venezuela, os patrões não podem despedir trabalhadores que ganhem menos de três salários mínimos. A medida já se encontra em prática desde 2002, sendo renovada periodicamente. O governo anunciou que vai estender o decreto de "imobilidade laboral" por mais mais um ano, vigorando até Dezembro de 2009, e sublinha que o país tem a taxa de desemprego mais baixa dos últimos 10 anos.

O governo venezuelano decidiu prolongar outra vez a vigência do decreto de "imobilidade laboral" que impede os patrões de despedir trabalhadores, desta feita até Dezembro de 2009. Na verdade, trata-se da 15ª extensão do decreto, pela primeira vez aprovado em Maio de 2002. Contudo, se nas primeiras aprovações do decreto a sua validade era apenas de alguns meses, as duas últimas extensões da medida foram anuais: em Dezembro de 2007 a validade do decreto foi estendida até ao final de 2008 e agora o governo decidiu estendê-lo até ao final de 2009.
A medida permite "proteger os empregados dos sectores público e privado, regidos pela Lei Orgânica do Trabalho" e estipula que os trabalhadores que ganhem mensalmente o equivalente até três salários mínimos mensais (aproximadamente 800 euros) não podem ser despedidos.
Para o governo venezuelano, que prevê dificuldades com a crise económica mundial, esta medida é fundamental para não pôr em risco a consistente descida do desemprego no país. Há poucas semanas, Chavez vangloriava-se de ter atingido a taxa de desemprego mais baixa dos últimos 10 anos, que se cifrou em 6,1% no passado mês de Novembro.
No entanto, o decreto de "imobilidade laboral" não é universal, pois deixa de fora trabalhadores temporários ou ocasionais, cargos de confiança, empregados que aufiram mais de três salários mínimos mensais, e certos casos em que a redução de pessoal se faça por acordos voluntários entre trabalhadores e patrões.
O objectivo futuro do governo venezuelano é integrar a medida definida por este decreto na reforma da Lei Orgânica do Trabalho, pendente há quase dez anos. Além de proibir o despedimento de trabalhadores, a nova Lei Orgância do Trabalho deverá incluir a redução do horário de trabalho para seis horas por dia e o aumento dos dias de férias.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Samira Rahal - Vôo No Popular (2008)




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créditos: UmQueTenha

Venezuela expulsa embaixador de Israel por massacre de palestinos em Gaza


Do blog Rsurgente












A Venezuela anunciou hoje a expulsão do embaixador de Israel em Caracas, Shlomo Cohen, em resposta à ofensiva militar deste país na Faixa de Gaza, disse o Ministério das Relações Exteriores por meio de um comunicado lido na televisão estatal. O governo venezuelano condenou fortemente as flagrantes violações do Direito Internacional pelo Estado de Israel, bem como o uso do terrorismo de Estado para castigar a um povo.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, comparou a situação na Faixa de Gaza ao Holocausto e pediu à comunidade judaica de seu país que condene a ofensiva de Israel na região, que já fez mais de 600 vítimas. Chávez lembrou que vivem na Venezuela tanto palestinos como israelenses, e que todos são bem quistos no país, mas ressaltou que a comunidade judaica precisa condenar o que qualificou como uma "barbaridade".

Chávez chamou ainda os soldados israelenses de "covardes". "São uns covardes, pois bombardeiam povos inocentes. Que tremendos soldados são, como são valentes os soldados de Israel", disse o presidente que classificou a situação em Gaza como um "genocídio realizado por um governo assassino, braço executor dos Estados Unidos". Chávez fez um apelo ao mundo árabe para que se coloque de pé contra o ataque de Israel e anunciou que entrou em contato com países do Oriente Médio e organizações internacionais para levar ajuda humanitária a Gaza.

Do blog do Azenha

A ilusão da vitória

Luiz Carlos Azenha

Em carta aberta, maestro israelense diz que ofensiva militar é desumana e não garante segurança

Daniel Barenboim*, THE GUARDIAN

Tenho apenas três desejos para o ano-novo. O primeiro é que o governo de Israel se conscientize, de uma vez por todas, que o conflito no Oriente Médio não pode ser resolvido por meios militares. O segundo é que o Hamas se conscientize que não defenderá seus interesses pela violência, e que Israel está aqui para ficar. O terceiro é que o mundo reconheça que esse conflito não é igual a nenhum outro em toda a história.


É um conflito intricado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra. É por isso que não poderá ser resolvido nem pela diplomacia nem pelas armas.


Os acontecimentos dos últimos dias são extremamente preocupantes para mim por várias razões de caráter humano e político.


Embora seja óbvio que Israel tem o direito de se defender, que não pode e não deve tolerar os constantes ataques contra seus cidadãos, os bombardeios brutais sobre Gaza suscitam profundas indagações na minha mente.


MORTES


A primeira é se o governo de Israel tem o direito de considerar todo o povo palestino culpado pelas ações do Hamas. Será que toda a população de Gaza deve ser responsabilizada pelos pecados de uma organização terrorista?


Nós, o povo judeu, deveríamos saber e sentir mais profundamente do que qualquer outro povo que o assassinato de civis inocentes é desumano e inaceitável. Os militares israelenses argumentam, de maneira muito frágil, que a Faixa de Gaza é tão densamente povoada que é impossível evitar a morte de civis. A debilidade desse argumento me leva a formular outras perguntas. Se as mortes de civis são inevitáveis, qual é a finalidade dos bombardeios? Qual é a lógica, se é que existe alguma, por trás da violência, e o que Israel espera conseguir por meio dela? Se o objetivo da operação é destruir o Hamas, a pergunta mais importante a ser feita é se esse objetivo é viável. Se não é, todo o ataque não só é cruel, bárbaro e repreensível, como também é insensato.


Por outro lado, se for realmente possível destruir o Hamas por meio de operações militares, que reação Israel espera que haja em Gaza depois que isso se concluir? Em Gaza vivem 1,5 milhão de palestinos, que seguramente não cairão de joelhos de repente para reverenciar o poderio do Exército israelense.


Não devemos esquecer que o Hamas, antes de ser eleito, foi encorajado por Israel como tática para enfraquecer o então líder palestino Yasser Arafat. A história recente de Israel me faz acreditar que, se o Hamas for eliminado por meio de bombardeios, outro grupo certamente tomará o seu lugar, um grupo que talvez seja mais radical e mais violento.


VINGANÇA


Israel não pode se permitir uma derrota militar porque teme desaparecer do mapa. No entanto, a história demonstrou que toda vitória militar sempre deixou Israel em uma posição política mais fraca do que a anterior por causa do surgimento de grupos radicais.


Não pretendo subestimar a dificuldade das decisões que o governo israelense precisa tomar a cada dia, nem subestimo a importância da segurança de Israel. Entretanto, continuo convencido de que o único plano viável para a segurança em Israel, no longo prazo, é obter a aceitação de todos os nossos vizinhos.


Desejo para o ano de 2009 a volta da famosa inteligência que foi sempre atribuída aos judeus. Desejo a volta da sabedoria do Rei Salomão para os estrategistas israelenses, a fim de que a usem para compreender que palestinos e israelenses gozam de idênticos direitos humanos.


A violência palestina atormenta os israelenses e não contribui para a causa palestina. A retaliação militar israelense é desumana, imoral e não garante a segurança de Israel. Como disse antes, os destinos dos dois povos estão inextricavelmente ligados e os obriga a viver lado a lado. Eles terão de decidir se querem que isso se torne uma bênção ou uma maldição.

Do sitio www.esquerda.net

Gaza: Israel continua massacre, primeiro protesto em Lisboa



Gaza sob bombardeamentos aéreos, navais e terrestres - Foto da Lusa
Desde o início do ataque israelita a Gaza já morreram 531 palestinianos, 80 dos quais após o início da ofensiva terrestre. A situação humanitária é catastrófica. 75% da electricidade está cortada, pelo menos 500.000 pessoas não têm acesso a água corrente.
Hoje realiza-se a primeira acção em Lisboa pelo fim do massacre a Gaza: Concentração a partir das 18h no Largo de S. Domingos, junto ao memorial às vítimas da intolerância.

O exército de Israel continua a massacrar a população de Gaza. Tropas, apoiadas por bombardeamentos aéreos e navais, cercam a cidade de Gaza, enquanto por outro lado ocupam a estrada que atravessa a Faixa de norte a sul, dividindo o território em duas partes.

Uma equipa de emergência médica foi atingida pelo bombardeamento aéreo, tendo morrido quatro paramédicos. Outras ambulâncias têm sofrido ataques.

Nas últimas horas as agências referem a morte de uma família de sete pessoas (um casal e cinco filhos) no campo de refugiados de Shati, quando foram atingidos por bombardeamento naval.

Do lado israelita, o exército reconheceu a morte de um militar, cujo funeral já se realizou. Pelo menos 49 militares israelitas ficaram feridos.

Os rockets artesanais palestinianos continuam a atingir território israelita.

A situação humanitária em Gaza é catastrófica. Uma organização israelita de defesa da liberdade de movimento, Gisha, diz que "75% da electricidade foi cortada porque sete das doze linhas foram danificadas pelos bombardeamentos, mais de 500.000 pessoas não têm acesso a água corrente, os esgotos escorrem pelas ruas, não há abastecimento de fuel desde 27 de Dezembro, todo o sistema de abastecimento (água, electricidade, esgotos) está à beira do colapso".

90% das linhas telefónicas estão cortadas devido à falta de electricidade, aos bombardeamentos e à impossibilidade dos técnicos repararem as avarias.

Os hospitais para além de cheios, com falta de medicamentos, funcionam desde há 48 horas apenas com geradores.

A UNRWA (agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos) fechou 4 dos seus 18 centros de apoio. Pela segunda vez consecutiva, Israel não permitiu a entrada em Gaza de uma equipa médica do Comité Internacional da Cruz Vermelha.

Os jornalistas estrangeiros continuam impedidos de entrar em Gaza.

Entretanto, decorrem conversações diplomáticas no Egipto com a presença do presidente francês Nicolas Sarkozy. O Hamas estará presente com uma delegação, convidada pelo governo egípcio.

Por todo o mundo multiplicam-se os protestos contra o massacre de Israel a Gaza. Ontem, decorreram acções de protesto nos seguintes países, pelo menos: Filipinas, Indonésia, Tailândia, Coreia do Sul, Grécia, Suiça, Espanha, Argélia, Líbano, Polónia, Paquistão, Turquia, Austrália e Itália. Na Cisjordânia decorreram diversas acções. Hoje, terá lugar a primeira acção em Lisboa.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

IDEOLOGIA JIHADISTA

Juventude islâmica radical

Milhares de jovens que partiram rumo ao Iraque para, voluntariamente, enfrentar as tropas americanas, agora se dispersam pelo Oriente Médio, Europa e Ásia Central. Esses combatentes, a maioria sem qualquer engajamento político anterior, retornam a seus países alimentados por uma ideologia extremista e endurecidos pela guerra

Vicken Cheterian - LeMondeDiplomatique-BR

Vale de Bekaa, Líbano. Abu Talha mora no vilarejo de Majdel Anjar. O contato não foi fácil: alguns dias antes, as forças de segurança libanesas haviam descoberto uma célula da Al-Qaeda em Bar Elias, não longe dali, e capturaram numerosos “antigos do Iraque”. “Aceitei conceder esta entrevista para que seus leitores conheçam nossas idéias”, diz ele.

Logo após a invasão do Iraque, em 2003, Talha respondeu um chamado à resistência do dirigente islâmico Abu Musab al-Zarqawi. Ele não fazia parte do primeiro grupo de voluntários de sua cidade e passaram-se seis meses desde o contato com os recrutadores até que ele recebesse o sinal verde. “Estavam verificando minha identidade, minha determinação e, também, conduzindo com cautela os preparativos complexos de uma viagem como essa”, explica ele.

Abu Talha se juntou, então, a um grupo de quatro homens que se fizeram passar por vendedores de tâmaras. Partiram primeiro para Kamishli, na Síria, onde um atravessador cobrou US$ 300 de cada um para levá-los a Bagdá. As forças de segurança sírias, porém, cercaram o vilarejo onde eles estavam reunidos, o que os obrigou a fugir pelo deserto, onde, por sua vez, se perderam. Vagaram por dias até alcançarem Bagdá, mas já era tarde para o encontro marcado com o contato da rede. Procuraram até encontrar Abu Anas Al-Chami, assistente de al-Zarqawi – ambos assassinados posteriormente. Talha aguardou seu destino com paciência, em diversos apartamentos em Bagdá e depois em Falouja, ao lado de outros voluntários árabes que esperavam ser chamados para uma operação suicida. Porém, eram muitos os candidatos e as possibilidades logísticas pareciam limitadas. Após um mês, foi enviado de volta a casa, se engajando então na difusão da palavra divina e na arrecadação de fundos para a rede. Durante nossa conversação, ele se refere inúmeras vezes à “nobreza” e “coragem” de Zarqawi. “Desde seu martírio, ninguém conseguiu substituílo”, proclama ele. E a Al-Qaeda? “Al-Qaeda é mais uma idéia do que uma organização”. Meses antes da invasão americana de 2003, voluntários de diversos países árabes haviam se agrupado no Iraque. A rápida queda do regime os deixou desmoralizados, sem objetivo. Aqueles que conseguiram voltar às suas casas estavam, em geral, arrasados, fisicamente ou psicologicamente. Foram substituídos por uma segunda leva, recrutada não para defender o regime baasista, mas para enfrentar o exército de ocupação.

Tratava-se de islâmicos impregnados pelas ideologias jihadistas-takfiristas [1] da geração de “árabes afegãos” que os precedia. Desde 2006, muitos deles partiram para seu país natal ou para outra destinação.

Os “antigos do Iraque” estabelecem relações complexas com os governos, diferentemente da geração anterior de jihadistas combatentes durante a ocupação soviética, que se beneficiaram tanto do apoio de diversos países árabes, quanto dos Estados Unidos. Encorajados pelos primeiros e reprimidos pelos últimos, acuados por todos, os “antigos” foram, sobretudo, instrumentalizados. Estima-se que sejam milhares: mais de dois mil iemenitas, dois mil da Arábia Saudita, dois mil tunisianos e mil jordanianos [2].

Os árabes afegãos possuíam escritórios mais ou menos oficiais em países do Golfo nos anos de 1980, e chegavam até a se beneficiar de tarifas reduzidas em vôos para as bases paquistanesas. A nova geração não goza de tais privilégios. Ao contrário, milhares já foram detidos por autoridades sírias ou jordanianas e reenviados aos seus países de origem, onde foram encarcerados – 900 na Tunísia, 400 na Argélia etc.

Graças a esses combatentes, o Grupo Salafista para a Predicação e Combate (GSPC) argelino, muito enfraquecido, pôde renascer e se tornar o braço magrebiano da Al- Qaeda [3]. Esses números são elevados, se comparados aos dez ou 15 mil voluntários árabes que seriam derrotados no Afeganistão e que chegaram, em sua maior parte, quando a guerra já estava instaurada.

Até a invasão do Iraque, o movimento jihadista estava relativamente indiferente às causas e às lutas do mundo árabe. Com inspiração de seus irmãos muçulmanos, treinados no Afeganistão ao longo dos anos de 1980, esse movimento levou o jihad para a Bósnia e para o Tajiquistão no início dos anos de 1990. Em seguida, no início de 1995, uma dúzia de jihadistas também chegou à Chechênia, conduzida por Khattab (cujo verdadeiro nome é Samir Al-Suwailem), personagem conhecido por sua brutalidade. Mas, para o mundo árabe, o Afeganistão, a Bósnia e a Chechênia continuaram periféricos, geograficamente e, sobretudo, simbolicamente.

O debate sobre os movimentos jihadistas se manterem distantes do conflito entre palestinos e israelenses – a luta central do mundo árabe-muçulmano – vem desde a batalha contra a intervenção soviética no Afeganistão.

Abdullah Azzam, teólogo e líder dos árabes afegãos, mentor de Osama Bin Laden, era ele mesmo palestino. Ele foi bastante questionado sobre o assunto: “A pergunta foi feita inúmeras vezes ao doutor Azzam, em geral na minha presença”, explica desde Londres Abdullah Anas (cujo nome verdadeiro é Budjema Bunua), companheiro e genro do teólogo. “Ele respondeu que certamente a Palestina era seu país, mas que os governos árabes e as organizações de esquerda timham nos impedido de participar da luta por sua libertação.” Portanto, entre a Palestina e o Afeganistão, não tínhamos escolha. Quando os jovens tiveram a oportunidade de se juntar ao jihad na Bósnia, eles partiram para lá. Mesma coisa para a Chechênia. “Não foi fruto de uma decisão estratégica, trava-se, antes, de aproveitar as circunstâncias”, conclui ele.

A Palestina também foi motivo de divergência entre Abu Musab al-Zarqawi e seu mentor, Abu Mohamed al-Maqdisi. Assim que os dois foram libertados de uma prisão da Jordânia em 1999, por uma gentileza real, Zarqawi partiu para o Afeganistão – e em seguida para o Iraque –, enquanto al-Maqdisi, nascido em Naplouse, Palestina, considerava que o jihad deveria privilegiar seu país de origem.

A derrocada persa

Para entender a cultura jihadista, é preciso atentar para duas características. Em primeiro lugar, a ida a um país estrangeiro para participar do jihad é, em geral, designada pelo vocábulo hijra, ou “migração”. É o termo que descreve a imigração do profeta Maomé, e de seus companheiros, de Meca a Medina no ano de 622 da Era Cristã, acontecimento fundamental no islamismo e que marca o início do calendário muçulmano: para um jihadista, estar no Afeganistão ou no Iraque constitui uma experiência mística semelhante àquela do Profeta e seus companheiros. Muitos militantes usam o nome de guerra de muhajer – a saber, “o imigrante” –, como Abu Hamza al-Muhajer, o suposto sucessor de Zarqawi no Iraque.

Outro mito poderoso é o da destruição de um império por um punhado de jovens munidos apenas de armas leves – da mesma forma que os exércitos muçulmanos do século VII derrubaram o Império Persa. Muitos árabes afegãos acreditam que sua luta não só derrotou o exército soviético, como provocou a queda do próprio império soviético. Hoje, de maneira similar, existe um poderoso mito segundo o qual Zarqawi e os 30 homens que foram seus companheiros desde o começo teriam derrotado o projeto americano no Iraque.

Originário da periferia dos movimentos árabes afegãos, o grupo de Zarqawi tornouse a corrente dominante dos movimentos jihadistas. Diferentemente de outras organizações, como a Al-Qaeda, composta principalmente por sauditas, iemenitas ou egípcios, os fiéis de Zarqawi eram, sobretudo, jordanianos, palestinos e sírios [4].

Quando Zarqawi esteve no Afeganistão pela segunda vez, em 1999, estabeleceu seu quartel general perto de Herat, na porção oeste do país, longe das bases tradicionais dos jihadistas árabes, situadas ao redor de Jalalabad ou Kandahar.

Se o jordaniano colaborou com Osaba Bin Laden e Ayman al-Zawahiri, considerava como independente o grupo sob seu comando – Al-Tawhid wal Jihad (“Monoteísmo e Guerra Santa”): seu objetivo era preparar sua rede para o retorno à Jordânia. No início, Zarqawi estabeleceu contatos no Irã e no Curdiquistão iraquiano. Vindo das margens do Islã, Zarqawi levaria a guerra santa ao coração de terras mais prestigiadas: a Mesopotâmia, capital do califado dos abbassidas (750-1258), país das recordações mais gloriosas da civilização islâmica.

As relações entre o grupo de Zarqawi e a Al-Qaeda se revelaram complexas. O ponto de vista das duas formações diferia em várias questões. Zarqawi, que considerava seu grupo independente do de Bin Laden, criticava as posições amenas da Al-Qaeda frente a certos Estados árabes, como a Arábia Saudita, e se recusou a tomar partido na guerra civil afegã ao lado dos talibãs. No Iraque, declarou guerra aos xiitas [5]: o autor do atentado suicida que matou um religioso xiita, Sayed Mohamed Baqir al-Hakim, era ninguém menos que o sogro de Zarqawi (por sua segunda esposa). A Al-Qaeda negou qualquer responsabilidade por esse ataque. Zarqawi se impôs como chefe da resistência jihadista contra a ocupação do Iraque e, apenas em outubro de 2004, alguns meses antes de sua morte, se submeteu (baya’a) a Bin Laden. A nova geração de jihadistas busca respaldo numa escola ideológica ainda mais radical que aquela dos árabes afegãos ou da Al-Qaeda. Sua experiência militar foi muito mais brutal que a do Afeganistão, daí sua visão mais violenta do mundo. Quando Zarqawi chegou ao Iraque em 2002, ele não estava mais rodeado de combatentes leais.

Após a invasão americana, milhares de voluntários de todos os países árabe-islâmicos se deslocaram para o Iraque para combater a ocupação de uma terra muçulmana.

A geração Zarqawi são eles, e está a ponto de suscitar um novo cisma no seio do movimento jihadista. Mais radicais, mais militantes, esses jovens têm sede de operações militares, e sua visão de militância é voltada obrigatoriamente para ações violentas. Suas atividades estão criando novas fontes de instabilidade, como mostra a situação do Iêmen.

O Iêmen é conhecido há tempos pelo abrigo e proteção aos jihadistas. Os combatentes iemenitas eram numerosos entre os árabes afegãos, talvez 3 mil [6]. Depois da retirada das tropas soviéticas do Afeganistão, as autoridades acolheram não só os iemenitas “afegãos”, mas também os jihadistas de outros países. Em 1990, o sul e o norte do Iêmen se unificaram, mas as contradições entre o regime do presidente Ali Abdullah Saleh e seus “parceiros” socialistas do Sul estavam já muito explícitas. Durante a guerra civil de 1994 entre o Norte e o Sul, as brigadas de árabes afegãos tiveram um papel importante no impedimento da tentativa de separação do Sul. O Iêmen é também país de origem da família Bin Laden.

De olho no Iêmen

Após os atentados de 11 de setembro, o Iêmen se encontrou submetido a fortes pressões, pois aos olhos de Washington, “nenhuma operação da Al-Qaeda se desenrolou sem algum vínculo com o Iêmen, seja em forma de armas e dinheiro enviados daqui, seja pelo fato de que um dos executores partiu daqui ou transitou por nosso país”, explica um especialista em organizações jihadistas de Sana.

Temendo um ataque de forças militares americanas contra seu país, o presidente Saleh voou até os EUA, em novembro de 2001, e aceitou cooperar na “guerra contra o terrorismo”. No entanto, as autoridades colocaram em prática uma política de “geometria variável” em relação aos movimentos jihadistas [7]: enquanto dezenas de militantes foram detidos imediatamente, como o egípcio Sayed Imam Al-Sharif – teórico do jihad conhecido como doutor Fadl [8] –, outros foram deixados em liberdade ou conseguiram fugir.

Expulsar os estrangeiros

Sana inaugurou, igualmente, um projeto de diálogo com os prisioneiro jihadistas, conduzido pelo juiz Hamud al-Hitar, hoje ministro de assuntos religiosos (“al-Awqaf”).

“A instauração do diálogo é um dos pilares da política oficial do Iêmen e visa combater o terrorismo”, explica ele. “Descobrimos que cada movimento terrorista possui sua própria base ideológica, e uma idéia não pode ser combatida a não ser por uma idéia contrária. O emprego da força no Afeganistão e no Iraque não conseguiu pacificar ou estabilizar essas regiões.

A Al-Qaeda se funda sobre duas idéiasforças: o takfir contra os regimes árabes e a expulsão de exércitos estrangeiros. Insistimos na legitimidade do Iêmen em estabelecer esse diálogo. “Mostramos também que a diferença de religião ou práticas religiosas não pode justificar a guerra.”

Essa tentativa de diálogo tinha como objetivo corrigir as visões errôneas fundadas sobre referências religiosas. Al-Hitar explicou que esse projeto foi interrompido em 2005 em razão de pressões internas do governo iemenita, que queria combater o “terrorismo” por outros meios. Ele acrescentou que o diálogo concernia os árabes afegãos, mas não os “antigos do Iraque”.

Muitas críticas foram feitas recentemente com relação à política do Iêmen de “luta contra o terrorismo”.

Washington protestou violentamente contra a libertação, em outubro de 2007, de Jamal Badawi, considerado um dos cérebros do atentado contra a embarcação americana US Cole, em 12 de outubro de 2000. Desde então, ele retornou à prisão, mas os EUA tentam sua extradição.

Outra semente de discórdia é a fuga de 23 detentos suspeitos de serem membros da Al-Qaeda de uma prisão de segurança máxima em fevereiro de 2006, sem dúvida com a cumplicidade de alguns guardas. Entre eles, está Naser al-Wahayshi, o novo emir (chefe) da Al-Qaeda no Iêmen.

Um dos principais temas de conflito com Washington é o sheik Abdel Majid al- Zindani. Esse teólogo, conhecido por ter exercido influência sobre Bin Laden durante o jihad afegão, é presidente da universidade islâmica Al-Iman, na capital do Iêmen, e um dos chefes influentes do partido de oposição Al-Islah... que mantém relações estreitas com autoridades governamentais. Ele é procurado pelas autoridades americanas e figura na lista do Comitê de Sanções contra a Al- Qaeda e Talibãs do Conselho de Segurança da ONU. No entanto, Zindani goza de grande apoio entre as confederações tribais do Norte, entre os salafistas e até mesmo entre oficiais iemenitas.

Em reação a um atentado perpetrado em julho de 2007, que matou sete turistas espanhóis, Nasser al-Bahri (cujo nome de guerra é Abou Jandal), ex-guarda-costas de Bin Laden, acusou uma “nova geração” desconectada da organização-mãe: “Esta não é a estratégia de Osama Bin Laden (...).

A nova geração não é essa de Bin Laden, mas a de Abu Musab al-Zarqawi, diferente da Al-Qaeda, mesmo se certos grupos se apropriam desse nome. É a geração do Iraque, dos jovens sem experiência, mal dirigidos e mobilizados a ‘torto e a direito’. Eles pensam que a velha geração não foi capaz de enfrentar o adversário, que são frouxos e os espionam [9]”. Saïd al-Jamhi, pesquisador em ciência política e autor de um livro sobre a Al-Qaeda [10], concorda com essa visão: “O governo do Iêmen se concentra sobre grupos da Al-Qaeda e não presta suficiente atenção à nova geração”.

A série de ataques com explosivos contra alvos ocidentais, em Sana, desde meados de 2007, seria obra de um grupo de jovens jihadistas chamado Kataeb Al-Jound Al-Yama [11]. O objetivo da organização seria obrigar as autoridades a libertar os militantes presos, para acabar com a cooperação com os EUA e seus aliados e, também, dar liberdade de movimento a todos que quiserem levar o jihad para o Iraque, Afeganistão ou Somália. A emergência e as atividades dessa nova geração poderiam colocar em risco o pacto entre autoridades iemenitas e os militantes da Al-Qaeda: um compromisso de não cometer atentados no Iêmen em troca de apoio logístico ao jihad em outras localidades.

As autoridades precisam do apoio do movimento jihadista em duas frentes. Primeiro, face ao crescente descontentamento no Sul do país, onde uma parcela da população se arrepende da unificação em 1990. Segundo, face à contestação tribal zaidita (um dos braços do xiismo), no Norte, desde 2004.

Se o vazio político e a insegurança persistirem no Iêmen, Líbano e outros países, esses jovens poderão encontrar novos dirigentes, novas predicações e novas formas de organização.



[1] O takfirismo denuncia como traidor todos os muçulmanos que não seguem sua orientação. Ver Syed Saleem Shahzad ,“Takfirismo, ideologia messiânica”, Le Monde Diplomatique, agosto de 2007.

[2] Ver Nabil al-Sofi, “Aljihad alyamani fi ali’raq: salafiyun waqabael yandamoun ‘aljihadiyin’” (“O jihad iemenita no Iraque: os salafistas e as tribos se juntam aos ‘jihadistas’”). Al-Hayat, Londres, 11 de abril de 2007; e Rashid Khashana, “Alf shab tunisi mutahamun bilmusharaqa wabiltakhteet lidawr fi ‘almuqawama al’irakiya’” (“Mil jovens tunisianos acusados de querer tomar parte na ‘resistência iraquiana’”), Al-Hayat, 12 abril de 2007.

[3] Muhammad Muqadam, “Al-Qaeda fi bilad almaghreb alarabi’ tujaned lilqital fi al’irak… laken liahdaf fi aljazaer” (Al- Qaeda no Magrebe árabe recruta para combate no Iraque… mas com objetivos na Argélia), Al-Hayat, 9 de setembro de 2007.

[4] Fouad Husein, “Al-Zarqawi, al-Jeel al-Thani lil-Qae’da” (“Zarqawi, a segunda geração da Al-Qaeda”), Beirute, Dar al-Khalil, 2005.

[5] Mas não atacou os parceiros de Mouqtada al-Sadr.

[6] Bruce James, “Arab Veterans of the Afghan War”, Londres, Jane’s Intelligence Review, abril de 1995.

[7] Ver Laurent Bonnefoy, “Entre pressions extérieures et tensions internes, un équilibre instable au Yémen”, Le Monde Diplomatique, outubro de 2006.

[8] Mais de 113 militantes de primeiro escalão são presos, em sua maior parte egípcios. Ver Asharq al-Awsat, Londres, 5 de março de 2004.

[9] Nasser Arrabyee, “Al Qaida not behind tourist attack in Yemen”, Dubai, Gulf News, 10 de julho de 2007.

[10] “Al-Qae’da fi al-Yaman: al-nash’a… al-khalfiya al-fikriya… al-imtidad” (“Al-Qaeda no Iêmen: seu desenvolvimento, raízes e desdobramentos ideológicos”), Sana, 2008.

[11] Gregory D. Johnsen e Brian O’Neill, “Yemen attack reveals struggle among Al-Qaeda’s ranks”, Washington, Jamestown Foundation, 10 de julho de 2007. Em setembro de 2008, um ataque contra a embaixada americana em Saana resultou em 17 mortos.