sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Cinema palestino...

Paradise Now: O proletariado acredita em Deus

Filme do palestino Hany Abu-Assad não toma partido entre os caminhos de luta a seguir em seu país, mas abre caminho para uma indagação polêmica.



Não se trata de nenhuma provocação: o proletariado acredita em Deus? Diante de “Paradise Now (Paraíso Agora)”, do palestino Hany Abu-Assad, é uma pergunta que deve ser feita. A começar pela abertura do filme, quando em breves seqüências várias questões, além desta, já começam a ser levantadas. Suha (Lubna Azabal), francesa de origem palestina, desembarca em Nablus e, em rápidas cenas, nos apresenta a cidade. Cheia de prédios destruídos pelos bombardeios israelenses, bloqueios de soldados e carros israelenses, picadas abertas para passagem de palestinos vindos do lado israelense, onde trabalham, mas não podem seguir pela estrada normal porque está bloqueada pelos israelenses. Nada ali se assemelha a uma convivência entre dois povos milenares que em outras épocas habitaram, embora com certo antagonismo, o mesmo território.

Nesse passeio, feito por uma câmera discreta, Hany abu-Assad nos introduz numa região conhecida no planeta, como a terra do conflito permanente entre palestinos e israelenses. Suha, morena, bela, vem do Marrocos para visitar sua cidade natal, após a morte do pai, mártir da luta palestina para construir seu país. Ninguém lhe dá, desde o início, a atenção que deve merecer no final, pois é através dela que chegamos à conclusão: “O proletariado acredita em Deus”. O diretor-roteirista, Hany abu-Assad não nos dá muita pista sobre ela, vai colocando-a aqui e ali e nos levando aonde quer. Ela caminha por Nablus, como se a nos mostrar a cidade, os estragos feitos pelos israelenses e a limitação de espaço que eles impõem à população. Tudo nela, na cidade, são escombros, pedaços do que foi algum dia.

Escombros mostram os estragos da ocupação israelense em Nablus


Nessa perambulação de Suha, Hany abu-Assad nos apresenta dois jovens mecânicos, Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman), que estão às voltas com o conserto de um carro. Estabelece-se entre a franco-palestina e eles uma química, que torna possível os diálogos e as mudanças de rumo no final de “Paradise Now”. Não se pense em “affair”, mas do papel que cada um irá jogar para o destino do outro. Hany abu-Assad, para nossa felicidade, não usa jogo, subterfúgios para envolver o espectador, só conta uma história sem meios tons. Suha, Said e Khaled são pessoas comuns, desglamourizadas. A brincadeira, a conversa entre os dois jovens no morro, com a cidade ao fundo, mostra o quanto eles estão longe dela. Têm sonhos, fantasias, mas nenhuma discussão travam sobre o que possa lhes dar o perfil de um “homem-bomba”.

Esta tranqüilidade, que em qualquer filme com mais pretensão levaria a discussões e justificativas teológicas, políticas e ideológicas, é mostrada por Hany abu-Assad como se nada demais fosse acontecer. E nisso se constitui o grande trunfo de “Paradise Now”: nada no filme é espetacular. Transcorre como um passeio pelo campo, por mais que o território palestino esteja minado e em conflito constante. A chegada de Said à sua casa, acompanhado de Jamal (Amer Hlehel), é calma, tal uma visita de amigo. A mãe (Hiam Abbass) os recebe e trata Jamal como a um filho. Não se discute religião ou política, a única elevação de voz vem do irmão de Said, que reclama por ele estar usando sua camisa. E não se tem um filme lento, seu encadeado é veloz, cheios de nuances. Vê-se Nablus com curiosidade, pela ousadia de se filmar em locais reais, para que o espectador tenha noção do que é viver num dos territórios ocupados por Israel. E, ao mesmo tempo, familiar, pelas milhares de vezes que a vimos nos noticiários da TV.

Essa calma aparente muda de vez, para nos defrontarmos com a afirmação: “O proletariado acredita em Deus”, quando Said e Khaled mostram quem são e qual é sua missão. São proletários, filhos do povo, sem futuro, perspectiva de desfrutar sua cidadania, percorrer ruas, avenidas, campos, sem a presença dos soldados israelenses. São eles que irão entrar por cômodos vazios e terminar num amplo salão, sem móveis ou qualquer decoração. Há apenas uma câmera, que custa a funcionar, e o fundo, também conhecido por milhões de pessoas no planeta. Diante deles ficam Khaled e Said, um de cada vez, com suas despedidas. Nada ali é feito apenas pela libertação do povo palestino, pela construção da nação palestina, mas principalmente pela vontade de Alá e de seu profeta Maomé. Said diz, lá pelas tantas:”Se é pela vontade de Alá (Deus)”, está disposto ao sacrifício. Mesma convicção tem Khaled.

Organização prega recompensa divina pelo sacríficio militante


A crença em Alá vem embasada pela pregação do líder Abu-Karen (Asharaf Barhom) de que o feito por Said e Khaled terá recompensa divina. Espécie de libertação espiritual concedida àqueles que lutam pela libertação de seu povo. É nisso que eles devem acreditar. É uma relação, não com a causa em si, mas diretamente com Deus. O movimento passa a ser intermediário entre o militante-mártir e o Ente Superior. Nestas questões, como sempre, qualquer razão perde efeito. Fé, como afirma o ditado popular, não pode ser medida, sentida ou explicada. É apenas fé. Cada um a sente segundo sua identificação com o Criador. E, assim, deve ser respeitada, nos limites, caso de Said e Khaled, de sua luta pela causa palestina. Questão deveras explosiva nos coloca Hany abu-Assad, de uma maneira sutil. A libertação da palestina não é só uma necessidade, diante da ocupação israelense, mas a vontade de Alá.

Neste amálgama é que se pode entender o sacrifício a que devem se submeter Said e Khaled. Preparados para a operação, os dois saem por Nablus para a executar. Estão imbuídos de uma missão que os eleva acima dos pobres mortais, pelo que nos mostra Hany abu-Assad. Não devem se abalar – e “Paradise Now” nos põe, agora, diante da possibilidade de a missão fracassar. Cheios de explosivos, frente à impossibilidade de se transformar em mártires, eles passam a transitar pela cidade. Vão de um lugar a outro, após o ritual, e o espectador tem a idéia do absurdo em que Said e Khaled se meteram. Lançando mão, mais uma vez, da sutileza, Hany abu-Assad nos remete aos perigos e ao surrealismo da situação, sem discurso. Ao mesmo tempo que se quer que eles desistam, voltem e retirem a parafernália de mártir, tememos que explodam e levem junto gente inocente, não no sentido do objetivo, da missão de que estavam imbuídos, mas daqueles que transitam pela cidade, sem saber quem são eles e o perigo que representam naquela situação. Sua-se frio o tempo todo.

Quando se chega a este impasse, é que Suha, personagem sem razão aparente para a trama, mesmo romântico, ressurge para unir as pontas. No trânsito de Said e Khaled pelo local da missão, este se perde do amigo. É o vértice que faltava a “Paradise Now”, a visão adversa à de Abu-Karen, idolatrado pelos dois rapazes. Num poderoso diálogo com Khaled, ela o leva à reflexão. Afinal, medida extrema como a que ele pretendia empreender não resolveria o problema, pois como ficariam as pessoas que continuariam vivas, questiona Suha. Seria um sacrifício para quê? Suha é pacifista, não no sentido humanista-ocidental-cristão, por não querer o conflito armado, pelas mortes de inocentes que provoca, sim por querer outra tática para vencer o inimigo. Não é a fé que ela evoca, mas o raciocínio, a reflexão sobre o que é mais eficiente para acabar com a ocupação e abrir o caminho para a construção do país. E balança Khaled, o mais radical, desde o início.
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Dois caminhos para se chegar à libertação da Palestina

Khaled passa a ser, desta forma, a antítese de Said. A partir do diálogo com Suha, ele não é mais o mesmo. Ele tem, agora, algo para além da crença. Incorpora outra posição. Hany abu-Assad usa-o para levantar outra questão: a da disputa pacífica, sem deixar a luta ou de ver a ocupação como algo inadmissível, havendo, portanto, a necessidade de acabar com ela. Mas não toma partido, pois Said continua sua trilha. Não desiste de ascender ao céu, pela via do martírio. O faz abandonando Khaled à sua nova crença. Fica sozinho, compenetrado, disposto a elevar-se ao céu. Hany abu-Assad, ao chegar a esta seqüência, demonstra que fez o filme para contribuir para o debate. Usa toda a trama do clássico filme de suspense com inteligência, sem excessos, heroísmos, grandiloqüências. “Paradise Now” é econômico, com bela fotografia de Antoine Héberlé.


O que se ressalta, no final, é a situação do povo palestino, uma das mais precárias do Oriente Médio. Pelo contraste entre Nablus e Tel Aviv, para onde vai Said, ainda imbuído de sua missão, vê-se os males infringidos pelos israelenses aos palestinos. Em Tel Aviv, a prosperidade está nos prédios, nos carros que circulam pelas avenidas, nas mulheres de biquíni, na forma como as pessoas se comportam: não há barricadas ou soldados armados à vista. Mesmo no ônibus que Said toma, impassível, determinado, nota-se que ali há algo mais que gente bem nutrida. E ele, Said, por acreditar ser possível ascender ao céu, pela via do “martírio político-revolucionário”, poderá levar vários soldados e pessoas anônimas com ele.

Justo ele, Said, proletário, mecânico, não está penetrado pela certeza, que nem Suha tem, da transformação radical da sociedade, combinando a luta pela independência nacional com a guerra popular, que também é feita nas ruas dos territórios palestinos ocupados por Israel. Ele, Said, está tomado, tão e simplesmente, pela fé. E pelo que nos diz Hany abu-Assad “O proletariado nesta etapa da luta da humanidade acredita em Deus”. E Alá, no sentido de estar acima do entendimento da luta pela libertação da palestina, pode ser o guia maior. Diferente da mediação do Estado, quando usado pela burguesia para atingir puramente o controle do mercado, caso da ocupação do Iraque pelos EUA, para garantir o abastecimento de petróleo. Bush, neste caso, manobra para que supostamente os poderes divinos se revertam a seu favor, sem nenhum objetivo maior do que a ampliação do poder norte-americano no planeta.

A mediação pelo que nos explica Hany abu-Assad é feita pela organização para que o povo oprimido possa atingir seus fins. E o instrumento é a fé em um Ente que é, a princípio, imaginado nos limites da compreensão humana nesta etapa da evolução da humanidade. Sob este aspecto a crença de Said fica explicada. Pode-se, nos limites da racionalidade ver o mesmo problema sob outro aspecto, mas então estaríamos diante de outro filme, não de “Paradise Now”, que é apenas uma obra cinematográfica e não uma tese sobre a revolução proletária. O que se pode, com toda a limitação implícita no roteiro de Hany abu-Assad, é refletir sobre uma questão que deve intrigar a todos nós nestes primórdios do Terceiro Milênio: “O proletariado, como força revolucionária, acredita em Deus?” Vale inclusive rever a máxima de Marx sobre a religião. É um bom desafio.


Paradise Now
(Paraíso Agora), 2005, 90 minutos. Produção: França, Alemanha, Israel, Holanda). Direção: Hany Abu-Assad. Elenco: Kais Nashef, Ali Suliman, Lubna Azabal. Música: Jina Sumedi. Fotografia: Antoine Héberlé.




*Cloves Geraldo, Jornalista

FSM-2009

A voz do Islam no FSM

Uma das tendas que mais chama atenção neste FSM em Belém, inclusive pela quantidade de jovens estudantes, é do CEDIAL/Centro de Divulgação do Islam na América Latina, instalada no campus da UFPA.

O Islam na América Latina

Lá estava Moumtezs Hachen El-Orra, 48 anos, libanês de nascimento, mas radicado no Brasil depois de vários anos. Num português fluente, enfático e, mesmo, cativante El-Orra atendida os diversos visitantes do CEDIAL com muita atenção. Sunita (ou seja, pertencente ao ramo dominante do Islam, em contraste com os xiítas), durante nossa conversa o diretor do CEDIAL nos falou sobre as dificuldades, e esperanças, dos cerca de um milhão de muçulmanos que vivem na América latina. Ao contrário do que se poderia supor a forte campanha anti-muçulmana que varreu o mundo depois de 11/09/2001 não prejudicou a predicação e proselitismo muçulmano no continente. Um maior número de pessoas, conforme El-Orra, procurou entender, conhecer e se aproximar da religião islâmica, recusando os estereótipos impostos. Neste sentido houve, depois de 2001, um crescimento do interesse por esta religião em todo o continente, com aumento da construção de mesquitas e da afluência.

O Islam

Mas, o que é o Islam (El-Orra insiste na forma “Islam”, em lugar de “Islã”)? El-Orra nos fala de uma religião inspirada e revelada, ou seja, diretamente trazida aos homens por Deus ( “Allah” ) através de “seus” profetas. Isso mesmo! Profetas no plural. Mohammed. Isso mesmo, Mohammed! A forma “Maomé” é um galicismo recusado, sem qualquer vigência em português ou árabe, portanto sem sentido seu uso continuado. Na verdade, Mohammed não foi o único, embora tenha sido o maior de todos os profetas na Revelação do Islam, incluindo aí a revelação do livro sagrado (o Corão ou Alcorão). El-Orra nos ensina que para ser muçulmano basta aceitar a forma básica de reconhecimento da religião”: “Deus é Único e Mohammed é seu Profeta!”. Claro que existem outras obrigações do fiel. Para as mulheres, por pudor e respeito, o uso do lenço (nada de burkha ou outras formas de velação pesadas) apenas o chador. Para todos os fiéis é obrigatório o jejum no mês santo, do Ramadam, a esmola dos pobres ou “zakat”, a peregrinação à Meca (ou “Haj”) e, claro, a regra das orações diárias voltadas para Meca.

El-Orra entende que muitas vezes os preceitos não são devidamente cumpridos pelos fiéis. No entanto, ao aceitar a Revelação de Deus (na fórmula acima ) o convertido é, e permanece, “muslim”, submetido à Deus. Talvez, não um bom fiel (como também existiriam católicos ou evangélicos relapsos), mas seria, todavia um muçulmano.

O Islam, o Estado e seus valores
Para El-Orra grande parte do sucesso do Islam nas nossas Américas advém de um sentimento cada vez mais presente de crise da família, em especial entre as mulheres. Neste ponto mostra-se claramente rigoroso, sem concessões: a unidade da família, o papel dirigente dos pais na criação dos filhos, a preservação da virgindade das moças, a recusa aos vícios mais comuns entre jovens... Todos estes são itens de clara exigência para um fiel e que colocam em risco sua salvação em caso de transgressão.

Um outro ponto polêmico é a certeza de que não é possível a salvação da alma com descompromisso com as condições materiais do próprio fiel. Assim, um poder político que permita o deboche, os vícios e o relaxamento dos costumes – muito especialmente em relação à família – não poderia, nunca, ser um regime considerado justo pelos muçulmanos.

A idéia, de origem iluminista, datando no Ocidente do século XVIII, de separação entre a esfera da vida pública – onde vigem critérios laicos, de livre escolha e de não intervenção na educação dos filhos ou na gestão doméstica – do âmbito esfera privada – a casa, a família, a religião – não é um dado aceitável para o Islam.

Eis aí as bases de uma forte fratura civilizacional. No Ocidente a emergência da diferenciação entre público e privado foi, exatamente, uma resposta às terríveis guerras de religião que sacudiram a Europa entre 1517 (Proclamação das Teses de Lutero) até o século XVIII. A resposta de intelectuais e políticos (muito especialmente depois dos Tratados de Westphalen, de 1648) foi deixar para esfera das escolhas privadas a questão religiosa.

O Islam, ainda conforme El-Orra, em face dos graves vícios e danos da vida moderna ( mais uma vez a ênfase recai na família ) duvida da resposta gerada no Ocidente e na sua capacidade de forjar pessoas íntegras e felizes. Muito especialmente o divórcio e o adultério são vistos como fontes da infelicidade. El-Orra nos pergunta: os filhos de pais separados são realmente felizes? Sem dúvida é uma questão de difícil resposta.

Islam e Tolerância

Neste sentido o Islam é político e a política (num país convertido) é islâmica. Esta seria a única possibilidade de evitar a perda das pessoas frente a um Estado moralmente relaxado. O Estado laico seria visto como um Estado sem Deus, onde o vício poderia instalar-se livremente. Assim, para o Islam não basta uma alma limpa, mas busca-se junto o corpo limpo! Para o verdadeiro “muslim” deve-se executar as leis Deus na terra, este seria o papel do verdadeiro “muslim”, e não a conformação com as leis dos homens!

O livro, o Alcorão, é a fonte de toda a sabedoria, na verdade “o livro de todas as épocas”, onde os avanços da ciência, da moral, da ética estão presentes e servem de fonte permanente para os fiéis. As “charias” e a Suna – a tradição recolhida da época do Profeta – complementam e ampliam os ensinamentos transmitidos por Deus.

Por fim, El-Orra insiste na compreensão do espírito da sua explanação, e mesmo chega a temer que não consigamos trazer para o público, a verdadeira face do Islam. Deixa claro que considera sua religião a única correta, fonte do conhecimento e da sabedoria. Contudo, com ênfase, insiste no respeita às demais religiões. Fala-nos que a certeza de estar certo, de estar al lado do Único, não permitiria a ofensa ou humilhação dos demais. Recordando uma passagem do Alcorão, quando o Profeta adverte seus seguidores que ameaçavam os defensores derrotados de Meca, contra a impiedade e a arrogância. Ao não convertido não cabe, por parte do “muslim”, ofensas nem por palavras, nem atos, nem pela espada!


Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

FSM-2009

Acampamento da Juventude, o resto é preconceito

Multifacetado, multiracial, multicolorido e multisonoro, o Acampamento da Juventude confirma, em sua edição amazônica, a fama de espaço de maior diversidade dentro do Fórum. Para entender tudo isso, só mesmo indo lá. Porque é da síntese entre o conhecido e o estranho que brota uma outra possibilidade, quem sabe até, um outro mundo. O recado do acampamento parece mesmo ser este: ou aprendemos uns com os outros, ou morremos com os nossos preconceitos.

BELÉM - A liberalidade dos comportamentos, o gestual agressivo de uns poucos, o figurino inusual de outros tantos, o cheiro de fumaça e incenso no ar, pouca roupa, tatuagens de dragão e borboleta, camisetas de algodão e jeans, saias com estampas orientais, ícones revolucionários já absorvidos pelo mercado fashion, negros e loiras ostentando dreadlocks (que não nasceu com os hastafaris, mas entre antigos povos da Índia), índios tatuando brancos, e estudantes, muitos estudantes num trotoir incessante que parece sem destino. É mais ou menos isso o que vê um primeiro olhar lançado sobre o Acampamento Intercontinental da Juventude do Fórum Social de Belém.

A impressão woodstockiana é inevitável. Como no festival hippie de quarenta anos atrás, os acampados de Belém bradam palavras de ordem contra a guerra, ainda defendem (e alguns mais corajosos exercitam) o amor livre e criticam o capitalismo. Os tempos e o fato de estarem num fórum social, acrescentaram novas bandeiras ao repertório: ensino público gratuito e de qualidade, preservação ambiental. Nada muito novo, é verdade. Mas como afirma Ricardo Barazzetti, gaúcho de Caxias do Sul, integrante do Kizomba (campo do movimento estudantil ligado ao PT), “hoje, nenhuma luta faz sentido se não estiver agregada à defesa da preservação de todas as formas de vida do planeta”.

Para além da "bichogrilagem", o acampamento abriga debates sobre temas importantes como direitos humanos, quilombolas, indígenas, reforma urbana, mulheres, saúde, economia solidária, internet, democracia participativa, energia e educação. “Um laboratório de práticas socialmente transformadoras cujo objetivo é a produção de referências simbólicas comuns”, anuncia, pomposamente, o site oficial do evento: .

A ONG Unione Italiana Sport per Tutti (UISP) que já esteve no Fórum de Nairóbi e que montou quadras para a prática de vôlei e futebol dentro do acampamento de Belém, veio ao Brasil neste espírito: “Vemos o esporte como forma ideal para integração, liberdade, solidariedade, enfim, todas as expressões humanas. Nossa ONG é parceira de movimentos ambientalistas e de igualdade racial como o Mondiatti Antirazzisti.” A proposta parece ter funcionado. Na tarde de quarta-feira, um dos times na quadra de vôlei reunia uma loira suíça, um negro carioca, dois japoneses paulistas e uma índia amazonense.

Caminhando entre as barracas, o acampado vai se deparar com uma frase instigante: “Não estamos atrapalhando o trânsito. Nós somos o trânsito”. É o slogan da Critical Mass, movimento global criado em San Francisco da Califórnia que visa disseminar o uso racional dos automóveis substituindo-os, sempre que possível, pelas bicicletas. “Danny Souza, 40 anos, geógrafo, está no acampamento para divulgar o movimento. “Tenho carro, mas no ano passado, percorri 2.600 km de bicicleta só indo e voltando do trabalho”. Danny diz que o movimento não é ligado a nenhum partido. Bem ao contrário dos estudantes filiados ao PSOL que estão em grande número no acampamento, organizaram espaços próprios e mantém uma agenda de eventos, quase todos com críticas ao governo federal.

Visivelmente espantado com a gritaria dos estudantes de outro matiz, a UJS do PCdoB, William Akay, 23 anos, indígena do povo Wai-Wai e morador da aldeia Mapuera às margens do rio Trombeta (divisa entre Pará e Amazonas), diz que não está gostando do Fórum: “Parece que índio não pode viver como qualquer outro povo, tem que viver como bicho”, reclama diante do permanente assédio de brancos que, sem pedir licença, postam-se ao seu lado para tirar fotografias. “Não somos animais de um zoológico. Eu ainda consigo dizer que não quero, mas eles (apontando para outros jovens índios de seu povo), não sabem falar português e não podem fazer nada”.

A secundarista Raísa Rosa, 17 anos, também não pode fazer nada quando, na marcha de abertura do Fórum, foi assaltada por dois homens que lhe roubaram a bolsa com todos os documentos, algum dinheiro e a máquina fotográfica. Mas Raísa não se deu por vencida. Passou a tarde exibindo um cartaz onde se lia “Fui assaltada. Preciso de dinheiro para voltar para casa”. O pedido, escrito em português, espanhol e inglês, fez brotar a solidariedade entre os acampados que, em poucas horas, garantiram com moedas e notas de baixo valor, os R$ 98,00 que Raísa precisava para comprar a passagem de volta ao Maranhão. – O assalto fez com que você ficasse com uma impressão ruim do Fórum?, pergunta o repórter. “Claro que não. Isto aqui é uma mostra do mundo e eu adoro o mundo”.

Nem todos, entretanto, conseguem decifrar o espírito do acampamento. É o caso do auxiliar de escritório belenense César Raimundo Gomes, 18 anos, que confessa não ter “nenhuma identificação com aquilo lá”. O rapazote vai mais longe: “Sugiro que os jovens de Belém se mantenham afastados da UFRA”.

UFRA é sigla que designa a Universidade Federal Rural da Amazônia, cujo campus abriga o Acampamento. A estrutura foi montada para receber 20 mil pessoas e, ao menos até a última quarta-feira (28), os 120 banheiros químicos e os 300 chuveiros montados em barracões de madeira fina e sem cobertura, se mostravam suficientes para a demanda higiênica dos 17 mil que chegaram a Belém. Não havia filas também nos pontos de alimentação onde predomina um cardápio de frutas regionais, verduras, legumes e grãos.

É possível encontrar Coca-Cola “o líquido negro do imperialismo”, mas disfarçada e servida em sacos de plástico transparente (“para pensar que é suco de açaí”, confessa uma vendedora ambulante) com direito a canudinho. Fernanda Torres, paranaenses de 20 anos, estudante de Gestão Ambiental, acha “um absurdo” a venda de refrigerante no Fórum e reclama que das garrafas de água e papéis que conferem um aspecto de aterro sanitário a alguns espaços do acampamento. Há críticas também ao trânsito na rodovia de acesso e temores com a segurança já que boatos sobre assaltos e até estupros circulam de boca em boca. Nada, contudo, foi registrado pelos policiais que atuam naquela área. “Quando tem show e o pessoal bebe um pouquinho, é que a gente fica mais esperto. Mas está tudo calmo”, conta o PM Anderson.

Por falar em trilha sonora, ritmos afros, carimbós, rocks, mpbs, bregas, heavy metals e mantras convivem quase harmoniosamente no lugar. E é assim, multifacetado, multiracial, multicolorido e multisonoro que o acampamento confirma, em sua edição amazônica, a fama de espaço de maior diversidade dentro do Fórum. Para entender tudo isso, só mesmo indo lá. Porque é da síntese entre o conhecido e o estranho que brota uma outra possibilidade, quem sabe até, um outro mundo. O recado do acampamento parece mesmo ser este: ou aprendemos uns com os outros, ou morremos com os nossos preconceitos.

Créditos: Agencia Carta Maior

Fotos: Agência Brasil

Fotos da Marcha do FSM-2009

www.esquerda.net




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Fotografias de Emmanuelle Reungoat

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Greve geral na França...

França: Um milhão e meio nas ruas



Manifestação em Paris - 29 de Janeiro de 2009 - Foto da Lusa
Segundo a central sindical CGT, um milhão e meio de franceses e francesas encheram hoje as ruas do país para protestar contra o desemprego e o ataque do governo aos serviços públicos. Em Paris, a manifestação juntou 100.000 pessoas segundo a CGT e 65.000 segundo a polícia. A greve dos trabalhadores foi largamente seguida na função pública e nos transportes.

A jornada de acção em defesa do emprego, dos serviços públicos e contra a política do governo de Sarkozy, convocada pelos sindicatos e apoiada por outros movimentos e partidos de esquerda, traduziu-se em grandes paralisações, nomeadamente nos serviços públicos, e em grandes manifestações na maior parte das cidades do país.

A greve fez-se sentir fortemente em empresas como a Renault e bancos como o Crédit Lyonnais. Também na France Telecom, nos Correios e na Electricité de France (EDF) a paralisação foi grande, tendo sido interrompidos programas das rádios e televisões públicas.

O secretário geral da central sindical CFDT, François Chérèque, considerou que as manifestações desta jornada de acção são "as maiores manifestações de trabalhadores realizadas em França desde há 20 anos".

Bernard Thibault, secretário geral da CGT, declarou, sobre a jornada de luta: "É um evento social de grande importância, não um ataque de raiva passageiro, haverá uma sequência".

Greve geral em França é das maiores de sempre






Esperam-se fortes perturbações nos transportes, apesar da novidade da lei dos serviços mínimos.
www.esquerda.net

Pela primeira vez em muitos anos, os oito principais sindicatos uniram-se para protestar contra o desemprego e o ataque aos serviços públicos e acusam o governo de, perante a crise económica , apenas proteger os banqueiros e os grandes empresários. Esperam-se cerca de 200 manifestações em todo o país, e a greve deve afectar transportes públicos, escolas, universidades, hospitais, correios, aeroportos, rádios e televisões públicas, bem como a indústria automóvel.
Na origem desta greve está uma declaração comum que junta os oito principais sindicatos dos sectores público e privado: "Mesmo não sendo responsáveis, os trabalhadores, os desempregados e reformados, são as primeiras vítimas desta crise. Ela ameaça o futuro dos jovens, prejudica a coesão social e a solidariedade, e agudiza as desigualdades e a precariedade", cita o jornal francês Liberation, que considera esta greve não uma jornada de protesto clássica mas sim um verdadeiro "grito de alarme".

Segundo uma sondagem do jornal Le Parisien, 69% dos franceses apoiam a greve, considerando que Sarkozy devia apoiar desempregados e trabalhadores como foi capaz de acudir aos bancos. Um responsável do sindicato Force Ouviere afirma que "o Estado acaba sempre por encontrar uma forma de ajudar os bancos ou a indústria" mas quando os trabalhadores precisam de alguma coisa a resposta é sempre "não há dinheiro".

Cerca de 200 manifestações estão previstas no país. Os protestos devem afectar transportes públicos, escolas, universidades, hospitais, correios, aeroportos, rádios e televisões públicas, portos, empresas de energia e telecomunicações e vários outros serviços.

Desta vez os trabalhadores do sector privado também se uniram ao movimento de protesto. Trabalhadores da Renault, Peugeot-Citroën, bancos, supermercados, metalúrgicas e até pilotos de helicóptero e operadores da bolsa Euronext anunciaram sua participação na greve.

Tal como em protestos anteriores, o grosso das manifestações deverá ser constituído por professores e alunos, contra as reformas neoliberais na educação. Os despedimentos e as privatizações em vários outros sectores motivam igualmente esta grande onda de revolta, à qual se associa também a Liga dos Direitos do Homem, num amplo arco de alianças contra as políticas de Sarkozy.

Perante tamanha mobilização, Sarkozy foi obrigado a moderar seu discurso. Na semana passada, havia dito "eu ouço, mas não levo em conta", referindo-se às diferentes críticas às suas reformas. Mas na terça-feira, 48 horas antes da greve, Sarkozy preferiu dizer que "ouvia as preocupações dos franceses e as levava em conta".

JORNALISMO DE ESGOTO GLOBALIZADO

Assinado apenas por "Paulo Cesar", encontramos o texto abaixo na caixa de comentários do excelente blog RS Urgente. Diz o comentarista tratar-se de uma adaptação de um texto em francês, de autoria desconhecida. Pela sua pertinência, resolvemos reproduzi-lo aqui.
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Doze Regras de Redação da Grande Mídia Internacional Quando a Notícia é do Oriente Médio
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Regra Um - No Oriente Médio, são sempre os Árabes que atacam primeiro e sempre Israel que se defende. Esta defesa chama-se represália.
Regra Dois - Os Árabes, Palestinos ou Libaneses não têm o direito de matar civil. Isso se chama "Terrorismo".

Regra Três
-Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama "Legitima Defesa".
Regra Quatro - Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. Isso se chama "Reação da Comunidade Internacional".

Regra Cinco
- Os Palestinos e os Libaneses não têm o direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama "Seqüestro de Pessoas Indefesas".
Regra Seis - Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos Palestinos e Libaneses desejar. Atualmente, são mais de 10.000, dos quais 300 são crianças e 1000 são mulheres. Não é necessária qualquer prova de culpabilidade. Israel tem o direito de manter os seqüestrados presos indefinidamente, mesmo que sejam autoridades democraticamente eleitas pelos Palestinos. Isso se chama "Prisão de Terroristas".

Regra Sete
- Quando se menciona a palavra "Hezbollah", é obrigatório a mesma frase conter a expressão "apoiado e financiado pela Síria e pelo Irã".
Regra Oito - Quando se menciona "Israel", é proibida qualquer menção à expressão "apoiada e financiada pelos Estados Unidos". Isso pode dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não está em perigo existencial.

Regra Nove
- Quando se referir a Israel, são proibidas as expressões "Territórios Ocupados", "Resoluções da ONU", "Violações de Direitos Humanos" ou "Convenção de Genebra".
Regra Dez - Tanto os Palestinos quanto os Libaneses são sempre "covardes" que se escondem entre a população civil, a qual "não os quer". Se eles dormem em suas casas com as sua famílias, a isso se dá o nome de "Covardia". Israel tem o direito de aniquilar com bombas e mísseis os bairros onde eles estão dormindo. Isso chama "Ações Cirúrgica de Alta Precisão".

Regra Onze
- Os Israelenses falam melhor o Inglês, o Francês, o Espanhol e o Português que os Árabes. Por isso eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados e ter mais oportunidade do que os Árabes para explicar as presentes Regras de Redação (de 1 a 10) ao grande público. Isso se chama de "Neutralidade Jornalística".
Regra Doze - Todas as pessoas que não estão de acordo com as Regras de Redação acima expostas são "Terroristas Anti-Semitas de Alta Periculosidade".

Flechette: a nova arma israelense de matar

Blog do Bourdoukan


israel utilizou armas de fósforo contra a população de Gaza.

Isto não é novidade.

israel utilizou munições com urânio empobrecido contra a população de Gaza.

Isto também não é novidade.

israel utilizou flechettes contra a população de Gaza.

Isto sim, é uma arma nova e até agora desconhecida.

Flechettes, a nova arma foi fornecida pelos Estados Unidos a israel.

Flechettes são dardos de metal com 4 cm de comprimento e 4 aletas traseiras.

As flechettes são condicionadas em bombas de 120mm. São disparadas por tanques.

Cada bomba leva em seu bojo de 5 mil a 8 mil flechetes.

As bombas explodem no ar e dispersam as flechetes numa área de 300 metros.

Alguém consegue imaginar a dor que as mais de 400 crianças assassinadas sentiram ao serem atingidas por essas armas?

Alguém consegue imaginar tamanha crueldade?

A denúncia é da Anistia Internacional.

Clique AQUI para acessar o site da Anistia Internacional

FSM2009-Belem do Pará



FSM 2009: Por um novo pacto ecológico


Claudemiro Godoy do Nascimento *Adital

Os problemas que a humanidade enfrenta podem ser considerados insignificantes diante da ameaça concreta à vida do ser humano. A extinção do ser humano é uma possibilidade real. Não se trata de messianismos ou de tipos de convulsões coletivas fundamentalistas de mortes em massa em nome de um sistema religioso. Pelo contrário, são os próprios seres humanos que estão promovendo essa possibilidade real de extinção, de desaparecimento, do fim.

Na noite do dia 24 de janeiro, na cidade de Belém - Pará, durante o III Fórum Mundial de Teologia e Libertação, teve-se um momento histórico com três personagens que lutam e defendem um novo pacto ecológico para humanidade. Não foi um debate e, muito menos, palestras para ouvintes cansados de um dia de atividades variadas. Foi um momento sublime de diálogo, de construção do "pathos" utópico, de amor e compaixão para com a vida que se manifesta em toda natureza. Nós, homens e mulheres, somos parte desse Todo ambiental, ecológico, natural e cultural.

Sob a mediação do Procurador da República no Estado do Pará, Felício Pontes, os mais de 1.000 participantes do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação tiveram a oportunidade de ver, aprender, escutar, aplaudir e resgatar os sonhos com dois personagens históricos da luta popular por um mundo melhor, a saber: a Senadora Marina Silva, acreana, seringueira, mulher e com uma humildade que a torna forte e guerreira nos momentos necessários; e Leonardo Boff, teólogo da libertação, ecologista, cristão no mundo, educador e como ele mesmo se intitula: "um agitador social", função do intelectual engajado. Ambos dialogaram a partir do tema: "A vida do Planeta desde a Amazônia".

A abertura do diálogo foi realizada pelo Procurador da República, Felício Pontes, que assumiu a tarefa de introduzir o tema. Sua tarefa como representante da Justiça no Estado do Pará vem se destacando pela defesa das causas populares e da ecologia. Sua introdução se destaca pelo compromisso que assume na defesa jurídica aos seringueiros, camponeses, indígenas, povos da floresta e com a própria Amazônia. Para ele, vivemos o choque entre dois mundos, o choque entre dois modelos de desenvolvimento, a saber: o modelo predatório e o modelo sócio-ambiental.

O modelo predatório nega a existência do ser humano, o direito às pessoas em suas condições materiais, existenciais, biológicas, econômicas e sociais o que permite a geração de violência no campo e na floresta com forte imposição do trabalho escravo e a morte de trabalhadores rurais, indígenas e agentes de pastoral. Tais episódios podem estão atestados nos relatórios da Comissão Pastoral da Terra que a cada ano lança um Relatório dos Conflitos no Campo. Este modelo se encontra pautado em quatro eixos predatórios: madeira, pecuária, extração mineral e monocultura agrícola. Para estes "homens de negócio" a floresta é um obstáculo que gera o latifúndio e a concentração de renda. Além disso, este modelo predatório consegue financiamento público para atingir os interesses capitalistas por meio de três bancos públicos: Banco da Amazônia, Banco do Brasil e a SUDAM. Com dinheiro público se financia a cultura de morte e o modelo predatório que se torna a fonte especulativa mais perigosa na Amazônia, em especial, na região Sul do Pará.

O modelo socioambiental, utópica e urgentemente necessária, permite à floresta uma possibilidade de viver e que os povos de que dela dependem utilizem a metodologia do socioextrativismo interrompendo a cultura predatória. O Procurador da República, Felício Pontes, conclama para a urgência das demarcações das terras indígenas, quilombolas, seringueiros e ribeirinhos. Atualmente, 4% da Amazônia já é uma reserva extrativista que deve ser mantida e ampliada.

Por sua vez, a Senadora Marina Silva iniciou sua intervenção afirmando que a destruição da Amazônia significa um grave problema de desequilíbrio. O que seria a Amazônia para o mundo? Pulmão? Coração? Marina Silva nos deixa uma nova alternativa. A Amazônia é o rim do mundo, já que dessa porção continental entra e saí muita água que doa vida aos seres da floresta e à própria floresta. Por isso, pensar a Amazônia significa pensar outro tipo de democracia que possibilite o diálogo a partir de forças mediadoras. Também, pensar a Amazônia é pensar os conflitos de interesse. São os mesmos interesses de capital predatório que gera o que podemos chamar de "crise civilizatória".

Seria o momento de mudar os paradigmas? As mudanças são frutos das mãos do próprio ser humano que desde a Revolução Industrial assumiu como fundamento o paradigma da dominação, do predatório, da barbárie, do genocídio e do etnocídio, da cultura e do pensamento único... Trata-se de um paradigma único e absoluto, fruto de uma visão antropocêntrica. Na tradição judaico-cristã, Deus cria primeiro todas as coisas antes de criar o homem. Assim, poderia o homem colocar-se acima de tudo e de todos com uma argumentação infantil e fundamentalista que legitima a lógica dominante?

Vejamos: "Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra" (Gen 1, 28). Como se trata de interesses, os homens utilizam ideologicamente este versículo isolado sem nenhuma hermenêutica dos conceitos para justificar o paradigma antropocêntrico por meio da Bíblia. Dominai significa compaixão, cuidado e responsabilidade para com a Terra onde não existe a barbárie da destruição.

Com o extermínio da floresta há um extermínio dos povos tradicionais que ali vivem, em especial, os 60 milhões de índios em toda América Latina. Por isso, a razão instrumental do Ocidente, chamada pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos de "razão indolente" já não responde mais aos problemas da humanidade. Para que tenhamos uma idéia do problema indolente, atualmente, temos 1/3 (um terço) da humanidade que sofre com a desertificação afetando 20% da soberania alimentar mundial. Por outro lado, 75% de CO² produzido pelo Brasil se devem ao desmatamento das florestas amazônica, cerrado e atlântica. Os países ricos produzem 80% de CO², sendo os Estados Unidos o campeão de emissão de CO², em torno de 20%. Os países emergentes juntos são responsáveis pelos 20% que restam.

Para Marina Silva, precisamos de um diálogo com os saberes por meio da troca de experiências com culturas diferentes que respeitam e valorizam os saberes narrativos, em especial, dos povos indígenas. Durante 500 anos de chegada dos invasores europeus, no Brasil foram massacrados 1 milhão de índios em cada século o que podemos caracterizar uma estimativa de 20% do total de mortos durante a II Guerra Mundial. Atualmente, são 500 mil índios no Brasil. Dessa forma, seria uma grande injustiça trocar 18 mil índios da Raposa Terra do Sol por 06 arrozeiros grileiros no Estado de Roraima. Isto seria uma ameaça à soberania nacional.

Concordamos com a reflexão serena de Marina Silva onde afirmou que nos alimentamos por muito tempo do pensamento cartesiano e seu dualismo constante. Para a lógica cartesiana, as coisas ou são boas ou são más. Por isso, o pensamento cartesiano apresenta um profundo sistema maniqueísta que o fundamenta. Para a Senadora Marina Silva precisamos superar a dicotomia cartesiana entre saber versus conhecer. Segundo a ex-ministra do meio ambiente "precisamos pensar o mundo a partir da Amazônia e pensar a Amazônia a partir do mundo".

Além disso, 80% da população mundial vivem no estado de "homo sapiens" e 20% destes se encontram no estado avançado "homo sapiens global" onde somente os melhores, os ricos e os que detêm o monopólio do capital é que conseguem atingir. Por isso, mais um motivo para mudarmos de paradigma, de modelo, numa visão de desenvolvimento e de progresso marcados profundamente por uma lógica de aceleração mercantil. Com isso, somos chamados ao alerta em não acreditar nos projetos que homogeneízam sonhos e as utopias e que desrespeitam a diversidade.

Por sua vez, Leonardo Boff iniciou seu diálogo afirmando que a Floresta Amazônica é um patrimônio da humanidade, com um ecossistema riquíssimo. Os povos indígenas são os verdadeiros ecologistas e educadores que nos ensinam as representações simbólicas do significado "ser cultural". A natureza, por excelência é um grande sistema vivo.

Para Leonardo Boff, a crise do capital que estamos vivenciado na atualidade "tem tudo para ser uma crise final", pois, ou nos adequamo-nos às condições da Terra, enquanto filhos da Terra que somos ou então padeceremos em nossa imbecilidade paradigmática e morreremos juntos. Diante de tudo isso, Leonardo Boff apresentou a proposta da Declaração Universal do Bem Comum Planetário que está sendo preparado por vários intelectuais, entre eles, François Houtart.

Os fundamentos éticos dessa Declaração deverão estar pautados sob a égide de 4 (quatro) Pactos que minimizem o econômico como paradigma fundante da sociedade capitalista. São eles: 1) O Pacto ecológico natural: responsável por proteger a Terra; 2) O Pacto ecológico social: responsável por unir todas as esperanças das nações e unilateralmente as vontades de um único Império absoluto; 3) O Pacto ecológico cultural: que deve estar baseado na promoção do pluralismo, da tolerância e do aphantesis (encontro) da humanidade com os ecossistemas, os biomas, com a vida do Planeta; 4) Por fim, o Pacto ecológico ético-espiritual: fundado na dimensão do cuidado, na compaixão, na responsabilidade de todos com tudo.

Evidentemente, estes pactos não podem ser dicotomizados e classificados hierarquicamente, pois estão por vir-a-ser a partir da superação dessa lógica cartesiana que persegue nossas consciências. Seria realmente uma verdadeira lição para os analfabetos ecológicos dos Ministérios da Agricultura e da Fazenda que em nossa realidade brasileira andam privilegiando o modelo predatório estimulado pelo agronegócio e pelo hidronegócio.

São questões importantes apontadas por Leonardo Boff que nos indica que a Terra poderá continuar vivendo mesmo sem a vida humana por falta de amor às dimensões libertadoras desse ser humano, principalmente, em tempos de ameaça da vida promovida pelas próprias pessoas. Uma prova disso é o orçamento militar de todo o Planeta que, de forma inadmissível, gira em torno de 1 Trilhão e 200 Bilhões de Dólares. Destes, 24 Bilhões poderiam resolver metade dos problemas da fome no mundo. Somente na guerra do Iraque foram utilizados 400 Bilhões. Trata-se realmente de uma razão indolente, irracional e anti-humana.

Podemos concluir com Marina Silva e Leonardo Boff que os povos da terra, os pobres do mundo, os povos indígenas, seringueiros, camponeses e ribeirinhos não podem ser condenados a viver neste vale de lágrimas. Outro mundo é possível? Outra sociedade é possível? Outros paradigmas são possíveis? Serão possíveis desde que partamos para o enfrentamento e o rompimento com a razão indolente deste capitalismo predatório que mutila milhões de vidas a uma situação de morte anunciada. Eticamente podemos realizar este novo pacto ecológico e estamos no limite do tempo para fazê-lo. Dependerá de nós, dessa geração, anunciar este pacto e denunciar o velho paradigma em crise.


* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutorando em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins - UFT/Campus de Arraias

Por que a mídia privada não consegue ver o FSM?

Fotos: Eduardo Seidl

Por que a mídia privada não consegue ver o FSM?

A mídia mercantil é um caso perdido para a compreensão do mundo contemporâneo. Não por acaso a crise atual a afeta diretamente. Não tardará para que comecem as quebras de empresa de jornalismo por aqui também. E eles serão vitimas da sua própria cegueira, aquela que lhes impede de ver os projetos do futuro da humanidade, que passeiam pelas veredas de Belém.

Mais uma vez a mídia privada não consegue ver o FSM. Os leitores que dependerem dela ficarão sem saber o que acontece aqui em Belém. Por que? O que impede uma boa cobertura, se a riqueza de idéias, a diversidade de presenças, a força dos intercâmbios – como não se encontra em lugar algum do globo – estão todos aqui? Há jornalistas, algum espaço é dedicado pela imprensa ao evento, mas o fundamental passa despercebido.

O fundamental não tem preço – diz um dos lemas melhores do FSM. Enquanto o neoliberalismo e o seu reino do mercado tentam fazer com que tudo tenha preço, tudo se venda, tudo se compre, ao estilo shoping-center, o FSM se opôs desde o seu começo a isso, opondo os direitos de todos ao privilégio de quem tem poder de compra, incrementando sempre mais as desigualdades.

Um jornalista da FSP (Força Serra Presidente) se orgulha de ter ido a todos os Foros de Davos e, consequentemente, a nenhum Forum Social Mundial. A espetacular marcha de abertura do FSM retratada com belíssimas fotos por Carta Maior, foi inviabilizada pela mídia mercantil.

A cobertura se faz com a ótica com que essa imprensa se comporta, com os óculos escuros que a impedem de ver a realidade. O FSM, como tudo, é objeto das fofocas sobre eventuais desgastes do governo Lula – a obsessão dessa mídia. Não cobrem o dia do Forum PanAmazônico, não deram uma linha sobre o Forum da Mídia Alternativa, não ouvem os palestinos, nem os africanos ou os mexicanos. Nada lhes interessa. No máximo aguardam para ver se Brad Pitt e Angelina Jolie vão vir.

Seu estilo e sua ótica está feita para Davos, para executivos, ex-ministros de economia. Lamenta a imprensa que a América Latina, a África e a China estejam tão pouco representados em Davos. Mas o que teriam a fazer por lá? Não se perguntam, nem querem saber. Seus jornalistas não são orientados senão para seguir os passos de Lula e seus ministros.

Temas como os diagnósticos da crise e as alternativas, a guerra e as alternativas de paz, as propostas de desenvolvimento sustentável – fundamentais no FSM – estão fora da pauta. Nem falar da crise da própria mídia tradicional e das propostas de construção de mídias públicas e democráticas.

A mídia mercantil é um caso perdido para a compreensão do mundo contemporâneo. Não por acaso a crise atual a afeta diretamente. Não tardará para que comecem as quebras de empresa de jornalismo por aqui também. E eles serão vitimas da sua própria cegueira, aquela que lhes impede de ver os projetos do futuro da humanidade, que passeiam pelas veredas de Bel