domingo, 1 de fevereiro de 2009

FSM-2009

Fotos: Eduardo Seidl

Palestinos defendem prioridade para boicote econômico a Israel

Ativistas palestinos presentes ao FSM 2009 priorizam campanha de boicote econômico a Israel e pedem anulação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e Mercosul. “Não precisamos de que a luta palestina seja encampada por todos. A resistência palestina existe há 60 anos e continuará. Devemos isolar Israel. Parar de comercializar seus produtos. Devemos boicotar até que Israel venha a respeitar as resoluções da ONU" diz Jamal Jumá, coordenador do movimento "Stop the Wall".

BELÉM - Aqui no FSM 2009 a percepção de que Israel pela primeira vez perdeu uma guerra ecoa na qualidade da participação palestina, que mudou muito. Os movimentos sociais da região não buscam mais visibilidade, apenas, nos debates e ambiente do Fórum. O mais recente massacre em Gaza atendeu a essa demanda. Os palestinos aqui presentes vieram com uma agenda de natureza popular e política.

Jamal Jumá, coordenador do movimento Stop the Wall – que participa do Fórum desde 2004 e que estava no painel Um Mundo sem Guerras é Possível, promovido pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso) –, ocorrido no dia 30 , resumiu da seguinte maneira a sua campanha nos FSM: “Não precisamos de que a luta palestina seja encampada por todos. A resistência palestina existe há 60 anos e continuará. O que precisamos é que os movimentos se unam para que tenhamos a paz não em 20, mas em 10 anos”.

Do ponto de vista político a “causa palestina” neste FSM prioriza a campanha de boicote econômico a Israel, inclusive com uma campanha pela anulação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e o Mercosul. Trata-se de uma tentativa de repetir a condenação ao regime de Apartheid na África do Sul, nos anos 80.

A perspectiva é conter Israel através de um movimento popular, palestino e internacional. No dia seguinte ao painel organizado pelo Clacso neste FSM, o jornal israelense Haaretz publicou com exclusividade uma matéria que talvez explique a agenda desses palestinos engajados no FSM. Os dados, minuciosamente apurados e alarmantes, dão conta do expansionismo israelense sobre territórios palestinos da Cisjordânia e foram, durante anos, mantidos em segredo pelo exército de Israel.

Segundo a matéria assinada por Uri Blau, “uma análise dos dados revela que, na imensa maioria dos assentamentos – algo em torno de 75% - a construção de casas, algumas vezes em larga escala, tem sido feita sem o cumprimento dos procedimentos adequados ou contra a lei que disciplina o assunto. Os dados também mostram que, em mais de 30% dos assentamentos a construção extensiva de prédios e infraestrutura (estradas, escolas, sinagogas, yeshivas e mesmo postos policiais) ocorreram em terras privadas pertencentes aos residentes palestinos da Cisjordânia”.

O exército de Israel levantou esses dados inicialmente para se defender de acusações de movimentos dos direitos humanos e de reivindicações judiciais de palestinos. Talvez essa realidade explique a consideração de uma década, por parte da campanha Stop the Wall, para que a paz seja alcançada entre ambos os povos. Desde 2002 - no governo de Ariel Sharon - Israel começou a erguer um muro de concreto de nove metros de altura e em torno de 700 km de extensão, anexando territórios palestinos e isolando ambas as comunidades, na região da Cisjordânia. A campanha que Jumá coordena chama esse muro de Muro do Apartheid. “Israel dá claros sinais de que não quer a paz, construindo colônias e estradas do apartheid, em que carros palestinos não passam. Pode-se sair de uma colônia ilegal até Tel Aviv sem ver um palestino sequer”, denunciou.

“Acredito que a paz seja fácil de se obter na Palestina, mas é difícil se as coisas continuarem como estão”, disse o ativista palestino, registrando a assimetria militar dos ataques israelenses em Gaza. “Foram 44 mil casas destruídas, usaram bombas de fósforo”, disse, para acrescentar em seguida que houve uma média de 230 palestinos mortos para cada israelense que morreu. O número de palestinos mortos recentemente em Gaza, segundo ele, “seria algo comparativamente a 730 mil brasileiros mortos”.

Em seguida, o ativista, que é formado em literatura árabe, fez um balanço do que sucedeu aos ataques recentes: “ficamos com duas lições quanto às pessoas: a primeira é que jamais tivemos em nossa experiência uma solidariedade como tivemos ao nosso povo, nessas três semanas. Foi uma heróica resistência, um grande exemplo; a segunda é que Israel não conseguiu entrar com seus tanques nas áreas habitadas de Gaza. Apesar de sua força militar, Israel não conseguiu quebrar o tecido social em Gaza”, concluiu.

Para Jumá, o apelo às leis internacionais, à ONU e ao seu Conselho de Segurança não pode depender, apenas, de governos ou membros dos poderes estatais. Ele interpreta os movimentos subsequentes ao ataque a Gaza da comunidade internacional como de apoio, cumplicidade e anuência para com Israel. Tampouco guarda grandes expectativas frente ao presidente norte-americano recém empossado, Barack Obama: “Ficamos frustrados em não escutá-lo defender o fim da ocupação e o reconhecimento dos direitos dos palestinos. Nem mencionou os crimes de guerra”, disse, para afirmar o que esperava do novo presidente: “O que esperamos de alguém como ele, o primeiro negro a governar o país, é que os Estados Unidos peçam perdão pelos crimes que cometeram contra o mundo, contra os palestinos, contra o Iraque, o Afeganistão, o Cambodja, o Vietnã, o mundo árabe... a lista é longa”, disse o palestino.

No lugar do apelo aos governos e aos dirigentes estatais, o coordenador do Stop the Wall defende a militância política, popular e internacional das sociedades civis organizadas. Para ele, está em jogo, neste momento, barrar um diagnóstico e um projeto que, segundo disse, é apoiado por Barack Obama e pelo ex-senador George Mitchell, o novo enviado especial para o Oriente Médio, dos EUA. “Eles defendem um estado palestino contíguo ao israelense e apresentam como solução para os territórios palestinos ocupados um projeto de industrialização, como se dizendo 'vocês vão ter empregos, mas não seu território'”.

O projeto a que Jamal Jumá se refere transformaria o que se vem chamando um tanto simpaticamente da solução “dois povos, dois estados” num campo minado de conflitos infindáveis, porque iria ser criada uma zona de bolsões, ou um, nas suas palavras, “estado bantustão”, os falsos estados que o regime do Apartheid criou, na África do Sul, para manter os negros longe das terras dos brancos mas próximos dos postos de trabalho dominados por estes. Apesar de os bantustões, espécies de favelas legalmente constituídas serem em tese territórios autônomos, de fato eram territórios depauperados, sem independência. No caso dos palestinos, seria, inclusive, cercado por um imenso Muro, que Jumá combate na sua campanha.

Para Jumá, os cercos a Belém, com o “Muro do Apartheid” e o bloqueio a Gaza são expressões de um aviso à população palestina da Cisjordânia. Algo como “se vocês não aceitarem esse sistema, a Cisjordânia pode ser bombardeada como Gaza foi”, disse Jamal, para afirmar que “o ataque a Gaza é só um aviso à Cisjordânia”.

A defesa do papel dos movimentos sociais que orbitam no FSM não é, para o ativista palestino, a de salvar os palestinos ou de oferecer-lhes uma solução. Ambos os procedimentos não deixam de abundar em sua inutilidade e hipocrisia, dada a fraqueza da ONU e as trevas da quadra recente da história sob os anos George W. Bush, para dizer o mínimo. Para ele, a solução dos problemas dos palestinos “deve partir da Palestina”. O apelo de Jumá ao FSM é um apelo pelo boicote comercial a Israel, com base na perda de credibilidade na força de lei das decisões da ONU. “Devemos isolar Israel, boicotá-lo. Parar de comercializar seus produtos. Devemos boicotar até que Israel venha a respeitar as resoluções da ONU. Precisamos que esse movimento continue. Lutar contra os acordos de livre comércio que Israel tem celebrado com vários países, inclusive com o Mercosul. Precisamos pensar neste fórum em como trabalhar unidos, ao redor do mundo”.

Essa é a agenda, não apenas do Jamal Jumá e do movimento Stop the Wall, mas de muitos outros movimentos palestinos presentes em Belém. Eles defendem (ainda que não falem disso aberta e espontaneamente) uma tese que já foi considerada utópica, mais ou menos nos anos 60 do século passado, a saber, a de um único estado, laico, binacional, sem muros, nem fronteiras entre os povos, sem documentos de identificação distintos. Afinal, disse Jumá, “ou reconhecemos que não vamos eliminar a existência um do outro e que estaremos sempre juntos, ou o conflito nunca terá fim”.

Dada a ocupação empedernida de Israel sobre territórios palestinos, já a mais longa da modernidade, e dada essa derrota moral e política que parece clara para os participantes deste Fórum, essa utopia pode vir a fazer sentido. Pode ganhar realidade, pois, como disse o palestino, “as questões essenciais do mundo, que aqui se discutem, dizem respeito a cada um de nós”, chamando à militância, não pela visibilidade, mas pelo reconhecimento.



Jazz do bom...

http://i43.tinypic.com/1zck0f7.jpg


Thelonious Monk with John Coltrane (1957)



Músicos:
Faixas 1,2,4 : Thelonious Monk (piano); John Coltrane (tenor sax); Wilbur Ware (bass); Shadow Wilson (drums)
Gravado em junho de 1957

Faixas 3,5 : Thelonious Monk (piano); John Coltrane (tenor sax); Coleman Hawkins (tenor sax); Ray Copeland (trumpet); Gigi Gryce (alto sax); Wilbur Ware (bass); Art Blakey (drums)
Gravado em 26 de junho de 1957

Faixa 6 : Thelonious Monk (piano)
Gravado em abril de 1957

Faixas:
1. Ruby, My Dear (6:21)
2. Trinkle, Tinkle (6:40)
3. Off Minor (5:15)
4. Nutty (6:39)
5. Epistrophy (3:09)
6. Functional (9:43)

opinião de Fidel Castro...

Decifrando o pensamento do novo presidente dos Estados Unidos

(Extraído do CubaDebate)

NÃO é muito difícil. Depois da tomada de posse, Barack Obama declarou que para a devolução da base naval de Guantánamo a seu dono legítimo devia sopesar, em primeiro lugar, se prejudicava ou não, no mínimo, a capacidade defensiva dos Estados Unidos.

Logo acrescentou que, quanto à devolução do território ocupado a Cuba, devia considerar, sob quais concessões a parte cubana aceitaria essa solução, o que significa a exigência de uma mudança em seu sistema político, preço contra o qual, Cuba lutou durante meio século.

Manter uma base militar em Cuba contra a vontade do nosso povo, é uma violação dos mais elementares princípios do Direito Internacional. O presidente dos Estados Unidos tem faculdade para acatar essa norma sem condição alguma. O fato de não respeitá-la constitui uma ação de soberba e abuso de seu imenso poder contra um país pequeno.

Para compreender melhor o abuso do poder do império, deve se levar em conta as declarações publicadas pelo governo dos Estados Unidos, em 22 de janeiro de 2009, no site oficial da internet, depois da posse de Barack Obama. Biden e Obama resolveram apoiar decididamente a relação entre os Estados Unidos e Israel, e consideram que o indiscutível compromisso no Oriente Médio deve ser a segurança de Israel, o principal aliado dos Estados Unidos na região.

Os Estados Unidos nunca vão se afastar de Israel, e seu presidente e vice-presidente "acreditam firmemente no direito de Israel de proteger seus cidadãos", assegura a declaração de princípios, que retoma nesses pontos a política do governo do antecessor de Obama, George W. Bush.

É esse o modo de compartilhar o genocídio contra os palestinos em que caiu o nosso amigo Obama. Adoçantes similares oferece à Rússia, China, Europa, América Latina e ao resto do mundo, depois que os Estados Unidos converteram Israel numa importante potência nuclear que absorve a cada ano uma porção considerável das exportações da próspera indústria militar do império, com que ameaça, com violência extrema, a população de todos os países de crença muculmana.

Abundam exemplos similares. Não faz falta ser adivinho. Podem ler, para mais informação, as declarações do novo chefe do Pentágono, experto em assuntos bélicos.

Fidel Castro Ruz
29 de janeiro de 2009

Enquanto isso na Venezuela....

Em década de Chávez, pobreza caiu na Venezuela

Programa "Bairro Adentro", na Venezuela
Programa "Bairro Adentro", usa médicos cubanos em atendimetos
Há dez anos, cerca de 4,8 milhões de venezuelanos viviam em situação de pobreza e a saúde e a educação eram um privilégio.

Desde que o presidente Hugo Chávez assumiu o governo, a área social passou a ser prioritária em sua gestão, que contou com o incremento dos preços do petróleo para o financiamento dos projetos sociais.

Até mesmo os críticos da política econômica do governo, cuja estrutura continua dependente fundamentalmente da exploração petrolífera, concordam que as condições de vida dos venezuelanos melhoraram sob a administração chavista.

“Os setores sociais antes marginalizados e excluídos, realmente saíram da pobreza crítica, estão melhor, ninguém pode negar isso. Os que não comiam nem o suficiente, agora estão comendo”, afirmou Domingo Maza Zavala, ex-diretor do Banco Central da Venezuela (BCV).

De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas, em 1999, 20,1% dos venezuelanos viviam na extrema pobreza. Em 2007, o índice havia caído para 9,5%.

O número de pobres total no início do governo era de 50,5 % - mais de 11 milhões de venezuelanos. Esse número caiu para 31,5%.

De um universo de 26,4 milhões de pessoas, 18,8% dos venezuelanos saíram da linha da pobreza (cálculo realizado com base nos dados oficiais).

Para o historiador norte-americano Steve Ellner, professor da Universidade dos Andes, no Estado de Mérida (Venezuela), entre apostar no desenvolvimento econômico e na industrialização do país ou investir no setor social, Chávez privilegiou o segundo na divisão da renda obtida com o petróleo.

“No curto prazo, programas de desenvolvimento econômico teriam dado resultados mais rápidos, mas a prioridade era o social”, afirmou.

O relatório da Cepal de 2008, que aponta a diminuição da pobreza na América Latina, indica que os programas sociais foram os responsáveis pela queda no número de pobres na Venezuela.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2007 pela empresa Datanálisis, nos últimos oito anos o consumo das classes E e D havia aumentado em 22%, impulsionado pelo incremento do salário mínimo (que subiu de US$ 47 em 1999 para US$ 371) e pela ajuda financeira que provém dos programas sociais.

Com exceção dos programas relacionados com a saúde, os beneficiários das “missões” (nome dado por Chávez aos programas sociais) recebem uma ajuda média de US$ 100.

“Parte dos recursos obtidos com o petróleo foi distribuída por meio desses programas”, afirmou o ex-diretor do BCV Maza Zavala.

“Missões”

O “Bairro Adentro” foi um programa social implementado pelo governo em 2003. Esta “missão”, que presta atendimento médico básico e familiar nas periferias do país, inaugurou o projeto de cooperação Cuba-Venezuela, que hoje está presente nas áreas de saúde, educação e esporte.

Os programais sociais são financiados com a receita excedente do petróleo e contam com estrutura e dinâmicas próprias, que obedecem fundamentalmente às diretrizes da Presidência da República, sem passar pelo filtro dos ministérios.

No entendimento do governo, a estrutura burocrática governamental impediria que os projetos alcançassem, com a velocidade que a conjuntura política exigia, um número considerável da população pobre, que foi e continua sendo a base de apoio do chavismo.

“Quando o governo teve que enfrentar a ameaça de perder o referendo (revogatório realizado em 2004), tirou quase que da manga o programa 'Bairro Adentro ', que teve um impacto extraordinário”, afirmou à BBC Brasil o sociólogo Edgardo Lander, da Universidade Central da Venezuela.

“Agora, as pessoas têm um médico a duas quadras de casa no caso de uma emergência, é uma mudança significativa na qualidade de vida das pessoas”, acrescentou.

Lander explica que a crise da saúde pública no país no período anterior a Chávez estava associada a dois fatores principais: a privatização do sistema e a resistência dos profissionais em atuar no setor público, desmantelado nas décadas anteriores, de acordo com o sociólogo.

Agora, as pessoas têm um médico a duas quadras de casa no caso de uma emergência, é uma mudança significativa na qualidade de vida
Edgardo Lander, sociólogo

“Para esses médicos, ir a um bairro pobre era o mesmo que ir a uma zona de guerra. Era algo completamente alheio à sua realidade”, disse.

Organização

Magaly Perez é coordenadora de um Comitê de Saúde no bairro periférico de 23 de Enero, em Caracas.

Os comitês reúnem voluntários da vizinhança onde está instalado o programa “Bairro Adentro”, que diagnosticam os problemas de saúde do local e auxiliam na atuação dos médicos cubanos.

Perez conta que o trabalho de censo da população do bairro fez com que esses voluntários “tomassem consciência da organização comunitária e da importância de participar para transformar nossa realidade”.

De acordo com os moradores do bairro, antes, a única alternativa para a população de baixa renda era enfrentar horas de fila em hospitais para receber algum tipo de atenção.

“Antes, morriam pessoas aqui porque não tínhamos assistência médica adequada. Isso mudou com a revolução”, afirmou Magaly Perez à BBC Brasil, enquanto anotava a lista dos idosos que participariam do exercício matinal realizado três vezes por semana com o auxílio de um técnico cubano.

“Os cubanos trabalham dia e noite, mas os médicos venezuelanos não, eles são capitalistas e o povo deu as costas a ele. Eles não sobem o morro para socorrer ninguém”, afirmou Magaly Perez.

Antes, morriam pessoas aqui porque não tínhamos assistência médica adequada. Isso mudou com a revolução
Magaly Perez

Em 1998, havia 1,6 mil médicos atuando no atendimento primário de uma população de 23,4 milhões de pessoas. Atualmente há 19,6 mil para uma população de 7 milhões. Deste total, 14 mil profissionais são cubanos, entre médicos, enfermeiras e técnicos em saúde.

A disputa entre os médicos venezuelanos - que alegam falta de condições e segurança para atuar nas periferias e hospitais públicos – e o governo – que argumenta que o problema é de natureza política - levou a administração chavista a criar um sistema de saúde paralelo, com a ampliação do “Bairro Adentro” em pequenas clínicas especializadas.

O resultado da disputa, de acordo com Lander, foi o abandono ainda maior da rede de hospitais públicos.

“A rede hospitalar foi abandonada na parte de insumos e atendimentos, os hospitais sofreram um deterioramento grande”, afirmou.

A quantidade de novas clínicas do “Bairro Adentro”, porém, ainda é insuficiente para atender a toda a população, de acordo com a organização não-governamental PROVEA.

Política

Na mesa da sala de espera do pequeno consultório no bairro de 23 de Enero havia um abaixo assinado em apoio à emenda constitucional que irá a referendo em 15 de fevereiro, cuja eventual aprovação colocará fim ao limite para a reeleição aos cargos públicos, entre eles, a Presidência.

Uma das senhoras que aguardavam atendimento se antecipou em dar uma explicação: "A saúde aqui não tem ideologia política, muitos que vêm aqui não apóiam o comandante (Chávez), mas, mesmo assim, são beneficiados", afirmou Josefina Rodriguez, de 70 anos.

De acordo com o Ministério da Saúde, a mortalidade infantil também foi combatida na última década, ao passar de 21,4 por cada mil nascidos, em 1998, para 13,7 em 2007. No Brasil, em 2007, o índice era de 24,32 por cada mil nascimentos.

O “Bairro Adentro” serviu de modelo para as outras “missões”, que abrangem as áreas de educação básica, superior e profissionalizante, de auxílio às mães solteiras, de subsídio alimentar, entre outras.

Em 2005, na metade do governo Chávez, o Ministério de Educação declarou o país “livre de analfabetismo” com a aplicação do método cubano “Yo sí puedo”, metodologia aplicada recentemente na Bolívia e em algumas áreas do nordeste do Brasil.

De acordo com o governo, 1,6 milhão de adultos foram alfabetizados no período de dois anos.

Ainda segundo o governo, 3,4 milhões de pessoas foram graduadas nas “missões” educativas.

Institucionalização

Julio Borges, dirigente do partido de oposição Primeiro Justiça (centro-direita) reconhece que durante o governo Chávez “houve um despertar social muito importante, principalmente entre os mais pobres, com a participação” das pessoas envolvidas com o projeto chavista.

Borges, porém, questiona se a estrutura criada para manter as missões poderá ser mantida ao longo do tempo.

“É um problema estrutural. As pessoas estão contentes com Chávez porque estão se afogando no mar e as missões são um colete salva-vidas. Mas a pergunta é se um dia elas vão sair do mar”, afirmou.

Para a oposição, analistas e inclusive alguns chavistas, a falta de institucionalização nos programas sociais abre o precedente para a corrupção, já que não há um sistema de controle que regule essas atividades e o manejo dos recursos públicos.

As pessoas estão contentes com Chávez porque estão se afogando no mar e as missões são um colete salva-vidas. Mas a pergunta é se um dia elas vão sair do mar
Julio Borges, dirigente do partido Primeiro Justiça

Em 2008, o orçamento anunciado para as missões foi de US$ 2,6 bilhões.

O sociólogo Edgardo Lander avalia que, passado o período de “emergência” para a criação dos programas sociais, o governo deveria institucionalizá-los.

“As pessoas não podem viver neste estado de emergência permanentemente e não pode haver essa espécie de militância na gestão pública”, afirmou.

Dívida

A insegurança continua sendo a principal dívida social do governo, na avaliação de especialistas. A violência é a principal preocupação dos venezuelanos, de acordo com uma pesquisa da empresa Hinterlaces.

De acordo com um levantamento do Centro para a Paz e Direitos Humanos da Universidade Central da Venezuela, publicado no relatório da ONG Provea de 2007, em 1998, o índice de homicídios era de 25 por 100 mil habitantes.

Em nove anos o número subiu para uma média de 45 mortos por 100 mil pessoas em 2007, com cerca de 13 mil assassinatos no mesmo período.

“Em um governo que pretende impulsionar a democratização da sociedade e favorecer os setores populares, nos damos conta de que são justamente eles os que mais sofrem as conseqüências da insegurança”, afirmou Edgardo Lander.

“O governo pensa que o problema da segurança é somente estrutural no âmbito da educação e da cultura”, acrescentou Lander.

Em um governo que pretende favorecer os setores populares, nos damos conta de que são justamente eles os que mais sofrem as conseqüências da insegurança
Edgardo Lander, sociólogo

O ministro de Relações Exteriores, Nicolas Maduro, ex-presidente do Congresso, admite que um dos principais desafios do governo é combater a criminalidade, sem apontar no entanto, soluções para o problema.

“É muito grave que em um país no qual se pretende construir a paz e estabilidade existam esses fenômenos, talvez seja um dos grandes desafios para a próxima década”, afirmou.

Protestos na Suiça contra o FEM...

Protestas en Suiza

Foto Reuters

Os protestos contra o Forum Econômico Mundial, que se realiza em Davos, na Suiça, não param. Na reunião de ontem, os ministros do comercio prometeram resgatar a Rodada de Doha para reativar a economia global.Os organizadores convidaram Cuba para participar da proxima reunião sobre a America Latina que realizar-se-á em abril, no Rio de Janeiro, devido ao interesse que a Ilha desperta "pelas oportunidades de negocios" que apresenta.

sábado, 31 de janeiro de 2009

do sitio Correio da Cidadania...

Não, absolutamente não!



Michael Warschavski

O Correio da Cidadania publica este manifesto escrito por Michael Warschavski, do Alternative Information Center (AIC), em 18 de janeiro passado. O jornal se oferece para transmitir à organização patrocinadora do manifesto as adesões que chegarem à redação.

Não em nome deles e nem em nosso nome!

Ehud Barak, Tzipi Livni, Gabi Ashkenazi e Ehud Olmert: não se atrevam a aparecer em qualquer homenagem aos heróis do Gueto de Varsóvia, Lublin, Vilna ou Kishiven. Nem vocês líderes do movimento Paz Agora, para quem paz significa "pacificação" a qualquer preço, inclusive a destruição de todo um povo. Sempre que eu estiver em uma dessas cerimônias, farei tudo para expulsá-los, porque suas presenças são um imenso sacrilégio.

Não em nome deles!

Vocês não têm o direito de falar em nome dos mártires do nosso povo. Vocês não são Ana Frank do campo de concentração Bergen Belsen, mas, sim, Hans Frank, o general alemão que se empenhou em provocar a fome e a destruição dos judeus da Polônia.

300109_auschwitz.jpg

Vocês não representam qualquer continuidade do Gueto de Varsóvia, porque hoje o Gueto de Varsóvia está diante de vocês, como alvo de seus tanques e de sua artilharia - e seu nome é Gaza.

Gaza que vocês decidiram eliminar do mapa, assim como o General Frank pretendia eliminar o Gueto. Mas, diferentemente dos Guetos da Polônia e da Bielorrússia, nos quais os judeus estavam praticamente isolados, Gaza não será destruída porque milhões de homens e mulheres nos quatro cantos do nosso mundo estão construindo um poderoso escudo humano no qual está gravado: NUNCA MAIS!

Não em nosso nome!

Juntamente com dezenas de milhares de outros judeus, do Canadá à Grã-Bretanha, da Austrália à Alemanha, nós os advertimos: não cometam a ousadia de citar nosso nome, porque nós partiremos para cima de vocês e, se necessário, os levaremos ao inferno dos criminosos de guerra e enfiaremos suas palavras goela abaixo até que peçam perdão por nos haver misturado com seus crimes.

Nós, e não vocês, somos os herdeiros de Mala Zimetbaum e Marek Edelman, de Mordechai Anilevics e Stephane Hessel, e agora transmitimos ao mundo a mensagem que eles dirigiram a toda a humanidade na Páscoa de 1943: "Lutamos pela nossa liberdade e pela liberdade de vocês; pelo nosso brio e pelo brio de vocês; pela nossa dignidade social e nacional, assim como pela dignidade social e nacional de vocês".

Esse Apelo do Gueto de Varsóvia nós deixamos sob a custódia dos lutadores da resistência em Gaza.

Para vocês, dirigentes de Israel, "liberdade" é uma palavra feia. Vocês não têm brio e não entendem o sentido da dignidade humana.

Não somos "outra voz judaica", mas a única voz judaica capaz de falar em nome dos santos torturados do povo israelita. A voz de vocês são as bestiais vociferações dos assassinos de nossos antepassados.

O original em inglês pode ser encontrado em http://www.alternativenews.org/content/view/1545/389/.


Os humanos, insensíveis, por ROBERT FISK...

Quando foi que paramos de nos incomodar com civis mortos em tempo de guerra?

Robert Fisk. 31/1/2009, The Independent, UK

Créditos: blog do azenha

Acho que estamos 'naturalizando' a guerra. Não é só porque Israel outra vez safou-se, depois da matança de centenas de crianças em Gaza.

E depois que a própria ministra de Negócios Estrangeiros de Israel disse que o exército israelense recebeu autorização para "enlouquecer" [ing. "go wild"] lá, tudo parece confirmar o que tenho dito, que a "Força de Defesa" israelense é exército tão vagabundo quanto os outros exércitos da Região.

Mas parece que perdemos o senso de imoralidade que se deve esperar que acompanhe todos os conflitos e todas as violências.

A recusa da BBC, de veicular um anúncio de pedido de ajuda para os palestinos é altamente instrutiva. Temos de pôr em discussão a "imparcialidade" da BBC. Em outras palavras, proteger uma instituição foi considerado mais importante que a vida de crianças. A guerra considerada esporte de massa, cujo atento monitoramento – como um jogo de futebol, por mais que o Oriente Médio seja escandalosa tragédia – ganha precedência sobre o sofrimento humano.

Não sei com certeza quando isso começou. Ninguém duvida que a II Guerra Mundial foi banho de sangue de proporções titânicas, mas, depois daquele conflito, implantamos vários tipos de leis para proteger os seres humanos. Os protocolos da Cruz Vermelha Internacional, a ONU – tanto o todo-poderoso Conselho de Segurança quanto a ridícula Assembléia Geral – e a União Européia foram criadas para pôr fim aos conflitos em larga escala. E sim, sei que houve a Coreia (sob bandeira da ONU) e depois foi o Vietnam, mas depois que os EUA retiraram-se de Saigon, criou-se um consenso de que "nós" já não guerreamos.

Estrangeiros, sim, cometem atrocidades em massa – pode-se pensar no Camboja – mas nós, ocidentais superiores, não. Não agimos assim. Guerra de baixa intensidade na Irlanda do Norte, talvez. E daríamos algum jeito no conflito Israel versus árabes. Mas havia um sentimento de que My Lai, nunca mais. Os civis voltaram a ser sagrados no Ocidente.

Não sei exatamente quando a mudança começou. Terá sido a desastrosa invasão israelense do Líbano, em 1982 e o massacre em Sabra e Chatila, pelos aliados de Israel, de 1.700 palestinos civis? (Gaza não bateu esse recorde.) Israel, como sempre, alegou estar lutando "nossa" "guerra contra o terror". Mas o exército de Israel não é o que se supõe que seja e os massacres (lembro do massacre de Cana, em 1996; e das crianças de Marwahine, em 2006) parecem estar associados a isso.

Além do mais, claro, há o assuntinho da guerra Iran-Iraque, de 1980 a 1988, que os ingleses apoiaram entusiasmados fornecendo armas aos dois lados, e o massacre, pelos sírios, de milhares de civis em Hama e...

Não, talvez tenha começado na Guerra do Golfo de 1991. Os rapazes e as moçoilas da televisão deitaram e rolaram – foi a primeira guerra que teve trilha sonora para acompanhar as imagens –, e os soldados dos EUA simplesmente queimaram vivos milhares de soldados iraquianos nas trincheiras, e só soubemos muito depois e nem demos muita bola; e quando os soldados dos EUA ignoraram as regras da Cruz Vermelha que mandam identificar e sinalizar valas comuns, safaram-se também desse crime. Havia cadáveres de mulheres em algumas dessas valas comuns – vi soldados ingleses enterrando cadáveres de mulheres. E lembro que viajei até Mutla, de carro, para mostrar a um delegado da Cruz Vermelha onde eu vira uma vala comum cavada pelos norte-americanos e ele viu uma papoula de plástico [é um broche, espécie de medalhinha distribuída para os que contribuíram para os fundos de apoio aos veteranos dos EUA] presumivelmente deixada ali por um norte-americano e disse: "Alguma coisa aconteceu."

O que ele disse foi que alguma coisa acontecera à lei internacional, às regras da guerra. Haviam sido violadas. Depois veio Kosovo – onde nosso caro Lord Blair pela primeira vez exercitou seus talentos de fazedor de guerra – e mais massacres. Claro, Milosevic era o bandido (embora muitos dos kosovares ainda estivessem em suas casas quando a guerra começou, o objetivo da guerra foi a volta deles, depois da brutal expulsão pelos sérvios). Mas aqui, outra vez, os ingleses violaram algumas regras a mais e safaram-se.

Lembrem o trem de passageiros que os ingleses bombardeamos na ponte Surdulica – e a famosa sequência em que o filme de Jamie Shea é acelerado, para mostrar que quem bombardeou não teria tido tempo para manter o fogo? (A verdade é que o piloto voltou para um segundo bombardeio depois de o trem já estar em chamas, mas essa parte foi cortada no filme.) Depois, o ataque à estação de rádio em Belgrado. E às estradas civis. Depois, o ataque a um hospital no interior. "Alvos militares", disse Jamie. Tinha razão. Havia soldados escondidos entre os pacientes, no hospital. Todos os soldados sobreviveram. Todos os pacientes morreram.

Depois foi o Afeganistão e todo aquele "dano colateral" e vilas inteiras varridas do mapa e depois foi o Iraque em 2003 e dezenas de milhares – ou meio milhão ou um milhão – de iraquianos civis mortos. Mais uma vez, no início, voltamos aos nossos truques ingleses de bombardear pontes e estações de rádio e pelo menos uma residência civil em Bagdá, onde "nós" imaginamos que Saddam estivesse escondido. Sabíamos que estava protegido por um escudo humano (de cristãos, aliás, por acaso), mas os americanos disseram que se tratava de operação "de alto risco" – e 22 civis foram mortos. Vi quando tiraram dos escombros o último cadáver, um bebê.

E não damos sinais de nos incomodar muito. Lutamos no Iraque, agora vamos voltar a lutar no Afeganistão, outra vez, e todos os direitos humanos e proteção devida à pessoa parecem ter evanescido mais uma vez. Arrasaremos vilas e cidades e descobriremos que os afegãos nos odeiam e formarão mais grupos de milícias criminosas – exatamente como fizemos acontecer no Iraque – para lutar contra nós. Os israelenses organizaram milícia semelhante em sua zona de ocupação no sul do Líbano, comandada por um major do exército libanês e fanático. Agora, os soldados ingleses é que "enlouquecerão". E a BBC está preocupada com sua "imparcialidade"?

Artigo original, em inglês em:

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fiskrsquos-world-when-did-we-stop-caring-about-civilian-deaths-during-wartime-1521708.html

Teresa Cristina, Jussara Silveira & Rita Ribeiro - Três Meninas do Brasil Ao Vivo (2008)




download




Créditos: UmQueTenha

Uma semana no Líbano martirizado

por Miguel Urbano Rodrigues [*]

.Na minha idade as emoções são mais controladas e menos frequentes do que nos anos da juventude. O encontro com o Líbano rompeu essa tendência. Os breves dias que ali passei foram vividos em estado de tensão permanente, tocado por emoções muito fortes.

O contacto directo com o sofrimento dos povos palestiniano e libanês desencadeou em mim um sentimento de dor, uma sensação próxima da angústia, acompanhada de outro sentimento, que fundia a compreensão do ódio dos povos da Região ao sionismo com a frustração nascida da consciência da pobreza da solidariedade dos ocidentais progressistas às vitimas dos monstruosos crimes do Estado de Israel.

O primeiro choque foi produzido pelo ajustamento à realidade do quadro físico e humano imaginado. Quase tudo diferia daquilo que esperava encontrar.

AS TRÊS BEIRUTES

Três são as cidades que coexistem na capital do país: Beirute Este, Beirute Sul e Beirute Oeste. O povo é o mesmo, mas na primeira a maioria dos moradores é cristã, nas duas últimas muçulmana.

Desde a época das Cruzadas, muçulmanos e cristãos conviveram pacificamente na Região. A implantação na vizinha Palestina do Estado de Israel alterou as relações entre as duas comunidades. Em 1976, em Beirute como noutras cidades, cristãos e muçulmanos passaram a viver em áreas separadas. Uma guerra civil irracional, incentivada pelo imperialismo e apoiada por Tel Aviv – numa época em que os palestinianos da OLP constituíam uma força hegemónica no Líbano – destruiu grande parte de Beirute. A agressão israelense de 1982 acabou com o que restava. O centro da capital foi transformado num montão de escombros. A agressão somente terminou com a saída dos combatentes palestinianos e o exílio em Tunis de Yasser Arafat.

Beirute continuou a ser uma cidade dividida, mas, com o transcorrer dos anos, a tensão entre as duas comunidades foi caindo para um nível cada vez mais baixo.

Destruída múltiplas vezes ao longo dos séculos, Beirute renasceu sempre, acariciada pelo Mediterrâneo e pelas brisas das montanhas que a emolduram num cenário deslumbrante. Neste Inverno um toucado de neve cobria os píncaros das serranias paralelas à costa, contrastando com o azul puríssimo do céu.

Finda a guerra civil, o Centro foi totalmente reconstruído graças a uma ajuda internacional negociada em condições que endividaram brutalmente o país. Ao percorrer demoradamente as suas ruas e a grande Praça da Estrela, esse Centro apareceu-me como um corpo estranho, ultra moderno mas sem personalidade, enxertado num conjunto urbano mediterrânico. Ali palpita o coração financeiro da cidade e concentram-se estabelecimentos comerciais de luxo, hotéis, restaurantes, as sedes de grandes empresas. O Estado financiou e dirigiu a reconstrução, mas tudo em benefício do sector privado.

Paradoxalmente, ao entardecer e à noite o movimento aumenta nesse Centro de fisionomia europeia em vez de diminuir, porque afluem à zona moradores vindos de muitos bairros. Nas esplanadas dos cafés misturam-se cristãos e muçulmanos. Mesquitas e igrejas erguem-se a escassa distância, a lembrar aos visitantes estrangeiros que comunidades com religiões diferentes podem coexistir pacificamente. Estranhei não identificar na área vestígios da agressão israelense de 2006. Soube então que Beirute Oeste e Beirute Este não foram então bombardeadas. Somente por engano, e na periferia, explodiu uma ou outra bomba nos bairros habitados pela burguesia.

Foi sobre Beirute Sul, a Beirute pobre, muçulmana e ardentemente solidária com o Hezbollah, que a Força Aérea sionista despejou as suas bombas, visando com mísseis supostamente "cirúrgicos" instalações do Hezbollah e residências de dirigentes da organização.

Contaram-me que nem um só quadro destacado do movimento patriótico foi então abatido durante essa operação de terrorismo sionista planeada com larga antecedência.

Enquanto na Beirute burguesa a malha urbana não permite ao forasteiro perceber que o Líbano foi devastado em 2006 por uma agressão monstruosa, isso não acontece na Beirute pobre, baluarte da resistência.

Ali enormes crateras permanecem abertas, como espectros do passado recente, ao lado de edifícios degradados. A reconstrução avança lentamente nessa zona que lembra um enorme estaleiro. Uma vida intensa anima as ruelas estreitas, projectando a imagem de uma comunidade que não perdeu a alegria de viver e se acostumou a transformar a desgraça em fonte de esperança.

Nas áreas bombardeadas não é permitido por motivos de segurança fazer fotografias. Mas não esquecerei o espectáculo doloroso oferecido por quarteirões inteiros onde montes de entulho empurram a imaginação para edifícios onde há dois anos pulsava a vida de famílias atingidas pela barbárie israelense.

Um comércio efervescente, na tradição oriental, contribui para a atmosfera de Beirute Sul, transmitindo a certeza de que a vaga quase ininterrupta de agressões sionistas não conseguiu abalar o espírito de resistência daquela gente.

Falei com os proprietários de minúsculas lojas.

A mensagem que transmitiram foi a mesma. Pediram que contasse no meu país o que vira, porque na União Europeia, a avaliar pela televisão, somente "dizem mentiras" sobre o Líbano e a Palestina.

O FÓRUM INTERNACIONAL

O Fórum Internacional de Beirute, em que participei, realizado nas instalações da UNESCO, foi praticamente ignorado pelos grandes media da União Europeia e dos EUA. Tal atitude não surpreende. A Declaração Final, que publicamos hoje, reflecte bem a importância do acontecimento no contexto da solidariedade com os povos agredidos pelo sionismo. Expressa uma clara condenação das guerras imperialistas no Iraque e no Afeganistão e da aliança dos EUA com o regime neofascista de Uribe, repudia as ameaças e provocações ao Irão, à Síria e ao Sudão e propõe alternativas ao diktat do mercado que está a encaminhar a humanidade para o abismo.

A agressão genocida contra Gaza foi obviamente o tema mais tratado. Além dos painéis principais sobre a luta contra o imperialismo, a solidariedade, a crise mundial e a construção de alternativas e as violações do direito internacional, houve duas mesas redondas, uma de parlamentares e outra sobre o combate ao bloqueio mediático.

Entre as centenas de participantes intervieram no Fórum personalidades de prestígio internacional como Ramsey Clark, ex-Procurador de Justiça dos EUA; o belga François Houtart, o filosofo francês Jean Salem; e Selim Hoss, ex-primeiro ministro do Líbano. A delegação da Venezuela, saudada com entusiasmo e gratidão pela ruptura do governo de Hugo Chávez com Israel, foi a mais numerosa. Os delegados do Irão, pela solidariedade do seu povo com a luta do Hezbollah e do Hamas, foram ouvidos com especial atenção.

O Fórum foi torrencial. Salientar esta ou aquela intervenção, entre as centenas que se sucederam em três dias, da abertura ao encerramento, não contribuiria para que o leitor europeu pudesse sentir a atmosfera do evento. O que o diferenciou de iniciativas de solidariedade similares foram a revolta, a indignação, a transparência do sofrimento dos porta-vozes dos povos da Região contra a criminosa estratégia do Estado sionista. Palestinianos e libaneses sobretudo estão conscientes de que muita gente progressista os apoia no mundo, mas condenam com firmeza a cumplicidade dos governos do Ocidente com Tel Aviv e lamentam a passividade, para eles incompreensível, das grandes maiorias perante os crimes do Estado sionista. E inspira-lhes profunda repulsa a conivência – para não dizer a aliança tácita – da maioria dos governantes árabes com Israel. O desprezo que sentem por Mahmud Abbas é hoje também praticamente unânime nas camadas populares.

Essa atitude imprimiu ao Fórum a atmosfera peculiar que a Declaração Final não podia transmitir. Em quase todos os painéis o debate tornou-se inviável, porque os oradores muçulmanos que se sucediam na tribuna preferiam exteriorizar emotivamente o seu sentir em vez de formular perguntas aos conferencistas.

Não creio que esse desvio do programa tenha sido negativo. A emoção e o protesto abriram portas à compreensão de uma conjuntura histórica e social contraditória que, pela sua complexidade, não pode ser captada recorrendo exclusivamente à ciência política.
No Hezbollah e no Hamas, satanizados pelos governantes ocidentais como organizações terroristas, identifico movimentos que na resistência ao terrorismo de Estado sionista cumprem um papel revolucionário. São eles e não as forças armadas de Tel Aviv que, como sujeitos da história, na defesa das suas terras ancestrais e dos seus povos assumem princípios e valores eternos da condição humana. Mas essa gesta heróica não deve levar a conclusões sentimentais simplistas.

Em primeiro lugar as generalizações não facilitam a compreensão da tragédia iniciada com a criação do Estado de Israel como facto colonial, patrocinado pelo imperialismo britânico sob a pressão dos lobbies judaicos. O Hezbollah e o Hamas diferem muito, com a peculiaridade de os dirigentes do primeiro serem muito mais permeáveis ao dialogo e à cooperação com forças e organizações marxistas.

Mas seria um erro não traçar a fronteira entre o nacionalismo, o patriotismo dos movimentos islamistas que são o pulmão da resistência, e uma opção orientada para mudanças sociais de conteúdo revolucionário.

A grande maioria dos dirigentes do Hezbollah e do Hamas não luta para abolir o capitalismo e implantar o socialismo.

Poucos povos no mundo contribuíram tanto como o dos antepassados dos libaneses para o estabelecimento de relações comerciais entre sociedades distantes. É suficiente um passeio por qualquer cidade libanesa para que a enorme densidade de pequenas lojas transmita ao visitante uma mensagem: a propriedade privada tem no país raízes milenares e a sua defesa assume para os proprietários um carácter sagrado. Surge-lhes como razão de existência.

A contradição apontada esteve presente na diversidade de posições dos delegados estrangeiros que foram a Beirute expressar a sua solidariedade a palestinianos e libaneses em luta contra Israel. Pela tribuna desfilaram xiitas e sunitas, ortodoxos, comunistas, marxistas sem partido, social-democratas, intelectuais conservadores que acreditam na humanização do capitalismo.

NAS TERRAS DA FRONTEIRA SUL

Quase tudo no Líbano apresenta a marca da excepcionalidade.

Numa área de 10.400 quilómetros quadrados (quase idêntica à do Distrito de Beja) vivem mais de 4 milhões de pessoas, metade das quais na capital.

Quatro quintos da população concentram-se nas planícies da delgada faixa costeira. O Líbano mediterrânico apareceu-me quase como uma infindável avenida marginal onde as cidades se encadeiam numa cortina urbana somente interrompida aqui e ali por bananais, pomares e hortas.

Tive a oportunidade de subir no Norte até Byblos, a antiga cidade fenícia onde foi reformado o primeiro alfabeto fonético criado na vizinha Ugarit, prodigiosa conquista, que iria abrir ao progresso da humanidade um rumo então inimaginável.

Em excursão promovida pelos organizadores do Fórum um grupo de estrangeiros, sobretudo europeus, desceu até ao Sul do país.

Em Tiro, milenária cidade-estado fenícia, hoje património da humanidade, são ainda visíveis feridas dos bombardeamentos de 2006. Reconstruiu-se tudo o que era susceptível de reconstruir, com o dinamismo peculiar ao povo libanês. Mas a memória da onda vandálica que atingiu todo o Sul essa permanece bem viva nas pessoas que viveram aqueles dias medonhos.

Em Canaan, a aldeia das bodas famosas onde, segundo a Bíblia, Jesus transformou a água em vinho, ouvimos de alguns moradores, idosos e jovens, relatos do ataque aéreo que ali arrasou uma casa isolada, matando todos quantos, principalmente crianças e jovens, ali se tinham refugiado. Os retratos das vítimas, próximo das campas, com os nomes gravados na pedra, e o fragmento de uma bomba recordam a chacina.

"Eles sabiam que não havia fuga possível", ouvi de uma velhinha, testemunha do massacre. "Foi tudo premeditado e rapidíssimo. Eles são monstros com rosto humano".

À medida que descíamos para o Sul, numa zona montanhosa, verifiquei com alguma surpresa que, distanciadas de pequenas aldeias, surgiam em encostas nuas e áridas belas moradias isoladas, de dois pisos.

Informaram-me que são residências de férias de famílias geralmente abastadas, de Beirute. O solo é ali muito pedregoso, mas em volta dessas casas os seus proprietários criaram terra fértil onde o verde de minúsculas hortas e pomares suaviza a dureza da paisagem.

Muitas foram destruídas, mas os donos voltaram a erguê-las no pedregal.

Passamos por um posto militar da chamada força de paz das Nações Unidas. Mas não vi ali um só soldado.

Caminhando por uma estrada de terra desde a aldeia de Aita Al–Shaab, chegamos a uma plataforma sobranceira a um vale muito verde onde passa a fronteira.

A quietude da tarde luminosa, a beleza agreste do lugar e o silêncio da natureza estimulavam a imaginação. A ideia da violência surge ali como aberração.

Mas a guerra foi muito real. Uma guerra repugnante.

As conversas animam-se, as estórias cruzam-se, evocadas por narradores que suportaram a chuva de mísseis que atingiam as suas aldeias e viram as bombas cair do céu sobre no casario.

Um amigo francês perguntou a um dirigente local da resistência se achava correcto definir a política exterior do Estado de Israel como fascista.

A resposta foi imediata e afirmativa. E prosseguindo, foi mais explícito:
"A gente destas aldeias não usa uma linguagem ideológica para dizer o que pensa da agressividade do sionismo na sua fase actual. Mas Israel com os seus crimes, sobretudo a partir da invasão de 2006, transformou num sentimento de ódio muito generalizado sentimentos de aversão e medo que eram inseparáveis da esperança de uma coexistência muito difícil, mas não impossível.

Aqui na fronteira, vivemos a ocupação destas terras do Sul durante anos. Estamos perto das colinas de Golan e sabemos o que significa para os nossos irmãos sírios a humilhação resultante da ocupação dessa parcela do país.

Hoje ninguém acredita na paz, temos consciência de que os EUA são íntimos aliados de Israel. Obama vai mudar o discurso, e fazer muitas promessas, mas é tudo retórica. Já começou mal com o discurso sobre a Jerusalém “indivisível”".

Uma jovem activista, presumivelmente do Hezbollah, interveio na conversa:
"O meu país acreditou na paz até à invasão, há dois anos. Depois abriu os olhos e compreendeu. Hoje sentimos orgulho por os termos derrotado militarmente. Julgavam-se invencíveis, mas os nossos combatentes barraram-lhes o avanço. Os seus tanques foram detidos a poucos quilómetros da fronteira por todo o lado.

Bonita, desinibida, cobria a cabeça com um véu negro, mas respondeu sem hesitar às questões colocadas.

Perguntei-lhe se o Hezbollah contava com o apoio da maioria da população. "Não há estatísticas, evidentemente. Mas pensamos que 60% apoiam a Resistência, dos quais mais de metade incondicionalmente e que apenas uns 10% adoptam uma posição crítica e acreditam que o Líbano não voltará a ser atacado. E anote: talvez 20% dos cristãos simpatizam com o Hezbollah, não obstante este ser um movimento xiita ortodoxo".

"E sobre a Palestina vê alguma saída para o seu povo?"- perguntei, abordando um tema ainda mais escaldante. Por motivos de segurança não lhe pedi, obviamente, que se identificasse.

"A tragédia de Gaza, que supera em horror tudo o que conhecíamos da barbárie sionista, confirmou o que o Hamas já sabia. Israel tem como objectivo estratégico inconfessado concretizar a aspiração dos fundadores do Estado hebraico que nasceu banhado em sangue. O discurso de Tel Aviv sobre a paz é um disfarce hipócrita. A multiplicação de colonatos na Cisjordânia é reveladora das suas intenções. Eles pretendem através do terror expulsar os palestinianos da sua terra. Em Gaza voltaram a utilizar armas proibidas por convenções internacionais, como as bombas de fósforo. Continuam a semear o ódio. A cumplicidade do Ocidente com essa criminosa politica fere-nos profundamente. As grandes cadeias de televisão justificam a agressão israelense como resposta aos rockets lançados pelo Hamas. É monstruoso o paralelo. Os rockets palestinianos destruíram meia dúzia de casas e mataram três pessoas. Eles já mataram mais de 1.300 e estão a arrasar Gaza…"

O desabafo da jovem fez-me recordar uma estranha cena de que eu fora testemunha na véspera. Um grupo de moços desenhara no chão do grande átrio do Centro da UNESCO, sede do Fórum de solidariedade, um mapa da Palestina antes da Partilha, encimado por uma frase: "Toda a terra do mar até ao rio é dos palestinos". Dezenas de pessoas, ao passar em frente, ajoelhavam-se e assinavam o seu nome.

Israel, com a sua escalada de barbárie, estimula o radicalismo palestiniano.

FUTURO NEVOENTO

Quatro dias após o início do cessar-fogo, tive a oportunidade em Beirute Sul, no Centro de Investigação Social e Económica de falar demoradamente com dirigentes do movimento revolucionário. Tudo ali é provisório porque a sede anterior foi destruída há dois anos durante um bombardeamento.

Impressionou-me a serenidade, o nível cultural e o conhecimento da História antiga desses dirigentes, apresentados na União Europeia como terroristas.

Todos deixavam transparecer uma educação esmerada. Registei que respondiam cortesmente a perguntas que as estrangeiras formulavam, mas em vez do banal aperto de mão, colocavam o braço direito no peito e saudavam-nas, sorrindo, com uma vénia.

Um deles revelou uma intimidade tão grande com questões ligadas à guerra que admito ser um quadro militar.

Quis saber o que pensava da possibilidade de uma trégua duradoura.

"O cessar-fogo antes da posse de Obama era uma certeza para nós. Tudo foi combinado com a Administração Bush, com a concordância do presidente eleito. Até o silêncio deste antes de tomar posse. Mas o dilúvio de comentários e de especulações dos media europeus e americanos nestes dias esconde uma realidade muito incómoda para Washington e Tel Aviv. Israel não atingiu nenhum dos objectivos da agressão. Semeou a morte na Faixa e destruiu ali infra-estruturas fundamentais, lançando na miséria aquela sofrida população. Mas o Hamas saiu fortalecido. O seu prestígio aumentou não apenas na Faixa e na Margem Ocidental, mas em todo o mundo muçulmano. Alguns dos túneis destruídos (antes eram quase um milhar) já foram reabertos. Não esqueça também que até ao cessar-fogo os combatentes do Hamas continuaram a lançar rockets sobre o território da potência agressora".

"O governo de Olmert acreditou que obteria uma vitória fácil e rápida bombardeando a Faixa e invadindo-a depois. Pretendia restaurar o mito da sua invencibilidade, abalado pela derrota de 2006. Mas a previsão foi desmentida. A coragem do povo de Gaza e a fibra dos patriotas do Hamas infligiram-lhe noutro contexto uma nova derrota. Não fazemos previsões sobre os desenvolvimentos políticos da situação. Mas Israel exibiu o rosto hediondo do sionismo expansionista com tamanha arrogância que milhões de pessoas, acreditamos, começaram a perceber em dezenas de países que Tel Aviv mente despudoradamente quando afirma desejar a paz. A solidariedade dos povos é agora mais do que nunca necessária para os nossos irmãos palestinianos e também para o povo do Líbano. O fanatismo sionista, o seu racismo, a imposição do apartheid só encontram precedentes no III Reich nazi."

E o que vai acontecer? - perguntei ao despedir-me.

"Não somos adivinhos. Mas o movimento da História é lento. Nele as décadas contam por vezes pouco. Estados que em determinadas épocas se imaginam vocacionados para durar séculos, desaparecem de repente, inesperadamente, em situações de crises imprevisíveis. Israel, pela sua ambição ilimitada, pela irracionalidade de uma estratégia de violência criminosa pode, sem tomar consciência, estar a abrir a sepultura para o Estado-nação criado artificialmente há 60 anos na Palestina. Uma nova diáspora judaica não é uma impossibilidade."


Ontem, enquanto escrevia este artigo, Israel rompeu o cessar-fogo e voltou a bombardear Gaza.

Não recebi a notícia com surpresa. Recordei palavras do médico palestino Eyad Sarraj, proferidas numa entrevista à jornalista Alexandre Lucas Coelho.

Esse homem declarou acreditar durante anos numa solução pacífica para a Palestina. Os horrores de Gaza, onde ele e a família, viveram dia e noite durante três semanas sob as bombas de Tel Aviv, levaram-no a mudar de opinião. É na resistência que vê agora a dignidade do seu povo.

Em Israel identifica hoje um caso de "doença patológica, de paranóia". Chegou à conclusão de que o Estado sionista "é o mal sem fronteiras".

Serpa, 28 de Janeiro de 2009

O original encontra-se em http://www.odiario.info/articulo.php?p=1032&more=1&c=1

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Cinema palestino...

Paradise Now: O proletariado acredita em Deus

Filme do palestino Hany Abu-Assad não toma partido entre os caminhos de luta a seguir em seu país, mas abre caminho para uma indagação polêmica.



Não se trata de nenhuma provocação: o proletariado acredita em Deus? Diante de “Paradise Now (Paraíso Agora)”, do palestino Hany Abu-Assad, é uma pergunta que deve ser feita. A começar pela abertura do filme, quando em breves seqüências várias questões, além desta, já começam a ser levantadas. Suha (Lubna Azabal), francesa de origem palestina, desembarca em Nablus e, em rápidas cenas, nos apresenta a cidade. Cheia de prédios destruídos pelos bombardeios israelenses, bloqueios de soldados e carros israelenses, picadas abertas para passagem de palestinos vindos do lado israelense, onde trabalham, mas não podem seguir pela estrada normal porque está bloqueada pelos israelenses. Nada ali se assemelha a uma convivência entre dois povos milenares que em outras épocas habitaram, embora com certo antagonismo, o mesmo território.

Nesse passeio, feito por uma câmera discreta, Hany abu-Assad nos introduz numa região conhecida no planeta, como a terra do conflito permanente entre palestinos e israelenses. Suha, morena, bela, vem do Marrocos para visitar sua cidade natal, após a morte do pai, mártir da luta palestina para construir seu país. Ninguém lhe dá, desde o início, a atenção que deve merecer no final, pois é através dela que chegamos à conclusão: “O proletariado acredita em Deus”. O diretor-roteirista, Hany abu-Assad não nos dá muita pista sobre ela, vai colocando-a aqui e ali e nos levando aonde quer. Ela caminha por Nablus, como se a nos mostrar a cidade, os estragos feitos pelos israelenses e a limitação de espaço que eles impõem à população. Tudo nela, na cidade, são escombros, pedaços do que foi algum dia.

Escombros mostram os estragos da ocupação israelense em Nablus


Nessa perambulação de Suha, Hany abu-Assad nos apresenta dois jovens mecânicos, Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman), que estão às voltas com o conserto de um carro. Estabelece-se entre a franco-palestina e eles uma química, que torna possível os diálogos e as mudanças de rumo no final de “Paradise Now”. Não se pense em “affair”, mas do papel que cada um irá jogar para o destino do outro. Hany abu-Assad, para nossa felicidade, não usa jogo, subterfúgios para envolver o espectador, só conta uma história sem meios tons. Suha, Said e Khaled são pessoas comuns, desglamourizadas. A brincadeira, a conversa entre os dois jovens no morro, com a cidade ao fundo, mostra o quanto eles estão longe dela. Têm sonhos, fantasias, mas nenhuma discussão travam sobre o que possa lhes dar o perfil de um “homem-bomba”.

Esta tranqüilidade, que em qualquer filme com mais pretensão levaria a discussões e justificativas teológicas, políticas e ideológicas, é mostrada por Hany abu-Assad como se nada demais fosse acontecer. E nisso se constitui o grande trunfo de “Paradise Now”: nada no filme é espetacular. Transcorre como um passeio pelo campo, por mais que o território palestino esteja minado e em conflito constante. A chegada de Said à sua casa, acompanhado de Jamal (Amer Hlehel), é calma, tal uma visita de amigo. A mãe (Hiam Abbass) os recebe e trata Jamal como a um filho. Não se discute religião ou política, a única elevação de voz vem do irmão de Said, que reclama por ele estar usando sua camisa. E não se tem um filme lento, seu encadeado é veloz, cheios de nuances. Vê-se Nablus com curiosidade, pela ousadia de se filmar em locais reais, para que o espectador tenha noção do que é viver num dos territórios ocupados por Israel. E, ao mesmo tempo, familiar, pelas milhares de vezes que a vimos nos noticiários da TV.

Essa calma aparente muda de vez, para nos defrontarmos com a afirmação: “O proletariado acredita em Deus”, quando Said e Khaled mostram quem são e qual é sua missão. São proletários, filhos do povo, sem futuro, perspectiva de desfrutar sua cidadania, percorrer ruas, avenidas, campos, sem a presença dos soldados israelenses. São eles que irão entrar por cômodos vazios e terminar num amplo salão, sem móveis ou qualquer decoração. Há apenas uma câmera, que custa a funcionar, e o fundo, também conhecido por milhões de pessoas no planeta. Diante deles ficam Khaled e Said, um de cada vez, com suas despedidas. Nada ali é feito apenas pela libertação do povo palestino, pela construção da nação palestina, mas principalmente pela vontade de Alá e de seu profeta Maomé. Said diz, lá pelas tantas:”Se é pela vontade de Alá (Deus)”, está disposto ao sacrifício. Mesma convicção tem Khaled.

Organização prega recompensa divina pelo sacríficio militante


A crença em Alá vem embasada pela pregação do líder Abu-Karen (Asharaf Barhom) de que o feito por Said e Khaled terá recompensa divina. Espécie de libertação espiritual concedida àqueles que lutam pela libertação de seu povo. É nisso que eles devem acreditar. É uma relação, não com a causa em si, mas diretamente com Deus. O movimento passa a ser intermediário entre o militante-mártir e o Ente Superior. Nestas questões, como sempre, qualquer razão perde efeito. Fé, como afirma o ditado popular, não pode ser medida, sentida ou explicada. É apenas fé. Cada um a sente segundo sua identificação com o Criador. E, assim, deve ser respeitada, nos limites, caso de Said e Khaled, de sua luta pela causa palestina. Questão deveras explosiva nos coloca Hany abu-Assad, de uma maneira sutil. A libertação da palestina não é só uma necessidade, diante da ocupação israelense, mas a vontade de Alá.

Neste amálgama é que se pode entender o sacrifício a que devem se submeter Said e Khaled. Preparados para a operação, os dois saem por Nablus para a executar. Estão imbuídos de uma missão que os eleva acima dos pobres mortais, pelo que nos mostra Hany abu-Assad. Não devem se abalar – e “Paradise Now” nos põe, agora, diante da possibilidade de a missão fracassar. Cheios de explosivos, frente à impossibilidade de se transformar em mártires, eles passam a transitar pela cidade. Vão de um lugar a outro, após o ritual, e o espectador tem a idéia do absurdo em que Said e Khaled se meteram. Lançando mão, mais uma vez, da sutileza, Hany abu-Assad nos remete aos perigos e ao surrealismo da situação, sem discurso. Ao mesmo tempo que se quer que eles desistam, voltem e retirem a parafernália de mártir, tememos que explodam e levem junto gente inocente, não no sentido do objetivo, da missão de que estavam imbuídos, mas daqueles que transitam pela cidade, sem saber quem são eles e o perigo que representam naquela situação. Sua-se frio o tempo todo.

Quando se chega a este impasse, é que Suha, personagem sem razão aparente para a trama, mesmo romântico, ressurge para unir as pontas. No trânsito de Said e Khaled pelo local da missão, este se perde do amigo. É o vértice que faltava a “Paradise Now”, a visão adversa à de Abu-Karen, idolatrado pelos dois rapazes. Num poderoso diálogo com Khaled, ela o leva à reflexão. Afinal, medida extrema como a que ele pretendia empreender não resolveria o problema, pois como ficariam as pessoas que continuariam vivas, questiona Suha. Seria um sacrifício para quê? Suha é pacifista, não no sentido humanista-ocidental-cristão, por não querer o conflito armado, pelas mortes de inocentes que provoca, sim por querer outra tática para vencer o inimigo. Não é a fé que ela evoca, mas o raciocínio, a reflexão sobre o que é mais eficiente para acabar com a ocupação e abrir o caminho para a construção do país. E balança Khaled, o mais radical, desde o início.
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­
Dois caminhos para se chegar à libertação da Palestina

Khaled passa a ser, desta forma, a antítese de Said. A partir do diálogo com Suha, ele não é mais o mesmo. Ele tem, agora, algo para além da crença. Incorpora outra posição. Hany abu-Assad usa-o para levantar outra questão: a da disputa pacífica, sem deixar a luta ou de ver a ocupação como algo inadmissível, havendo, portanto, a necessidade de acabar com ela. Mas não toma partido, pois Said continua sua trilha. Não desiste de ascender ao céu, pela via do martírio. O faz abandonando Khaled à sua nova crença. Fica sozinho, compenetrado, disposto a elevar-se ao céu. Hany abu-Assad, ao chegar a esta seqüência, demonstra que fez o filme para contribuir para o debate. Usa toda a trama do clássico filme de suspense com inteligência, sem excessos, heroísmos, grandiloqüências. “Paradise Now” é econômico, com bela fotografia de Antoine Héberlé.


O que se ressalta, no final, é a situação do povo palestino, uma das mais precárias do Oriente Médio. Pelo contraste entre Nablus e Tel Aviv, para onde vai Said, ainda imbuído de sua missão, vê-se os males infringidos pelos israelenses aos palestinos. Em Tel Aviv, a prosperidade está nos prédios, nos carros que circulam pelas avenidas, nas mulheres de biquíni, na forma como as pessoas se comportam: não há barricadas ou soldados armados à vista. Mesmo no ônibus que Said toma, impassível, determinado, nota-se que ali há algo mais que gente bem nutrida. E ele, Said, por acreditar ser possível ascender ao céu, pela via do “martírio político-revolucionário”, poderá levar vários soldados e pessoas anônimas com ele.

Justo ele, Said, proletário, mecânico, não está penetrado pela certeza, que nem Suha tem, da transformação radical da sociedade, combinando a luta pela independência nacional com a guerra popular, que também é feita nas ruas dos territórios palestinos ocupados por Israel. Ele, Said, está tomado, tão e simplesmente, pela fé. E pelo que nos diz Hany abu-Assad “O proletariado nesta etapa da luta da humanidade acredita em Deus”. E Alá, no sentido de estar acima do entendimento da luta pela libertação da palestina, pode ser o guia maior. Diferente da mediação do Estado, quando usado pela burguesia para atingir puramente o controle do mercado, caso da ocupação do Iraque pelos EUA, para garantir o abastecimento de petróleo. Bush, neste caso, manobra para que supostamente os poderes divinos se revertam a seu favor, sem nenhum objetivo maior do que a ampliação do poder norte-americano no planeta.

A mediação pelo que nos explica Hany abu-Assad é feita pela organização para que o povo oprimido possa atingir seus fins. E o instrumento é a fé em um Ente que é, a princípio, imaginado nos limites da compreensão humana nesta etapa da evolução da humanidade. Sob este aspecto a crença de Said fica explicada. Pode-se, nos limites da racionalidade ver o mesmo problema sob outro aspecto, mas então estaríamos diante de outro filme, não de “Paradise Now”, que é apenas uma obra cinematográfica e não uma tese sobre a revolução proletária. O que se pode, com toda a limitação implícita no roteiro de Hany abu-Assad, é refletir sobre uma questão que deve intrigar a todos nós nestes primórdios do Terceiro Milênio: “O proletariado, como força revolucionária, acredita em Deus?” Vale inclusive rever a máxima de Marx sobre a religião. É um bom desafio.


Paradise Now
(Paraíso Agora), 2005, 90 minutos. Produção: França, Alemanha, Israel, Holanda). Direção: Hany Abu-Assad. Elenco: Kais Nashef, Ali Suliman, Lubna Azabal. Música: Jina Sumedi. Fotografia: Antoine Héberlé.




*Cloves Geraldo, Jornalista