domingo, 8 de fevereiro de 2009

O bom do Jazz...

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Ahmad Jamal - at the Blackhawk

sábado, 7 de fevereiro de 2009

O caso Cesare Battisti...

Cesare Battisti e a conspiração da CIA




Altamiro Borges

A oposição de direita e sua mídia têm aproveitado o caso Cesare Battisti para atacar o presidente Lula, que num gesto soberano e legítimo deu asilo político ao escritor italiano. Todas as noites, o casal global do Jornal Nacional apimenta as críticas, bem diferente da postura adotada quando do exílio do ditador paraguaio Alfredo Strossner. Já os jornais Folha e Estadão publicaram editoriais insinuando que o ministro da Justiça, Tarso Genro, teria simpatias por "terroristas de esquerda". Até a revista Carta Capital, um veículo progressista, reforçou estranhamente o coro crítico.

Parlamentares tucanos e demos, estes egressos do partido da ditadura militar brasileira, fizeram questão de se solidarizar com o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, o barão da mídia, que numa reação midiática retirou seu embaixador de Brasília. Caraduras, afirmam que a Itália é um exemplo de democracia para justificar o envio do escritor à prisão perpétua neste país. Nada falam sobre a trajetória ultradireitista de Berlusconi, das suas alianças com partidos neofascistas ou da recente medida do seu governo que impede que ele seja julgado por crimes de corrupção.

"Um bode expiatório conveniente"

O caso Cesare Battisti é complexo, mas não justifica a gritaria da direita servil e da mídia venal. França e Japão já deram asilo político aos condenados pela justiça italiana e não houve o mesmo alarde. O bufão Berlusconi e o processo jurídico neste país não são levados muito a sério. Como apontou Maria Inês Nassif, num excelente artigo no jornal Valor, Battisti foi condenado à prisão perpétua sem qualquer direito de defesa. As testemunhas que o acusaram de quatro assassinatos gozam da delação premiada e há indícios de que uma foi torturada. Dois dos citados homicídios foram cometidos no mesmo dia 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distância um do outro.

"(Battisti) nunca esteve num tribunal para defender-se das acusações e, de volta à Itália, não será ouvido por nenhum juiz", afirma a colunista no artigo. "Um bode expiatório conveniente à Itália". Para ela, "diante de tantas contradições e de tantos fatos mal explicados, fica a dúvida de por que interessa tanto ao governo italiano coroar Cesare Battisti como o bode expiatório de um período negro na Itália, onde não apenas a luta armada enevoou o país, mas as instituições se ajustaram a uma guerra contra o terror usando métodos poucos afeitos à ordem democrática".

EUA subornam políticos e jornalistas

O livro recém-lançado "Legado de cinzas, uma história da CIA", do jornalista estadunidense Tim Weiner, vencedor do prêmio Pulitzer, confirma a tese de Maria Inês Nassif de que o período em que Battisti participou da luta armada, nos anos 70, foi um dos mais tumultuados e sombrios da história recente da Itália. O clima era de guerra. Com base em inúmeros documentos oficiais, o autor demonstra que o serviço de espionagem e terrorismo dos EUA teve participação ativa no processo político italiano, financiando partidos da direita e realizando ações de sabotagem.

"A CIA gastou vinte anos e pelos menos US$ 65 milhões comprando influência em Roma, Milão e Nápoles". McGeorge Bundy, diretor da agência, chamou o programa de ações secretas na Itália de ‘a vergonha anual’. Thomas Fina, cônsul-geral dos EUA em Milão durante o governo Nixon, confessou que a CIA subsidiou o partido democrata-cristão e deu milhões de dólares para bancar "a publicação de livros, o conteúdo de programas de rádio, subsidiando jornais e jornalistas". Ele se jacta que "tinha recursos financeiros, recursos políticos, amigos e habilidade para chantagear".

Nutro trecho, Tim Weiner revela que a ingerência ianque se intensificou a partir de 1970. "Com aprovação formal da Casa Branca, houve a distribuição de US$ 25 bilhões a democratas cristãos e neofascistas italianos. O dinheiro foi dividido na ‘sala dos fundos’ – o posto da CIA no interior da suntuosa embaixada americana". Giulio Andreotti "venceu a eleição com injeção de dinheiro da CIA. O financiamento secreto da extrema direita fomentou o fracassado golpe neofascista em 1970. O dinheiro ajudou a financiar as operações secretas da direita – incluindo bombardeios terroristas, que a inteligência italiana atribuiu à extrema esquerda". Como se nota, não houve inocentes neste período sombrio, nem a mídia corrompida pela CIA.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PC do B e autor do livro "Sindicalismo, resistência e alternativas" (Editora Anita Garibaldi).

Globo, a midia de esgoto

Lorde Acton e a Globo

Eduardo Guimarães

Guardadas as proporções evidentes, a Globo adotou, faz tempo, uma doutrina em seu telejornalismo que de alguma forma se assemelha à famosa Doutrina Bush, que previa guerras “preventivas”. Todavia, o que caracteriza hoje essa poderosa emissora, que se tornou o que se tornou por ter sido vitaminada pela ditadura militar, remonta a inspiração bem mais longinqua no tempo.

A emissora carioca engajou toda a sua programação no projeto político do PSDB e do PFL de retomarem o governo do país. Para isso, espalhou ataques ao governo Lula e ao PT e blindagem a políticos e partidos aliados por toda sua programação, desde os telejornais até programas humorísticos nos quais ridiculariza a imagem do presidente da República e o apresenta como corrupto.

Alguns dirão que isso não é de agora, mas começo a perceber um certo desespero no comportamento global.

Na semana que chega ao fim, o telejornalismo da Globo entrou num caminho sem volta ao literalmente censurar notícias contrárias aos seus interesses políticos.

No vídeo que vocês vêem acima, edição do Jornal Nacional de seis de fevereiro, pode-se ver reportagem sobre aquele deputado do PFL que tem um castelo medieval não declarado ao imposto de renda e que ocupava a Corregedoria da Câmara. A reportagem simplesmente omitiu a que partido o sujeito pertence.

Na terça-feira, 3 de fevereiro, dia da divulgação da pesquisa CNT-Sensus que revelou disparada na avaliação de Lula, a Globo foi a única emissora do país que não divulgou a notícia.

Agora, diante do escândalo da merenda escolar no governo Kassab, onde sucedem-se denúncias de fornecimento de comida estragada às crianças e ainda em quantidade inferior para cada aluno à que determina a lei, a emissora simplesmente não divulgou nada.

Enquanto isso, Record e Gazeta fizeram extensas reportagens sobre o assunto.

Não assisti os telejornais do SBT, da TV Cultura ou da Band. Quem souber se noticiaram o escândalo da merenda, agradeço se postar a informação aqui nos comentários do blog.

Há também a já famosa propaganda do SBT elogiando Lula e pedindo às pessoas para que não se deixem engolir pela crise.

O fato é que já se pode ver a Globo caminhando para um desejável isolamento ao se manter como linha auxiliar do projeto Serra 2010. A impressão que se tem é a de que a Globo acredita que o que ela não divulgar, não existe. E isso num momento em que já se sabe que ela perdeu 6% de sua audiência para a Record no ano passado.

O que está acontecendo com a Globo? Será possível que não enxerga que mesmo o público mais ingênuo acabará vendo em qualquer outra tevê - ou mesmo em jornais - o que ela censurou?

Quantos terão visto a notícia sobre a popularidade de Lula e à noite, chegando em casa, ao não verem a notícia na Globo acabaram dando razão a quem diz que ela tenta prejudicar o presidente?

Não é à toa que a popularidade de Lula está subindo tanto. Quem, normal dos miolos, pode aceitar uma emissora de tevê que acha que pode escolher o que as pessoas devem ou não saber?

No século XIX, o pensador inglês Lorde Acton disse que o poder corrompe. No decorrer da história, pudemos comprovar esse fato. A tendência dos muito poderosos de abusarem do poder que têm acabou virando consenso.

Mais de cem anos depois num país do hemisfério Sul, vai ficando claro que, além de corromper, o poder parece que também enlouquece.



Escrito por Eduardo Guimarães

Homenagem singela a Adão Pretto


Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis!

Bertold Brecht

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Roy Hargrove - Diamond in the Rough (1989)

Créditos: Rogério

Talentoso trompetista, Roy Hargrove ainda muito jovem, foi descoberto e apadrinhado por Wynton Marsalis, sendo logo integrado ao grupo dos "Young Lions", nome que designava os instrumentistas de jazz que, no início dos anos 80, valorizavam as regras mais tradicionais do gênero, abandonando a fusão com instrumentos elétricos e a influência do rock. Apesar disso, Hargrove foi ousado e se abriu a inovações, basta ouvir o seu projeto paralelo "The RH Factor", que mistura jazz com o funk e o rap. Em 2008 ele se reencontrou com as suas origens em "Earfood", excelente álbum dedicado exclusivamente ao jazz. Diamond in the Rough, foi seu primeiro trabalho como lider, lançado em 1989, o álbum causou furor e foi seu cartão de visitas para o mundo do jazz. Não deixem de conferir!

Le Monde diplomatique Brasil

Josetxo Ezcurra - Rebelion

Sobre Gaza, sobre Israel, sobre nós


O direito dos Estados está acima do direito dos povos. Entre Israel e Palestina, um lobby israelense em Washington. Está feita a declaração: aos que querem a terra, ela lhe será dada, uma cova rasa, mais exatamente. Mas não se iludam: Somos todos Palestinos!

Sílvia Ferabolli, Cláudio César Dutra de Souza




Aqui na Europa, manifestações eclodiram por toda parte. Em Paris, uma marcha contra o holocausto palestino reuniu quase 100 mil pessoas. Em Londres, prédios universitários foram ocupados e milhares de estudantes reuniram-se em frente à embaixada israelense exigindo o fim do massacre contra o povo palestino. Outras capitais européias também assistiram várias formas de mobilização popular contra o avanço de Israel sobre o mais famoso bantustão do mundo – a Faixa de Gaza, o campo de extermínio daqueles que vivem a luta e morrem pela causa palestina.

Infelizmente, os milhões de cidadãos que expressaram sua repulsa contra a política israelense em manifestações que varreram o globo, não encontraram eco em suas ações por parte de seus chefes de Estado. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi o único líder de uma nação que ousou ouvir o clamor popular e expulsou o embaixador israelense de seu país. Tivessem outras lideranças seguido o exemplo de Chávez na América Latina, África, Ásia, Europa e América do Norte, o isolamento diplomático israelense seria tamanho que não haveria alternativa a Tel-Aviv a não ser o recuo. Contudo, esse não foi o caso. Para além dos clássicos e inócuos chamados de paz, nenhum presidente, primeiro-ministro, rei, chanceler ou sultão ousou desafiar Israel com aquela que é uma das mais radicais armas que a diplomacia internacional possui: a ruptura das relações diplomáticas e o erigir de pesadas sanções políticas e econômicas.

Para entender a apatia da diplomacia internacional frente às ações de política externa israelense é necessário compreender como funciona a ordem internacional e como ela é promotora e perpetuadora de relações de dominação entre Estados opressores e povos oprimidos.

Vivemos dentro de uma lógica política internacional onde o direito dos Estados está acima do direito dos povos. Israel, como um Estado, teria o direito de se defender contra aquilo que ele considera ser uma ameaça a sua sobrevivência estatal, nesse caso, as ações do Hamas. Os palestinos, por seu turno, não possuem um Estado e, portanto, nenhum direito dentro de uma lógica estatal internacional perversa que nega aos povos do mundo qualquer direito para além daquele que seu próprio Estado lhe provém. Fora do Estado, a vida não é possível, já sentenciava Thomas Hobbes, o pai do pensamento realista, e dominante, das Relações Internacionais.

O grande problema que emerge dessa constatação é que embora os Estados interajam em um sistema anárquico, onde não existe uma autoridade central e cada Estado é soberano e, portanto, dono do direito de agir como melhor lhe convir, existe, sim, aquilo que se chama de ordem internacional, cuja responsabilidade pela sua manutenção é das grandes potências. Na atual configuração sistêmica que, embora apresente alguns contornos multipolares no campo econômico, em termos de liderança política e estratégica, é claramente unipolar. Só há um país capaz de fazer Israel parar – os Estados Unidos da América. E por que não o fazem? John Mearsheimer e Stephen Walt, já em 2006, ofereciam uma resposta: o lobby israelense em Washington.

Numa tentativa de compreender o porquê dos Estados Unidos comprometerem seus imperativos de interesse nacional no Oriente Médio pelo massivo apoio a Israel, mesmo quando esse deixa de ser um patrimônio estratégico com o fim da Guerra Fria, Mearsheimer e Walt acabam por revelar uma história de bastidores movida a bilhões de dólares de grupos lobistas israelenses e sustentada por uma poderosa indústria do holocausto. Para aqueles que insistem em ver Israel como um pequeno David que luta para se defender do monstruoso Golias representado pelos árabes-palestinos, selecionamos alguns pontos da obra The Israel Lobby in Washington, que podem lançar luz sobre o atual debate em torno da política expansionista israelense e a condescendência norte-americana para com seu aliado incondicional no Oriente Médio.
“Depois da formação de um grande exército, na esteira do estabelecimento de nosso Estado, nós aboliremos a partilha e expandiremos nosso Estado para toda a Palestina”

No que concerne à suposta fraqueza israelense, Mearsheimer e Walt argumentam que ela é inverídica, na medida em que Israel derrotou os árabes nas Guerras de 1948-49 e 1967, sem a ajuda de forças externas. Foi após essa última vitória que Israel começou a ser considerado um patrimônio estratégico para os Estados Unidos. Conseqüentemente, começou a receber ajuda financeira norte-americana - Israel é o maior receptor de ajuda externa estadunidense no mundo, imediatamente seguido pelo Egito, cuja ajuda está condicionada à manutenção de relações diplomáticas com Israel, enquanto a ajuda aos israelenses não prevê nenhum condicionante.

Quanto ao fator democracia, tal argumento se enfraquece por aspectos da democracia israelense que são estranhos aos valores fundamentais ocidentais: Israel foi explicitamente fundado como um Estado judaico e a cidadania é baseada no princípio da consangüinidade. Dado esse conceito de cidadania, não se estranha que os 1,3 milhões de árabes-israelenses sejam tratados como cidadãos de segunda classe.

Quanto ao Holocausto, os autores argumentam que não há dúvida de que os judeus sofreram historicamente devido ao anti-semitismo e que a criação do Estado de Israel foi, sim, uma resposta apropriada a um longo histórico de crimes contra o povo judaico. Porém, a criação de Israel envolveu crimes adicionais contra um povo absolutamente inocente: os palestinos.

Especificamente no que concerne à disposição de Israel de aceitar a criação de um Estado palestino, dentro da lógica “segurança para Israel e justiça para os palestinos”, como se fosse possível conciliar os imperativos de segurança israelense com o direito à existência do povo palestino, Mearsheimer e Walt nos informam que nunca houve, na proposta sionista, a intenção de dividir o território da Palestina em dois Estados. Como Ben-Gurion sentenciou no final dos anos 1930: “Depois da formação de um grande exército, na esteira do estabelecimento de nosso Estado, nós aboliremos a partilha e expandiremos nosso Estado para toda a Palestina”. Ou seja, desde o princípio, aceitar a idéia de dois Estados foi apenas uma manobra tática israelense, não um objetivo real. Ainda, para alcançar o objetivo de fundação de seu Estado, os sionistas teriam de expulsar um grande número de árabes do território que viria a se tornar Israel. Ben-Gurion viu esse problema claramente já em 1941: “É impossível imaginar a evacuação geral da população árabe senão pela força – e força brutal!” Essa oportunidade veio com a Guerra de Independência (1948-49), quando as forças israelenses forçaram o exílio de mais de 700 mil palestinos. Ou seja, se o povo que formou originalmente o Estado israelense sofreu, também fez, e faz, outro povo sofrer tanto ou mais.
“Os judeus estão loucos”!

Por fim, a tese dos “israelenses virtuosos” versus os “árabes malditos”. De acordo com Mearsheimer e Walt, acadêmicos israelenses de esquerda têm mostrado que os sionistas foram qualquer coisa, menos benevolentes com os árabes-palestinos. A resposta sionista à resistência palestina à criação do Estado de Israel envolveu atos explícitos de limpeza étnica, incluindo execuções, massacres e estupros. A média de mortes nesses mais de 60 anos de conflito é de 3.4 palestinos mortos para cada israelense – a proporção de mortes de crianças é de 5.7 crianças palestinas mortas para cada uma israelense. Tanto é que Ehud Barak uma vez admitiu que se ele tivesse nascido palestino, certamente teria se juntado a uma organização terrorista. Talvez, dissesse melhor, e com mais clareza, uma organização de resistência á uma ocupação externa.

A reflexão de Nidal Basal, um menino palestino de 12 anos, feita durante o período mais intenso das ações militares israelenses na Faixa de Gaza, reflete a perplexidade de milhões de cidadãos pelo mundo. Em resposta a Nidal, esclarecemos que Israel não enlouqueceu, malgrados os bombardeios contra escolas da ONU e a proibição de evacuação civil da região. Dificilmente poderíamos crer que ações militares planejadas e postas em prática em um período do ano em que o presidente da União Européia, Nicolas Sarkozy, em final de mandato, tira férias no Brasil e que o governo dos Estados Unidos vive uma transição de poder, sejam atos impensados de loucura e selvageria despropositada. Nesse caso, haveria atenuantes, como na justiça criminal, ao julgar um cidadão que tenha agido sob “forte emoção” ou que estivesse em algum estado alterado de consciência. Ao contrário, se há premeditação, motivos torpes ou incapacidade de defesa da vítima tudo isso constitui-se em agravantes que poderiam gerar penas mais severas em um julgamento criminal.

Contudo, poderíamos pensar que, ao invés de indivíduos mentalmente perturbados, estivéssemos à mercê de burocratas frios, cuja presença do “outro” fosse apenas um detalhe incômodo entre um objetivo matematicamente traçado e a sua efetiva concretização. Compreendemos com Hannah Arendt a banalidade do mal e nos chocamos profundamente ao pensarmos no quanto os mais perigosos assassinos podem ser pessoas tão afáveis e cultas, que apreciam a arte e amam as crianças e os animais. Eichmann em seu julgamento em Jerusalém nada mais fez do que mostrar-se um burocrata obediente às ordens de seu chefe, mesmo que elas fossem o extermínio de um povo. Assassinos podem ser pessoas muito agradáveis e cordatas. Podem ser eu ou você em uma situação específica tal como a situação de guerra quando o inimigo é todo aquele que não utiliza o nosso uniforme e nem compactua de nossa ideologia.
Itzhak Shamir chamava os palestinos de “gafanhotos”. O general Raphael Eitn, de “baratas”. O Ministro da Defesa, Ben-Eliezer, os definiu como “piolhos” ...

Como pode um Estado considerado uma democracia tão avançada e com expoentes intelectuais de alto calibre perpetrar atos como esses que assistimos na Faixa de Gaza, onde a matança indiscriminada de civis inocentes de forma cruel e arbitrária coloca Israel par a par com as piores das históricas ditaduras do Terceiro Mundo? Em Gaza, uma população encontra-se à mercê de um Estado anômico e sociopático que age premeditada e milimetricamente no intuito de exterminar o maior número de seres humanos contrários aos seus planos expansionistas e imperiais. Todavia, o discurso manifesto é o de eliminar a ameaça terrorista do Hamas (democraticamente eleito e, portanto, apoiado por grande parte dos palestinos). Contudo, é de se perguntar como reconhecer os membros do Hamas no meio da massa indistinta no território de Gaza. Eles usam uniformes, estão reunidos em uma sede oficial a decidir os rumos de sua atuação presente e futura? É evidente que não. Em Gaza, cada cidadão é potencialmente um apoiador, um simpatizante ou possui algum conhecido dentro do Hamas, logo, cada ser humano é um alvo em potencial.

Falamos em seres humanos, mas aqui cabe uma correção, pois os palestinos não parecem estar classificados nessa condição, segundo o ponto de vista de diversos líderes israelenses. Itzhak Shamir os chamava de “gafanhotos”. O general Raphael Eitn os chamou de “baratas”. O Ministro da Defesa, Ben-Eliezer, os definiu como “piolhos” e para o ex-primeiro-ministro Menahem Begin, os palestinos eram “bestas caminhando sobre dois pés”. Por fim, a primeira-ministra Golda Meir chamava-os de “animais de duas patas”. Para Ehud Olmert eles seriam o que nesse exato momento? Certamente, qualquer coisa, menos humanos.

Alguém acredita que o Estado de Israel corre um sério perigo que ameaça efetivamente a sua existência? O Hamas tem um poder definitivamente devastador e que pode causar sérios danos à infra-estrutura e aos cidadões israelenses, motivo mais do que suficiente para um ataque desse porte? As armas que o Hamas possui são modernas e letais e isso constitui-se em um motivo plenamente justificável para que os corpos de palestinos inocentes apodreçam a céu aberto? A resposta a todas essas perguntas é evidentemente negativa e só Israel e os Estados Unidos têm o cinismo de sustentá-las seriamente.

Convencionando que a paz (para si) é um dos objetivos de Israel, aliado com a sua lendária necessidade de segurança, convém lembrar que a paz e a prosperidade caminham de mãos dadas. Após esses trágicos bombardeios, justificáveis tão somente dentro da ótica distorcida do agressor, o proto-Estado palestino vai demorar vários anos para conseguir retornar ao grau de miserabilidade anterior a dezembro de 2008. Sem contar o luto das famílias que perderam seus entes queridos, suas casas, sua história e sua dignidade. Os cemitérios são, sem dúvida, locais em que existe uma grande paz, afinal, os mortos não têm necessidades, queixas ou reivindicações de qualquer ordem. Aos que querem a terra, ela lhe será dada, uma cova rasa, mais exatamente. Como a paz poderá ser feita nessas condições é algo que nos perguntamos e que os líderes israelenses nunca respondem de forma conveniente. O que sabemos, com certeza, é que o governo norte-americano é tão responsável pela atual política genocida israelense contra os palestinos quanto os são as lideranças sionistas dentro e fora de Israel. Os Estados Unidos podem, mas optam por não parar Israel, temendo a reação de um lobby que, pelo poder financeiro de seus membros e a ideologia da indústria do holocausto, ameaça não só tornar Israel o ator central de um teatro de horrores que envergonha a humanidade como também acabar, definitivamente, com a legitimidade da já cambaleante Organização das Nações Unidas.

Não tenhamos ilusões quanto à capacidade de influência dos milhões de cidadãos espalhados pelo mundo que saíram às ruas para protestar contra o flagelo impetrado aos palestinos em nome da pax israelense, que encontra na pax americana a sua parceira ideal no perpetrar de crimes de guerra. Enquanto a lógica que dominar o mundo for aquela do direito dos Estados e não a do direito dos povos, nossa voz não será ouvida e o futuro da humanidade – o nosso futuro – será decidido à nossa revelia. Não nos iludamos: SOMOS TODOS PALESTINOS!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

genocidio de Gaza...

Gaza: "Uma enorme derrota para Israel"

por Jean Bricmont
Entrevistado por Leila Lallali [*]

Qual é sua opinião sobre a situação atual na Faixa de Gaza?

Penso que é importante constatar que, além dos horrores cometidos e dos sofrimentos suportados, trata-se de uma enorme derrota para Israel. Não podemos avaliar quem ganha ou quem perde se não levarmos em conta as relações de força aí envolvidas. É quando Moscou ou Leningrado resistem aos alemães que estes perdem, bem antes de Stalingrado. Ora, no caso de Gaza, as relações de força são ainda mais desequilibradas do que no Líbano em 2006, e, entretanto, Israel não ganha, então sua derrota é ainda maior. Com efeito, é preciso compreender o que seria para Israel ganhar (o que se passou mais ou menos em 1967): soldados que se rendem ou fogem, dirigentes do Hamas presos e levados a Israel para serem julgados como "terroristas". Ora, nada disso se passa em Gaza. Ademais, é preciso ter em conta o efeito ideológico ligado à monstruosidade dos crimes, à revolta que eles inspiram, não somente no mundo árabe, mas em todo o "terceiro mundo", e também, em parte, na Europa. É preciso reconhecer o valor da emissora de televisão Al Jazeerah, e também da Internet, que permitiram que as pessoas realmente se informassem.

O senhor pensa que a agressão israelense a Gaza foi causada pelos foguetes do Hamas, ou existem outros objetivos?

Israel não me mantém informado de seus planos secretos, e, enquanto cientista, não gosto de especular muito. Então, não sei nada sobre isso. Há talvez objetivos eleitorais. O que é evidente é que os tiros de foguete, situados em um contexto global, não podem justificar a agressão. É evidente que teria sido necessário abandonar o bloqueio e negociar com o Hamas. Também evidente, e inquietante, é o fato de que nós mal podemos ver que objetivo os israelenses perseguem e podem racionalmente esperar atingir. Qualquer observador objetivo se dá conta de que este ataque não pode senão reforçar o Hamas, assim como a hostilidade com relação a Israel. Há qualquer coisa de profundamente irracional nesta atitude israelense, e, de certo modo, é isso o que há de mais inquietante.

Israel desafia o mundo e a Organização das Nações Unidas não é capaz de impedir que isso ocorra; como fazer face a este Estado?

Primeiramente, é preciso compreender que a impotência das Nações Unidas deve-se inteiramente ao bloqueio dos Estados Unidos. A Assembléia Geral e mesmo o Conselho de Segurança podem ter boas posições (mas é preciso lembrar que há o direito de veto). Logicamente, visto a força militar de Israel, não é evidente que se pudesse agir neste plano. Entretanto, podemos utilizar a arma . As sanções dependem de estados e é pouco provável que a Europa e os Estados Unidos as adotem. Por outro lado, podemos admirar a atitude da Bolívia e da Venezuela que, embora situadas longe do conflito, adotam posições de princípio notáveis, e das quais poderíamos esperar que inspirem estados que são geográfica e culturalmente mais próximos da Palestina.

O boicote é uma arma cidadã, que se desenvolve muito fortemente na Grã-Bretanha. Ela foi utilizada com sucesso contra a África do Sul e eu não vejo por que, por fim, ela não poderia ser eficaz contra Israel.

Como se situa a Europa quanto ao que se passa na Faixa de Gaza?

De que Europa falamos? A senhora sabe, assim como eu, que a Europa não está unida (não mais que a Liga Árabe aliás) e que os governos não refletem suas opiniões públicas. Ademais, é preciso dar-se conta de que o problema central reside nos Estados Unidos, particularmente no Congresso e no Senado. A Europa tem muita dificuldade em tomar uma posição independente dos Estados Unidos e, mesmo se ela o fizesse, isso não mudaria grande coisa enquanto os Estados Unidos apoiam cegamente Israel. O que não quer dizer que a Europa não devesse fazer nada – se ela se distanciasse dos Estados Unidos quanto a esta questão, isso reforçaria aqueles que, nos Estados Unidos, pensam que o apoio a Israel custa caro demais para algo que não lhe diz respeito tanto assim.

Qual é o interesse da Europa em sustentar a agressão israelense a Gaza?

Quem lhe disse que ela age por interesse? Penso que, se refletirmos bem, ela não tem interesse algum a longo prazo em sustentar Israel (e em se alienar de tantas pessoas no mundo). Mas quem, entre os homens ou mulheres políticos europeus, ou homens ou mulheres de negócios, vai fazer esta análise? E quem, a supor que ele ou ela o faça, vai ousar dizê-lo? Não se pode compreender nada do que se passa na Europa e nos Estados Unidos enquanto não se leva em conta o fator do medo – medo das organizações sionistas, de suas campanhas de difamação e intimidação. É por isso que eu penso que as organizações de solidariedade deveriam antes de tudo combater este sentimento de medo, sustentando todos aqueles que dão passos, mesmo pequenos e mesmo imperfeitos, na boa direção, isto é, de mais independência com relação a Israel.

O senhor pensa que Barack Obama vai mudar a política americana, ou ele vai seguir os rastros de Bush?

Novamente, não gosto de fazer previsões – nós veremos; mas todos os sinais que Obama deu durante sua campanha mostram um apoio sem falha a Israel. Mesmo se nós supomos que era uma tática (pois ele sabia que não seria eleito se fosse abertamente contrário às organizações sionistas), é preciso não esquecer que um presidente não é um ditador e que ele deverá levar em conta essas mesmas relações de força às quais se submeteu completamente durante sua campanha. Além disso, o Congresso e o Senado acabam de votar uma resolução totalmente pró-israelense sobre o conflito em curso; se Obama tinha a menor intenção de mudar alguma coisa, ele está avisado de que tem duas câmaras contra si.

Como o senhor vê o futuro das relações internacionais sob a administração Obama?

Haverá sem dúvida mais "diplomacia", mas, como observa Chomsky, Condoleeza Rice falava também de diplomacia. Sobretudo a primeira administração Bush foi todo o tempo partidária da guerra, mesmo se sozinha contra o resto do mundo. Posteriormente, o discurso mudou, e mudará ainda mais com Obama. Mas, no fundo, o que realmente ocorrerá? Meu temor é de que o entusiasmo, em parte legítimo, provocado pela eleição de um negro faça calar os críticos da política americana ou, pior, que as vozes críticas sejam acusadas de racismo. O problema é que Obama terá muito mais "legitimidade" que Bush, ao menos se tomarmos este no fim de seu governo. Ora, o que limita a nocividade dos Estados Unidos não são as intenções de seus dirigentes, mas sobretudo a oposição popular à sua política, o que será muito mais difícil com Obama do que com Bush.

Para o povo palestino, a única esperança é de que a crise econômica leve a uma tomada de consciência, nos Estados Unidos, de que muitas coisas não vão bem em sua política e, na verdade, lhes causam danos; e uma das mais importantes destas é o apoio cego a Israel.

[*] Jornalista, argelina.

O original encontra-se em Ech-chourouk, edição de 21/janeiro/2009.
Créditos: www.resistir.info
A versão em francês encontra-se em http://www.legrandsoir.info/spip.php?article7934
Tradução: Fernanda Correia de Oliveira


Agencia Carta Maior


Balanço do Fórum e do outro mundo possível

Os que acreditam que o fim do Fórum Social Mundial é o intercâmbio de experiências devem estar contentes. Para os que chegaram a Belém angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, ficou a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais. A análise é de Emir Sader.

Um balanço do FSM de Belém não deve ser feito em função de si mesmo. Ele não nasceu como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de luta para a construção do “outro mundo possível”. Nesse sentido, qual o balanço que pode ser feito do FSM de Belém, do ponto de vista da construção desse “outro mundo”, que não é outro senão o de superação do neoliberalismo, de um mundo pósneoliberal?

Duas fotos são significativas dos dilemas do FSM: uma, a dos 5 presidentes que compareceram ao FSM – Evo, Rafael Correa, Hugo Chavez, Lugo e Lula -, de mãos dadas no alto; a outra, a fria e burocrática de representantes de ONGs brasileiras em entrevista anunciando o FSM. Na primeira, governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.

Na outra, ONGs, entidades cuja natureza é fortemente questionada, pelo seu caráter ambíguo de “não-governamentais”, pelo caráter nem sempre transparente dos seus financiamentos, das suas “parcerias”, dos mecanismos de ingresso e de escolha dos seus dirigentes – a ponto que, em países como a Bolivia e a Venezuela, entre outros, as ONGs se agrupam majoritamente na oposição de direita aos governos. Sua própria atuação no espaço que definem como “sociedade civil” só aumenta essas ambigüidades. Entidades que tiveram um papel importante no inicio do FSM, mas que monopolizaram sua direção, constituindo-se, de forma totalmente não democrática, como maioria no Secretariado original, deixando os movimentos sociais, amplamente representativos, como a CUT e o MST, em minoria.

A partir do momento em que a luta antineoliberal passou de sua fase defensiva à de disputa de hegemonia e construção de alternativas de governo, o FSM passou enfrentar o desafio de se manter ainda sob a direção de ONGs ou passar finalmente ao protagonismo dos movimentos sociais. No FSM de Belém tivemos a primeira alternativa, no momento daquela fria e burocrática entrevista coletiva das ONGs. E tivemos, como contrapartida, sua formidável cara real, com os povos indígenas e o Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, com os sindicatos e o Mundo do Trabalho, com os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens – com estes confirmando que são a grande maioria dos protagonistas do FSM.

O FSM transcorreu entre os dois, entre a riqueza, a diversidade e a liberdade dos seus espaços de debate, e as marcas das ONGS, refletidas na atomização absoluta dos temas, na inexistência de prioridades – terra, água, energia, regulação do capital financeiro, guerra e paz, papel do Estado, democratização da mídia, por exemplo. À questão: o que o FSM tem a dizer e a propor de alternativas diante da crise econômica global e diante dos epicentros de guerra – Palestina, Iraque, Afeganistão, Colômbia -, que propostas de construção de um modelo superados do neoliberalismo e de alternativas políticas e de paz para os conflitos, a resposta é um grande silêncio. Houve várias mesas sobre a crise, nem sequer articuladas entre si. As atividades, “autogestionadas”, significam que os que detêm recursos – ONGs normalmente entre eles – conseguem programar suas atividades, enquanto os movimentos sociais se vêem tolhidos de fazer na dimensão que poderiam fazê-lo, para projetar-se definitivamente como os protagonistas fundamentais do FSM.

Para os que acreditam que o fim do FSM é o intercâmbio de experiências, devem estar contentes. Para os que chegaram angustiados com a necessidade de respostas urgentes aos grandes problemas que o mundo enfrenta, a frustração, o sentimento de que a forma atual do FSM está esgotada, que se o FSM não quer se diluir na intranscendência, tem que mudar de forma e passar a direção para os movimentos sociais.

Surpreendente a quantidade e a diversidade de origem dos participantes, notáveis as participações dos movimentos indígenas e dos jovens, em particular, momento mais importante do FSM a presença dos presidentes – cujas políticas deveriam ter sido objeto de exposição e debate com os movimentos sociais de maneira muito mais ampla e profunda. Triste que todo esse caudal não fosse ouvido, nem sequer por internet, a respeito do próprio FSM, das duas formas de funcionamento, da sua continuidade – outro sintoma do envelhecimento das conduções burocráticas dadas ao FSM. No dia seguinte ao final do FSM, reuniu-se o Conselho Internacional, de maneira fria e desconectada do que foi efetivamente o FSM, em que cada um – seja desconhecida ONG ou importante movimento social – tinha direito a dois minutos para intervir.

O “Outro mundo possível” vai bem, obrigado. Enfrenta enormes desafios diante dos efeitos da crise, gestada no centro do capitalismo e para a qual se defendem bastante melhor os que participam dos processos de integração regional do que os que assinaram Tratados de Livre Comercio. Enfrentam a hegemonia do capital financeiro, a reorganização da direita na região, tendo no monopólio da mídia privada sua direção política e ideológica. Mas avança e deve-se se estender, sempre na América Latina, para El Salvado, com a provável vitória de Mauricio Funes, candidato favorito, da Frente Farabundo Marti à presidência, em 15 de março próximo.

Já não se pode dizer o mesmo do FSM, que parece girar em falso, não se colocar à altura da construção das alternativas com que se enfrentam governos latinoamericanos e da luta de outras forças para passar da resistência à disputa hegemônica. Para isso as ONGs e seus representantes tem, definitivamente, que passar a um papel menos protagônico no FSM, deixando que os movimentos sociais dêem e tônica. Que nunca mais existam conferências como aquela de Belém, que nunca mais ONGs se pronunciem em nome do FSM, que os movimentos sociais – trata-se do Forum Social Mundial – assumam a direção formal e real do FSM, para que a luta antineoliberal trilhe os caminhos da luta efetiva por “outro mundo possivel” – de que a América Latina é o berço privilegiado.



Fotos: Eduardo Seidl

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Isso é na Bolivia...e por aqui????

Para enfrentar guerra da informação, Bolívia lança jornal estatal

No dia 22 de janeiro, começou a circular na Bolívia mais um jornal, "El Cambio. Não se trata de mais um jornal, mas sim de um diário estatal. Segundo o diretor do novo diário, Delfin Arias Vargas, a missão do novo jornal não é a de ser governamental. "Esse jornal não pode ser do governo, ele é estatal. Estamos manejando a informação como pensamos que se deve, como um bem social ao qual o povo boliviano tem direito", explica Vargas.

LA PAZ - Em 22 de janeiro, mesma data em que o presidente Evo Morales Ayma completou três anos à frente do governo boliviano e apenas três dias antes do referendo popular que consagrou a nova Constituição do país, começou a circular na Bolívia mais um jornal, El Cambio. A ver: nao se trata de mais um jornal, mas sim de um diário estatal. "A verdade nos faz livres" é o mote que acompanha o título do jornal em sua capa. E foi de liberdade jornalística que falou Evo na entrevista em que lançou a publicaçao: "[Aos jornalistas do novo diário] lhes pedimos não tergiversar nem mal-interpretar, como fazem alguns meios de comunicação". "Todos mentem e por isso precisamos ter nosso próprio diário. Pela primeira vez o Estado terá seu próprio jornal, o qual será distribuído todo dia com a verdade."

O diretor do novo diário, Delfin Arias Vargas, explica que foram dois os estopins para a decisão de lançar o jornal: primeiro, a forte campanha dos meios de comunicação contra a nova Constituição, ao longo dos últimos meses; segundo, uma reportagem do jornal La Prensa, em dezembro, que acusou Evo de estar vinculado aos donos de 33 caminhões de contrabando que foram liberados de forma irregular num posto aduaneiro da região de Cobija - fato ocorrido em agosto. A relação de Evo com os criminosos seria provada por um vídeo distribuído por um deputado da oposição - ao qual o governo acusou de ter forjado a suposta prova.

Mas a missão do novo jornal, que vem sendo publicado em formato tablóide, com 16 páginas, não é a de ser "pró-governamental", diz Delfin, que encontramos na última sexta-feira em seu escritório ainda improvisado, nas dependências do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), no bairro de Sopocachi, em La Paz. "Esse jornal não pode ser do governo, ele é estatal. Estamos manejando a informação como pensamos que se deve, como um bem social ao qual o povo boliviano tem direito", vai explicando ele, em meio a interrupções de vários pedidos para assinar ordens de compra de materiais ou de gente que lhe avisa das providências que estão sendo tomadas para transformar o antigo depósito em uma redação jornalística. Pudera, entre a ordem de Evo para que fosse formado o diário, em 4 de janeiro, e ida de sua primeira edição às bancas, passaram-se meros 18 dias, segundo conta o jornalista.

A rapidez foi possível, conta ele, porque a base da equipe de El Cambio foi formada a partir dos profissionais da Agência Boliviana de Informação (ABI), a qual era comandada por Delfin até o inìcio do ano. Outra parte dos profissionais foi selecionada nas últimas semanas. "Aqui não há militantes, há jornalistas profissionais. Em nenhum momento se perguntou se eram filiados a algum partido ou movimento social, o que examinamos foi seu currículo profissional", conta ele, que, junto com parte dos demais jornalistas que chefiam a equipe de 30 pessoas, atuou nos anos 80 no jornal Presencia. Esse diário, conta ele, era ligado à Igreja Católica e foi referência de bom jornalismo no país até o início dos anos 90.

Depois da passagem pelo Presencia, Delfin conta que ainda atuou alguns anos na imprensa comercial do país, em jornais como La Razón e La Prensa: "Conheço de dentro como esses jornais manejam a informação. Antigamente ainda era possível atuar porque havia um respeito à notícia, não a manipulavam como agora, restringiam-se às páginas de opinião. Hoje estão lidando com a informação sem nenhum respeito, tratam-na como bem comercial, não social". A subida ao poder de Evo gerou efeitos poderosos na mídia comercial, segundo ele: "Esse respeito à informação ocorria quando não havia ameaca ao velho sistema político. Quando ele caiu, com o início do governo de Evo, os meios de comunicação viraram trincheiras, hoje eles fazem oposição política frontal".

O jornalista conta que a direita recebeu com agressividade a criaçao de El Cambio: "Dizem que estamos violando a liberdade de expressão. Mas olhe como está o país, apesar de se terem cometido vários abusos, não há nenhum jornalista preso ou processado aqui. A liberdade de imprensa é plena na Bolívia e não vamos permitir que ela seja rompida. Só que não podemos também permitir que ela não seja usada para tratar a informação como bem social que é".

Na primeira edição de El Cambio, que imprimiu cerca de 5 mil exemplares distribuidos pelo país - a tiragem ainda está aumentando, conforme a capacidade de distribuição, e ainda não está estabilizada -, foi publicada uma entrevista exclusiva com Evo. Delfin foi um dos entrevistadores e conta que o próprio presidente lhe afirmou, logo após esse encontro: "Ele nos disse que está apoiando o jornal, mas não quer propaganda do governo, quero que dêem informacoes corretas sobre nossa gestão. 'Voces devem dar uma aula de jornalismo aos meios comerciais', ele completou".

Mesmo com o aval público de Evo, Delfin conta que foi procurado por diversos dirigentes partidários e de movimentos sociais na semana seguinte ao lançamento do jornal: "Cada um quer nos dar sua receita, eles nos dizem 'agora temos nosso jornal, vamos poder golpear a direita também', e eu até entendo, porque estão desesperados para que haja mais meios alternativos no país. Só que o que nós faremos será simplesmente tratar a informação como bem social, com um manejo plural, responsável e veraz da informação. Isso nos fará independentes".

Para ele, comunicação "estatal" é algo muito diferente de simplesmente "defender o governo": "Quem tem de fazer defesa do governo é o Soberania, que é o semanário do MAS [partido de Evo]. Nós somos outra coisa, não vamos virar governamentais". Ele tampouco pensa em concorrer com a mídia comercial: "Nós não queremos nos comparar com ninguém, só queremos ser uma alternativa para a população".

A receita da equipe de Delfin para o diário estatal inclui espaço inclusive para a oposição ao governo. "Eu tenho pedido à equipe mais presença da oposição, aliás. Se dizem algo que merece destaque, tem de estar no jornal", diz ele, quando pergunto se não houve reclamação de algum integrante do governo pelo destaque em capa dado na edição do dia da entrevista a declarações de Ruben Costa, prefeito de Santa Cruz que é um dos mais duros adversários do governo.

Na seção internacional, El Cambio vem publicando artigos de diversas fontes, inclusive desta Carta Maior. O futebol também é destaque. No dia em que conversamos, o Cambio tambem destacava na capa a derrota do Real Potosí para o Palmeiras, por 5 a 1. "Neste país, somos todos fanáticos por futebol, do motorista de ônibus ao presidente. Cobrir futebol aqui é um serviço social. No futebol, quando joga nossa seleção nacional, nao há 'media luna', estamos todos unidos". diz ele, em referência à região oriental do país, foco da oposição e de idéias separatistas.

Os próximos passos do diário incluem a instituição de mecanismos de controle social, agora consagrados pela nova Constituição: "O mecanismo não está definido. Vamos fazer, só que ainda não sabemos como. Por enquanto, estamos tratando de trazer pluralidade às páginas de opinião". Para Delfin, o maior desafio é a auto-sustentação: "É o mais importante para nós. Esse diário não pode ser um peso para o Estado". Por enquanto, o jornal tem publicado anúncios de empresas estatais e é vendido em banca a 2 bolivianos (o equivalente a R$ 0,70).

Um pouco da Itália...

Por Astrid Lima


Estamos em pleno inverno europeu, mas um um forte vento, o Scirocco, proveniente da África, forma túneis de ar quente que rasgam o frio na cidade de Roma. Dentro deste corredor de calor, com cartazes que se movem ao ritmo do vento, centenas de médicos e enfermeiras estão reunidos na frente de Palazzo Montecitorio, a Câmara dos Deputados italiana, com velas nas mãos.

Nas camisetas brancas está escrito: “Médicos, não espiões”.

É a manifestação convocada pelos Médicos sem Fronteiras, pela Sociedade italiana dos Médicos das Migrações e pelo Observatório Italiano sobre a Saúde Global contra uma proposta de decreto do governo italiano, que obriga o médico a denunciar às autoridades todos os clandestinos que se apresentarem como pacientes.

Este decreto, claramente racista, está em contradição com o Texto Único sobre a Migração, que prevê que o acesso à estrutura sanitária por estrangeiros irregulares não deve comportar nenhum tipo de advertência às autoridades, com a mesma paridade de tratamento aplicada a todos os cidadãos italianos.

São poucas linhas, mas de grande demonstração de civilização. Na prática, afirma-se que o médico deve respeitar o paciente independente da sua nacionalidade, religião, cor, sexo, condição social, politica.

Está no próprio juramento de Hipócrates: Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

É um belo juramento, apesar de velho e superado em alguns trechos. Nele ainda é intrínseca a necessidade de qualificar a prática médica, a ciência desses modernos curandeiros, mesmo em uma sociedade muito mais complexa do que aquela de séculos atrás.

Se começa jurando por Apolo, por Esculápio, por Higia e Panacéia, deuses ligados à saúde, à cura, à luz e ao sol; e eu imagino, ali, naquele momento, o jovem médico, tão nervoso quanto um presidente eleito dos Estados Unidos, jurando, porém, por algo que vai além de um mandato, de sistemas eleitorais, de geopolíticas, de impérios. Nas suas mãos estão depositados vida, morte e ética:

estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito;

Se o exercício da medicina dependesse desse simples juramento, não existiria algo como a saúde privada, como os hospitais particulares, como as operações cirúrgicas onde tudo é contabilizado: sala operatória, enfermeiros, instrumentos, remédios, anestesistas, período de internação. Onde não há acesso sem antes a verificação do cartão de crédito.

A cada toque de caixa de um plano de saúde eu me pegunto quanto vale uma vida humana. Qual é a sua cotação, que preço vai curar uma ferida, sarar uma fratura, deter uma hemorragia, extirpar um tumor, fazer continuar a respirar.

Que rosto tem o gerente, o burocrata, o técnico, o promotor de vendas e todos aqueles que decidem quais são os percentuais de lucro sob os quais não é possível descer.

Que dinheiro é esse que tem sua origem na dor humana, nos seus medos e males? E que país é aquele em que o único sistema sanitário possível é o privado?

Na Itália a saúde pública ainda é de qualidade, acessível a todos, e é considerada, junto com a francesa, uma das melhores do mundo. Ainda não foi vencida pela barbárie dos camelôs sanitários, das clínicas sustentadas com carnês mensais e com manuais de subterfúgios que ensinam como obter o máximo do lucro com o mínimo dos custos.

Ainda é possível encontrar em um mesmo quarto de uma maternidade uma jovem italiana, uma cigana, uma africana, uma ex-jogadora da seleção nacional de Vôlei. Mulheres iguais diante da maternidade.

Neste pais é ainda possível que um simples cidadão – pobre ou clandestino — possa desfrutar do mesmo hospital, dos mesmos médicos do Papa, do presidente da República ou de um magnata, como Berlusconi.

Mas é noite em Roma. E ao frio se alterna um calor estranho, impossível, provocado pelo vento e pela areia do Saara, que me suscitam imagens de antigos rituais.

“Nós não denunciaremos ninguém”, declara, orgulhoso, um cirurgião ortopédico do Policlínico Gemelli, considerado um dos maiores hospitais italianos, o mesmo que acolheu tantas vezes João Paulo II.

Aquele pequeno grupo de médicos na frente do parlamento italiano, iluminados pelas luzes das velas, reivindicam a simples possibilidade de serem fiéis ao próprio juramento: curar sem mediocridades como denunciar o próximo, monetarizar a vida, medí-la em documentos, siglas ou carimbos.

Curar todos os homens, porque este é uma antiquíssima e mítica arte, que tem a cumplicidade dos deuses, mas que foi construída com o conhecimento da humanidade inteira.


Astrid Lima é brasileira e vive na Itália, e encontrou uma forma de matar saudades do Brasil: escrevendo coisas assim para O Malfazejo.