terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Encontro em Luanda...


"As boas-vindas e as conversações oficiais entre o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, general-de-exército Raul Castro Ruz, e o de Angola, José Eduardo dos Santos, assim como as demais atividades desta intensa e frutífera jornada, ultrapassaram os limites do protocolo e constituíram um fraterno, sincero e frutífero intercâmbio, conforme a irmandade existente entre ambos os povos." O texto completo encontra-se no sitio Patria latina

FSM-2009

FSM-2009 - O velho e o novo




Luiz Alberto Gomes de Souza *Adital


Sempre que acontece um Fórum Social Mundial volta a mesma questão, frequentemente com impaciência. Não bastaria estar contra, seria preciso indicar ações propositivas. Outros irão mais longe: há que desenhar um projeto alternativo. Projeto é alguma coisa lançada, projetada para a frente. Mas como essas intenções seriam construídas? Há muito candidato a "intelectual orgânico" querendo rabiscar, a partir de suas idéias, um desejo pessoal onipotente. Ou então um coletivo de companheiros. Pode haver alguma coisa de vanguardismo escondido aí. São grupos que pensam que sabem, ou que confundem o que pensam com uma nova verdade.

Claro, é bom que apareçam propostas, mas deveriam ser contribuições oferecidas com certa humildade e com ar tentativo. E, na medida do possível, teriam de estar enraizadas em práticas concretas emergentes. Do contrário soam como agendas voluntaristas de bons propósitos. Não há que rejeitar por princípio a apresentação de consensos propostos. Temeria se fossem consensos impostos. Depois do fim dos socialismos reais e frente à vagueza de um "socialismo do século XXI", pressente-se a presença de velhos paradigmas escondidos em embrulhos novos.

Isso não impede que aflorem novas sensibilidades e exigências, numa "consciência histórica" que vai abrindo caminhos. O futuro é escrito a muitas mãos, muitas ações e muitas mentes. Várias delas contraditórias se tomadas isoladamente, mas talvez complementares, como um tecido cerzido com mil iniciativas e fios diferentes, sem um desenho prévio comum.

Hoje já temos um fato bem claro. A tapeçaria antiga do sistema capitalista, que chegou a pretender-se como o modelo único, rasgou-se de alto a baixo, vítima de suas ambições e de suas ilusões. "O rei está nu", não é preciso ser crianças sem preconceitos para ver. Davos 2009 foi um bom exemplo. Muitos deixaram de ir, se calaram e outros destilaram ali suas angústias. O templo dos grandes interesses privados apelou para o poder público. Mas atenção, na se tratou de socialização ou de estatização sem mais. Não é para que ele se substitua aos primeiros, mas para que os salve. É um chamado para a socialização dos prejuízos e para retomar mais adiante a privatização dos ganhos. O Estado, nas mãos de um poder dirigente, entraria para salvar o poder dominante em perigo. Uma primeira conclusão: não se trata de reformar o capitalismo, mas de aboli-lo. Isso jamais sairá de Davos. E no FSM é um horizonte que se vai precisando aos poucos.

Há tendências que se vão solidificando e outras que se manifestam estreitas. A partir do fim do século XIX, havia uma proposta ancorada num sujeito central: a classe operária ou, para usar terminologia politicamente correta na ocasião, o proletariado. No século seguinte André Gorz escreveu: "Adeus ao proletariado". Não que tenha de ser afastado, mas junto a ele foram surgindo muitos outros atores, todo o tipo de excluídos, de trabalhos autônomos, de etnia, gênero e faixa etária. A polifonia às vezes assustou a quem estava acostumado a uma harmonia de acordes tradicionais e previsíveis. Como a música dodecafônica sucedendo à eloquência um pouco rebuscada de Mahler.

Mas já podemos ir descobrindo processos mais profundos. Falava-se de um mundo globalizado, mas era para trazer um capitalismo predatório de dimensões sem limites, com um capital financeiro andorinha voando em todas as direções. Há um termo mais apropriado que é o de mundialização, ou melhor ainda, de planetarização. Theodor Roszak, lá na contracultura dos anos 80, falava dos direitos do planeta, dois séculos depois de surgirem os direitos humanos: Person, planet: the creative disintegration of industrial society. Talvez devêssemos dizer diretamente da sociedade capitalista, da qual a industrial é apenas uma de suas fases. Daí a importância do Fórum Social Mundial de Belém, em plena selva amazônica, onde o planeta mostra sua fecundidade e suas feridas e a multiplicidade de rios e igarapés, na riquíssima biodiversidade, estão ameaçados pelo predatório do sistema. Das propostas do Fórum, espalhadas em grupos de trabalho, passeatas e debates, vem o grito de alerta de um planeta violentado.

O próximo Fórum possivelmente será na África. Ali os problemas são ainda mais graves e processos de desertificação irreversíveis. A fome e as violências campeiam em Darfour ou, pero dali, em Gaza, do outro lado da fronteira com a Ásia. Já faz muitos anos, no começo da descolonização, um observador arguto, Réné Dumond, escreveu: "L’Afrique noire est mal partie". Os colonizadores foram substituídos por uma elite local sem escrúpulos (não dá para falar de uma burguesia autóctone).

Temos uma crise global que pode, de certa maneira, ser benéfica. Tempos de experimentações num plural aberto. Daí poderão aparecer pistas de análise que não brotam voluntaristas, mas vão sendo a sedimentação de intuições experimentadas e resultados parciais que estarão dando certo. Os sôfregos ficam nervosos. O sistema espera, do outro lado, apenas mudanças superficiais.

Se não há soluções prontas, pouco a pouco, e isso foi emergindo de Belém, há "certezas difíceis" que enquadram o que brota. Mesmo se ele se dá, e não poderia deixar de fazê-lo, dentro dos marcos de um capitalismo vigente, deve trazer nele a semente na negação, os prenúncios de uma ruptura. No passado muitos debates se davam entre reformas dentro do sistema e revolução político-econômica para além dele. Falei atrás de negação do sistema capitalista. Mas a "consciência histórica" referida antes, que não deixa de ser também "consciência possível", está dando um passo adiante ao nível da intencionalidade. Talvez devamos incluir o processo numa perspectiva mais radical; tudo leva a indicar mutações sociais e planetárias muito profundas, agora como vetor de direção, mas pouco a pouco como iluminação nova. O que não se reduz a superar o capitalismo.

Entre 1830 e 1848 a velha Europa se esvaía em lutas sociais. "Um fantasma ronda a Europa", escreveu Marx. Só que ele se enganou de lugar, vítima de seu eurocentrismo. O fantasma desceria do outro lado do Atlântico norte, ainda que não para transformar, mas para fortalecer o sistema. O Atlântico sul aparecia pouco. Não poderá estar aqui um campo fecundo de experimentação num horizonte adiante, bem mais ambicioso? "A história é nossa, a fazem os povos", disse Allende pouco antes de morrer. E também no momento da derrota, ao final da guerra civil espanhola, num de seus últimos escritos, disse Antonio Machado: "A história não caminha ao ritmo de nossas impaciências". Olhando o panorama desacorçoado de Davos e a caminhada do FSM de 2001 a 2009, de Porto Alegre, no sul, a Belém, nos trópicos, poderemos possivelmente levantar esperanças em horizontes ambiciosos de negação do sistema, e de mutações para além dele e de seus limites político-econômicos, sem a necessidade de atropelar uma história que já vai sendo misteriosamente construída. E onde o Brasil, coberto pelo FSM do sul ao norte, poderá ter um papel protagônico.


* Sociólogo, Diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência de Religião da Universidade Candido Mendes

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Genocidio em Gaza...

As raízes do conflito

www.orientemediovivo.com


Comunicar com o povo israelense pode deixar qualquer um
desorientado. Mesmo hoje, enquanto o mundo ainda tenta entender
o mais recente massacre em Gaza, a maioria dos israelenses é
capaz de se convencer de que eles são as verdadeiras vítimas
dessa violenta história. Não é surpreendente para aqueles
familiares com o povo de Israel o fato de que eles, apesar de
estarem no coração das crises do Oriente Médio, são
completamente desinformados sobre as raízes do conflito que
domina as próprias vidas. É por isso, acima de tudo, que a paz está
longe de ser real.
São comuns nas ruas de Israel argumentos que fazem muito
sentido para a ideologia sionista vigente, mas que para qualquer um
fora das ruas judaicas não passa de pura fantasia – em alguns
casos, até grotesco. Um argumento comum é: “Esses palestinos,
por que eles insistem em morar em nossas terras? Por que não
conseguem ficar no Egito, Síria, Líbano ou outro país árabe?” Esse
contexto é comum, utilizado até mesmo em jornais israelenses, com
algumas variações. Além disso, boa parte do povo israelense não
consegue entender quem são os palestinos, de onde eles vêm e o
que eles significam. Eles não conseguem compreender que, para os
palestinos, a Palestina é o lar. Ironicamente, a maioria do povo
israelense é ignorante de que o Estado de Israel foi erguido à custa
do povo palestino: em terras palestinas, em aldeias palestinas,
cidades, campos e jardins.
Os israelenses não conseguem reconhecer que os palestinos em
Gaza e nos campos de refugiados que cercam toda a região são
pessoas que foram expulsas de seus lares e tiveram suas terras
ocupadas ilegalmente por um poder invasor. Os palestinos são
pessoas nativas de Ber Shive, Yafo, Tel Kabir, Shekh Munis, Lod,
Haifa e Jerusalém, entre muitas cidades e vilas, hoje ocupadas por
Israel. Se alguém se pergunta como os israelenses não sabem
disso, a questão é muito simples: nunca lhes contaram assim a
história. As circunstâncias que levaram ao conflito na Palestina são
bem escondidas em meio à cultura deles. Traços da civilização
palestina antes de 1948 foram destruídos pela entidade sionista
com o passar do tempo – o pouco que restou permanece sob
ameaças. Nem mesmo a Nakba, a limpeza étnica dos palestinos
que levou à formação do Estado de Israel, faz parte do currículo
escolar israelense – e nem sequer é citado ou discutido em
qualquer fórum acadêmico em Israel. O assunto é um tabu que
deve permanecer escondido.
Na narrativa oficial israelense, não existe qualquer menção sobre os
diversos massacres orquestrados pelo exército e pelos diversos
grupos terroristas que agem sob o comando do governo. Também
não existe qualquer sinal sobre as leis raciais que impedem os
palestinos de retornarem para as terras e lares que os pertenciam.
O resultado disso é claro: a maioria dos israelenses é
completamente ignorante com relação à causa palestina. Sendo
assim, eles só conseguem enxergar o lado palestino da história
como uma loucura irracional e violenta. Dentro do universo que vive
Israel, o israelense é uma vítima inocente, e os palestinos não são
mais do que selvagens assassinos. Essa grave situação, que
mantém o povo de Israel às escuras da realidade, impede qualquer
possibilidade de uma futura reconciliação. Como eles não têm um
mínimo de conhecimento sobre a questão que lhes envolve, eles
naturalmente não são capazes de encontrar qualquer resolução
para o conflito que não seja o completo extermínio do “inimigo” – e
isso ficou claro mais uma vez nos recentes massacres em Gaza.
Isso deixa os palestinos sem opções além de tentar a própria
libertação contra qualquer obstáculo. Claramente, do lado de Israel
não existe um parceiro para “negociações de paz”.
israelenses permanecerão envolvidos na sua própria dor, apesar de
completamente ofuscados sobre a dor que é infligida aos outros. Os
israelenses operam coletivamente, todos unidos quando a ordem é
o bombardeio dos inocentes. Não diferente disso, assim que algum
do lado deles é ferido, as fantasias de inocência e vulnerabilidade
também iludem a todos. É essa discrepância entre a sua
autoimagem e a forma como eles são vistos pelo resto do mundo
que transforma Israel em um monstruoso exterminador. 

Entrevista com István Mészaros

"Solução neokeynesiana e novo Bretton Woods são fantasias"

Agencia Carta Maior


Em entrevista à revista inglesa Socialist Review, István Mészàros, um dos principais pensadores marxistas da atualidade, analisa a crise econômica mundial e critica aqueles que apostam que ela será resolvida trazendo de volta as idéias keynesianas e a regulação. "É uma fantasia que uma solução neo-keynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais", defende Mészàros. Para ele, estamos vivendo a maior crise na história humana, em todos os sentidos.

Em 1971 István Mészàros ganhou o Prêmio Deutscher pelo seu livro A Teoria da Alienação em Marx e desde então tem escrito sobre o marxismo. Em janeiro deste ano, ele conversou com Judith Orr e Patrick Ward, da Socialist Review, sobre a atual crise econômica.

Socialist Review: A classe dominante sempre é surpreendida por crises econômicas e fala delas como fossem aberrações. Por que você acha que as crises são inerentes ao capitalismo?

István Mészàros – Eu li recentemente Edmund Phelps, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 2006. Phelps é um tipo de neokeynesiano. Ele estava, é claro, glorificando o capitalismo e apresentando os problemas atuais como apenas um contratempo, dizendo que “tudo o que devemos fazer é trazer de volta as idéias keynesianas e a regulação.”

John Maynard Keynes acreditava que o capitalismo era ideal, mas queria regulação. Phelps estava reproduzindo a idéia grotesca de que o sistema é como um compositor musical. Ele pode ter alguns dias de folga nos quais não pode produzir tão bem, mas se você olhar no todo verá que ele é maravilhoso! Pense apenas em Mozart – ele deve ter tido o velho e esquisito dia ruim. Assim é o capitalismo em crise, como dias ruins de Mozart. Quem acredita nisso deveria ter sua cabeça examinada. Mas, no lugar de ter sua cabeça examinada, ele ganhou um prêmio.

Se nossos adversários têm esse nível de pensamento – o qual tem sido demonstrado, agora, ao longo de um período de 50 anos, não é apenas um escorregão acidental de economista vencedor de prêmio – poderíamos dizer, “alegre-se, esse é o nível baixo do nosso adversário”. Mas com esse tipo de concepção você termina no desastre de que temos experiência todos os dias. Nós afundamos numa dívida astronômica. As dívidas reais neste país (Inglaterra) devem ser contadas em trilhões.

Mas o ponto importante é que eles vêm praticando orgias financeiras como resultado de uma crise estrutural do sistema produtivo. Não é um acidente que a moeda tenha inundado de modo tão adventista o setor financeiro. A acumulação de capital não poderia funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva.

Agora estamos falando da crise estrutural do sistema. Ela se extende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais da sobrevivência humana. Por exemplo, de tempos em tempos anunciam algumas metas para diminuir a poluição. Temos até um ministro da energia e da mudança climática, que na verdade é um ministro do lero lero, porque nada faz além de anunciar uma meta. Só que essa meta nunca é sequer aproximada, quanto mais atingida. Isso é uma parte integral da crise estrutural do sistema e só soluções estruturais podem nos tirar desta situação terrível.

SR - Você descreveu os EUA como levando a cabo um imperialismo de cartão de crédito. O que você quer dizer com isso?

IM – Eu lembro do senador norte-americano George McGovern na guerra do Vietnã. Ele disse que os EUA tinham fugido da guerra do Vietnã num cartão de crédito. O recente endividamento dos EUA está azedando agora. Esse tipo de economia só avança enquanto o resto do mundo pode sustentar sua dívida.

Os EUA estão numa posição única porque tem sido o país dominante desde o acordo de Bretton Woods. É uma fantasia que uma solução neokeynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais. A dominação dos EUA que Bretton Woods formalizou imediatamente depois da Segunda Guerra era realista economicamente. A economia norte-americana estava numa posição muito mais poderosa do que qualquer outra economia do mundo. Ela estabeleceu todas as instituições econômicas internacionais vitais com base no privilégio dos EUA. O privilégio do dólar, o privilégio aproveitado pelo Fundo Monetário Internacional, pelas organizações comerciais, pelo Banco Mundial, todos completamente sob a dominação dos EUA, e ainda permanece assim hoje.

Não se pode fazer de conta que isso não existe. Você não pode fantasiar reformas e regulações leves aqui e acolá. Imaginar que Barack Obama vai abandonar a posição dominante de que os EUA dispõe, nesse sentido – apoiada pela dominação militar – é um erro.

SRKarl Marx chamou a classe dominante de “bando de irmãos guerreiros”. Você acha que a classe dominante vai trabalhar junta, internacionalmente, para encontrar uma solução?

IM – No passado o imperialismo envolveu muitos atores dominantes que asseguraram seus interesses mesmo às custas de duas horrendas guerras mundiais no século XX. Guerras parciais, não importa o quão horrendas são, não podem ser comparadas ao realinhamento do poder e da economia que seria produzido por uma nova guerra mundial.

Mas imaginar uma nova guerra mundial é impossível. É claro que ainda há alguns lunáticos no campo miliar que não negariam essa possibilidade. Mas isso significaria a destruição total da humanidade.

Temos de pensar as implicações disso para o sistema capitalista. Era uma lei fundamental do sistema que se uma força não pudesse ser assegurada pela dominação econômica você recorreria à guerra.

O imperialismo global hegemônico tem sido conquistado e operado com bastante sucesso desde a Segunda Guerra Mundial. Mas esse tipo de sistema é permanente? É concebível que nele não surjam contradições, no futuro?

Algumas pistas vem sendo dadas pela China de que esse tipo de dominação econômica não pode avançar indefinidamente. A China não será capaz de seguir financiando isso. As implicações e consequencias para a China já são bastante significantes. Deng Xiaoping uma vez disse que a cor do gato – seja ele capitalista ou socialista – não importa, desde que ele pegue o rato. Mas e se, no lugar da caçada feliz do rato se termine numa horrenda infestação de ratos de desemprego massivo? Isso está acontecendo agora na China.

Essas coisas são inerentes nas contradições e antagonismos do sistema capitalista. Portanto, temos de pensar em resolvê-los de uma maneira radicalmente diferente, e a única maneira é uma genuína transformação socialista do sistema.

SR - Não há em parte alguma do mundo econômico desacoplamento dessa situação?

IM- Impossível! A globalização é uma condição necessária do desenvolvimento humano. Desde que o sistema capitalista se tornou claramente visível Marx teorizou isso. Martin Wolf, do Financial Times tem reclamado de que há muitos pequenos, insignificantes estados que causam problemas. Ele argumenta que seria preciso uma “integração jurisdicional”, em outras palavras, uma completa integração imperialista – um conceito fantasia. Trata-se de uma expressão das contradições e antagonismos insolúveis da globalização capitalista. A globalização é uma necessidade, mas a forma em que é exequível e sustentável é a de uma globalização socialista, com base nos princípios socialistas da igualdade substantiva.

Ainda que não haja desacoplamento na história do mundo, é concebível que isso não signifique que em toda fase, em todas as partes do mundo, haja uniformidade. Muitas coisas diferentes estão se desenvolvendo na América Latina, em comparação com a Europa, para não mencionar o que eu já assinalei sobre a China, o Sudeste Asiático e o Japão, que está mergulhado em problemas mais profundos.

Vamos pensar no que aconteceu há pouco tempo. Quantos milagres tivemos no período do pós-guerra? O Milagre Alemão, o Milagre Brasileiro, o Milagre Japonês, o Milagre dos cinco Tigres Asiáticos? Engraçado que todos esses milagres tenham se convertido na mais terrível realidade prosaica. O denominador comum de todas essas realidades é o endividamento desastroso e a fraude.

Um dirigente de um fundo hedge foi supostamente envolvido numa farsa envolvendo 50 bilhões de dólares. A General Motors e outras estavam pedindo ao governo norte-americano somente 14 bilhões de dólares. Que modesto! Eles deveriam ter dado 100 bilhões. Se um fundo hedge capitalista pode organizar uma suposta fraude de 50 bilhões, eles devem chegar a todos os fundos possíveis.

Um sistema que opera nesse modo moralmente podre não pode provavelmente sobreviver, porque é incontrolável. As pessoas chegam a admitir que não sabem como isso funciona. A solução não é desesperar-se, mas controlá-lo em nome da responsabilidade social e de uma radical transformação da sociedade.

SRA tendência inerente do capitalismo é exigir dos trabalhadores o máximo possível, e isso é claramente o que os governos estão tentando fazer na Grã Bretanha e nos EUA.

IM – A única coisa que eles podem fazer é advogar pelos salários dos trabalhadores. A razão principal pela qual o Senado recusou a injetar 14 bilhões de dólares nas três maiores companhias de automóveis é que não puderam obter acordo sobre a drástica redução dos salários. Pense no efeito disso e nos tipos de obrigações que esses trabalhadores têm – por exemplo, repagando pesadas hipotecas. Pedir-lhes que simplesmente passem a receber metade de seus salários geraria outros tipos de problemas na economia – de novo, a contradição.

Capital e contradições são inseparáveis. Temos de ir além das manifestações superficiais dessas contradições e de suas raízes. Você consegue manipulá-las aqui e ali, mas elas voltarão com uma vingança. Contradições não podem ser jogadas para debaixo do tapete indefinidamente, porque o carpete, agora, está se tornando uma montanha.

SRVocê estudou com Georg Lukács, um marxista que retomou o período da Revolução Russa e foi além.

IM – Eu trabalhei com Lukács sete anos, antes de deixar a Hungria em 1956 e nos tornamos amigos muito próximos até a sua morte, em 1971. Sempre nos olhamos nos olhos – é por isso que eu queria estudar com ele. Então aconteceu que quando eu cheguei para estudar com ele, ele estava sendo feroz e abertamente atacado, em público. Eu não aguentei aquilo e o defendi, o que levou a todos os tipos de complicações. Logo que deixei a Hungria, fui designado sucessor, na universidade, ensinando estética. A razão pela qual deixei o país foi precisamente porque estava convencido de que o que estava acontecendo era uma variedade de problemas muito fundamentais que o sistema não poderia resolver.

Eu tentei formular e examinar esses problemas em meus livros, desde então. Em particular em "A Teoria Alienação em Marx" e "Para Além do Capital" (*). Lukács costumava dizer, com bastante razão, que sem estratégia não se pode ter tática. Sem uma perspectiva estratégica desses problemas você não pode ter soluções do dia-a-dia. Então eu tentei analisar esses problemas consistentemente, porque eles não podem ser simplesmente tratados no nível de um artigo que apenas relata o que está acontecendo hoje, ainda que haja uma grande tentação de fazê-lo. No lugar disso, deve ser apresentada uma perspectiva histórica. Eu venho publicando desde que meu primeiro ensaio justamente substancial foi publicado, em 1950, num periódico literário na Hungria e eu tenho trabalhado tanto como posso, desde então. À medida de nossos modestos meios, damos nossa contribuição em direção da mudança. Isso é o que tenho tentado fazer ao longo de toda minha vida.

SR- O que você pensa das possibilidades de mudança neste momento?

IM – Os socialistas são os últimos a minimizar as dificuldades da solução. Os apologistas do capital, sejam eles neokeynesianos ou o que quer que sejam, podem produzir todos os tipos de soluções simplistas. Eu não penso que podemos considerar a crise atual simplesmente da maneira que o fizemos no passado. A crise atual é profunda. O diretor substituto do Banco da Inglaterra adimitiu que esta é a maior crise econômica na história da humanidade. Eu apenas acrescentaria que esta não é apenas a maior crise na história humana, mas a maior crise em todos os sentidos. Crises econômicas não podem ser separadas do resto do sistema.

A fraude e a dominação do capital e a exploração da classe trabalhadora não podem continuar para sempre. Os produtores não podem ser postos constantemente e para sempre sob controle. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre e cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo.

Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. Cedo ou tarde isso tem de ser resolvido e não, como o vencedor do Prêmio Nobel deve fantasiar, no interior da estrutura do sistema. A única solução possível é encontrar a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo.

Nós alcançamos os limites históricos da capacidade do capital controlar a sociedade. Eu não quero dizer apenas bancos e instituições financeiras, ainda que eles não possam controlá-las, mas o resto. Quando as coisas dão errado ninguém é responsável. De tempos em tempos os políticos dizem: “Eu aceito total responsabilidade”, e o que acontece? Eles são glorificados. A única alternativa exequível é a classe trabalhadora, que é a produtora de tudo o que é necessário em nossa vida. Por que eles não deveriam controlar o que produzem? Eu sempre enfatizei em todos os livros que dizer não é relativamente fácil, mas temos de encontrar a dimensão positiva.

István Mészàros é o autor do recentemente publicado "The challenge and burden of Historical Time", "Os Desafios e o Fardo do Tempo Histórico", publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, 2007.

(*) Ambos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.

Artigo originalmente publicado na Socialist Review


Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O bom do Jazz...

http://www2.picfront.org/picture/Sn8giuiPwv/img/jamalblackhawk.jpg

Ahmad Jamal - at the Blackhawk

sábado, 7 de fevereiro de 2009

O caso Cesare Battisti...

Cesare Battisti e a conspiração da CIA




Altamiro Borges

A oposição de direita e sua mídia têm aproveitado o caso Cesare Battisti para atacar o presidente Lula, que num gesto soberano e legítimo deu asilo político ao escritor italiano. Todas as noites, o casal global do Jornal Nacional apimenta as críticas, bem diferente da postura adotada quando do exílio do ditador paraguaio Alfredo Strossner. Já os jornais Folha e Estadão publicaram editoriais insinuando que o ministro da Justiça, Tarso Genro, teria simpatias por "terroristas de esquerda". Até a revista Carta Capital, um veículo progressista, reforçou estranhamente o coro crítico.

Parlamentares tucanos e demos, estes egressos do partido da ditadura militar brasileira, fizeram questão de se solidarizar com o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, o barão da mídia, que numa reação midiática retirou seu embaixador de Brasília. Caraduras, afirmam que a Itália é um exemplo de democracia para justificar o envio do escritor à prisão perpétua neste país. Nada falam sobre a trajetória ultradireitista de Berlusconi, das suas alianças com partidos neofascistas ou da recente medida do seu governo que impede que ele seja julgado por crimes de corrupção.

"Um bode expiatório conveniente"

O caso Cesare Battisti é complexo, mas não justifica a gritaria da direita servil e da mídia venal. França e Japão já deram asilo político aos condenados pela justiça italiana e não houve o mesmo alarde. O bufão Berlusconi e o processo jurídico neste país não são levados muito a sério. Como apontou Maria Inês Nassif, num excelente artigo no jornal Valor, Battisti foi condenado à prisão perpétua sem qualquer direito de defesa. As testemunhas que o acusaram de quatro assassinatos gozam da delação premiada e há indícios de que uma foi torturada. Dois dos citados homicídios foram cometidos no mesmo dia 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distância um do outro.

"(Battisti) nunca esteve num tribunal para defender-se das acusações e, de volta à Itália, não será ouvido por nenhum juiz", afirma a colunista no artigo. "Um bode expiatório conveniente à Itália". Para ela, "diante de tantas contradições e de tantos fatos mal explicados, fica a dúvida de por que interessa tanto ao governo italiano coroar Cesare Battisti como o bode expiatório de um período negro na Itália, onde não apenas a luta armada enevoou o país, mas as instituições se ajustaram a uma guerra contra o terror usando métodos poucos afeitos à ordem democrática".

EUA subornam políticos e jornalistas

O livro recém-lançado "Legado de cinzas, uma história da CIA", do jornalista estadunidense Tim Weiner, vencedor do prêmio Pulitzer, confirma a tese de Maria Inês Nassif de que o período em que Battisti participou da luta armada, nos anos 70, foi um dos mais tumultuados e sombrios da história recente da Itália. O clima era de guerra. Com base em inúmeros documentos oficiais, o autor demonstra que o serviço de espionagem e terrorismo dos EUA teve participação ativa no processo político italiano, financiando partidos da direita e realizando ações de sabotagem.

"A CIA gastou vinte anos e pelos menos US$ 65 milhões comprando influência em Roma, Milão e Nápoles". McGeorge Bundy, diretor da agência, chamou o programa de ações secretas na Itália de ‘a vergonha anual’. Thomas Fina, cônsul-geral dos EUA em Milão durante o governo Nixon, confessou que a CIA subsidiou o partido democrata-cristão e deu milhões de dólares para bancar "a publicação de livros, o conteúdo de programas de rádio, subsidiando jornais e jornalistas". Ele se jacta que "tinha recursos financeiros, recursos políticos, amigos e habilidade para chantagear".

Nutro trecho, Tim Weiner revela que a ingerência ianque se intensificou a partir de 1970. "Com aprovação formal da Casa Branca, houve a distribuição de US$ 25 bilhões a democratas cristãos e neofascistas italianos. O dinheiro foi dividido na ‘sala dos fundos’ – o posto da CIA no interior da suntuosa embaixada americana". Giulio Andreotti "venceu a eleição com injeção de dinheiro da CIA. O financiamento secreto da extrema direita fomentou o fracassado golpe neofascista em 1970. O dinheiro ajudou a financiar as operações secretas da direita – incluindo bombardeios terroristas, que a inteligência italiana atribuiu à extrema esquerda". Como se nota, não houve inocentes neste período sombrio, nem a mídia corrompida pela CIA.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PC do B e autor do livro "Sindicalismo, resistência e alternativas" (Editora Anita Garibaldi).

Globo, a midia de esgoto

Lorde Acton e a Globo

Eduardo Guimarães

Guardadas as proporções evidentes, a Globo adotou, faz tempo, uma doutrina em seu telejornalismo que de alguma forma se assemelha à famosa Doutrina Bush, que previa guerras “preventivas”. Todavia, o que caracteriza hoje essa poderosa emissora, que se tornou o que se tornou por ter sido vitaminada pela ditadura militar, remonta a inspiração bem mais longinqua no tempo.

A emissora carioca engajou toda a sua programação no projeto político do PSDB e do PFL de retomarem o governo do país. Para isso, espalhou ataques ao governo Lula e ao PT e blindagem a políticos e partidos aliados por toda sua programação, desde os telejornais até programas humorísticos nos quais ridiculariza a imagem do presidente da República e o apresenta como corrupto.

Alguns dirão que isso não é de agora, mas começo a perceber um certo desespero no comportamento global.

Na semana que chega ao fim, o telejornalismo da Globo entrou num caminho sem volta ao literalmente censurar notícias contrárias aos seus interesses políticos.

No vídeo que vocês vêem acima, edição do Jornal Nacional de seis de fevereiro, pode-se ver reportagem sobre aquele deputado do PFL que tem um castelo medieval não declarado ao imposto de renda e que ocupava a Corregedoria da Câmara. A reportagem simplesmente omitiu a que partido o sujeito pertence.

Na terça-feira, 3 de fevereiro, dia da divulgação da pesquisa CNT-Sensus que revelou disparada na avaliação de Lula, a Globo foi a única emissora do país que não divulgou a notícia.

Agora, diante do escândalo da merenda escolar no governo Kassab, onde sucedem-se denúncias de fornecimento de comida estragada às crianças e ainda em quantidade inferior para cada aluno à que determina a lei, a emissora simplesmente não divulgou nada.

Enquanto isso, Record e Gazeta fizeram extensas reportagens sobre o assunto.

Não assisti os telejornais do SBT, da TV Cultura ou da Band. Quem souber se noticiaram o escândalo da merenda, agradeço se postar a informação aqui nos comentários do blog.

Há também a já famosa propaganda do SBT elogiando Lula e pedindo às pessoas para que não se deixem engolir pela crise.

O fato é que já se pode ver a Globo caminhando para um desejável isolamento ao se manter como linha auxiliar do projeto Serra 2010. A impressão que se tem é a de que a Globo acredita que o que ela não divulgar, não existe. E isso num momento em que já se sabe que ela perdeu 6% de sua audiência para a Record no ano passado.

O que está acontecendo com a Globo? Será possível que não enxerga que mesmo o público mais ingênuo acabará vendo em qualquer outra tevê - ou mesmo em jornais - o que ela censurou?

Quantos terão visto a notícia sobre a popularidade de Lula e à noite, chegando em casa, ao não verem a notícia na Globo acabaram dando razão a quem diz que ela tenta prejudicar o presidente?

Não é à toa que a popularidade de Lula está subindo tanto. Quem, normal dos miolos, pode aceitar uma emissora de tevê que acha que pode escolher o que as pessoas devem ou não saber?

No século XIX, o pensador inglês Lorde Acton disse que o poder corrompe. No decorrer da história, pudemos comprovar esse fato. A tendência dos muito poderosos de abusarem do poder que têm acabou virando consenso.

Mais de cem anos depois num país do hemisfério Sul, vai ficando claro que, além de corromper, o poder parece que também enlouquece.



Escrito por Eduardo Guimarães

Homenagem singela a Adão Pretto


Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis!

Bertold Brecht

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Roy Hargrove - Diamond in the Rough (1989)

Créditos: Rogério

Talentoso trompetista, Roy Hargrove ainda muito jovem, foi descoberto e apadrinhado por Wynton Marsalis, sendo logo integrado ao grupo dos "Young Lions", nome que designava os instrumentistas de jazz que, no início dos anos 80, valorizavam as regras mais tradicionais do gênero, abandonando a fusão com instrumentos elétricos e a influência do rock. Apesar disso, Hargrove foi ousado e se abriu a inovações, basta ouvir o seu projeto paralelo "The RH Factor", que mistura jazz com o funk e o rap. Em 2008 ele se reencontrou com as suas origens em "Earfood", excelente álbum dedicado exclusivamente ao jazz. Diamond in the Rough, foi seu primeiro trabalho como lider, lançado em 1989, o álbum causou furor e foi seu cartão de visitas para o mundo do jazz. Não deixem de conferir!

Le Monde diplomatique Brasil

Josetxo Ezcurra - Rebelion

Sobre Gaza, sobre Israel, sobre nós


O direito dos Estados está acima do direito dos povos. Entre Israel e Palestina, um lobby israelense em Washington. Está feita a declaração: aos que querem a terra, ela lhe será dada, uma cova rasa, mais exatamente. Mas não se iludam: Somos todos Palestinos!

Sílvia Ferabolli, Cláudio César Dutra de Souza




Aqui na Europa, manifestações eclodiram por toda parte. Em Paris, uma marcha contra o holocausto palestino reuniu quase 100 mil pessoas. Em Londres, prédios universitários foram ocupados e milhares de estudantes reuniram-se em frente à embaixada israelense exigindo o fim do massacre contra o povo palestino. Outras capitais européias também assistiram várias formas de mobilização popular contra o avanço de Israel sobre o mais famoso bantustão do mundo – a Faixa de Gaza, o campo de extermínio daqueles que vivem a luta e morrem pela causa palestina.

Infelizmente, os milhões de cidadãos que expressaram sua repulsa contra a política israelense em manifestações que varreram o globo, não encontraram eco em suas ações por parte de seus chefes de Estado. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi o único líder de uma nação que ousou ouvir o clamor popular e expulsou o embaixador israelense de seu país. Tivessem outras lideranças seguido o exemplo de Chávez na América Latina, África, Ásia, Europa e América do Norte, o isolamento diplomático israelense seria tamanho que não haveria alternativa a Tel-Aviv a não ser o recuo. Contudo, esse não foi o caso. Para além dos clássicos e inócuos chamados de paz, nenhum presidente, primeiro-ministro, rei, chanceler ou sultão ousou desafiar Israel com aquela que é uma das mais radicais armas que a diplomacia internacional possui: a ruptura das relações diplomáticas e o erigir de pesadas sanções políticas e econômicas.

Para entender a apatia da diplomacia internacional frente às ações de política externa israelense é necessário compreender como funciona a ordem internacional e como ela é promotora e perpetuadora de relações de dominação entre Estados opressores e povos oprimidos.

Vivemos dentro de uma lógica política internacional onde o direito dos Estados está acima do direito dos povos. Israel, como um Estado, teria o direito de se defender contra aquilo que ele considera ser uma ameaça a sua sobrevivência estatal, nesse caso, as ações do Hamas. Os palestinos, por seu turno, não possuem um Estado e, portanto, nenhum direito dentro de uma lógica estatal internacional perversa que nega aos povos do mundo qualquer direito para além daquele que seu próprio Estado lhe provém. Fora do Estado, a vida não é possível, já sentenciava Thomas Hobbes, o pai do pensamento realista, e dominante, das Relações Internacionais.

O grande problema que emerge dessa constatação é que embora os Estados interajam em um sistema anárquico, onde não existe uma autoridade central e cada Estado é soberano e, portanto, dono do direito de agir como melhor lhe convir, existe, sim, aquilo que se chama de ordem internacional, cuja responsabilidade pela sua manutenção é das grandes potências. Na atual configuração sistêmica que, embora apresente alguns contornos multipolares no campo econômico, em termos de liderança política e estratégica, é claramente unipolar. Só há um país capaz de fazer Israel parar – os Estados Unidos da América. E por que não o fazem? John Mearsheimer e Stephen Walt, já em 2006, ofereciam uma resposta: o lobby israelense em Washington.

Numa tentativa de compreender o porquê dos Estados Unidos comprometerem seus imperativos de interesse nacional no Oriente Médio pelo massivo apoio a Israel, mesmo quando esse deixa de ser um patrimônio estratégico com o fim da Guerra Fria, Mearsheimer e Walt acabam por revelar uma história de bastidores movida a bilhões de dólares de grupos lobistas israelenses e sustentada por uma poderosa indústria do holocausto. Para aqueles que insistem em ver Israel como um pequeno David que luta para se defender do monstruoso Golias representado pelos árabes-palestinos, selecionamos alguns pontos da obra The Israel Lobby in Washington, que podem lançar luz sobre o atual debate em torno da política expansionista israelense e a condescendência norte-americana para com seu aliado incondicional no Oriente Médio.
“Depois da formação de um grande exército, na esteira do estabelecimento de nosso Estado, nós aboliremos a partilha e expandiremos nosso Estado para toda a Palestina”

No que concerne à suposta fraqueza israelense, Mearsheimer e Walt argumentam que ela é inverídica, na medida em que Israel derrotou os árabes nas Guerras de 1948-49 e 1967, sem a ajuda de forças externas. Foi após essa última vitória que Israel começou a ser considerado um patrimônio estratégico para os Estados Unidos. Conseqüentemente, começou a receber ajuda financeira norte-americana - Israel é o maior receptor de ajuda externa estadunidense no mundo, imediatamente seguido pelo Egito, cuja ajuda está condicionada à manutenção de relações diplomáticas com Israel, enquanto a ajuda aos israelenses não prevê nenhum condicionante.

Quanto ao fator democracia, tal argumento se enfraquece por aspectos da democracia israelense que são estranhos aos valores fundamentais ocidentais: Israel foi explicitamente fundado como um Estado judaico e a cidadania é baseada no princípio da consangüinidade. Dado esse conceito de cidadania, não se estranha que os 1,3 milhões de árabes-israelenses sejam tratados como cidadãos de segunda classe.

Quanto ao Holocausto, os autores argumentam que não há dúvida de que os judeus sofreram historicamente devido ao anti-semitismo e que a criação do Estado de Israel foi, sim, uma resposta apropriada a um longo histórico de crimes contra o povo judaico. Porém, a criação de Israel envolveu crimes adicionais contra um povo absolutamente inocente: os palestinos.

Especificamente no que concerne à disposição de Israel de aceitar a criação de um Estado palestino, dentro da lógica “segurança para Israel e justiça para os palestinos”, como se fosse possível conciliar os imperativos de segurança israelense com o direito à existência do povo palestino, Mearsheimer e Walt nos informam que nunca houve, na proposta sionista, a intenção de dividir o território da Palestina em dois Estados. Como Ben-Gurion sentenciou no final dos anos 1930: “Depois da formação de um grande exército, na esteira do estabelecimento de nosso Estado, nós aboliremos a partilha e expandiremos nosso Estado para toda a Palestina”. Ou seja, desde o princípio, aceitar a idéia de dois Estados foi apenas uma manobra tática israelense, não um objetivo real. Ainda, para alcançar o objetivo de fundação de seu Estado, os sionistas teriam de expulsar um grande número de árabes do território que viria a se tornar Israel. Ben-Gurion viu esse problema claramente já em 1941: “É impossível imaginar a evacuação geral da população árabe senão pela força – e força brutal!” Essa oportunidade veio com a Guerra de Independência (1948-49), quando as forças israelenses forçaram o exílio de mais de 700 mil palestinos. Ou seja, se o povo que formou originalmente o Estado israelense sofreu, também fez, e faz, outro povo sofrer tanto ou mais.
“Os judeus estão loucos”!

Por fim, a tese dos “israelenses virtuosos” versus os “árabes malditos”. De acordo com Mearsheimer e Walt, acadêmicos israelenses de esquerda têm mostrado que os sionistas foram qualquer coisa, menos benevolentes com os árabes-palestinos. A resposta sionista à resistência palestina à criação do Estado de Israel envolveu atos explícitos de limpeza étnica, incluindo execuções, massacres e estupros. A média de mortes nesses mais de 60 anos de conflito é de 3.4 palestinos mortos para cada israelense – a proporção de mortes de crianças é de 5.7 crianças palestinas mortas para cada uma israelense. Tanto é que Ehud Barak uma vez admitiu que se ele tivesse nascido palestino, certamente teria se juntado a uma organização terrorista. Talvez, dissesse melhor, e com mais clareza, uma organização de resistência á uma ocupação externa.

A reflexão de Nidal Basal, um menino palestino de 12 anos, feita durante o período mais intenso das ações militares israelenses na Faixa de Gaza, reflete a perplexidade de milhões de cidadãos pelo mundo. Em resposta a Nidal, esclarecemos que Israel não enlouqueceu, malgrados os bombardeios contra escolas da ONU e a proibição de evacuação civil da região. Dificilmente poderíamos crer que ações militares planejadas e postas em prática em um período do ano em que o presidente da União Européia, Nicolas Sarkozy, em final de mandato, tira férias no Brasil e que o governo dos Estados Unidos vive uma transição de poder, sejam atos impensados de loucura e selvageria despropositada. Nesse caso, haveria atenuantes, como na justiça criminal, ao julgar um cidadão que tenha agido sob “forte emoção” ou que estivesse em algum estado alterado de consciência. Ao contrário, se há premeditação, motivos torpes ou incapacidade de defesa da vítima tudo isso constitui-se em agravantes que poderiam gerar penas mais severas em um julgamento criminal.

Contudo, poderíamos pensar que, ao invés de indivíduos mentalmente perturbados, estivéssemos à mercê de burocratas frios, cuja presença do “outro” fosse apenas um detalhe incômodo entre um objetivo matematicamente traçado e a sua efetiva concretização. Compreendemos com Hannah Arendt a banalidade do mal e nos chocamos profundamente ao pensarmos no quanto os mais perigosos assassinos podem ser pessoas tão afáveis e cultas, que apreciam a arte e amam as crianças e os animais. Eichmann em seu julgamento em Jerusalém nada mais fez do que mostrar-se um burocrata obediente às ordens de seu chefe, mesmo que elas fossem o extermínio de um povo. Assassinos podem ser pessoas muito agradáveis e cordatas. Podem ser eu ou você em uma situação específica tal como a situação de guerra quando o inimigo é todo aquele que não utiliza o nosso uniforme e nem compactua de nossa ideologia.
Itzhak Shamir chamava os palestinos de “gafanhotos”. O general Raphael Eitn, de “baratas”. O Ministro da Defesa, Ben-Eliezer, os definiu como “piolhos” ...

Como pode um Estado considerado uma democracia tão avançada e com expoentes intelectuais de alto calibre perpetrar atos como esses que assistimos na Faixa de Gaza, onde a matança indiscriminada de civis inocentes de forma cruel e arbitrária coloca Israel par a par com as piores das históricas ditaduras do Terceiro Mundo? Em Gaza, uma população encontra-se à mercê de um Estado anômico e sociopático que age premeditada e milimetricamente no intuito de exterminar o maior número de seres humanos contrários aos seus planos expansionistas e imperiais. Todavia, o discurso manifesto é o de eliminar a ameaça terrorista do Hamas (democraticamente eleito e, portanto, apoiado por grande parte dos palestinos). Contudo, é de se perguntar como reconhecer os membros do Hamas no meio da massa indistinta no território de Gaza. Eles usam uniformes, estão reunidos em uma sede oficial a decidir os rumos de sua atuação presente e futura? É evidente que não. Em Gaza, cada cidadão é potencialmente um apoiador, um simpatizante ou possui algum conhecido dentro do Hamas, logo, cada ser humano é um alvo em potencial.

Falamos em seres humanos, mas aqui cabe uma correção, pois os palestinos não parecem estar classificados nessa condição, segundo o ponto de vista de diversos líderes israelenses. Itzhak Shamir os chamava de “gafanhotos”. O general Raphael Eitn os chamou de “baratas”. O Ministro da Defesa, Ben-Eliezer, os definiu como “piolhos” e para o ex-primeiro-ministro Menahem Begin, os palestinos eram “bestas caminhando sobre dois pés”. Por fim, a primeira-ministra Golda Meir chamava-os de “animais de duas patas”. Para Ehud Olmert eles seriam o que nesse exato momento? Certamente, qualquer coisa, menos humanos.

Alguém acredita que o Estado de Israel corre um sério perigo que ameaça efetivamente a sua existência? O Hamas tem um poder definitivamente devastador e que pode causar sérios danos à infra-estrutura e aos cidadões israelenses, motivo mais do que suficiente para um ataque desse porte? As armas que o Hamas possui são modernas e letais e isso constitui-se em um motivo plenamente justificável para que os corpos de palestinos inocentes apodreçam a céu aberto? A resposta a todas essas perguntas é evidentemente negativa e só Israel e os Estados Unidos têm o cinismo de sustentá-las seriamente.

Convencionando que a paz (para si) é um dos objetivos de Israel, aliado com a sua lendária necessidade de segurança, convém lembrar que a paz e a prosperidade caminham de mãos dadas. Após esses trágicos bombardeios, justificáveis tão somente dentro da ótica distorcida do agressor, o proto-Estado palestino vai demorar vários anos para conseguir retornar ao grau de miserabilidade anterior a dezembro de 2008. Sem contar o luto das famílias que perderam seus entes queridos, suas casas, sua história e sua dignidade. Os cemitérios são, sem dúvida, locais em que existe uma grande paz, afinal, os mortos não têm necessidades, queixas ou reivindicações de qualquer ordem. Aos que querem a terra, ela lhe será dada, uma cova rasa, mais exatamente. Como a paz poderá ser feita nessas condições é algo que nos perguntamos e que os líderes israelenses nunca respondem de forma conveniente. O que sabemos, com certeza, é que o governo norte-americano é tão responsável pela atual política genocida israelense contra os palestinos quanto os são as lideranças sionistas dentro e fora de Israel. Os Estados Unidos podem, mas optam por não parar Israel, temendo a reação de um lobby que, pelo poder financeiro de seus membros e a ideologia da indústria do holocausto, ameaça não só tornar Israel o ator central de um teatro de horrores que envergonha a humanidade como também acabar, definitivamente, com a legitimidade da já cambaleante Organização das Nações Unidas.

Não tenhamos ilusões quanto à capacidade de influência dos milhões de cidadãos espalhados pelo mundo que saíram às ruas para protestar contra o flagelo impetrado aos palestinos em nome da pax israelense, que encontra na pax americana a sua parceira ideal no perpetrar de crimes de guerra. Enquanto a lógica que dominar o mundo for aquela do direito dos Estados e não a do direito dos povos, nossa voz não será ouvida e o futuro da humanidade – o nosso futuro – será decidido à nossa revelia. Não nos iludamos: SOMOS TODOS PALESTINOS!