terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Viva Evo



Evo não traiu as expectativas de mudança que nele foram depositadas, nunca foi uma metamorfose ambulante

A construção da unidade continental é um sonho que esteve presente na vida e na obra dos melhores intelectuais, lutadores e estadistas da América do Sul, mas nunca se realizou. Muitas causas contribuíram para essa frustração.

Durante a maior parte da nossa história, fomos economias primário-exportadoras, cujos centros dinâmicos ligavam-se diretamente com o exterior e eram comandados de lá. A infraestrutura unia regiões exportadoras aos portos, e estes, diretamente, à Europa ou aos EUA, de onde importávamos produtos industriais. As elites locais articulavam-se muito mais fortemente com os centros estrangeiros do que com suas próprias sociedades. Além disso, permaneceu existindo um vazio econômico e demográfico no coração do continente, na região amazônica e em sua extensa periferia, onde predominavam atividades extrativistas dispersas. As distâncias interiores eram quase intransponíveis.

Esses obstáculos deixaram de existir. Dos esforços desenvolvimentistas do século 20 herdamos economias mais industrializadas, capacidade técnica mais desenvolvida e mercados internos mais fortes, além de uma incipiente rede de infraestrutura voltada para efetuar ligações internas. E o papel da Amazônia mudou. No século 21, ela terá de constituir a base geográfica de um novo projeto comum de cooperação e desenvolvimento, capaz de garantir o nosso controle sobre recursos estratégicos -como água doce, biodiversidade, fontes de energia e minerais-, além do domínio pleno das biotecnologias.

Isso não é suficiente para que o projeto continental prospere. Falta uma ideia clara da nossa identidade coletiva. A história produziu diferenciações importantes. No Brasil, na Venezuela, na Colômbia, no Chile e na Argentina, predominaram povos novos, formados já no mundo moderno pela mistura de grupos humanos originários da própria América, da Europa, da África e até da Ásia, usados como força de trabalho pelo capitalismo europeu. No Peru, no Paraguai e no Equador, predominaram povos herdeiros das civilizações pré-colombianas; mesmo espoliados pela invasão europeia, preservaram línguas, costumes, formas de organização social, crenças e valores.

A Bolívia ocupa um lugar especial. Não é apenas o centro geográfico do continente. É também o principal lugar de encontro desses dois grandes contingentes humanos. Por isso, sempre esteve sob ameaça de desagregação. Até recentemente cresciam as tensões separatistas. A nova Constituição, recém-aprovada, concluiu com êxito uma fase fundamental do rico debate sobre a refundação do país. Mais de 90% dos bolivianos foram às urnas, e mais de 60% votaram sim. As posições da maioria prevaleceram, mas nem por isso as minorias foram esmagadas: suas reivindicações foram levadas em conta, o que reforça a legitimidade do novo arranjo político e institucional.

Durante todo o tempo, mesmo agindo sob forte pressão, o presidente Evo Morales destacou-se como grande estadista, firme nos princípios, mas pacificador e aberto ao diálogo. Seu governo deixará um legado histórico, com o reconhecimento pleno dos direitos das populações originais. Os recursos naturais serão nacionalizados e, daqui para a frente, nenhuma propriedade rural poderá ser registrada com mais de 5.000 hectares.

Evo não traiu as expectativas de mudança que nele foram depositadas. Nunca foi uma metamorfose ambulante. A Bolívia reformada, democrática e unitária mostra que a unidade dos povos sul-americanos é uma proposta possível e necessária. Um continente que pode ser facilmente superavitário na produção de alimentos e de energia não pode aceitar a pobreza de suas populações e a condição periférica no mundo.

Artigo de Cesar Benjamin, publicado na Folha, em 07/02/2009, sábado passado, dia em que foi promulgada a nova Constituição popular da Bolívia.

Fotos: população boliviana comemora a promulgação da nova Constituição do país, sábado passado.

Clique nas imagens para ampliá-las.

Genocidio em Gaza...

A visão sagrada de Israel

Quando o sagrado torna-se profano. Onde a guerra é travada pela paz. Os judeus consideram-se um só povo e uma só religião que nasce da revelação divina direta. O povo escolhido macula as próprias leis bíblicas numa disputa desigual pela conquista da Terra Santa

José Luís Fiori-Le Monde-BR



"Se o Hamas quer acabar com Israel, Israel tem que acabar com o Hamas antes". Efraim, 23 anos, estudante de uma escola religiosa de Jerusalém, FSP 24/01/2009

Durante vinte um dias de bombardeio contínuo, Israel lançou 2.500 bombas sobre a Faixa de Gaza – um território de 380 km2 e 1.500 milhão de habitantes. Deixou 1.300 palestinos mortos e 5.500 feridos e 15 israelenses mortos.

A infra-estrutura do território foi destruída completamente, junto com milhares de casas e centenas de construções civis. E é provável que Israel tenha utilizado bombas de "fósforo branco" - proibidas pela legislação internacional - com conseqüências imprevisíveis , no longo prazo, sobre a população civil, em particular a população infantil. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, declarou estar "horrorizado", depois de visitar o território bombardeado e considerou "escandalosos e inaceitáveis" os ataques israelitas contra escolas e refúgios mantidos em Gaza, pelas Nações Unidas. Richard Falk, relator especial da ONU sobre a situação dos Direitos Humanos em Gaza, também declarou que, "depois de 18 meses de bloqueio ilegal de alimentos, remédios e combustível, Israel cometeu crimes de guerra e contra a humanidade na sua última ofensiva contra os territórios palestinos. Crimes ainda mais graves, porque 70% da população de Gaza tem menos de 18 anos".

Dentro de Israel, entretanto - com raras exceções - a população apoiou a operação militar do governo. Mais do que isso, as pesquisas de opinião constataram que o apoio da população foi aumentando na medida em que avançavam os bombardeios - chegando a índices de 90%. E no final, na hora do cessar-fogo, metade era favorável à continuação da ofensiva, até a reocupação de Gaza e a destruição do Hamas. (FSP, 24/01/09).

Seja como for, duas coisas chamam a atenção – de forma especial - nesta última guerra: a inclemência de Israel e sua indiferença com relação às leis e às críticas da comunidade internacional. Duas posições tradicionais da política externa israelita, que têm se radicalizado cada vez mais e são quase sempre explicadas pela "escalada aos extremos" do próprio conflito. Mas existe um aspecto desta história que quase não se menciona, ou então é colocado num segundo plano, como se as "visões sagradas" do mundo e da história fossem uma característica exclusiva dos países islâmicos.

Para os judeus, Israel é a continuação direta da história deste "povo escolhido", e por isso, a sua verdadeira legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos

Desde sua criação, em 1948, Israel mantém-se sem uma constituição escrita, mas possui um sistema político com partidos competitivos e eleições periódicas, tem um sistema de governo parlamentarista segundo o modelo britânico, e conserva um poder judiciário autônomo. Mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, Israel é um estado religioso, e grande parte de sua população e governantes tem uma visão teológica do seu passado e do seu lugar dentro da história da humanidade.

Israel não tem uma religião oficial, mas é o único estado judeu do mundo. Os judeus consideram-se um só povo e uma só religião que nasce da revelação divina direta, e não depende de uma decisão, ou de uma conversão individual. "Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis uma propriedade peculiar entre todos os povos. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" [1].

Além disto, o judaísmo estabelece normas e regras específicas e inquestionáveis que definem a vida cotidiana e comunitária do seu povo, que deve se manter fiel e seguir de forma incondicional as palavras do seu Deus, mantendo-se puros, isolados e distantes com relação aos demais povos e religiões. "Não seguireis os estatutos das nações que eu expulso de diante de vós. Eu Javé, vosso Deus, vos separei desses povos. Fareis distinção entre o animal puro e o impuro. Não vos torneis vós mesmos imundos como animais, aves e tudo o que rasteja sobre a terra" [2].

Para os judeus, Israel é a continuação direta da história deste "povo escolhido", e por isso, a sua verdadeira legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos. O Torá conta a história do povo judeu e é a lei divina, dessa forma não pode haver lei ou norma humana que seja superior ao que está dito e determinado nos textos bíblicos, onde também estão definidos os princípios que devem reger as relações de Israel com seus vizinhos e/ou com seus adversários. Em Israel não existe casamento civil, só a cerimônia rabínica, e os soldados israelenses prestam juramento com a Bíblia sobre o peito e com a arma na mão. "Javé ferirá todos os povos que combateram contra Jerusalém: ele fará apodrecer sua carne, enquanto estão ainda de pé, os seus olhos apodrecerão em suas órbitas, e a sua língua apodrecerá em sua boca" [3].

Os anglo-americanos operam como a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada" de Israel

As idéias religiosas dos povos não são responsáveis nem explicam necessariamente as instituições de um país e as decisões dos seus governantes. Mas neste caso, pelo menos, parece existir um fosso quase intransponível entre os princípios, instituições e objetivos da filosofia política democrática das cidades gregas e os preceitos da filosofia religiosa monoteísta que nasceu nos desertos da Ásia Menor.

Mas o que talvez seja mais importante do ponto de vista imediato do conflito entre judeus e palestinos, e do próprio sistema mundial, é que Israel - ao contrário dos palestinos – junto com sua visão sagrada de si mesmo, dispõe de armas atômicas e de acesso quase ilimitado a recursos financeiros e militares externos. Com essas idéias e condições econômicas e militares, Israel seria considerado – normalmente - um estado perigoso e desestabilizador do sistema internacional, pela régua liberal-democrática dos países anglo-saxônicos.

Mas isto não acontece porque no mundo dos mortais, de fato, Israel foi uma criação e segue sendo um protetorado anglo-saxônico, que opera desde 1948, como instrumento ativo de defesa dos interesses estratégicos anglo-americanos no Oriente Médio. Os anglo-americanos operam como a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada" de Israel.



[1] Êxodo, 19, 5-6

[2] Levítico, 20, 23-25

[3] Zacarias, 14, 12-15

Encontro em Luanda...


"As boas-vindas e as conversações oficiais entre o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, general-de-exército Raul Castro Ruz, e o de Angola, José Eduardo dos Santos, assim como as demais atividades desta intensa e frutífera jornada, ultrapassaram os limites do protocolo e constituíram um fraterno, sincero e frutífero intercâmbio, conforme a irmandade existente entre ambos os povos." O texto completo encontra-se no sitio Patria latina

FSM-2009

FSM-2009 - O velho e o novo




Luiz Alberto Gomes de Souza *Adital


Sempre que acontece um Fórum Social Mundial volta a mesma questão, frequentemente com impaciência. Não bastaria estar contra, seria preciso indicar ações propositivas. Outros irão mais longe: há que desenhar um projeto alternativo. Projeto é alguma coisa lançada, projetada para a frente. Mas como essas intenções seriam construídas? Há muito candidato a "intelectual orgânico" querendo rabiscar, a partir de suas idéias, um desejo pessoal onipotente. Ou então um coletivo de companheiros. Pode haver alguma coisa de vanguardismo escondido aí. São grupos que pensam que sabem, ou que confundem o que pensam com uma nova verdade.

Claro, é bom que apareçam propostas, mas deveriam ser contribuições oferecidas com certa humildade e com ar tentativo. E, na medida do possível, teriam de estar enraizadas em práticas concretas emergentes. Do contrário soam como agendas voluntaristas de bons propósitos. Não há que rejeitar por princípio a apresentação de consensos propostos. Temeria se fossem consensos impostos. Depois do fim dos socialismos reais e frente à vagueza de um "socialismo do século XXI", pressente-se a presença de velhos paradigmas escondidos em embrulhos novos.

Isso não impede que aflorem novas sensibilidades e exigências, numa "consciência histórica" que vai abrindo caminhos. O futuro é escrito a muitas mãos, muitas ações e muitas mentes. Várias delas contraditórias se tomadas isoladamente, mas talvez complementares, como um tecido cerzido com mil iniciativas e fios diferentes, sem um desenho prévio comum.

Hoje já temos um fato bem claro. A tapeçaria antiga do sistema capitalista, que chegou a pretender-se como o modelo único, rasgou-se de alto a baixo, vítima de suas ambições e de suas ilusões. "O rei está nu", não é preciso ser crianças sem preconceitos para ver. Davos 2009 foi um bom exemplo. Muitos deixaram de ir, se calaram e outros destilaram ali suas angústias. O templo dos grandes interesses privados apelou para o poder público. Mas atenção, na se tratou de socialização ou de estatização sem mais. Não é para que ele se substitua aos primeiros, mas para que os salve. É um chamado para a socialização dos prejuízos e para retomar mais adiante a privatização dos ganhos. O Estado, nas mãos de um poder dirigente, entraria para salvar o poder dominante em perigo. Uma primeira conclusão: não se trata de reformar o capitalismo, mas de aboli-lo. Isso jamais sairá de Davos. E no FSM é um horizonte que se vai precisando aos poucos.

Há tendências que se vão solidificando e outras que se manifestam estreitas. A partir do fim do século XIX, havia uma proposta ancorada num sujeito central: a classe operária ou, para usar terminologia politicamente correta na ocasião, o proletariado. No século seguinte André Gorz escreveu: "Adeus ao proletariado". Não que tenha de ser afastado, mas junto a ele foram surgindo muitos outros atores, todo o tipo de excluídos, de trabalhos autônomos, de etnia, gênero e faixa etária. A polifonia às vezes assustou a quem estava acostumado a uma harmonia de acordes tradicionais e previsíveis. Como a música dodecafônica sucedendo à eloquência um pouco rebuscada de Mahler.

Mas já podemos ir descobrindo processos mais profundos. Falava-se de um mundo globalizado, mas era para trazer um capitalismo predatório de dimensões sem limites, com um capital financeiro andorinha voando em todas as direções. Há um termo mais apropriado que é o de mundialização, ou melhor ainda, de planetarização. Theodor Roszak, lá na contracultura dos anos 80, falava dos direitos do planeta, dois séculos depois de surgirem os direitos humanos: Person, planet: the creative disintegration of industrial society. Talvez devêssemos dizer diretamente da sociedade capitalista, da qual a industrial é apenas uma de suas fases. Daí a importância do Fórum Social Mundial de Belém, em plena selva amazônica, onde o planeta mostra sua fecundidade e suas feridas e a multiplicidade de rios e igarapés, na riquíssima biodiversidade, estão ameaçados pelo predatório do sistema. Das propostas do Fórum, espalhadas em grupos de trabalho, passeatas e debates, vem o grito de alerta de um planeta violentado.

O próximo Fórum possivelmente será na África. Ali os problemas são ainda mais graves e processos de desertificação irreversíveis. A fome e as violências campeiam em Darfour ou, pero dali, em Gaza, do outro lado da fronteira com a Ásia. Já faz muitos anos, no começo da descolonização, um observador arguto, Réné Dumond, escreveu: "L’Afrique noire est mal partie". Os colonizadores foram substituídos por uma elite local sem escrúpulos (não dá para falar de uma burguesia autóctone).

Temos uma crise global que pode, de certa maneira, ser benéfica. Tempos de experimentações num plural aberto. Daí poderão aparecer pistas de análise que não brotam voluntaristas, mas vão sendo a sedimentação de intuições experimentadas e resultados parciais que estarão dando certo. Os sôfregos ficam nervosos. O sistema espera, do outro lado, apenas mudanças superficiais.

Se não há soluções prontas, pouco a pouco, e isso foi emergindo de Belém, há "certezas difíceis" que enquadram o que brota. Mesmo se ele se dá, e não poderia deixar de fazê-lo, dentro dos marcos de um capitalismo vigente, deve trazer nele a semente na negação, os prenúncios de uma ruptura. No passado muitos debates se davam entre reformas dentro do sistema e revolução político-econômica para além dele. Falei atrás de negação do sistema capitalista. Mas a "consciência histórica" referida antes, que não deixa de ser também "consciência possível", está dando um passo adiante ao nível da intencionalidade. Talvez devamos incluir o processo numa perspectiva mais radical; tudo leva a indicar mutações sociais e planetárias muito profundas, agora como vetor de direção, mas pouco a pouco como iluminação nova. O que não se reduz a superar o capitalismo.

Entre 1830 e 1848 a velha Europa se esvaía em lutas sociais. "Um fantasma ronda a Europa", escreveu Marx. Só que ele se enganou de lugar, vítima de seu eurocentrismo. O fantasma desceria do outro lado do Atlântico norte, ainda que não para transformar, mas para fortalecer o sistema. O Atlântico sul aparecia pouco. Não poderá estar aqui um campo fecundo de experimentação num horizonte adiante, bem mais ambicioso? "A história é nossa, a fazem os povos", disse Allende pouco antes de morrer. E também no momento da derrota, ao final da guerra civil espanhola, num de seus últimos escritos, disse Antonio Machado: "A história não caminha ao ritmo de nossas impaciências". Olhando o panorama desacorçoado de Davos e a caminhada do FSM de 2001 a 2009, de Porto Alegre, no sul, a Belém, nos trópicos, poderemos possivelmente levantar esperanças em horizontes ambiciosos de negação do sistema, e de mutações para além dele e de seus limites político-econômicos, sem a necessidade de atropelar uma história que já vai sendo misteriosamente construída. E onde o Brasil, coberto pelo FSM do sul ao norte, poderá ter um papel protagônico.


* Sociólogo, Diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência de Religião da Universidade Candido Mendes

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Genocidio em Gaza...

As raízes do conflito

www.orientemediovivo.com


Comunicar com o povo israelense pode deixar qualquer um
desorientado. Mesmo hoje, enquanto o mundo ainda tenta entender
o mais recente massacre em Gaza, a maioria dos israelenses é
capaz de se convencer de que eles são as verdadeiras vítimas
dessa violenta história. Não é surpreendente para aqueles
familiares com o povo de Israel o fato de que eles, apesar de
estarem no coração das crises do Oriente Médio, são
completamente desinformados sobre as raízes do conflito que
domina as próprias vidas. É por isso, acima de tudo, que a paz está
longe de ser real.
São comuns nas ruas de Israel argumentos que fazem muito
sentido para a ideologia sionista vigente, mas que para qualquer um
fora das ruas judaicas não passa de pura fantasia – em alguns
casos, até grotesco. Um argumento comum é: “Esses palestinos,
por que eles insistem em morar em nossas terras? Por que não
conseguem ficar no Egito, Síria, Líbano ou outro país árabe?” Esse
contexto é comum, utilizado até mesmo em jornais israelenses, com
algumas variações. Além disso, boa parte do povo israelense não
consegue entender quem são os palestinos, de onde eles vêm e o
que eles significam. Eles não conseguem compreender que, para os
palestinos, a Palestina é o lar. Ironicamente, a maioria do povo
israelense é ignorante de que o Estado de Israel foi erguido à custa
do povo palestino: em terras palestinas, em aldeias palestinas,
cidades, campos e jardins.
Os israelenses não conseguem reconhecer que os palestinos em
Gaza e nos campos de refugiados que cercam toda a região são
pessoas que foram expulsas de seus lares e tiveram suas terras
ocupadas ilegalmente por um poder invasor. Os palestinos são
pessoas nativas de Ber Shive, Yafo, Tel Kabir, Shekh Munis, Lod,
Haifa e Jerusalém, entre muitas cidades e vilas, hoje ocupadas por
Israel. Se alguém se pergunta como os israelenses não sabem
disso, a questão é muito simples: nunca lhes contaram assim a
história. As circunstâncias que levaram ao conflito na Palestina são
bem escondidas em meio à cultura deles. Traços da civilização
palestina antes de 1948 foram destruídos pela entidade sionista
com o passar do tempo – o pouco que restou permanece sob
ameaças. Nem mesmo a Nakba, a limpeza étnica dos palestinos
que levou à formação do Estado de Israel, faz parte do currículo
escolar israelense – e nem sequer é citado ou discutido em
qualquer fórum acadêmico em Israel. O assunto é um tabu que
deve permanecer escondido.
Na narrativa oficial israelense, não existe qualquer menção sobre os
diversos massacres orquestrados pelo exército e pelos diversos
grupos terroristas que agem sob o comando do governo. Também
não existe qualquer sinal sobre as leis raciais que impedem os
palestinos de retornarem para as terras e lares que os pertenciam.
O resultado disso é claro: a maioria dos israelenses é
completamente ignorante com relação à causa palestina. Sendo
assim, eles só conseguem enxergar o lado palestino da história
como uma loucura irracional e violenta. Dentro do universo que vive
Israel, o israelense é uma vítima inocente, e os palestinos não são
mais do que selvagens assassinos. Essa grave situação, que
mantém o povo de Israel às escuras da realidade, impede qualquer
possibilidade de uma futura reconciliação. Como eles não têm um
mínimo de conhecimento sobre a questão que lhes envolve, eles
naturalmente não são capazes de encontrar qualquer resolução
para o conflito que não seja o completo extermínio do “inimigo” – e
isso ficou claro mais uma vez nos recentes massacres em Gaza.
Isso deixa os palestinos sem opções além de tentar a própria
libertação contra qualquer obstáculo. Claramente, do lado de Israel
não existe um parceiro para “negociações de paz”.
israelenses permanecerão envolvidos na sua própria dor, apesar de
completamente ofuscados sobre a dor que é infligida aos outros. Os
israelenses operam coletivamente, todos unidos quando a ordem é
o bombardeio dos inocentes. Não diferente disso, assim que algum
do lado deles é ferido, as fantasias de inocência e vulnerabilidade
também iludem a todos. É essa discrepância entre a sua
autoimagem e a forma como eles são vistos pelo resto do mundo
que transforma Israel em um monstruoso exterminador. 

Entrevista com István Mészaros

"Solução neokeynesiana e novo Bretton Woods são fantasias"

Agencia Carta Maior


Em entrevista à revista inglesa Socialist Review, István Mészàros, um dos principais pensadores marxistas da atualidade, analisa a crise econômica mundial e critica aqueles que apostam que ela será resolvida trazendo de volta as idéias keynesianas e a regulação. "É uma fantasia que uma solução neo-keynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais", defende Mészàros. Para ele, estamos vivendo a maior crise na história humana, em todos os sentidos.

Em 1971 István Mészàros ganhou o Prêmio Deutscher pelo seu livro A Teoria da Alienação em Marx e desde então tem escrito sobre o marxismo. Em janeiro deste ano, ele conversou com Judith Orr e Patrick Ward, da Socialist Review, sobre a atual crise econômica.

Socialist Review: A classe dominante sempre é surpreendida por crises econômicas e fala delas como fossem aberrações. Por que você acha que as crises são inerentes ao capitalismo?

István Mészàros – Eu li recentemente Edmund Phelps, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 2006. Phelps é um tipo de neokeynesiano. Ele estava, é claro, glorificando o capitalismo e apresentando os problemas atuais como apenas um contratempo, dizendo que “tudo o que devemos fazer é trazer de volta as idéias keynesianas e a regulação.”

John Maynard Keynes acreditava que o capitalismo era ideal, mas queria regulação. Phelps estava reproduzindo a idéia grotesca de que o sistema é como um compositor musical. Ele pode ter alguns dias de folga nos quais não pode produzir tão bem, mas se você olhar no todo verá que ele é maravilhoso! Pense apenas em Mozart – ele deve ter tido o velho e esquisito dia ruim. Assim é o capitalismo em crise, como dias ruins de Mozart. Quem acredita nisso deveria ter sua cabeça examinada. Mas, no lugar de ter sua cabeça examinada, ele ganhou um prêmio.

Se nossos adversários têm esse nível de pensamento – o qual tem sido demonstrado, agora, ao longo de um período de 50 anos, não é apenas um escorregão acidental de economista vencedor de prêmio – poderíamos dizer, “alegre-se, esse é o nível baixo do nosso adversário”. Mas com esse tipo de concepção você termina no desastre de que temos experiência todos os dias. Nós afundamos numa dívida astronômica. As dívidas reais neste país (Inglaterra) devem ser contadas em trilhões.

Mas o ponto importante é que eles vêm praticando orgias financeiras como resultado de uma crise estrutural do sistema produtivo. Não é um acidente que a moeda tenha inundado de modo tão adventista o setor financeiro. A acumulação de capital não poderia funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva.

Agora estamos falando da crise estrutural do sistema. Ela se extende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais da sobrevivência humana. Por exemplo, de tempos em tempos anunciam algumas metas para diminuir a poluição. Temos até um ministro da energia e da mudança climática, que na verdade é um ministro do lero lero, porque nada faz além de anunciar uma meta. Só que essa meta nunca é sequer aproximada, quanto mais atingida. Isso é uma parte integral da crise estrutural do sistema e só soluções estruturais podem nos tirar desta situação terrível.

SR - Você descreveu os EUA como levando a cabo um imperialismo de cartão de crédito. O que você quer dizer com isso?

IM – Eu lembro do senador norte-americano George McGovern na guerra do Vietnã. Ele disse que os EUA tinham fugido da guerra do Vietnã num cartão de crédito. O recente endividamento dos EUA está azedando agora. Esse tipo de economia só avança enquanto o resto do mundo pode sustentar sua dívida.

Os EUA estão numa posição única porque tem sido o país dominante desde o acordo de Bretton Woods. É uma fantasia que uma solução neokeynesiana e um novo Bretton Woods resolveriam qualquer dos problemas dos dias atuais. A dominação dos EUA que Bretton Woods formalizou imediatamente depois da Segunda Guerra era realista economicamente. A economia norte-americana estava numa posição muito mais poderosa do que qualquer outra economia do mundo. Ela estabeleceu todas as instituições econômicas internacionais vitais com base no privilégio dos EUA. O privilégio do dólar, o privilégio aproveitado pelo Fundo Monetário Internacional, pelas organizações comerciais, pelo Banco Mundial, todos completamente sob a dominação dos EUA, e ainda permanece assim hoje.

Não se pode fazer de conta que isso não existe. Você não pode fantasiar reformas e regulações leves aqui e acolá. Imaginar que Barack Obama vai abandonar a posição dominante de que os EUA dispõe, nesse sentido – apoiada pela dominação militar – é um erro.

SRKarl Marx chamou a classe dominante de “bando de irmãos guerreiros”. Você acha que a classe dominante vai trabalhar junta, internacionalmente, para encontrar uma solução?

IM – No passado o imperialismo envolveu muitos atores dominantes que asseguraram seus interesses mesmo às custas de duas horrendas guerras mundiais no século XX. Guerras parciais, não importa o quão horrendas são, não podem ser comparadas ao realinhamento do poder e da economia que seria produzido por uma nova guerra mundial.

Mas imaginar uma nova guerra mundial é impossível. É claro que ainda há alguns lunáticos no campo miliar que não negariam essa possibilidade. Mas isso significaria a destruição total da humanidade.

Temos de pensar as implicações disso para o sistema capitalista. Era uma lei fundamental do sistema que se uma força não pudesse ser assegurada pela dominação econômica você recorreria à guerra.

O imperialismo global hegemônico tem sido conquistado e operado com bastante sucesso desde a Segunda Guerra Mundial. Mas esse tipo de sistema é permanente? É concebível que nele não surjam contradições, no futuro?

Algumas pistas vem sendo dadas pela China de que esse tipo de dominação econômica não pode avançar indefinidamente. A China não será capaz de seguir financiando isso. As implicações e consequencias para a China já são bastante significantes. Deng Xiaoping uma vez disse que a cor do gato – seja ele capitalista ou socialista – não importa, desde que ele pegue o rato. Mas e se, no lugar da caçada feliz do rato se termine numa horrenda infestação de ratos de desemprego massivo? Isso está acontecendo agora na China.

Essas coisas são inerentes nas contradições e antagonismos do sistema capitalista. Portanto, temos de pensar em resolvê-los de uma maneira radicalmente diferente, e a única maneira é uma genuína transformação socialista do sistema.

SR - Não há em parte alguma do mundo econômico desacoplamento dessa situação?

IM- Impossível! A globalização é uma condição necessária do desenvolvimento humano. Desde que o sistema capitalista se tornou claramente visível Marx teorizou isso. Martin Wolf, do Financial Times tem reclamado de que há muitos pequenos, insignificantes estados que causam problemas. Ele argumenta que seria preciso uma “integração jurisdicional”, em outras palavras, uma completa integração imperialista – um conceito fantasia. Trata-se de uma expressão das contradições e antagonismos insolúveis da globalização capitalista. A globalização é uma necessidade, mas a forma em que é exequível e sustentável é a de uma globalização socialista, com base nos princípios socialistas da igualdade substantiva.

Ainda que não haja desacoplamento na história do mundo, é concebível que isso não signifique que em toda fase, em todas as partes do mundo, haja uniformidade. Muitas coisas diferentes estão se desenvolvendo na América Latina, em comparação com a Europa, para não mencionar o que eu já assinalei sobre a China, o Sudeste Asiático e o Japão, que está mergulhado em problemas mais profundos.

Vamos pensar no que aconteceu há pouco tempo. Quantos milagres tivemos no período do pós-guerra? O Milagre Alemão, o Milagre Brasileiro, o Milagre Japonês, o Milagre dos cinco Tigres Asiáticos? Engraçado que todos esses milagres tenham se convertido na mais terrível realidade prosaica. O denominador comum de todas essas realidades é o endividamento desastroso e a fraude.

Um dirigente de um fundo hedge foi supostamente envolvido numa farsa envolvendo 50 bilhões de dólares. A General Motors e outras estavam pedindo ao governo norte-americano somente 14 bilhões de dólares. Que modesto! Eles deveriam ter dado 100 bilhões. Se um fundo hedge capitalista pode organizar uma suposta fraude de 50 bilhões, eles devem chegar a todos os fundos possíveis.

Um sistema que opera nesse modo moralmente podre não pode provavelmente sobreviver, porque é incontrolável. As pessoas chegam a admitir que não sabem como isso funciona. A solução não é desesperar-se, mas controlá-lo em nome da responsabilidade social e de uma radical transformação da sociedade.

SRA tendência inerente do capitalismo é exigir dos trabalhadores o máximo possível, e isso é claramente o que os governos estão tentando fazer na Grã Bretanha e nos EUA.

IM – A única coisa que eles podem fazer é advogar pelos salários dos trabalhadores. A razão principal pela qual o Senado recusou a injetar 14 bilhões de dólares nas três maiores companhias de automóveis é que não puderam obter acordo sobre a drástica redução dos salários. Pense no efeito disso e nos tipos de obrigações que esses trabalhadores têm – por exemplo, repagando pesadas hipotecas. Pedir-lhes que simplesmente passem a receber metade de seus salários geraria outros tipos de problemas na economia – de novo, a contradição.

Capital e contradições são inseparáveis. Temos de ir além das manifestações superficiais dessas contradições e de suas raízes. Você consegue manipulá-las aqui e ali, mas elas voltarão com uma vingança. Contradições não podem ser jogadas para debaixo do tapete indefinidamente, porque o carpete, agora, está se tornando uma montanha.

SRVocê estudou com Georg Lukács, um marxista que retomou o período da Revolução Russa e foi além.

IM – Eu trabalhei com Lukács sete anos, antes de deixar a Hungria em 1956 e nos tornamos amigos muito próximos até a sua morte, em 1971. Sempre nos olhamos nos olhos – é por isso que eu queria estudar com ele. Então aconteceu que quando eu cheguei para estudar com ele, ele estava sendo feroz e abertamente atacado, em público. Eu não aguentei aquilo e o defendi, o que levou a todos os tipos de complicações. Logo que deixei a Hungria, fui designado sucessor, na universidade, ensinando estética. A razão pela qual deixei o país foi precisamente porque estava convencido de que o que estava acontecendo era uma variedade de problemas muito fundamentais que o sistema não poderia resolver.

Eu tentei formular e examinar esses problemas em meus livros, desde então. Em particular em "A Teoria Alienação em Marx" e "Para Além do Capital" (*). Lukács costumava dizer, com bastante razão, que sem estratégia não se pode ter tática. Sem uma perspectiva estratégica desses problemas você não pode ter soluções do dia-a-dia. Então eu tentei analisar esses problemas consistentemente, porque eles não podem ser simplesmente tratados no nível de um artigo que apenas relata o que está acontecendo hoje, ainda que haja uma grande tentação de fazê-lo. No lugar disso, deve ser apresentada uma perspectiva histórica. Eu venho publicando desde que meu primeiro ensaio justamente substancial foi publicado, em 1950, num periódico literário na Hungria e eu tenho trabalhado tanto como posso, desde então. À medida de nossos modestos meios, damos nossa contribuição em direção da mudança. Isso é o que tenho tentado fazer ao longo de toda minha vida.

SR- O que você pensa das possibilidades de mudança neste momento?

IM – Os socialistas são os últimos a minimizar as dificuldades da solução. Os apologistas do capital, sejam eles neokeynesianos ou o que quer que sejam, podem produzir todos os tipos de soluções simplistas. Eu não penso que podemos considerar a crise atual simplesmente da maneira que o fizemos no passado. A crise atual é profunda. O diretor substituto do Banco da Inglaterra adimitiu que esta é a maior crise econômica na história da humanidade. Eu apenas acrescentaria que esta não é apenas a maior crise na história humana, mas a maior crise em todos os sentidos. Crises econômicas não podem ser separadas do resto do sistema.

A fraude e a dominação do capital e a exploração da classe trabalhadora não podem continuar para sempre. Os produtores não podem ser postos constantemente e para sempre sob controle. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre e cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo.

Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. Cedo ou tarde isso tem de ser resolvido e não, como o vencedor do Prêmio Nobel deve fantasiar, no interior da estrutura do sistema. A única solução possível é encontrar a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo.

Nós alcançamos os limites históricos da capacidade do capital controlar a sociedade. Eu não quero dizer apenas bancos e instituições financeiras, ainda que eles não possam controlá-las, mas o resto. Quando as coisas dão errado ninguém é responsável. De tempos em tempos os políticos dizem: “Eu aceito total responsabilidade”, e o que acontece? Eles são glorificados. A única alternativa exequível é a classe trabalhadora, que é a produtora de tudo o que é necessário em nossa vida. Por que eles não deveriam controlar o que produzem? Eu sempre enfatizei em todos os livros que dizer não é relativamente fácil, mas temos de encontrar a dimensão positiva.

István Mészàros é o autor do recentemente publicado "The challenge and burden of Historical Time", "Os Desafios e o Fardo do Tempo Histórico", publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, 2007.

(*) Ambos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.

Artigo originalmente publicado na Socialist Review


Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O bom do Jazz...

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Ahmad Jamal - at the Blackhawk

sábado, 7 de fevereiro de 2009

O caso Cesare Battisti...

Cesare Battisti e a conspiração da CIA




Altamiro Borges

A oposição de direita e sua mídia têm aproveitado o caso Cesare Battisti para atacar o presidente Lula, que num gesto soberano e legítimo deu asilo político ao escritor italiano. Todas as noites, o casal global do Jornal Nacional apimenta as críticas, bem diferente da postura adotada quando do exílio do ditador paraguaio Alfredo Strossner. Já os jornais Folha e Estadão publicaram editoriais insinuando que o ministro da Justiça, Tarso Genro, teria simpatias por "terroristas de esquerda". Até a revista Carta Capital, um veículo progressista, reforçou estranhamente o coro crítico.

Parlamentares tucanos e demos, estes egressos do partido da ditadura militar brasileira, fizeram questão de se solidarizar com o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, o barão da mídia, que numa reação midiática retirou seu embaixador de Brasília. Caraduras, afirmam que a Itália é um exemplo de democracia para justificar o envio do escritor à prisão perpétua neste país. Nada falam sobre a trajetória ultradireitista de Berlusconi, das suas alianças com partidos neofascistas ou da recente medida do seu governo que impede que ele seja julgado por crimes de corrupção.

"Um bode expiatório conveniente"

O caso Cesare Battisti é complexo, mas não justifica a gritaria da direita servil e da mídia venal. França e Japão já deram asilo político aos condenados pela justiça italiana e não houve o mesmo alarde. O bufão Berlusconi e o processo jurídico neste país não são levados muito a sério. Como apontou Maria Inês Nassif, num excelente artigo no jornal Valor, Battisti foi condenado à prisão perpétua sem qualquer direito de defesa. As testemunhas que o acusaram de quatro assassinatos gozam da delação premiada e há indícios de que uma foi torturada. Dois dos citados homicídios foram cometidos no mesmo dia 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distância um do outro.

"(Battisti) nunca esteve num tribunal para defender-se das acusações e, de volta à Itália, não será ouvido por nenhum juiz", afirma a colunista no artigo. "Um bode expiatório conveniente à Itália". Para ela, "diante de tantas contradições e de tantos fatos mal explicados, fica a dúvida de por que interessa tanto ao governo italiano coroar Cesare Battisti como o bode expiatório de um período negro na Itália, onde não apenas a luta armada enevoou o país, mas as instituições se ajustaram a uma guerra contra o terror usando métodos poucos afeitos à ordem democrática".

EUA subornam políticos e jornalistas

O livro recém-lançado "Legado de cinzas, uma história da CIA", do jornalista estadunidense Tim Weiner, vencedor do prêmio Pulitzer, confirma a tese de Maria Inês Nassif de que o período em que Battisti participou da luta armada, nos anos 70, foi um dos mais tumultuados e sombrios da história recente da Itália. O clima era de guerra. Com base em inúmeros documentos oficiais, o autor demonstra que o serviço de espionagem e terrorismo dos EUA teve participação ativa no processo político italiano, financiando partidos da direita e realizando ações de sabotagem.

"A CIA gastou vinte anos e pelos menos US$ 65 milhões comprando influência em Roma, Milão e Nápoles". McGeorge Bundy, diretor da agência, chamou o programa de ações secretas na Itália de ‘a vergonha anual’. Thomas Fina, cônsul-geral dos EUA em Milão durante o governo Nixon, confessou que a CIA subsidiou o partido democrata-cristão e deu milhões de dólares para bancar "a publicação de livros, o conteúdo de programas de rádio, subsidiando jornais e jornalistas". Ele se jacta que "tinha recursos financeiros, recursos políticos, amigos e habilidade para chantagear".

Nutro trecho, Tim Weiner revela que a ingerência ianque se intensificou a partir de 1970. "Com aprovação formal da Casa Branca, houve a distribuição de US$ 25 bilhões a democratas cristãos e neofascistas italianos. O dinheiro foi dividido na ‘sala dos fundos’ – o posto da CIA no interior da suntuosa embaixada americana". Giulio Andreotti "venceu a eleição com injeção de dinheiro da CIA. O financiamento secreto da extrema direita fomentou o fracassado golpe neofascista em 1970. O dinheiro ajudou a financiar as operações secretas da direita – incluindo bombardeios terroristas, que a inteligência italiana atribuiu à extrema esquerda". Como se nota, não houve inocentes neste período sombrio, nem a mídia corrompida pela CIA.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PC do B e autor do livro "Sindicalismo, resistência e alternativas" (Editora Anita Garibaldi).

Globo, a midia de esgoto

Lorde Acton e a Globo

Eduardo Guimarães

Guardadas as proporções evidentes, a Globo adotou, faz tempo, uma doutrina em seu telejornalismo que de alguma forma se assemelha à famosa Doutrina Bush, que previa guerras “preventivas”. Todavia, o que caracteriza hoje essa poderosa emissora, que se tornou o que se tornou por ter sido vitaminada pela ditadura militar, remonta a inspiração bem mais longinqua no tempo.

A emissora carioca engajou toda a sua programação no projeto político do PSDB e do PFL de retomarem o governo do país. Para isso, espalhou ataques ao governo Lula e ao PT e blindagem a políticos e partidos aliados por toda sua programação, desde os telejornais até programas humorísticos nos quais ridiculariza a imagem do presidente da República e o apresenta como corrupto.

Alguns dirão que isso não é de agora, mas começo a perceber um certo desespero no comportamento global.

Na semana que chega ao fim, o telejornalismo da Globo entrou num caminho sem volta ao literalmente censurar notícias contrárias aos seus interesses políticos.

No vídeo que vocês vêem acima, edição do Jornal Nacional de seis de fevereiro, pode-se ver reportagem sobre aquele deputado do PFL que tem um castelo medieval não declarado ao imposto de renda e que ocupava a Corregedoria da Câmara. A reportagem simplesmente omitiu a que partido o sujeito pertence.

Na terça-feira, 3 de fevereiro, dia da divulgação da pesquisa CNT-Sensus que revelou disparada na avaliação de Lula, a Globo foi a única emissora do país que não divulgou a notícia.

Agora, diante do escândalo da merenda escolar no governo Kassab, onde sucedem-se denúncias de fornecimento de comida estragada às crianças e ainda em quantidade inferior para cada aluno à que determina a lei, a emissora simplesmente não divulgou nada.

Enquanto isso, Record e Gazeta fizeram extensas reportagens sobre o assunto.

Não assisti os telejornais do SBT, da TV Cultura ou da Band. Quem souber se noticiaram o escândalo da merenda, agradeço se postar a informação aqui nos comentários do blog.

Há também a já famosa propaganda do SBT elogiando Lula e pedindo às pessoas para que não se deixem engolir pela crise.

O fato é que já se pode ver a Globo caminhando para um desejável isolamento ao se manter como linha auxiliar do projeto Serra 2010. A impressão que se tem é a de que a Globo acredita que o que ela não divulgar, não existe. E isso num momento em que já se sabe que ela perdeu 6% de sua audiência para a Record no ano passado.

O que está acontecendo com a Globo? Será possível que não enxerga que mesmo o público mais ingênuo acabará vendo em qualquer outra tevê - ou mesmo em jornais - o que ela censurou?

Quantos terão visto a notícia sobre a popularidade de Lula e à noite, chegando em casa, ao não verem a notícia na Globo acabaram dando razão a quem diz que ela tenta prejudicar o presidente?

Não é à toa que a popularidade de Lula está subindo tanto. Quem, normal dos miolos, pode aceitar uma emissora de tevê que acha que pode escolher o que as pessoas devem ou não saber?

No século XIX, o pensador inglês Lorde Acton disse que o poder corrompe. No decorrer da história, pudemos comprovar esse fato. A tendência dos muito poderosos de abusarem do poder que têm acabou virando consenso.

Mais de cem anos depois num país do hemisfério Sul, vai ficando claro que, além de corromper, o poder parece que também enlouquece.



Escrito por Eduardo Guimarães

Homenagem singela a Adão Pretto


Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis!

Bertold Brecht