sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Texto para reflexão...

Se os Tubarões Fossem Homens

Bertold Brecht

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Novos valores para nova civilização




Frei Betto
-Correio da Cidadania

No Fórum Social Mundial de Belém se concluiu que as alternativas ao neoliberalismo e à construção do ecossocialismo não se engendram na cabeça de intelectuais ou de programas partidários, e sim na prática social, através de lutas populares, movimentos sindicais, camponeses, indígenas, étnicos, ambientais e comunidades de base.

Para gestar tais alternativas exigem-se pelo menos quatro atitudes. A primeira, visão crítica do neoliberalismo. Este aprofunda as contradições do capitalismo, na medida em que a expansão globalizada do mercado acirra a competição comercial entre as grandes potências; desloca a produção para áreas onde se possam pagar salários irrisórios; estimula o êxodo das nações pobres rumo às ricas; introduz tecnologia de ponta que reduz os postos de trabalho; torna as nações dependentes do capital especulativo; e intensifica o processo de destruição do equilíbrio ambiental do planeta.

A segunda atitude, organizar a esperança. Encontrar alternativas é um trabalho coletivo. Elas não surgem da cabeça de intelectuais iluminados ou de gurus ideológicos. Daí a importância de se dar consistência organizativa a todos os setores da sociedade que esperam outra coisa diferente do que se vê na realidade atual: desde agricultores que sonham lavrar sua própria terra a jovens interessados na preservação do meio ambiente.

Terceira atitude: resgatar a utopia. O neoliberalismo não visa a destruir apenas as instâncias comunitárias criadas pela modernidade, como família, sindicato, movimentos sociais e Estado democrático. Seu projeto de atomização da sociedade reduz a pessoa à condição de indivíduo desconectado da conjuntura sócio-político-econômica na qual se insere e o considera mero consumidor. Estende-se, portanto, também à esfera cultural. Como diria Emmanuel Mounier, o individualismo é oposto ao personalismo. Pascal foi enfático: "O Eu é odioso".

No seu apogeu, o capitalismo mercantiliza tudo: a biodiversidade, o meio ambiente, a responsabilidade social das empresas, o genoma, os órgãos arrancados de crianças e até mesmo o nosso imaginário. Um exemplo trivial é o que se gasta com a compra de água potável engarrafada em indústria, dispensando o velho e bom filtro de cerâmica ou mesmo a coleta da limpíssima água da chuva após um minuto de precipitação.

Sem utopias não há mobilizações motivadas pela esperança. Nem possibilidade de visualizar um mundo diferente, novo e melhor.

Quarta atitude: elaborar um projeto alternativo. A esperança favorece a emergência de novas utopias, que devem ser traduzidas em projetos políticos e culturais que sinalizem as bases de uma nova sociedade. Isso implica o resgate dos valores éticos, do senso de justiça, das práticas de solidariedade e partilha, do respeito à natureza. Em suma, trata-se de um desafio também de ordem espiritual, na linha do que apregoava o professor Milton Santos, de que devemos priorizar os "bens infinitos" e não os "bens finitos".

O projeto de uma sociedade ecossocialista alternativa ao neoliberalismo exige revisar, a partir da queda do Muro de Berlim, os aspectos teóricos e práticos do socialismo real, em particular do ponto de vista da democracia participativa e da preservação ambiental.

O ecossocialismo se caracterizaria pela capacidade de incorporar conceito e práticas de igualdade social e desenvolvimento sustentável a partir de experiências dos movimentos sociais e ecológicos, assim como da Revolução Cubana, do levante zapatista de Chiapas, dos assentamentos do MST etc.

É vital incluir no projeto e no programa os paradigmas ora emergentes, como ecologia, indigenismo, ética comunitária, economia solidária, espiritualidade, feminismo e holística.

Este sonho, esta utopia, esta esperança que chamamos de ecossocialismo, não é senão a continuação das esperanças daqueles que lutaram pela defesa da vida, como Chico Mendes e Dorothy Stang, dois lutadores cristãos que deram suas vidas pela causa dos pobres, dos explorados, dos indígenas, dos trabalhadores da terra e dos povos da floresta.

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.


Escolas do MST foram premiadas pela Unicef


Frei Pilato Pereira:

Se me perguntarem quantos prêmios a governadora do Estado recebeu pelo seu trabalho em favor da Educação, sinceramente, não saberia responder. Parece-me que ela, a Yeda Crusius, nunca fez nada de bom para a Educação ao ponto de ser premiada. Mas, quanto ao MST, a resposta é diferente. O Movimento dos Sem Terra, o MST, já recebeu vários prêmios por seu bom trabalho realizado na área de Educação. Vamos lembrar de, pelo menos, dois. Em novembro de 1999 o MST recebeu o Prêmio Itaú-Unicef "Por uma Educação Básica no Campo" e em 1995 recebeu o prêmio "Por uma Escola de Qualidade no Campo". O MST, um movimento social que muito fez pela educação, acabou entrando em disputa pela questão da educação com uma governadora que nada de bom realizou nesta área. E, com o apoio de uma parcela do Ministério Público, a governadora Yeda venceu a batalha. E os perdedores, nesta batalha, são crianças, cujos pais não tiveram acesso a terra. E agora o poder público nega para seus filhos o direito à educação.

No jornal Correio do Brasil e no blog Olhar Ecológico, do frei Pilato. Via Maria Frô.

Recapitulando as últimas catástrofes e incertezas do governo Yeda, de maneira breve:

Por que o governo Yeda não pede para o PSOL mostrar os vídeos que viu? Por que não toma, contra o PSOL, a mesma atitude que tomou contra os professores? O quadro fica parecendo esse pintado pelo Marco Weissheimer: "É simples assim. Se não existem [as provas, os vídeos], os denunciantes [o PSOL] são uns desvairados. Se existem, quem é acusado [o governo Yeda], pode pensar duas vezes antes de pedir a apresentação das mesmas. O pedido pode ser atendido."

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O que será que tem por trás disso tudo????


A deputada federal Luciana Genro, o vereador de Porto Alegre, Pedro Ruas, do PSOL, e o presidente estadual do partido, Roberto Robaina, darão entrevista coletiva hoje, às 14 horas, na sede estadual da legenda, no bairro Cidade Baixa. Tema da coletiva: revelações sobre o ex-assessor do governo do Estado em Brasília, Marcelo Cavalcante, encontrado morto na terça-feira.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, a viúva de Cavalcante, Magda Koenigkan, revelou que ele estava muito apreensivo nos últimos dias com um depoimento ao Ministério Público Federal, marcado para depois do Carnaval. A empresária disse ainda que Marcelo tinha sido convidado pela governadora Yeda Crusius para retomar o trabalho na “embaixada” gaúcha em Brasília, mas que teria se recusado em função da mudança de equipe no governo.

Marcelo foi Chefe de Gabinete de Yeda ao tempo dos mandatos de deputada federal. Quando se elegeu governadora, ela o convidou para ser o chefe do escritório de representação do Estado em Brasília. Quando a Operação Rodin estourou e surgiram gravações de conversas de Marcelo com Lair Ferst, a governadora deu ao escritório de Brasília status de secretaria. Com isso, Marcelo passou a desfrutar dos mesmos privilégios do primeiro escalão, entre eles o fórum privilegiado.

Pessoas que conviveram com Marcelo no tempo da campanha de Yeda para o governo, dão conta de que ele e Lair dividiam a coordenação estratégica, a mobilização e a arrecadação de fundos. Os dois, mais Sandra Terra e Valna Villarins (a misteriosa secretária que apesar dos amplos poderes que detém no Piratini continua sendo uma figura desconhecida de quase todo mundo), formariam o grupo mais próximo de Yeda.

Cavalcante era amigo de Lair Ferst. Amizade que vem desde os tempos em que trabalhavam juntos no gabinete do deputado, já falecido, Nelson Marchezan. Não foi por acaso que Lair confiou a Marcelo uma carta em que denunciava à governadora a existência de uma máfia agindo no governo tucano. À CPI do Detran, Lair disse que a carta não existia mas, dias depois, a Polícia Federal confirmou a existência da missiva avaliando-a como uma "confissão extrajudicial da fraude do Detran". Na carta, Lair citava José Fernandes (dono da Pensant), Antônio Dorneu Maciel, Flavio Vaz Netto, Chico Fraga, José Barrionuevo, João Luiz Vargas e Francisco Coronel como os integrantes da tal máfia a que havia se referido. Publicamente, Marcelo sustentou que a carta não fora entregue à Yeda porque Lair não lhe apresentara provas das acusações. Pouca gente acredita nisso.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Buraco Perfeito


Este tipo de mundo não tem mais condições de continuar.

Por Leonardo Boff

Ignace Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique e um dos agudos analistas da situação mundial, chamou a atual crise econômico-financeira de “a crise perfeita”. Putin, em Davos, a chamou de “a tempestade pefeita’. Eu, de minha parte, a chamaria de “o buraco perfeito”. O grupo que compõe a Iniciativa Carta da Terra (M. Gorbachev, S. Rockfeller, M.Strong e eu mesmo, entre outros) há anos advertia: “não podemos continuar pelo caminho já andado, por mais plano que se apresente, pois lá na frente ele encontra um buraco abissal”. Como um ritornello o repetia também o Fórum Social Mundial, desde a sua primeira edição em Porto Alegre em 2001. Pois chegou o momento em que o buraco apareceu. Lá para dentro caíram grandes bancos, tradicionais fábricas, imensas corporações transnacionais e US$50 trilhões de fortunas pessoais se uniram ao pó do fundo do buraco. Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, também afetado, confessou: “Errou Wall Street. Erraram os reguladores. Erraram as Agências de Avaliação de risco. Erramos todos nós”. Mas não teve a humildade de reconhecer: “Acertou o Fórum Social Mundial. Acertaram os ambientalistas. Acertaram grandes nomes do pensamento ecológico como J. Lovelock, E. Wilson e E. Morin”.

Em outras palavras, os que se imaginavam senhores do mundo a ponto de alguns deles decretarem o fim da história, que sustentavam a impossibilidade de qualquer alternativa e que em seus concílios ecumênicos-econômicos promulgaram dogmas da perfeita autoregulação dos mercados e da única via, aquela do capitalismo globalizado, agora perderam todo o seu latim. Andam confusos e perplexos como um bêbado em beco escuro. O Fórum Social Mundial, sem orgulho, mas sinceramente pode dizer: “nosso diagnóstico estava correto. Não temos a alternativa ainda mas uma certeza se impõe: este tipo de mundo não tem mais condiçãoes de continuar e de projetar um futuro de inclusão e de esperança para a humanidade e para toda a comunidade de vida”. Se prosseguir, ele pode pôr fim a vida humana e ferir gravemente a Pacha Mama, a Mãe Terra.

Seus ideólogos talvez não creiam mais em dogmas e se contentem ainda com o catecismo neoliberal. Mas procuram um bode expiatório. Dizem: “Não é o capitalismo em si que está em crise. É o capitalismo de viés norteamericano que gasta um dinheiro que não tem em coisas que o povo não precisa”. Um de seus sacerdotes, Ken Rosen, da Universidade de Berkeley, pelo menos, reconheceu: “O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais”.

Há aqui palmar engano. A razão da crise não está apenas no capitalismo norte-americano como se outro capitalismo fosse o correto e humano. A razão está na lógica mesma do capitalismo. Já foi reconhecido por políticos como J. Chirac e por uma gama consideravel de cientistas que se os paises opulentos, situados no Norte, quisessem generalizar seu bem estar para toda a humanidade, precisaríamos pelo menos de três Terras iguais a atual. O capitalismo em sua natureza é voraz, acumulador, depredador da natureza, criador de desigualdades e sem sentido de solidariedade para com as gerações atuais e muito menos para com as futuras. Não se tira a ferocidade do lobo fazendo-lhe alguns afagos ou limando-lhes os dentes. Ele é feroz por natureza. Assim o capitalismo, pouco importa o lugar de sua realização, se nos EUA, na Europa, no Japão ou mesmo no Brasil, coisifica todas as coisas, a Terra, a natureza, os seres vivos e também os humanos. Tudo está no mercado e de tudo se pode fazer negócio. Esse modo de habitar o mundo regido apenas pela razão utilitarista e egocêntrica cavou o buraco perfeito. E nele caiu.

A questão não é econômica. É moral e espiritual. Só sairemos a partir de uma outra relação para com a natureza, sentindo-nos parte dela e vivendo a inteligência do coração que nos faz amar e respeitar a vida e a cada ser. Caso contrário continuaremos no buraco a que o capitalismo nos jogou.

O regressismo da vida social no RS alcança níveis alarmantes

Do blog Diário Gauche...


Experiência exemplar é liquidada no RS

Uma experiência educacional de 12 anos e que serviu de exemplo para outros Estados pode ser encerrada no Rio Grande do Sul. O Ministério Público gaúcho e a Secretaria Estadual de Educação (SEC) assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que determina o fechamento das escolas em sete acampamentos sem-terra. A informação é da Agência Chasque, através da repórter Raquel Casiraghi.

O TAC prevê que até o dia 4 de março devem ser desativadas as turmas de educação infantil, ensino fundamental e de Educação de Jovens e Adultos (EJA). As crianças devem ser matriculadas na rede pública e ter transporte escolar. Caso não seja cumprido, o governo do Estado será multado em um salário mínimo por dia de atraso.

O Procurador de Justiça e integrante do Conselho Superior do Ministério Público, Gilberto Thums, argumenta que o objetivo do acordo é garantir que as crianças sem-terra tenham o mesmo ensino da rede pública, o que não estaria acontecendo.

“A gente tem um nicho de professores que são escolhidos a dedo pelo Instituto Preservar, que são afinados ideologicamente com idéias extremistas. Isso provoca um ensino completamente fora dos padrões que o Estado tem que garantir. A idéia é que tenhamos um ensino com pluralidade de idéias e inclusão social“, diz Thums.

O procurador lista uma série de irregularidades. Entre elas, a infra-estrutura das escolas é precária e o poder público não estaria conseguindo fiscalizar o conteúdo programático e nem a carga horária. Thums ainda alega que o convênio entre o Instituto Preservar e o governo é ilegal, pois repassa a uma organização não-governamental o dever da educação que é do Estado.

No entanto, a coordenadora pedagógica das escolas itinerantes, Marli Zimermann de Moraes, contesta as críticas do Ministério Público. Ela garante o cumprimento do conteúdo programático e diz que a falta de infra-estrutura reflete o sucateamento promovido pelo governo. Educadores estão com salários atrasados desde julho passado e escolas não recebem material pedagógico. Além disso, o convênio permite a contratação de apenas 13 educadores e de uma merendeira por escola para cuidar de 400 crianças.

No entanto, o principal motivo para o fechamento, denuncia Marli, é tentar enfraquecer o Movimento Sem-Terra (MST).

“Acabar com as escolas itinerantes é impedir que as famílias lutem pela terra. Porque quem vai para a luta é só quem não tem filho. Em cinco dias que a criança não vai para a escola, o Conselho Tutelar é chamado e o pai pode ir preso. A itinerante tem a especificidade de acompanhar o acampamento”, argumenta.

O fechamento das escolas itinerantes é um dos desdobramentos das Ações Civis Públicas encaminhadas pelo Ministério Público no ano passado. Nas ações, promotores determinaram medidas para conter ações do MST e até mesmo chegaram a propor a extinção do movimento, o que depois foi negado.

As escolas itinerantes foram reconhecidas no Estado pelo Conselho Estadual de Educação em 1996. Baseados nesta experiência, outros Estados adotaram o sistema, entre eles Santa Catarina, Paraná, Piauí, Alagoas e Goiás.

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Sem exagerar, temos repetido aqui que o Estado regride a olhos vistos, com o governo esquizo-tucano e a sua influência deletéria que alaga o pensamento conservador do RS.

O governo Yeda está fechando escolas no Estado. Motivo: intolerância política, espírito macabro de destruição e tentativa de eliminação do que lhe é antagônico.

Sem nada para apresentar de positividade, o páthos yedista resume-se a destruir conquistas e direitos sociais de setores que lutam pela afirmação política e autonomia cidadã.

Que o Brasil saiba: o Rio Grande do Sul está cada vez mais irreconhecível, retrocede a um estado de natureza e anomia social, como aquele que havia antes da Constituição castilhista de 1891.
Bem-vindos ao século 19!

Enquanto isso na Venezuela...

Chávez: vitória revolucionária, democracia em excesso.



A décima quarta vitória eleitoral do presidente Chávez em 10 anos - perdeu apenas uma em 10 anos - tem um alcance muito maior que eleitoral: pavimenta condições políticas para aprofundamento do processo de transformação com ruptura gradual.
Embora o fundamental seja analisar o efeito acelerador do voto das massas venezuelanas sobre a Revolução Bolivariana, também é importante analisar o lado simbólico desta nova vitória de Chávez. Ela permite , uma vez mais , a derrubada de mitos que o imperialismo e a oligarquia nativa , via manipulação midiiática sem limites, despejaram sobre a consciência dos venezuelanos e espalharam mundialmente. A vitória do SIM , na Venezuela, significa que a nacionalização dos recursos nacionais, petróleo e ferro sobretudo, terá novo aprofundamento, tendo recebido agora novo impulso eleitoral para avançar sobre o sistema financeiro, dando continuidade à nacionalização do Banco Santander adotada há poucos meses. A reforma agrária, se analisada pelo período de 10 anos de Chávez, pode sim ser muito mais acelerada, sobretudo com as parcerias feitas com a Embrapa, tendo em vista preencher a ausência de economia agrícola na Venezuela, em função da chamada “Maldição do Petróleo”, único ramo que interessava ao imperialismo.
Aqui no Brasil a vitória do SIM significa a derrota dos tucanos, da TV Globo, da Veja, da mídia golpista em geral, dos Arnaldo Jabor da vida e tantos outros jornalistas pré-pagos. Mas nos obriga a refletir, uma vez mais, sobre as formas inteligentes que as massas pobres têm, na Venezuela ou Brasil, para não sucumbir ao dilúvio de ofensas, preconceitos, desinformações, condenações levianas e ataques pessoais atirados diuturnamente tanto contra Chávez como contra Lula pela mídia. Com mais de 80 por cento da mídia em suas mãos, a oligarquia venezuelana não consegue mais que confundir a alguns segmentos da classe média, mas não ao povão.
Todo este processo de transformações na Venezuela, hoje o país que paga o mais elevado salário mínimo da América Latina, que cresce a uma média de 8 por cento ao ano, que já não mais importa fertilizantes (o Brasil importa cada vez este produto, encarecendo a produção e o alimento), que está caminhando em direção à soberania alimentar em poucos anos e que ,segundo a CEPAL, foi o país que mais fortemente reduziu a pobreza no continente e que melhor cumpre as tarefas dos Objetivos do Milênio da ONU, tudo isto foi feito com excesso de democracia. Aliás, a frase é de Lula e deve ser relembrada porque o caráter democrático não retórico, não formal das mudanças, é um patrimônio da Revolução Bolivariana, que nem por isso deixa de ser armada. “Pacífica, porém armada”, repete Chávez diante das várias tentativas de golpe, de sabotagem e até mesmo de magnicídio.
É a Venezuela o único país hoje no mundo a possuir o mecanismo de revogabilidade dos mandatos eletivos. Mesmo assim, com todo cinismo o partido mundial do golpismo midiático espalha que “Chávez está construindo uma ditadura pelo voto”, com o que apenas confessa sua esquizofrenia e sua própria derrota ideológica, uma vez mais. Um povo cada vez mais politizado, consciente e educado - “Venezuela já é território livre do analfabetismo, diz a UNESCO - vai tomando seu destino em suas próprias mãos.
Isso mostra uma vez mais que a humanidade inventa revoluções por absoluta necessidade histórica. E as revoluções podem começar com várias formas ou protagonistas, seja um militar ou um aiatolá, mas se definem e se comprovam como revolução quando recebem o apoio popular amplo e generalizado e quando seus objetivos programáticos são destinados a criar a maior taxa de felicidade do povo. Na Venezuela começou com um levante militar, em 4 de fevereiro de 1992 e o seu objetivo, comandado por Chávez, era , entre outros tantos, o de convocar uma Constituinte. Pois mesmo derrotada aquela rebelião, as massas entenderam rapidamente, na sua mensagem televisiva anunciando a rendição momentânea, “por ahora”, de que aquele era o seu comandante, com cara de negro e índio, falando claramente de seu projeto.
O referendo agora vencido pelo presidente Chávez, atribuindo ao povo o direito de eleger quantas vezes queira os seus dirigentes nacionais, estaduais ou municipais, sem limites formais que se desmancham no ar diante da magnitude de uma revolução social que começou com um levante armado, institucionalizou-se pelo voto direto e popular e, sem ter a ingenuidade de desarmar-se, até porque os inimigos não se desarmaram, continua sendo uma alavanca importante para mudar o mapa político da América Latina. Quinze dos 27 países da Comunidade Européia também permite a reeleição ilimitada, mas a apenas a Venezuela no mundo tem a revogabilidade de mandado na Constituição.
Venezuela, em parceria com Cuba, assumiu o compromisso de operar de cataratas em 10 anos a 6 milhões de latinoamericanos salvando-os da cegueira. Com o SIM, este projeto vai continuar. Venezuela está trocando todas as lâmpadas de Honduras, substituindo-as por outras que economizam 70 por cento de energia. Isto vai continuar. Venezuela está enviando óleo combustível para as comunidades pobres dos EUA normalmente vítimas do frio. Este processo vai continuar.Tudo isso está contido no voto SIM escolhido pela maioria dos eleitores venezuelanos.
Agora, com democracia em excesso, com pobreza reduzida, a Venezuela poderá seguir fortalecendo o seu pleito de ingresso no Mercosur, dando seguimento ao curso de integração latinoamericana. Como disse uma dona-de-casa de Petare, bairro pobre de Caracas: “agora sei o que é integração , sei quem é Lula, pois antes não comíamos carne, e agora comemos sempre frango do Brasil e é barato.” Tudo isto, está no SIM que sai das urnas eletrônicas democráticas, e com impressão de voto que permite a auditoria, se alguém tivesse topete para reclamar.

Texto: Editorial do Jornal Brasil de Fato
Créditos: PatriaLatina

Yeda Crusius está imersa nas trevas

Hupper

Katarina Peixoto escreve: "A governadora do estado do Rio Grande do Sul vive nas trevas. É difícil não se constranger com um simples cumprimento que ela tenta comunicar, tamanha incapacidade de dizer alguma coisa a respeito de algo que não seja ela mesma. E ela mesma não consegue nem dar bom dia com clareza. No emaranhado de uma espécie bizarra de egotrip, ela consegue dizer alguma verdade, porém. Um escritor já disse certa feita que o louco perde tudo, menos a razão. E a razão, mesmo nas trevas, impõe-se, contra a governadora. Isto é, contra as trevas.

Imagine que alguém na rua pára e diz: “Bom dia! E que lindo dia, o primeiro sem horário de verão deste ano. Amo o horário de verão, o dia mais longo, a noite mais curta, o calor. Amo tanta coisa...Acordei com a garganta meio ‘pegada’, o corpo me indicando que ainda não consegui ‘pegar leve’”. Ou, que abra uma carta onde esse conjunto de frases estão dispostas assim, simplesmente, numa espécie de denúncia do próprio estado mental. Um adolescente que tenha estudado a regra básica para qualquer discurso, que é o Princípio de Não-Contradição teria entendido o quê, diante desse conjunto de enunciados calamitosamente reunidos?

A única coisa verdadeira é o que diz como que “por acidente”: a governadora não consegue “pegar leve”, isto é, não consegue descansar. Nas trevas não deve haver descanso, mesmo. Quando dizer bom dia se torna um fardo para o entendimento, a “garganta” sofre. Vai ver é isso.

E então, como se respondendo a uma pergunta imaginada, presta um depoimento a respeito da iniciativa de ser governadora do estado. Depoimento em que associa motivações a reações, como se as manifestações críticas ao seu governo fossem ataques a uma idéia ou a um projeto, abstratamente. Aliás, não deixa de ser sintomática a descrição do “projeto” de governo por ela reiterado: “Como você tanto acompanha, o projeto tem cara sim, é bonito, coletivo, construtivo, respeitoso, doador”.

Mais uma vez, a razão cobra seu preço: só mesmo a inversão completa do significado de um governo pode tornar inaceitável que seja atacado. Quando o que é racional está escondido num universo de trevas e confusão, coisas mais fundamentais estão em falta. A vergonha, por exemplo. O Estado é o que não se definiu ao nascer, nas palavras de Yeda, e o povo é o que ela ama, não o que odeia, ela que é "meio caudilha", como fosse esse perfil algo virtuoso.

É diante desse universalismo todo que cartazes de sindicatos dos servidores públicos estaduais se tornam dantescos. Quando se está nas trevas, só se pode contar com o dantesco, diz a razão obnubilada pelo governo da governadora.

Um mandatário fazer-se de vítima de manifestações políticas e usar a própria família para tanto não pode ser levado a sério. Ainda mais quando essa utilização serve para priorizar, sobre gente da família e servidores públicos, isto é, serviços públicos investidos em cidadãos habilitados via concurso, idéias. Ou melhor: “intensa necessidade de comunicação, pela vida como ela é para cada um, por fazer política, que é bom fazer quando se tem ética, responsabilidade, sem medo da mudança, de estar à frente do batalhão, porque confio em cada dia, e vivo sem ficar na janela vendo a banda passar esperando a sorte, esperando a morte... como diz a música”. Que constrangimento deve ser ler isto tudo, para alguém que tem seriedade e faz parte deste governo ou desta gestão no estado. Não é possível que esse discurso venha de alguém que é arrolada como testemunha de Flávio Vaz Neto. Não é razoável tamanho desprezo pela realidade. Trevas.

Depois a governadora informa que já tem provas, dadas pelo MP estadual, de que pode morar onde mora. Agora que, rastreados todos os cheques, “a casa é limpa!”. Assim sendo, cabe perguntar: por que será que foi preciso o MP informasse que ela podia morar onde está morando, tendo comprado uma casa depois da eleição? Será que é só porque o governo é lindo, bonito, coletivo e doador?

Como a realidade está lá fora das trevas mentais da governadora, ela finalmente assume sua vida – e mandato – como fosse um filme. Um, não, dois, vividos, nas palavras da governadora, “mesmo com o alucinante caráter deste nosso governo”. Injuriando dois bons filmes, Yeda os usa para se pôr em respectivos papéis de vítimas que supostamente seriam correlatos do seu filme pessoal ou governamental – a distinção não foi precisada.

A injúria ao O Escafandro e a Borboleta é mais grave e ardilosa. Não apenas porque também ali a governadora se põe num papel de vítima do destino – o personagem do filme sofre um derrame. O caráter ardiloso, não necessariamente alucinante da comparação, vem diante do fato que teria posto a governadora no “escafandro”: a “famigerada Operação Rodin”.

Nenhum derrame cerebral torna uma investigação da Polícia Federal famigerada. E não é preciso derreter o cérebro para tomar polícia como adversário. É preciso ser criminoso, e convicto.

Com efeito, só muito republicanismo, austeridade, universalismo e espírito público, afinal de contas, pode se referir no cinema a fim de dizer coisa tão fina e elegante como: “ Mas não desisto, não vou entregar prus ôme de jeito nenhum, amigo e cumpanhêro".

Uma palavra, ainda, sobre a enganação da carta ser pública e não privada, e publicada: Insulto. A única coisa verdadeira que se diz, mais uma vez, como que “por acidente”, não vascular cerebral. Um acidente investigativo, famigerado. Constrangedor".

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Fórum de Servidores avançam na campanha

O Fórum Estadual dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul — CPERS/Sindicato, Sindicaixa, Ugeirm/Sindicato, Sindisepe, Simpe, Sindiágua, Semapi, Sindjus-RS, Sindet e Federação dos Bancários do RS — dá prosseguimento na mobilização por meio da segunda fase da campanha em defesa dos serviços públicos. Em frente ao Palácio Piratini foi colocado um quadro gigante com foto, nome e bancada de cada deputado Estadual que votou pelo abono das faltas dos dias de paralisação dos servidores. O projeto foi vetado pela governadora e está de volta na Assembléia para apreciação. Caso seja rejeitado o veto, o servidores terão suas faltas abonadas, provocando uma derrota política para Yeda e em especial para a secretária de Educação Mariza Abreu. Caso seja aceito o veto, parte dos parlamentares que votaram pelo projeto terão que dar explicações em suas bases, principalmente por ser um período pré-eleitoral e ter nos professores uma das classes mais atingidas pela rejeição do projeto.

As Veias Abertas da América Latina


CENTO E VINTE MILHÕES DE CRIANÇAS NO CENTRO DA TORMENTA

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca
do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os. São muito mais altos os impostos que cobram os compradores do que os preços que recebem os vendedores; e no final das contas, como declarou em julho de 1968 Covey T. Oliver, coordenador da Aliança para o Progresso, "falar de preços justos, atualmente, é um conceito medieval. Estamos em plena época da livre comercialização..." Quanto mais liberdade se outorga aos negócios, mais cárceres se torna necessário construir para aqueles que sofrem com os negócios. Nossos sistemas de inquisidores e carrascos não só funcionam para o mercado externo dominante; proporcionam também caudalosos mananciais de lucros que fluem dos empréstimos e inversões estrangeiras nos mercados internos dominados.

Ouve-se falar de concessões feitas pela América Latina ao capital estrangeiro, mas não de concessões feitas pelos Estados Unidos ao capital de outros países... "É que nós não fazemos concessões", advertia, lá por 1913, o presidente norte-ameiricano Woodrow Wilson, Ele estava certo: "Um país - dizia - é possuído e dominado pelo capital que nele se tenha investido." E tinha razão. Na caminhada, até perdemos o direito de chamarmo-nos americanos, ainda que os haitianos e os cubanos já aparecessem na História como povos novos, um século antes de os peregrinos do Mayflower se estabelecerem nas costas de Plymouth. Agora, a América é, para o mundo, nada mais do que os Estados Unidos: nós habitamos, no máximo, numa sub-América, numa América de segunda classe, de nebulosa identificação.

É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. (Há quatro séculos, já existiam dezesseis das vinte cidades latino-americanas mais populosas da atualidade.)

Para os que concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam. Mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos. Na alquimia colonial e neo-colonial, o ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno. Potosí, Zacatecas e Ouro Preto caíram de ponta do cimo dos esplendores dos metais preciosos no fundo buraco dos filões vazios, e a ruína foi o destino do pampa chileno do salitre e da selva amazônica da borracha; o nordeste açucareiro do Brasil, as matas argentinas de quebrachos ou alguns povoados petrolíferos de Maracaibo têm dolorosas razões para crer na mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o imperialismo usurpa. A chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes - dominantes para dentro, dominadas de fora - é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.

A brecha se amplia. Em meados do século passado, o nível de vida dos países ricos do mundo excedia em 50% o nível dos países pobres. O desenvolvimento desenvolve a desigualdade: Richard Nixon anunciou, em abril de 1969, em seu discurso perante a OEA, que no fim do século XX a renda per capita nos Estados Unidos será quinze vezes mais alta do que esta mesma renda na América Latina. A força do conjunto do sistema imperialista descansa na necessária desigualdade das partes que o formam, e esta desigualdade assume magnitudes cada vez mais dramáticas. Os países opressores tornam-se cada vez mais ricos em termos absolutos, porém muito mais em termos relativos, pelo dinamismo da disparidade crescente.

O capitalismo central pode dar-se ao luxo de criar e acreditar em seus próprios mitos de opulência, mas os mitos não são comíveis, e os países pobres que constituem o vasto capitalismo periférico o sabem muito bem. A renda média de um cidadão norte-americano é sete vezes maior que a de um latino-americano, e aumenta num ritmo dez vezes mais intenso. E as médias enganam, pelos insondáveis abismos que se abrem, ao sul do rio Bravo, entre os muitos pobres e os poucos ricos da região. No topo, com efeito, seis milhões de latino-americanos açambarcam, segundo as Nações Unidas, a mesma renda que 140 milhões de pessoas situadas na base de pirâmide social. Há 60 milhões de camponeses, cuja fortuna ascende a 25 centavos de dólares por dia; no outro extremo, os proxenetas da desgraça dão-se ao luxo de acumular cinco milhões de dólares em suas contas privadas na Suíça ou nos Estados Unidos, e malbaratam na ostentação e luxo estéril - ofensa e desafio - e em inversões improdutivas, que constituem nada menos do que a metade da inversão total, os capitais que América Latina poderia destinar à reposição, ampliação e criação de fontes de produção e de trabalho. Incorporadas desde sempre à constelação do poder imperialista, nossas classes dominantes não têm o menor interesse em averiguar se o patriotismo poderia ser mais rentável do que a traição ou se a mendicância é a única forma possível de política internacional. Hipoteca-se a soberania porque "não há outro caminho"; os álibis da oligarquia confundem interessadamente a impotência de uma classe social com o presumível vazio de destino de cada nação.

Josué de Castro declara: "Eu, que recebi um prêmio internacional da paz, penso que, infelizmente, não há outra solução que a violência para América Latina." Cento e vinte milhões de crianças se agitam no centro desta tormenta. A população da América Latina cresce como nenhuma outra; em meio século triplicou com sobras. Em cada minuto morre uma criança de doença ou de fome, mas no ano 2000 haverá 650 milhões de latino-americanos, e a metade terá menos de 15 anos de idade: uma bomba de tempo. Entre os 280 milhões de latino-americanos há, atualmente, cinqüenta milhões de desempregados ou subempregados e cerca de cem milhões de analfabetos; a metade dos latino-americanos vive apinhada em moradias insalubres. Os três maiores mercados da América Latina - Argentina, Brasil e México - não chegam a igualar, somados, a capacidade de consumo da França ou da Alemanha Ocidental, mesmo que a população reunida de nossos três grandes exceda de muito a de qualquer país europeu. A América Latina produz, hoje em dia, em relação a sua população, menos alimentos do que antes da última guerra mundial, e suas exportações per capita diminuíram três vezes, a preços constantes, desde a véspera da crise de 1929. O sistema é muito racional do ponto de vista de seus donos estrangeiros e de nossa burguesia de intermediários, que vendeu a alma ao Diabo por um preço que teria envergonhado Fausto.

Mas o sistema é tão irracional para com todos os demais que, quanto mais se desenvolve, mais se tornam agudos seus desequilíbrios e tensões, suas fortes contradições. Até a industrialização dependente e tardia, que comodamente coexiste com o latifúndio e as estruturas da desigualdade, contribui para semear o desemprego ao invés de tentar resolvê-lo; estende-se a pobreza e concentra-se a riqueza, que conta com imensas legiões de braços cruzados, que se multiplicam sem descanso. Novas fábricas se instalam nos pólos privilegiados de desenvolvimento - São Paulo, Buenos Aires, a cidade do México -, porém reduz-se cada vez mais o número da mão-de-obra exigido. O sistema não previu esta pequena chateação: o que sobra é gente. E gente se reproduz. Faz-se o amor com entusiasmo e sem precauções. Cada vez mais, fica gente à beira do caminho, sem trabalho no campo, onde o latifúndio reina com suas gigantescas terras ociosas, e sem trabalho na cidade, onde reinam as máquinas: o sistema vomita homens.

As missões norte-americanas esterilizam maciçamente mulheres e semeiam pílulas, diafragmas, DIUs, preservativos e almanaques marcados, mas colhem crianças; obstinadamente, as crianças latino-americanas continuam nascendo, reivindicando seu direito natural de obter um lugar ao sol, nestas terras esplêndidas, que poderiam dar a todos o que a quase todos negam.

Em princípios de novembro de 1968, Richard Nixon comprovou em voz alta que a Aliança para o Progresso havia cumprido sete anos de vida e, entretanto, agravaram-se a desnutrição e a escassez de alimentos na América Latina. Poucos meses antes, em abril, George W. Ball escrevia em Life: "Pelo menos durante as próximas décadas, o descontentamento das nações pobres não significará uma ameaça de destruição do mundo. Por mais vergonhoso que seja, o mundo tem vivido, durante gerações, dois terços pobres e um terço rico. Por mais injusto que seja, é limitado o poder dos países pobres". Ball encabeçara a delegação dos Estados Unidos na Primeira Conferência de Comércio e Desenvolvimento em Genebra, e votara contra nove dos doze princípios gerais aprovados pela conferência, com o objetivo de aliviar as desvantagens dos países subdesenvolvidos no comércio internacional.

São secretas as matanças da miséria na América Latina; em cada ano explodem, silenciosamente, sem qualquer estrépito, três bombas de Hiroxima sobre estes povos, que têm o costume de sofrer com os dentes cerrados. Esta violência sistemática e real continua aumentando: seus crimes não se difundem na imprensa marrom, mas sim nas estatísticas da FA O. Ball diz que a impunidade é ainda possível, porque os pobres não podem desencadear uma guerra mundial, porém o Império se preocupa: incapaz de multiplicar os pães, faz o possível para suprimir os comensais. "Combata a pobreza, mate um mendigo!", rabiscou um mestre do humor-negro num muro da cidade de La Paz. O que propõem os herdeiros de Malthus senão matar a todos os próximos mendigos, antes que nasçam? Robert McNamara, o presidente do Banco Mundial, que tinha sido presidente da Ford e secretário da Defesa, afirma que a explosão demográfica constitui o maior obstáculo para o progresso da América Latina e anuncia que o Banco Mundial dá prioridade, em seus empréstimos, aos países que realizam planos para o controle da natalidade. McNamara comprova, com pesar, que os cérebros dos pobres pensam cerca de 25% a menos, e os tecnocratas do Banco Mundial (que já nasceram) fazem zumbir os computadores e geram complicadíssimas teses sobre as vantagens de não nascer. "Se um país em desenvolvimento, que tem uma renda média per capita de 150 a 200 dólares anuais, consegue reduzir sua fertilidade em 50% num período de 25 anos, ao cabo de 30 anos sua renda per capita será superior pelo menos em 40% ao nível que teria alcançado mantendo sua fertilidade, e duas vezes mais elevada ao fim de 60 anos", assegura um dos documentos do organismo.

Tornou-se célebre a frase de Lyndon Johnson: "Cinco dólares investidos contra o crescimento da população são mais eficazes do que cem dólares investidos no desenvolvimento econômico." Dwight Eisenhower prognosticou que, se os habitantes da Terra continuassem multiplicando-se no mesmo ritmo, não só se intensificaria o perigo de uma revolução, mas também se produziria "uma degradação do nível de vida de todos os povos, o nosso inclusive".

Os Estados Unidos não sofrem, dentro de suas fronteiras, o problema da explosão demográfica, mas se preocupam, como ninguém, em difundir e impor, nos quatros pontos cardiais, a planificação familiar. Não somente o governo; também Rockefeller e a Fundação Ford sofrem pesadelos com milhões de crianças que avançam, como lagostas, partindo dos horizontes do Terceiro Mundo. Platão e Aristóteles haviam-se ocupado do tema antes de Malthus e McNamara; contudo, em nossos tempos, toda esta ofensiva universal cumpre uma função bem definida: propõe-se justificar a desigual distribuição de renda entre os países e entre as classes sociais, convencer aos pobres que a pobreza é o resultado dos filhos que não se evitam e pôr um dique ao avanço da fúria das massas em movimento e em rebelião. Os dispositivos intra-uterinos competem com as bombas e as metralhadoras, no Sudeste asiático, no esforço para deter o crescimento da população do Vietnã. Na América Latina é mais higiênico e eficaz matar os guerrilheiros nos úteros do que nas serras ou nas ruas. Diversas missões norte-americanas esterilizaram milhares de mulheres na Amazônia, apesar de ser esta a zona habitável mais deserta do planeta. Na maior parte dos países latino-americanos não sobra gente: ao contrário, falta. O Brasil tem 38 vezes menos habitantes por quilometro quadrado do que a Bélgica; Paraguai, 49 vezes menos do que a Inglaterra; Peru, 32 vezes menos do que o Japão. Haiti e El Salvador, formigueiros humanos da América Latina, têm uma densidade populacional menor do que a Itália. Os pretextos invocados ofendem a inteligência; as intenções reais inflamam a indignação. Afinal, não menos da metade dos territórios da Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai e Venezuela está habitada por ninguém. Nenhuma população latino-americana cresce menos do que a do Uruguai, país de velhos; entretanto nenhuma outra nação tem sido tão castigada, por uma crise que parece arrastá-la aos últimos círculos dos infernos. O Uruguai está vazio e seus campos férteis poderiam dar de comer a uma população infinitamente maior do que a que hoje sofre, sobre seu solo, tantas penúrias. Há mais de um século, um chanceler da Guatemala tinha sentenciado profeticamente: "Seria curioso que do seio dos Estados Unidos, de onde nos vem o mal, nascesse também o remédio." Morta e enterrada a Aliança para o Progresso, o Império propõe agora, com mais pânico do que generosidade, resolver os problemas da América Latina, eliminando de antemão os latino-americanos.

Em Washington, já há motivos para suspeitar que os povos pobres não preferem ser pobres. Mas não se pode querer o fim sem querer os meios: aqueles que negam a libertação da América Latina, negam também nosso único renascimento possível, e de passagem absolvem as estruturas vigentes. Os jovens multiplicam-se, levantam-se, escutam: o que lhes oferece a voz do sistema? O sistema fala uma linguagem surrealista: propõe evitar os nascimentos nestas terras vazias; diz que faltam capitais em países onde estes sobram, mas são desperdiçados; chama de ajuda a ortopedia deformante dos empréstimos e à drenagem de riquezas que os investimentos estrangeiros provocam; convoca os latifundiários a realizarem a reforma agrária, e a oligarquia para pôr em prática a justiça social. A luta de classes não existe - decreta-se -, mais que por culpa dos agentes forâneos que a fomentam; em troca existem as classes sociais, e se chama a opressão de umas por outras de estilo ocidental de vida. As expedições criminosas dos marines têm por objetivo restabelecer a ordem e a paz social, e as ditaduras fiéis a Washington fundam nos cárceres o estado de direito, proíbem as greves e aniquilam os sindicatos para proteger a liberdade de trabalho.

Tudo nos é proibido, a não ser cruzarmos os braços? A pobreza não está escrita nos astros; o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de Deus. As classes dominantes põem as barbas de molho, e ao mesmo tempo anunciam o inferno para todos.
De certo modo, a direita tem razão quando se identifica com a tranqüilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação das maiorias, mas ordem em última análise; a tranqüilidade de que a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta. Se o futuro se transforma numa caixa de surpresas, o conservador grita, com toda razão: "Traíram-me". E os ideólogos da impotência, os escravos, que olham a si mesmos com os olhos do dono, não demoram a escutar seus clamores. A águia de bronze do Maine, derrubada no dia da vitória da revolução cubana, jaz agora abandonada, com as asas quebradas sob o portal do bairro velho de La Habana. A partir de Cuba, outros países iniciaram, por vias distintas e com meios distintos, a experiência da mudança: a perpetuação da ordem atual das coisas é a perpetuação do crime. Recuperar os bens que sempre foram usurpados, eqüivale a recuperar o destino.
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Esta é a introdução do livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, escrito em 1978.

Eduardo Galeano é historiador, escritor e escreve atualmente para um jornal na Espanha.

O e-book (livro eletrônico) encontra-se disponível gratuitamente em:

http://www.todososlinks.com.br/eduardo_galeano_as_veias_abertas_da_america_latina.zip