quinta-feira, 25 de junho de 2009

Grãos aumentam até 115% devido a produção de bicombustíveis


Nos últimos dois anos, segundo o Banco Mundial, caíram na pobreza entre 130 e 155 milhões de pessoas
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O milho e o arroz, dois dos pilares fundamentais da alimentação dos povos mais pobres do mundo, aumentaram entre 50 a 115 por cento, respectivamente, com relação ao preço que tinham antes que a demanda de grãos aumentara para ser utilizados na fabricação de bicombustíveis, segundo dados do Banco Mundial (BM).
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O organismo mundial advertiu que entre 130 e 155 milhões de pessoas caíram na pobreza em todo o mundo nos últimos dois anos, período em que a crise desencadeada pela alta no preço dos alimentos se somou ao incremento na demanda dos combustíveis e à maior recessão econômica em 70 anos.
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"Os preços de alimentos em muitos países não baixaram, mesmo quando se observam diminuições nas cotizações dos mercados internacionais de grãos", expôs o Banco Mundial.
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O BM acrescenta que no caso da América Latina, uma região que tradicionalmente é exportadora nata de alimentos, a inflação no custo dos alimentos se mantém, algo que está afetando o salário, nutrição e saúde das populações mais pobres da região.
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Na sexta-feira passada, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revelou que um em cada seis habitantes do planeta passa fome todos os dias, o maior número na historia da Humanidade.
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A falta de alimento nas mesas de um bilhão e vinte milhões de pessoas em todo o mundo, 100 milhões mais que no ano anterior é provocada pela crise do capitalismo mundial, que tem causado por sua vez uma diminuição nos rendimentos dos mais pobres e um aumento no desemprego, segundo informação da FAO, difundido na sexta-feira em Roma, Itália.
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Em meados de 2008, antes que a crise hipotecaria e bancária estadunidense se convertesse em mundial, os habitantes dos países mais pobres do planeta estavam sendo vítimas de outro tipo de crise, a dos alimentos, cujos preços aumentaram notavelmente.
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Este aumento era provocado sobre tudo pelo uso dado aos grãos alimentícios para produzir bicombustíveis, em um momento em que os preços do petróleo alcançavam máximos históricos. A crise econômica só contribuiu para agravar os problemas que milhões de pessoas tinham para adquirir alimentos.
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Outro dos aspectos que tem contribuído para piorar a situação dos países em vias de desenvolvimento, e que é ocasionada diretamente pelo desastre financeiro internacional, é a diminuição no envio de remessas, que em países da Centro América, Caribe, sul da Ásia e África, representa uma das principais fontes de renda familiar.
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O Banco Mundial prevê uma redução das transferências de migrantes aos países em desenvolvimento de 5 a 8 por cento aproximadamente em 2009. Isto significa que os receptores de remessas disporão entre 14 bilhões e 23 bilhões de dólares menos este ano, em comparação com 2008.
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A redução tem relevância devido a que nos anos anteriores se registraram taxas de crescimento anual de remessas de até 20 por cento, como é o caso do México, país em que o último dado disponível, no primeiro quadrimestre deste ano, mostra uma variação negativa de 3 por cento no ingresso deste fluxo de recursos.
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Normalmente, as remessas resistiam às comoções e muitas vez inclusive se incrementavam durante as crises econômicas nos países receptores. É pouco provável que os efeitos anticíclicos dessas transferências se repitam nesta ocasião devido à dimensão mundial da atual recessão, segundo o informe da FAO.
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Traduzido por Rosalvo Maciel

Os zapatistas

Polêmica entre o indigenismo e a autonomia política




Escrito por Guga Dorea
- Correio da Cidadania

Esses 15 anos de existência do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) nos revelaram uma questão das mais importantes para pensarmos a complexidade das relações sociais e interpessoais nos dias de hoje. O que é ser igual e diferente na sociedade contemporânea? Só para começar o diálogo, deter-me-ei nesse artigo a duas visões de mundo que permeiam o México: a concepção indigenista - que combate a existência dos próprios zapatistas - e a proposta de autonomia política e administrativa defendida pelo EZLN.

Antes de entrar nessa polêmica propriamente dita, é importante destacar como o México foi pensado, pela elite dominante, no âmbito da modernidade. O pensador mexicano Luis Villloro afirma que uma visão unilateral da História do México tende a priorizar a idéia de que uma nova nação só sairá do papel quando as diferenças forem sobrepujadas pela noção abstrata de um contrato social entre indivíduos iguais, no qual a heterogeneidade perde o seu contorno em nome da homogeneidade.

"A nova nação se concebe como uma unidade entre Estados (sistema de poder político) e nação (unidade de cultura e projeto coletivo). Ao novo Estado deve corresponder, portanto, uma nação homogênea: uma só ordem legal, uma só língua, uma educação comum, uma cultura nacional, um só projeto coletivo. Só se admitem diversidades que não rompam com essa unidade"(1).

Estamos entrando aqui na órbita ondulante de um discurso nitidamente liberal. Tal proposição pode apontar para a idéia de que as diferenças não devem se sobrepor à igualdade. A autonomia política parte de outra premissa: a de que a igualdade não gera necessariamente o reconhecimento das diferenças. Nesse caso, Villoro faz a seguinte indagação: o simples acesso do todo à plena cidadania, ou melhor, a uma suposta inclusão de todos na lógica do sistema vigente, significa o automático respeito ao chamado "diferente"?

Se a resposta for sim, não haveria mais a necessidade de buscar efetivamente a autonomia política em relação ao Estado. Todos serão iguais perante a lei quando a nação atingir um grau elevado de homogeneização "civilizatória". Retornamos com isso ao mito do progresso como motor para a inclusão do não-cidadão no espectro do mercado consumidor capitalista.

Diante disso, diz ainda Villoro, existe uma preposição no México de que o ser igual é sinônimo do vir a ser "um grupo de ‘letrados’ criollos e mestiços"(2) desqualificando, portando, a luta pela autonomia política no país. Trata-se, segundo ele, de uma nação que surge sob a égide do que é chamado de "contrato social"(3), no qual os povos indígenas não foram devidamente consultados.

Esse é o ponto de vista, segundo Héctor Díaz-Polanco(4), defendido pela corrente indigenista do México. Eles afirmam que o princípio da autonomia política depõe contra a homogeneização da nação, sendo depositário da cultura do atraso e do anti-progresso capitalista. Trata-se de colocar os defensores da autonomia como irradiadores da discórdia e de projetos xenófobos, que levariam à desintegração da unidade mexicana.

Dessa forma, os indigenistas afirmam que os defensores da autonomia são os culpados pela emergência dos fantasmas da balcanização, do separatismo e da ruptura política da unidade nacional. O direito de ser diferente, nesse caso, teria como suporte a anti-razão em contraposição à razão e o atraso em detrimento à evolução civilizatória e universal, à qual todos devem se adequar de uma forma homogênea e igualitária.

Para Polanco, tal polêmica está sendo pautada por conceitos diferenciados, ou seja, trata-se de um embate entre os indigenistas e uma visão etnicista que, segundo o autor, levou a uma "idealização das comunidades indígenas", que passaram a ser vistas como autênticas tendo no seu contraponto o "mundo oposto (o ‘ocidental"), este visualizado como o mundo das "trevas" e da opressão.

Autonomia, segundo diversos pensadores que debatem a partir de outra perspectiva, não significa lutar por separatismos, o que levaria, aí sim, a região a um perigoso isolamento político e cultural. Trata-se da possibilidade de um indivíduo ou coletivo exercer livremente seu projeto de vida constituindo-se, a partir daí, as diferenças inerentes a cada um de nós. É romper com a idéia de que de um lado existem os "iguais" e, de outro, os "diferentes".

Não é também resgatar uma concepção liberal de indivíduo, em que cada um é soberanamente dono de si e persegue seu interesse próprio, buscando o maior custo-benefício possível, sem levar em consideração a existência do outro. Ser autônomo, portanto, não é fechar-se em si mesmo e sim a tentativa de restabelecer formas diferenciadas de comunicação entre indivíduos ou coletivos.

Pensando mais especificamente na autonomia indígena que está em jogo no México, não se trata de buscar um eventual isolamento em guetos étnicos contra um eventual consenso unificador. Não é defender a imposição de um outro modelo de vida que se tornaria dominante, estabelecendo-se, como diria Foucault, uma luta de verdades contra verdades.

Mais recentemente, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (5) nos mostrou que é possível lutar pela igualdade quando a diferença nos inferioriza e pelo direito a sermos diferentes quando a idéia de igualdade deseja a aniquilação da própria diferença.

Continuaremos com esse tema no próximo artigo. Antes, fica uma questão para o leitor: o que você costuma pensar quando diz que o outro é "diferente"? Ele é "diferente" em relação a quê?

Notas:

1) Ver Villoro, Luis, O futuro dos povos indígenas, págs. 173 & 174, in Buenrostro Y Arellano, Alejandro & Umbelino de Oliveira, Ariovaldo (orgs), Chiapas: construindo a esperança, Paz e Terra, São Paulo, 2002

2) Ídem

3) Talvez o autor esteja vinculando essa idéia, em um ponto de vista teórico, ao conceito de "contrato social" criado, cada com uma concepção diferenciada, pelos autores clássicos da teoria política Hobbes, Locke e mesmo Rousseau. Inclusive, em seu livro "O poder e o Valor", Villoro afirma que se baseou, além de Marx e Maquiavel, em Rousseau, porém sem segui-los. Pelo contrário, ele utilizou os dois últimos como referências, como clássicos e indispensáveis que são, para se contrapor em seguida às suas convicções.

4) Ver Polanco-Díaz, Héctor, O Indigenismo Simulador IV, in Buenrostro Y Arellano, Alejandro & Umbelino de Oliveira, Ariovaldo (orgs), Chiapas: construindo a esperança, Paz e Terra, São Paulo, 2002

5) Ver Santos, Boaventura de Souza, Entrevista com Boaventura de Sousa Santos, www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura, s/d

Guga Dorea é jornalista, cientista político e pesquisador-colaborador do Projeto Xojobil.

Verdades sobre os EUA

Eleições no Irã...

Nova “Revolução Colorida” Orquestrada pelos EUA?

PAUL CRAIG ROBERTS


Embora a dúvida sobre a participação dos EUA, o autor, Paul Craig Roberts, ex-secretário adjunto do Tesouro, da administração Reagan informa-nos que a montagem da «operação secreta “negra” a fim de desestabilizar o governo iraniano», vem já desde 2007…
As declarações de Obama sobre os recentes acontecimentos no Irão, em agressividade crescente mas controlada, não só não deixam de se integrar na operação como se conjugam com a tentativa de recuperação, ao menos parcialmente, do prestígio perdido pelo império.


Há uma série de comentadores que tem vindo a exprimir a sua crença idealista na pureza de Mousavi, Montazeri, e da juventude ocidentalizada de Teerão. O plano de desestabilização da CIA, anunciado há dois anos (ver abaixo) não terá contaminado, por qualquer razão, os incidentes em curso.

Afirma-se que Ahmadinejad viciou as eleições, porque os resultados foram anunciados cedo demais após o fecho das urnas, antes de ser possível contar todos os votos. Mas Mousavi anunciou a sua vitória várias horas antes de as urnas fecharem. Isto é uma desestabilização clássica da CIA destinada a desacreditar um resultado oposto. Força uma declaração precoce sobre a votação. Quanto mais tempo durar o intervalo entre a prévia declaração de vitória e o anúncio da contagem dos votos, mais tempo tem Mousavi (e a CIA) para criar a impressão de que as autoridades estão a utilizar o tempo para alterar a votação. É de espantar que as pessoas não percebam este truque.

Quanto à acusação do grande ayatolla Montazeri de que as eleições foram viciadas, é preciso não esquecer que ele foi a escolha inicial para suceder a Khomeini, mas perdeu a favor do actual Líder Supremo, Khamenei. Encontra assim nos protestos uma oportunidade para ajustar contas com Khamenei. Montazeri tem um incentivo para contestar as eleições, esteja ou não a ser manipulado pela CIA, que tem uma bem sucedida história de manipular políticos frustrados.

Há uma luta pelo poder entre os ayatollas. Muitos deles alinharam contra Ahmadinejad porque este os acusa de corrupção, satisfazendo assim o Irão rural onde os iranianos acham que o estilo de vida dos ayatollas indica um excesso de poder e de dinheiro. Na minha opinião, o ataque de Ahmadinejad contra os ayatollas é oportunista. No entanto, torna-se esquisito para os seus detractores americanos afirmarem que ele é um reaccionário conservador alinhado ao lado dos ayatollas.

Há comentadores que “explicam” as eleições iranianas baseando-se nas suas próprias ilusões, desilusões, emoções e interesses ocultos. Quer os resultados das votações que predizem a vitória de Ahmadinejad sejam correctos ou não, até agora não há indícios que possam levar a concluir que as eleições foram viciadas. Por outro lado, há relatórios credíveis de que há dois anos que a CIA anda a trabalhar para desestabilizar o governo iraniano.

A 23 de Maio de 2007, Brian Ross [1] e Richard Esposito noticiaram no ABC News: “A CIA recebeu aprovação secreta presidencial para montar uma operação secreta “negra” a fim de desestabilizar o governo iraniano, afirmam à ABC News agentes, actuais e antigos, da comunidade dos serviços de informações”.

A 27 de Maio de 2007, o Telegraph de Londres noticiou sem reservas: “Bush assinou um documento oficial sancionando planos da CIA para uma campanha de propaganda e desinformação destinada a desestabilizar, e a fazer cair, o governo teocrático dos mullahs”.

Uns dias antes, a 16 de Maio de 2007, o Telegraph noticiara que John Bolton [2], o instigador da guerra neoconservador da administração Bush, dissera ao Telegraph que um ataque militar americano ao Irão “seria uma ‘última opção’ depois de falharem as sanções económicas e as tentativas para fomentar uma revolução popular”.

A 29 de Junho de 2008, Seymour Hersh [3] noticiou no New Yorker: “No final do ano passado, o Congresso aceitou um pedido do Presidente Bush para financiar uma grande escalada de operações secretas contra o Irão, segundo actuais e antigas fontes militares, dos serviços de informações e do Congresso. Estas operações, para as quais o Presidente pediu quatrocentos milhões de dólares, estavam descritas numa Decisão Presidencial assinada por Bush, e destinam-se a desestabilizar a liderança religiosa do país”.

Os protestos em Teerão têm sem dúvida muitos participantes sinceros. Mas os protestos têm também todas as marcas dos protestos orquestrados pela CIA na Geórgia e na Ucrânia. É preciso ser-se completamente cego para não ver isso.

Daniel McAdams sublinhou alguns pontos esclarecedores. Por exemplo, o neoconservador Kenneth Timmerman [4] escreveu, um dia antes das eleições, que “fala-se de uma ‘revolução verde’ em Teerão”. Como é que Timmerman podia saber disso a não ser que fosse um plano orquestrado? Porque é que havia de haver uma ‘revolução verde’ preparada antes da votação, principalmente se Mousavi e os seus apoiantes estavam tão confiantes na vitória como afirmam? Isto parece prova evidente de que os EU estão envolvidos nos protestos contra as eleições.

Timmerman continua, escrevendo que “o National Endowment for Democracy gastou milhões de dólares na promoção de revoluções ‘coloridas’… Parte desse dinheiro parece ter ido parar às mãos de grupos pró-Mousavi, que têm ligações a organizações não governamentais fora do Irão, que recebem fundos do National Endowment for Democracy”. A própria Foundation for Democracy, neoconservadora, de Timmerman é “uma organização privada, sem fins lucrativos, fundada em 1995, que recebe fundos da National Endowment for Democracy, para promover no Irão a democracia e padrões de direitos humanos internacionalmente reconhecidos”.

Notas:
[1] Brian Ross é um dos mais respeitados jornalistas de investigação nos EUA, correspondente
do ABC News desde 1994. (N.T.)
[2] John Robert Bolton é uma figura política conservadora que desempenhou cargos em várias
administrações presidenciais republicanas. Esteve envolvido em diversos grupos de grupos de
pensadores e institutos políticos conservadores, entre os quais o Project for the New American
Century (PNAC). É considerado como uma das figuras mais destacadas do movimento
neoconservador. (N.T.)
[3] Seymour Hersh é um jornalista de investigação, laureado com o Prémio Pulitzer dos
Estados Unidos, e escritor. Ficou conhecido mundialmente em 1969 pela denúncia do
Massacre de My Lai. Em 2006 noticiou os planos militares americanos em relação ao Irão que
aconselhavam, alegadamente, o uso de armas nucleares contra este país. (N.T.)
[4] Kenneth Timmerman é um jornalista, escritor político e activista republicano conservador.
Em 1995 fundou a Foundation for Democracy in Iran com o apoio de expatriados iranianos da
oposição para tentar derrubar o governo iraniano. (N.T.)




[*] Paul Craig Roberts foi secretário adjunto do Tesouro na administração Reagan e editor sócio do Wall Street Journal. Tem tido muitas nomeações de universidades. É co-autor de The Tyranny of Good Intentions.

Tradução de Margarida Ferreira

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Coisas da Sofia...

Teorias do seu próprio

By Sofia Yamin

São tantas teorias que tento criar, apenas algumas delas possuem fundamento.
Tento não racionalizar...
Mas me descubro examinando-as com tanto cuidado que acabo por imaginar um fundo de realidade em cada uma.
Claro, prefiro acreditar na aplicabilidade de algumas, mas tantas são tão tolas ou mesmo inimagináveis de serem construídas num plano real... Que acabo por me esvairir na minha plena harmonia de ser eu. E quem sou eu? Ah sim, eu tento definir... Mas tal definição é para poucos, não tente descobrir.
Aquelas teorias então... São aplicáveis ainda ao meu ser. Apenas eu. Podes usar alguma se quiseres, mas deves entendê-la no seu todo.
Tudo bem, cada uma é mutável a sua própria essência... No entanto, qual é a graça em desenvolver uma teoria própria, original, aplicável apenas a uma pessoa racional ou mesmo irracional nos sentidos de sentir, ser, existir?
Só posso dizer que nesse momento sou completa.
Planejo meu destino, nem sempre sou bem sucedida.
Sinto o que eu faço, vejo as vozes, leio as pessoas, examino a mim mesma com uma lupa.
E com essa mesma lupa olho a essência da pessoa mais perto de mim.
Assim verbalizo meu gosto de sentir o sabor das palavras, da inocência, da irracionalidade, da ação.
Afinal, para eu me sentir completa, eu preciso de identificação ou contrariedade?
Apenas prefiro sentir, tento sentir sem racionalizar.
Mundo repleto de teorias inimagináveis e imperceptíveis à alma comum.

A síndrome do manual


Escrito por Wladimir Pomar

www.correiocidadania.com.br

Se a militância com consciência adquirida, aproveitando-se do conhecimento de outras experiências de luta, for capaz de sugerir ações que ajudem as massas a superar suas dificuldades, teremos um caso concreto de influência da consciência sobre a mobilização espontânea.

No entanto, como em tudo o mais, foi a prática anterior que forjou aquela consciência. E será a prática da luta que comprovará se a influência consciente foi eficaz e contribuiu para a vitória. Ou se, ao contrário, não teve efeito, ou contribuiu para a derrota. Não é por acaso que alguns marxistas consideram a prática como o critério para definir a verdade, e sintetizam o método marxista como a análise concreta de uma situação concreta.

Em outras palavras, nenhum manual pode dar conta de todas as situações que a realidade oferece. No fundo, a dificuldade de uma parte da esquerda brasileira, diante da atual realidade e atitude das massas populares, consiste justamente no fato de que a situação política de nosso país, assim como de vários outros países do mundo, inclusive da América Latina, não consta de qualquer manual.

Vale a pena lembrar que, como uma das formas de resolver a questão agrária, Marx chegou a sugerir que os latifundiários fossem indenizados. O que, para alguns pensadores de esquerda, deve parecer uma espécie de traição. E que Engels, por sua vez, levantou a hipótese de que os social-democratas (quando os social-democratas eram revolucionários) poderiam chegar ao governo por via eleitoral, o que agora está se configurando como realidade.

Essas sugestões dos fundadores do materialismo histórico são, em geral, desconhecidas. E a possibilidade de sua concretização jamais fez parte de qualquer dos posteriores manuais doutrinários da esquerda. Assim, é natural que um sem-número de líderes e militantes populares estejam incomodados com a situação, inusitada, de partidos populares, partidos socialistas e partidos comunistas estarem vencendo eleições para governos. Isto, num continente que se notabilizou, até os anos 1980, algumas vezes, inclusive, com apoio social, por políticas ferozmente anti-populares, anti-socialistas e anticomunistas.

Também é natural que esses líderes e militantes, numa espécie de ação de autodefesa, abjurem tudo que cheire a espontaneísmo, mesmo que seja a espontaneidade de grandes massas populares. Ou que chancelem como traição tudo que se assemelhe à administração do capitalismo realmente existente, ou qualquer aliança com setores burgueses.

Um dos problemas reside em que, ao fazerem isso, quase sempre descambam para o voluntarismo, mesmo que apenas verbal. Ou, o que é pior, sob o argumento de que uma parte da esquerda traiu seus ideais, resvalem para posições conservadoras ou reacionárias, tomando-as como "mais progressistas". Exemplo evidente disso são as alianças políticas, especialmente nos parlamentos, entre setores da ultra-esquerda e o tucanato, sob o argumento de que o governo Lula é neoliberal e castrador da iniciativa popular.

Isso é o que se pode chamar de síndrome do manual. Com ela, esses setores abandonam qualquer possibilidade de elaborar políticas que respondam à realidade concreta com que nos defrontamos. E, como resultado, corremos o risco de vê-los apoiando o "progressista" Serra contra o candidato do PT e de Lula, nas eleições de 2010.

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

Irã: o fim da encenação de "revolução colorida"


Por M.K.Bhadrakumar*, Asia Times Online
Tradução: Caia Fittipaldi


Os israelenses são muito realistas. (...) Por isso, o primeiro sinal de alerta de que ninguém esperasse alguma "Twitter revolution" no Irã, porque o projeto estaria condenado ao fracasso, veio dos israelenses. Os israelenses foram os primeiros a observar que permanecia inalterada a capacidade política do Líder Supremo Ali Khamenei para manter a ordem, por mais explosiva que parecesse a situação e por mais que a mídia 'ocidental' repetisse incansavelmente que o regime iraniano estaria "por um fio".


Se alguém ainda duvidasse da "armação'', bastaria, para convencer-se, observar a fúria da mídia estatal da Arábia Saudita, em ataque violentíssimo, dirigido pessoalmente contra Khamenei e o presidente Mahmud Ahmadinejad -- ataque que contradiz as tradições da ta'arof (polidez) e, até, também, da taqiyah (dissimulação), tão importantes nessa parte do mundo. Acabaram-se as esperanças tão longamente cultivadas por Riad, de ver o enfraquecimento do regime iraniano que resultaria de alguma "longa crise". O principal interlocutor da Arábia Saudita, Akbar Hashemi Rafsanjani, foi varrido do tabuleiro. Riad que se prepare, agora, para enfrentar a ira de Teerã.


Israel: um correto prognóstico


Em extraordinário "vazamento" para a mídia do final da semana, imediatamente depois do histórico discurso de Khamenei nas orações da 6ª-feira, Meir Dagan, chefe do Mossad israelense, deixou "escapar" que a vitória do candidato de oposição, Mir Hossein Mousavi, nas eleições presidenciais de 12/6 no Irã significaria "grandes problemas" para Israel.


Os israelenses têm modo próprio de dizer as coisas. Meir Dagan não fez senão reconhecer, com sutileza, a realidade política em Teerã, que Israel não conseguirá alterar. Falando em audiência da Comissão de Defesa e Relações Internacionais do Parlamento israelense, em meados da semana passada, o espião-chefe de Israel já previa que os protestos em Teerã acabariam, por total falta de oxigênio. Segundo o jornal Ha'aretz, Dagan disse: "Não houve fraude nas eleições no Irã; se houve, é a fraude-padrão que sempre acontece em todos os Estados liberais em todas as eleições. A disputa no Irã é assunto interno e nada tem a ver com as aspirações estratégicas do país nem como programa nuclear -- que não se alterarão, seja quem for o próximo presidente."


Em seguida, explicou: "O mundo -- e nós -- já conhecemos Ahmadinejad. Se o candidato reformista Mousavi tivesse sido eleito, Israel estaria em situação mais difícil, porque seria preciso explicar ao mundo o perigo iraniano, porque o mundo imagina que Mousavi seja elemento moderado. É preciso lembrar que o programa nuclear iraniano foi iniciado por Mousavi, quando primeiro-ministro."


A análise é perfeitíssima. Israel rapidamente informou a Teerã, por canais diplomáticos discretíssimos, que Israel nada tinha a ver com nenhuma revolução "colorida". Foi informe muito oportuno. De fato, divisões que agora vieram à tona em Teerã existem há muito tempo e são divisões do regime iraniano, muito mais do que de alguma sociedade iraniana. É muito evidente para quem conheça a região, que não está em andamento qualquer tipo de revolução "colorida" no Irã. Todos sabem disso; até um incansável crítico do regime, como o veterano escritor Amir Taheri, já admitiu:


"O regime beneficiou-se da fanfarronice de Ahmadinejad; ninguém, na sociedade iraniana conhece alguém melhor que Ahmadinejad para fazer o que Ahmadinejad faz. O ponto fraco de Ahmadinejad é ainda não ter podido por na cadeia os mulás mais ricos e corruptos, como prometeu que faria. (...) Hoje, é a mais autêntica manifestação do movimento Khomeinista, de um modo tal que nem Mousavi nem [o ex-presidente Mohammad] Khatami, ou qualquer outro desses Khomeinistas jamais seriam."


Limitações de Mousavi


Contra todas as evidências, Mousavi reacendeu muitas esperanças no "ocidente"-- sobretudo em Londres, Paris e Berlin --e em algumas das capitais árabes 'pró-ocidente'. Mas, isso, porque todos conhecem Mousavi, que foi Chanceler e primeiro-ministro entre 1981 e 1989. Ninguém jamais pensou que se tratasse de reformador ou que tendesse a alguma "modernidade". Nas palavras do mesmo Taheri, cronista bem-informado do Oriente Médio, Mousavi, enquanto esteve no poder, "construiu ampla rede de contatos nos EUA, Europa e países árabes".


Taheri lembra, por exemplo, que o homem que conduziu as demoradas negociações na Argélia, que resultaram na libertação dos reféns norte-americanos em 1981, Behzad Nabvi, ainda é, hoje, assessor de Mousavi. E também Abbas Kangarioo, que conduziu as negociações secretas com o governo de Ronald Reagan que se conhecem hoje como "Irãgate", ou "o negócio Irã-Contras". Kangarioo, amigo e assessor-chave de Mousavi, também é conhecido por ter "construído uma rede de contatos nos círculos diplomáticos e dos serviços secretos, na Europa e nos EUA".


Como seria de esperar, Taheri estima que, embora a fama de Mousavi tenha alcançado alguns dos círculos mais fechados da espionagem ocidental, ele, "em casa", só seduz alguns grupos das classes médias urbanas que desejam apagar do mundo a "revolução khomeinista" (...). Gente como Mousavi e os ex-presidentes Mohammad Khatami e Hashemi Rafsanjani já deixaram, há muito tempo, de serem vistos como revolucionários genuínos e confiáveis".


Pensando por outras vias, Taheri chega praticamente à mesma conclusão definitiva à que chegou o chefe dos espiões israelenses: um interlocutor fraco sem qualquer apoio da base khomeinista, como Mousavi, jamais teria poder para fazer todas as concessões que os EUA, os europeus e os árabes exigem; mas Ahmadinejad, sim, pode chegar a uma posição menos dura do que a que defende hoje; em todos os casos, qualquer concessão que Ahmadinejad venha a fazer, sempre poderá ser apresentada como "recurso pragmático de negociação". O ocidente parece acreditar que será mais fácil negociar com Ahmadinejad, que tem base de votos e representação legítimas.


Se se avaliam os quatro anos passados, é fato que Ahmadinejad restaurou a conexão entre o regime e o discurso populista radical. "Há quatro anos", escreveu Taheri, "o regime era visto como governo de uma claque de mulás sem expressão e seus sócios comerciais, que governavam o país como se fosse empresa da qual fossem os sócios majoritários. Os grupos mais oprimidos, os excluídos dessa ordem político-econômica viam-se a si mesmos como vítimas de uma espécie de grande traição histórica. Com Ahmadinejad, chegou ao poder uma nova geração de políticos desligados da imagem de corrupção dos governos anteriores, associados aos princípios islâmicos de probidade; assim os pobres e oprimidos voltaram a crer que nem tudo estivesse perdido."


O populismo de Ahmadinejad é faca de dois gumes; se for excessivamente explorado, acabará por minar a legitimidade do regime, que incluiu grupos ativos de corrupção também no establishment clerical. Mas Ahmadinejad é político inteligente. E amadureceu, é claro, nos quatro anos de presidência. Embora autodesdescreva-se como locomotiva sem freios, Ahmadinejad sabe onde e quando parar e olhar em volta para ver em que ponto do campo estão os demais jogadores. Por isso, denunciou inúmeras práticas de corrupção e ameaçou processar vários políticos de destaque, mas parou pouco antes de ter, mesmo, de processar alguém. A questão realmente importante (também para a oposição) é saber se Ahmadinejad, no segundo mandato, voltará a lançar sua rede de pescar corruptos.


Rafsanjani perdeu a guerra


E Khamenei continua a ser o árbitro, líder supremo de fato e de direito. Ahmadinejad não contestou a legitimidade de Khamenei, antes a reconheceu e reafirmou, ao manifestar, em carta formal, sua "gratidão" a Khamenei por suas "preciosas observações" nas orações da 6ª-feira. O último ato no palco do poder, na 6ª-feira, mostrou que Khamenei efetivamente conseguiu abortar a tentativa, por Rafsanjani, de criar alguma espécie de levante entre os clérigos, em Qom. O ponto definitivo, que demarcou o fracasso do golpe de Rafsanjani aconteceu na 5ª-feira, quando a maioria dos 86 membros do Conselho dos Guardiões (que fora chefiado por Rafsanjani) abertamente apoiaram Khamenei. (...) Armado com todo esse apoio, Khamenei pôde fazer seu sermão histórico, na 6ª-feira, 19/6, quando negou definitivamente qualquer possibilidade de modificar o resultado das eleições. Rafsanjani não foi visto na mesquita, para ouvir o sermão em que Khamenei apoiou Ahmadinejad, aberta e claramente, chamando atenção para o quanto coincidem os pontos de vista de ambos.


Khamenei referiu-se a Rafsanjani pelo primeiro nome, não estando ele presente. A mensagem foi ouvida, alta e clara: a supremacia de Khamenei continua intacta e não deve ser contestada. Ainda mais significativo: Khamenei absolveu Rafsanjani nas acusações de corrupção pessoal; mas deixou aberta a possibilidade de que vários membros de sua família sejam processados por corrupção. Daqui em diante, Rafsanjani terá de pesar cuidadosamente cada um de seus passos; e tem de temer a espada de Dâmocles que foi pendurada sobre a cabeça de seus parentes, os quais -- segundo dizem muitos, em Teerã -- acumularam fortunas imensas, nem sempre por vias legais.


Khamenei, além disso, tampouco fez qualquer esforço para contradizer as acusações que Ahmadinejad introduziu na campanha eleitoral, de que Rafsanjani conspirara com o regime saudita para derrubar o governo Khamenei. É ideia que só pode ter chegado ao presidente por informes dos serviços de inteligência do Irã; e os serviços de inteligência trabalham sob supervisão direta e atentíssima de Khamenei.


No sábado, a Assembléia dos Especialistas deu um passo adiante e manifestou "integral apoio" às palavras de Khamenei. Conclamou a nação a seguir a orientação de Khamenei. Também no sábado, as forças armadas; a Associação de Professores do Seminário de Qom; e inúmeras outras vozes sociais influentes no regime declararam apoio a Khamenei. Os clérigos ditos "reformistas" alinhados com Khatami mudaram de ideia e já cancelaram as manifestações marcadas para o sábado.


A dura realidade, portanto, é que os imensíssimos poderes de Khamenei permanecem intactos. Pode deixar que prossigam as manifestações dos seguidores de classe média rica a favor de Mousavi, deixando que se autoconsumam no próprio alarido; tem autoridade e poder para fazê-lo. Isso implica dizer que é possível que os "protestos" continuem por mais algum tempo -- o que parece improvável , porque o próprio Mousavi já sabe que está num beco sem saída --, sem que qualquer manifestação urbana cenográfica implique qualquer ameaça ao poder de Khamenei.


Nas palavras de Taheri, "Autoproclamados 'especialistas' em Iran parecem não perceber que Mousavi foi uma espécie de balão-de-ensaio lançado por alguns setores da classe média, para expor sua ira contra não só o presidente eleito e reeleito, mas, também, contra todo o regime Khomeinista. De fato, não há sequer uma linha no currículo de Mousavi (...) que o torne mais atraente para aquela classe média ocidentalizante que Ahmadinejad."


No final de todo o espetáculo, a comunidade internacional só pode suspirar aliviada por, no momento em que se encenava esse drama complexo e extremamente difícil de decifrar, já não haver qualquer George W Bush na Casa Branca, em Washington. Parece pelo menos possível que o novo presidente dos EUA, Barack Obama, consiga entender ou pressentir as sutilezas da situação; é crível que tenha, sim, decidido adotar posição de distanciamento e equilíbrio e manter-se nela, apesar da pressão que parecem estar fazendo os mais conservadores.


Os comentários de Obama nem de longe contestaram a legitimidade de Ahmadinejad (nem de Khamenei) para governarem o país. Obama tampouco se identificou com a "exigência" (de Mousavi) de novas eleições. De fato, Obama deixou-se ficar ostensivamente separado de Mousavi. Mais que isso, nada fez que sugerisse a possibilidade de "retirar" a oferta de "mãos estendidas" em direção ao Irã.


(...) Os iranianos viram bem claramente que as palavras de Obama foram e continuam muito atentamente moduladas, embora, diz Teerã, a "Voz da América" tenha feito comentários contraditórios em relação ao que disse o presidente Obama. O ministro das Relações Exteriores, Manouchehr Mottaki, em fala divulgada por rádio e TV em Teerã, criticou Inglaterra, França e Alemanha; mas não fez qualquer referência aos EUA (nem a Israel). Parece que Teerã está afinando a mira, primeiro, contra a Inglaterra.


Mottaki disse que os ingleses treinam sabotadores no Iraque e os infiltram em território iraniano. Sinal de que a autoconfiança de Teerã está em alta, é terem escolhido a Inglaterra como alvo, até, de ironias. Mottaki disse que o mundo mudou e é mais que hora de a Inglaterra aposentar velhas fantasias de que "o sol jamais se põe no Império Britânico".


*M. K. Bhadrakumar é diplomata de carreira do MRE indiano. Serviu na União Soviética, na Coreia do Sul, no Sri Lanka, na Alemanha, no Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Ainda Keynes....

As duas facetas de Keynes


Chris Harman

Economistas de esquerda e de direita apresentam as idéias e propostas de Keynes como resposta à atual crise do capitalismo. Desde as teorias de Keynes, pretende-se fazer pequenas mudanças que não desafiem fundamentalmente o funcionamento do capitalismo. Não é hora, para quem se reivindica de esquerda, de reconhecer suas debilidades?

"Hoje, todos acham que foi um grande economista". É o que diz um artigo do Financial Times sobre John Maynard Keynes. E é o que aparenta ser. Dizem que Keynes mostrou nos anos 30 como superar as crises e que seus métodos podem ser aplicados aos dias atuais.

Entretanto, há um grande erro nesta mensagem. Keynes nunca mostrou como superar as crises nos anos 30, o que fez foi polemizar impiedosamente contra aqueles que consideravam que as crises poderiam ser superadas a partir da piora das condições de vida dos trabalhadores e que, em última instância, era o preço a ser pago para salvar a economia de mercado. Os argumentos de Keynes sobre a idiotice de acreditar que o mercado solucionaria nossos problemas continuam relevantes para os dias de hoje.

Os economistas convencionais de hoje confiam na chamada Lei de Say que defende que não se pode gerar uma crise de superprodução porque alguém sempre compra algo que alguém vende. Keynes tinha um ponto de vista que já havia sido colocado 60 anos antes por Karl Marx (mesmo que Keynes tenha dito que leu algumas poucas páginas das obras de Marx): tudo que é produzido pela economia apenas pode ser vendido se os trabalhadores gastam todo seu salário e os capitalistas gastam todos seus lucros. Os trabalhadores não podem evitar com que gastem todo seu salário. Mas os capitalistas podem decidir guardar seus lucros em bancos ou "debaixo da cama", ao invés de utilizá-los para investimentos ou gastos próprios. Neste caso, abre-se uma brecha entre o que se produz e o que se pode vender.

Aos que diziam que mais bens podem ser vendidos e que o desemprego pode desaparecer se os trabalhadores aceitassem reduções salariais - o que permitiria uma queda nos preços - Keynes respondeu que isto significava que os trabalhadores comprariam menos bens. E, conseqüentemente, implicaria em mais reduções salariais e diminuição das vendas. Desta maneira, ele destruiu o argumento que era utilizado como justificativa para não fazer nada sobre as massas desempregadas. Mas ele não encarou seus argumentos como "anticapitalistas", mas sim como uma forma de convencer os capitalistas a aceitar mudanças que poderiam salvar o capitalismo.

Keynes escreveu que sua teoria era "moderadamente conservadora em suas implicações". Seu biógrafo, Lord Skidessky, diz que as propostas de Keynes foram adaptadas “levando em conta a psicologia da comunidade empresarial. Na prática, ele foi muito cauteloso”. Tudo o que era necessário era a capacidade de intervenção do Estado para elevar o nível de investimento e de consumo. Dois tipos de medidas eram necessários.

Em primeiro lugar, os governos deveriam reduzir a taxa de juros. Isto poderia encorajar as pessoas a gastarem, ao invés de guardarem, sua renda, o que proporcionaria um mercado para a produção e encorajaria as empresas a investirem. No entanto, Keynes reconhecia que era "um tanto cético sobre a mera aplicação de políticas monetárias". Segundo, os governos poderiam realizar gastos por conta própria que seriam financiados por empréstimos. Tal "déficit de financiamento" seria eventualmente pago por conta própria, já que ao ocorrer crescimento econômico o governo arrecadaria com o aumento de impostos.

Mas quando suas políticas foram postas em prática, Keynes estava preocupado por causar incômodo aos capitalistas, já que a reação psicológica deles determinava de que forma o investimento seria aplicado. Logo, suas propostas eram muito moderadas para poder pôr um fim à Grande Depressão. No início dos anos 30, quando o desemprego aumentava em 100%, Keynes apoiou Lloyd George, líder conservador britânico que havia sido primeiro-ministro na década passada, em um chamado para um programa de obras públicas que diminuiria o aumento do desemprego para 89%. Keynes aconselhou Roosevelt a não pôr em prática "negócios e reformas sociais que deveriam ter sido adotados muito antes" porque "complicavam a recuperação" e incomodariam "a confiança dos empresários".

Uma estimativa afirma que para criar três milhões de postos de trabalho necessários para pôr fim ao desemprego no auge da Grande Depressão dos anos 30 teria sido necessário um aumento de, aproximadamente, 59% nos gastos públicos. Este aumento não era possível com os métodos "gradualistas" de Keynes, já que conduziriam diretamente a uma fuga de capitais ao exterior, um aumento das importações, um déficit na balança de pagamentos e um forte aumento das taxas de juros.

Em alguns trechos de sua obra mais importante, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, Keynes percebeu que este tipo de moderação talvez não fosse suficiente. Ele sugeriu que alguma coisa fundamental ao sistema estava provocando uma diminuição no investimento – uma diminuição da "eficiência marginal do investimento". Esta idéia é parecida em alguns aspectos à teoria de Marx sobre a queda da taxa de lucro e mostra que essencialmente há algo de errado no capitalismo e que não pode ser solucionado apenas através do ajuste das taxas de juros ou dos níveis de gastos do governo. Isto levou Keynes a sua afirmação mais radical: "A socialização dos investimentos seria o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego".

O próprio Keynes não se aprofundou em suas análises, tampouco seus seguidores. Pelo contrário, assim como Keynes, adaptaram sua teoria ao que o capitalismo poderia aceitar. Hoje, os recém-convertidos ao keynesianismo nos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outros países europeus buscam, assim como defendia Keynes, salvar o capitalismo de si mesmo. Isto significa que eles tentarão nos fazer pagar a conta pela crise para que os capitalistas continuem contentes.

Os keynesianos de esquerda têm que escolher entre duas opções: concordarem com os recém-convertidos ao keynesianismo e buscarem encontrar maneiras de salvar o capitalismo ou refletirem sobre as afirmações e idéias mais radicais de Keynes e unirem-se aos marxistas no desafio ao controle da economia pelo capital.

Tradução: Henrique Sanchez

Artigo de Frei Beto....

Esqueceram de mim ou o Fracasso do G-20






Frei Betto *Adital -

Meu nome é miséria. Comprometo, hoje, a vida de cerca de 1,5 bilhão de pessoas, sobretudo crianças desnutridas, vulneráveis à morte precoce.

Tinha esperança de que na reunião em Londres, no início de abril, o G-20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, se lembrasse de mim. Hoje, devido à indiferença dos que governam o mundo, ameaço a maioria da população da África, cuja situação é agravada por cerca de 25 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV. Em menor proporção, estou presente também na Ásia e na América Latina.

No Brasil, sou encontrada a olhos vistos no Vale do Jequitinhonha (MG), na fronteira entre Alagoas e Pernambuco, no interior do Maranhão e do Pará, nas tribos indígenas e entre a população quilombola. E, de modo aberrante, nas favelas que circundam as grandes cidades.

Esperava que o G-20, frente à crise financeira mundial, fosse destinar recursos para reduzir a minha incidência global. Segundo as Metas do Milênio, da ONU, bastariam US$ 500 bilhões para erradicar a fome crônica que, hoje, castiga 950 milhões de pessoas.

Os governantes do G-20 sofrem de hiperopia, o contrário da miopia: enxergam muito mal de perto. Em vez de debaterem como livrar o mundo da minha presença, decidiram destinar US$ 1,1 trilhão para "salvar o mercado", entenda-se, FMI, BID, Banco Mundial, grandes empresas e bancos - os responsáveis pela crise.

O capitalismo neoliberal deu um tiro no próprio pé. Agora apela aos cofres públicos para socorrer os "pobres" miliardários que costumam transformar a injeção de recursos em bônus astronômicos aos executivos de empresas sob risco de falência.

Que decepção o G-20! Pensei que daria fim aos paraísos fiscais. Em vez de fechar o bordel, decidiu divulgar o nome de seus frequentadores. Viva o império dos laranjas! Já deve ter gente abrindo empresas capazes de dividir a grana do narcotráfico e da corrupção em porções mais palatáveis.

Por que o G-20 não proibiu governos, empresas e pessoas físicas de terem ativos em paraísos fiscais ou de se associarem a instituições ali estabelecidas? A resposta é óbvia: encarregou a raposa de manter fechado o galinheiro...

Vários países europeus são verdadeiros Éden para as finanças escusas: Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Áustria, a City de Londres etc. Quem garante que esses feudos de riqueza ilícita (no mínimo, sonegadora de impostos em seus países de origem) vão mesmo quebrar o sigilo bancário de seus clientes, como quer o G-20?

E por que entregar toda essa fortuna de US$ 1,1 trilhão ao FMI, de triste memória? Todos sabemos tratar-se de uma instituição atrelada à Casa Branca e à política exterior usamericana; mete o nariz nas finanças dos países que lhe tomam dinheiro emprestado; impõe medidas econômicas que favorecem privatizações, aumento da desigualdade social, oligopolização de empresas e bancos etc.

Em suma: os contribuintes, ou seja, o povo, que mais paga impostos, está compulsoriamente convocado a canalizar fortunas para tentar aplacar a crise financeira dos donos do mundo. Estes temem que, sem crédito, os países emergentes deixem de comprar produtos manufaturados das nações ricas, aumentando o desemprego, e sigam o exemplo do Equador, que decretou moratória enquanto durar a crise.

Antes de pensar em contribuir com US$ 10 bilhões para a "vaquinha" do FMI, o Brasil deveria curar-se da hiperopia e olhar um pouco mais para mim: com esse recurso eu seria progressivamente erradicada e haveria aqui mais educação, menos violência urbana e, portanto, mais qualificação profissional e menos desemprego.

[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.


Maria Alcina - Maria Alcina (1974)




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