terça-feira, 21 de julho de 2009

Reforma agrária:

crise e novas perspectivas




Escrito por Osvaldo Russo

No Brasil, há 4 milhões de pequenas unidades produtoras agrícolas, entre as quais quase 1 milhão nos assentamentos, que respondem pela maior parte da produção de alimentos que abastecem o mercado interno brasileiro. Ao contrário do agronegócio, a reforma agrária e a agricultura familiar-camponesa constituem a opção democrática e sustentável para um desenvolvimento com eqüidade social e respeito ao meio ambiente.

A crise mundial do capital aponta para novas perspectivas de mobilização social e afirmação da agricultura camponesa e familiar como estratégica ao desenvolvimento sustentável, onde a reforma agrária tenha centralidade, com geração de mais empregos, respeito ao meio ambiente e produção de alimentos saudáveis que garanta a soberania alimentar do país. Segundo dados oficiais, o governo Lula foi responsável por mais da metade dos assentamentos realizados em toda a história brasileira e o Pronaf saltou de pouco mais de R$ 2 bilhões, na safra 2002-2003, para R$ 13 bilhões, em 2008-2009.

Para a próxima safra, o governo anunciou R$ 15 bilhões. É preciso também registrar que os programas sociais em curso alteraram o panorama rural brasileiro, melhorando a qualidade de vida no campo.

Em relação à reforma agrária, no entanto, há entraves que precisam ser superados, como a atualização dos índices de produtividade, o cumprimento integral dos requisitos constitucionais da função social da propriedade, a aceleração da imissão de posse, a abolição dos juros compensatórios das indenizações por interesse social e a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do trabalho escravo, além da fixação do limite de propriedade defendida pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.

A recente aprovação pela Comissão de Agricultura do Senado Federal de projeto que altera parâmetros de aferição da produtividade da terra, subordinando a atualização dos respectivos índices ao Congresso Nacional, além de flagrantemente inconstitucional, mostra a cara retrógada tanto do latifúndio improdutivo como do agronegócio.

Em relação ao programa de regularização fundiária na Amazônia Legal, que legaliza a ocupação de área pública até 15 módulos fiscais (1.500 hectares), os movimentos sociais agrários e ambientais manifestam-se contra esse programa, quer porque amplia o limite de áreas públicas a serem regularizadas, abrindo brechas para a apropriação do patrimônio público por especuladores, quer por estar na contramão do sistema agrário de base familiar consagrado no ordenamento agrário brasileiro. É preciso ter clareza de que a principal fonte de desmatamento e ocupação fundiária irregular na Amazônia se dá pela ação de madeireiros, grileiros e fazendeiros do chamado agronegócio, com exploração da pecuária extensiva e da plantação de soja.

Há contradições e limitações que precisam ser superadas, entre as quais a nossa herança escravista, mas não há incompatibilidade entre reforma agrária e desenvolvimento. Diante da crise mundial, a hora é de dialogar e unir forças políticas e sociais para avançar e consolidar o processo brasileiro de desenvolvimento com distribuição da renda, da terra, do crédito e dos serviços, priorizando o emprego, a educação, a seguridade social, a reforma agrária e a preservação do meio ambiente.

A pesquisa realizada em 2007 pelo Ibase – Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas - aponta que houve avanços nos índices de segurança alimentar e nutricional da população contemplada com a transferência de renda efetuada pelo Bolsa Família, ainda que permaneça um contingente de famílias que mantém elevados índices de insegurança alimentar.

Entretanto, para o combate estrutural à pobreza rural, é preciso avançar no programa de reforma agrária e na qualificação da educação no campo. Com isso, certamente, estaremos construindo as portas de saída para os programas sociais na área rural.

As exportações de commodities agrícolas transformaram a alimentação em mercadoria, gerando lucros fabulosos sem qualquer preocupação com a necessidade de alimentar as pessoas. Segundo a Organização para as Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), quase 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo. São os pobres em todo o mundo os que mais sofrem com as crises e as desigualdades do capitalismo. Ou mudamos a matriz da produção de bens agrícolas, democratizando a terra e priorizando a produção de base familiar, ou estaremos inviabilizando a vida saudável no planeta.

Osvaldo Russo é coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). Texto-base da exposição realizada no 51º Congresso da UNE, em 17/07/2009.

Genocidio em Gaza...

Gaza, pior que a pior das nossas prisões

“Gaza está prestes a transformar-se no primeiro território a ser reduzido a uma situação de absoluta miséria, de forma deliberada e com o conhecimento, o consentimento e, inclusivamente, o apoio da comunidade internacional”.



Ignacio Álvarez-Ossorio*

O discurso de Obama no Cairo foi seguido com particular atenção em Gaza. Apesar do presidente estadunidense se ter referido «à dor suportada pelos palestinos durante 60 anos», não conseguiu aliviar o sofrimento de uma população que há muito tempo deixou de acreditar em milagres. Desde que em Julho de 2007 o Hamas tomou o controlo da faixa mediterrânica, o seu milhão e meio de residentes sofre um dos mais implacáveis bloqueios que se podem imaginar, perante a mais absoluta indiferença dos países ocidentais. Entrar ou sair de Gaza tornou-se uma missão impossível, pois fechada às sete chaves pelas autoridades israelenses, que controlam ferreamente as suas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres.

O pesadelo não começou em 27 de Dezembro de 2008 com a operação Chumbo fundido, mas a 15 de Agosto de 2005, quando Ariel Sharon retirou unilateralmente as suas tropas e colonos da Faixa de Gaza. Dois anos depois, o governo de Ehud Olmert declarou-a «entidade hostil», o que preparou o caminho para que se impusessem diversas medidas punitivas, entre elas a interrupção progressiva do aprovisionamento de água, electricidade e gás. Tudo isto com um propósito duplo: debilitar o Hamas, que tinha saído fortalecido depois da sua vitória eleitoral em Janeiro de 2006, e castigar a população por lhe ter dado o seu voto. Dov Weissglass, conselheiro de Sharon e Olmert, chegou a recomendar que os palestinos fossem submetidos a «uma dieta de adelgaçamento», recomendação essa que foi tomada à letra.

É preciso recordar que os castigos colectivos supõem uma flagrante violação do Direito Internacional e estão estritamente proibidos pela Quarta Convenção de Genebra de 1949, que no seu artigo 33 estabelece: «Não se castigará nenhuma pessoas protegida por infrações que não tenha pessoalmente cometido. São proibidos os castigos colectivos, bem como toda a medida de intimidação ou de terrorismo. São proibidas as medidas de represália contra as pessoas protegidas e os seus bens».

Este bloqueio, que se levou a cabo com extrema diligência, veio agravar os problemas estruturais de um território que suporta a mais elevada densidade populacional do mundo. Em pouco tempo, a economia de Gaza foi desmantelada e a população ficou afundada na pobreza. Como já constatou o organismo de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, em Dezembro de 2007, «nos últimos seis meses a maioria das empresas privadas fecharam e 95% das trabalhos industriais foram suspensos devido à proibição de importar matérias-primas e ao bloqueio das exportações: 3.500 das 3.900 oficinas foram obrigadas a fechar as suas portas, o que se saldou por uma perda de 75.000 empregos no sector privado».

O estrangulamento da faixa elevou 20% a percentagem de população que vivia abaixo do limiar de pobreza (passou de 55% para 75%) e deixou sem trabalho uma em cada duas pessoas. Hoje em dia, 1.265.000 dos habitantes de Gaza dependem da ajuda internacional. Face a esta situação, o director de operações da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), John Ging, sublinhou que «os palestinos têm direito a dispor de um meio de vida. Não querem ver-se reduzidos aà mendicidade para ganhar o pão, mas neste momento 90% da população depende das divisões de comida das Nações Unidas. As pessoas chamam a este lugar prisão, mas não é uma prisão, porque uma prisão europeia tem muito melhores condições».

A crise humanitária que varre Gaza não é fruto do acaso nem tampouco foi provocada por um qualquer desastre natural, ela obedece a uma estratégia deliberada com o fim de converter o problema nacional palestino num mero assunto humanitário ou, como disse Victor Currea-Lugo, «uma tentativa de redução do problema palestino a um problema de mais ou menos arroz». Só assim se pode compreender que o número de pessoas que depende de ajuda alimentar tenha decuplicado em apenas uma década. Karen Abu Zayd, principal responsável da UNRWA na região, advertiu que «Gaza está prestes a transformar-se no primeiro território a ser reduzido a uma situação de absoluta miséria, de forma deliberada e com o conhecimento, o consentimento e, inclusivamente, o apoio da comunidade internacional».

Esforços como o da Conferência de Sharm el Sheik de 2 de Março de 2009, onde vários países se comprometeram a doar 3.200 milhões de euros, são completamente estéreis, dado que não existem as estruturas adequadas paar a sua distribuição nem tampouco forma de reconstruir a Faixa de Gaza sem autorização de Israel, que controla as suas fronteiras, nem sem o diálogo com o Hamas que governa a Faixa. O primeiro -ministro Benjamin Netanyahu manifestou a opinião de que o encerramento de Gaza deve manter-se enquanto o Hamas conservar o poder, já que aquela organização dirige «um Estado terrorista herdeiro do Irão». Entretanto, os mecanismos estabelecidos para contacto com a organização islamista – o programa PEGASE da UE, o Fundo de Investimentos do Banco Mundial e o Plano Palestino de Desenvolvimento e Reforma da ANP – mostraram-se totalmente ineficazes. Mas talvez o mais preocupante seja o facto de um qualquer produto, desde um pacote de arroz a um saco de cimento, estar exclusivamente dependente da potência ocupante. Apesar das organizações internacionais considerarem que seria necessário entrarem 500 camiões diários para paliar a crise humanitária, Israel apenas permite a passagem de 100 camiões. Dois terços das mercadorias que entraram na Faixa de Gaza entre Fevereiro e Abril foram alimentos e não materiais para de reconstrução. Com este bloqueio, as instalações eléctricas, as redes de esgotos ou a rede de distribuição de água terão ainda de esperar muito tempo até serem reparadas.

Além disso as autoridades israelenses impedem a entrada do que classificam como produtos de luxo, entre os quais incluem as massas, grão-de-bico, lentilhas, tomate, bolachas, marmelada ou tâmaras. A situação roça o absurdo, dado que a lista de produtos proibidos não é pública e varia de um dia para o outro, o que constitui um verdadeiro quebra-cabeças para as agências humanitárias. Um congressista norte-americano que recentemente visitou a Faixa de Gaza interrogou-se sarcasticamente: «Ultimamente houve rebentamentos de bombas de lentilhas? Vão matar alguém com macarrão»?

Outros produtos proibidos são o plástico, o cimento, as sementes, as vacinas, e inclusivamente os brinquedos de madeira, por serem considerados uma ameaça potencial, pois poderão ter um duplo uso. Se é certo que o responsável PELA Política Externa e Segurança Comum europeia, Javier Solana, objectou que a lista de produtos é «totalmente desaquada», não consta que a UE tenha adoptada qualquer medida, por mínima que fosse, para alterar a situação, o que permitiu a Israel mante, e inclusivamente aumentar, as ditas práticas. Chama a atenção o facto de os EUA se mostrarem mais críticos das práticas de Israel, enquanto a UE prefere olhar para o lado, para evitar confrontar-se com o governo de Netanyahu.

Ainda que se possa considerar um primeiro passo o facto de Obama se ter referido, no seu discurso do Cairo, à «intolerável situação do povo palestino» e manifestasse que «a continuada crise humanitária em Gaza não serve a segurança de Israel», ainda fica muito caminho por percorrer. Entre outras coisas, os EUA deverão demonstrar que estão dispostos a passar das palavras aos actos, e passe a pressionar Israel não só para parar a sua actividade colonizadora na Cisjordânia, mas também para que ponha fim ao desumano bloqueio a Gaza. Com recentemente denunciaram várias organizações não governamentais inglesas, «a paz não se alcança com o encerramento de um milhão e meio de pessoas numa prisão de pobreza e miséria».


Ignacio Álvarez-Ossorio é professor titular de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Alicante.

Este texto foi publicado em www.odiario.info


Tradução de José Paulo Gascão

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Do blog resistir.info

"A grande inquisição mediática"

por Claudio Katz
entrevistado por Fernando Arellano Ortiz

Cena da Inquisição, de Francisco Goya, 1816, exposto na Academia Real de San Fernando, Madrid. Clique para ampliar
A saída da crise sistémica do capitalismo tem que ser necessariamente política e "um projecto socialista pode maturar nesta turbulência", defende o economista, filósofo e sociólogo argentino Claudio Katz, que adverte ainda que a "situação económica é muito grave e teremos de bater no fundo, pois estamos no primeiro momento da crise".

Katz, destacado professor da Universidade de Buenos Aires nas áreas de Economia, Filosofia e Sociologia é, simultaneamente, um activista dos direitos humanos e investigador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) da Argentina. É autor de numerosos textos de interpretação do capitalismo contemporâneo e estudou o impacto regressivo do neoliberalismo na América Latina. Participa activamente em fóruns continentais de impugnação do endividamento externo. O seu livro El porvenir del socialismo [1] obteve uma menção honrosa no prémio Libertador al Pensamiento Crítico (Venezuela 2005). Integra ainda o colectivo internacional Economistas de Esquerda (EDI) e é actualmente assessor externo do governo venezuelano.

Reunidos num dos acolhedores cafés de Buenos Aires, o professor Katz dialogou sobre a realidade económica mundial, o processo político da América Latina, a ameaça da irrupção da direita na região e o que denominou "a grande inquisição mediática", referindo-se à manipulação dos grandes conglomerados da comunicação e informação.

Primeiro momento da crise capitalista

- Os teóricos da economia assinalaram que a crise actual do capitalismo é sistémica e não cíclica, mas o que chama a atenção é que não se vê uma saída para implementar um novo modelo, ou uma alternativa capaz de substituir o sistema capitalista. Acredita que encontrar uma saída para esta crise é mais um problema político que económico?

- Creio que definitivamente o grande problema é político porque todas as grandes crises económicas resolveram-se positiva ou negativamente por processos políticos, tenham ou não intervindo nesses processos as maiorias populares. Esta é uma crise muito profunda, em que os neoliberais têm tentado diminuir a gravidade culpando a avareza e ocultando a especulação financeira. Também os heterodoxos apresentam esta crise como resultado de falta de regulação. Mas esta é uma crise de sistema, uma crise do capitalismo. E parece-me que é uma crise do modelo capitalista dos últimos vinte ou vinte e cinco anos do modelo neoliberal, cujas consequências estamos agora a ver. Tivemos duas ou três décadas de plena acção neoliberal: privatizações, desregulações, ampliação do raio de acção das empresas transnacionais à antiga União Soviética, à China, a todo o planeta, e agora vemos as consequências dessa expansão de capital, da sobreprodução, da sobreacumulação, e os efeitos da pobreza, da miséria e do desemprego que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) prognostica que venham a ser muito gravosos nos próximos anos. Então, parece-me que estamos no primeiro momento da crise, no ponto de partida.

- Quer então dizer que teremos de bater no fundo?

- Sim, vamos ter que bater no fundo, e em especial terão de fazê-lo as populações dos EUA e de Europa, que não estão acostumadas a tal, ao contrário das latino-americanas, e terão de processar esse bater no fundo, o que vai levar tempo. Recordemos que nestas últimas décadas de neoliberalismo os sindicatos foram debilitados nos países centrais, foram enfraquecidas as políticas e ideologias da esquerda e das forças progressistas na Europa e nos Estados Unidos, e será necessário reconstruir a experiência de mobilização social, o que já se vai começando a notar, mais na Europa que nos EUA. Já se vêm em França e na Grécia, países onde houveram mobilizações populares, que está a mudar o clima político. Mas encaminhamo-nos para vários anos de desemprego, pobreza, exclusão social e será necessário ver como reagem os povos.

- Que visão tem do processo político e socio-económico que se está a desenrolar na América Latina?

- Creio que é distinto dos processos que ocorrem nos Estados Unidos e na Europa, e é especialmente distinto, primeiro, porque nós já vivemos este tipo de crise, não nos anos trinta mas nos anos oitenta e noventa, em que fiascos financeiros conduziram à expansão da pobreza na Argentina, na Bolívia, na Venezuela, no Equador… Há já uma certa experiência dos povos com este tipo de exclusões do neoliberalismo. Ao mesmo tempo, provavelmente, o impacto económico da crise não será tão grave como nos países centrais, porque como nós já vivemos tantas crises, de forma tão próxima, os nossos bancos estão com as carteiras um pouco mais limpas, já houve uma valorização do capital e como tal, é provável que o processo não seja tão traumático. Mas o mais importante da América Latina são as experiências políticas. Parece-me que o mais interessante da nossa região é que houve uma resistência ao neoliberalismo e com resultados. Tivemos sublevações em muitos países e muitos governos novos: Bolívia, Venezuela, Equador, que mudaram a agenda das sociedades latino-americanas. Nesse sentido creio que são bastante distintos os governos, digamos, nacionalistas, radicais, progressistas da Venezuela, Equador e Bolívia dos governos como o de Lula ou de Kirchner, que em última instância recompõe o poder dominante.

- O facto de aparecerem este tipo de governos na América Latina não é um sintoma da reconfiguração do sujeito político?

- Sim. O que se passa é que há sintomas e sintomas. Um sintoma é o que leva a Venezuela a tomar o controlo nacional sobre os seus recursos e a decidir-se por nacionalizações, a adoptar medidas de redistribuição da riqueza, a promover uma integração regional com os princípios ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América) e com princípios de intercâmbio comercial equitativo. Outro muito distinto é a MERCOSUR e a UNASUR, políticas que recompõe mais os interesses dos grandes grupos económicos dominantes da América Latina que os interesses genuínos das maiorias populares. É o caso actual da Argentina, em que houve mudanças e transformações muito importantes mas em que a distribuição da riqueza continua a regredir, possivelmente de modo contínuo e agravado que nos anos noventa. As mudanças que interessam aos povos são as que melhoram os níveis de vida da população e que reduzem a desigualdade. E esta melhoria popular e redução da desigualdade só se começa a observar em alguns países latino-americanos, não em toda a região.

Um bofetão no neoliberalismo

- Que opinião lhe merecem as nacionalizações que o governo de Chávez está a realizar na Venezuela?

- Em primeiro lugar parece-me que são muito auspiciosas, porque põe um ponto final na ideia que só se pode privatizar. É como um bofetão no neoliberalismo. É a reversão completa dos princípios neoliberais que crêem que os grandes recursos naturais dos países devem ser geridos por grupos privados. Parece-me que é interessante o facto de Chávez ter prometido as nacionalizações e ter cumprido com o que prometeu. Em geral, na América Latina estamos acostumados a que se prometa uma coisa e que depois não se cumpra. E parece-me ainda que as nacionalizações são uma necessidade num país com a Venezuela, pois este é carente de uma estrutura industrial minimamente integrada. Na verdade é carente, quase, de uma indústria no sentido em que dizemos indústria, por exemplo, no Brasil, México ou Argentina. A Venezuela é um país de níveis intermédios, baseado numa riqueza petrolífera e numa cultura rentista derivada da sua exploração. E a única mudança numa sociedade como a venezuelana é o desenvolvimento industrial, que o Estado faz como ninguém. A burguesia venezuelana não o fez no passado e não o fará no futuro. É um grupo social que viveu sempre da renda petrolífera, é um grupo muito parasitário, que se acostumou sempre à fuga de capitais, ao esbanjamento, ao consumo, ao estilo de vida Miami, à falta de inversão e, como tal, só se poderia fazer um processo de industrialização se o Estado pagasse as rendas. O único perigo que vejo é o custo, das indemnizações, porque aqui há uma equação muito complicada. Se o preço do petróleo se mantivesse alto, haveria espaço de manobra. Mas se nos próximos anos começar a baixar, como tem acontecido no último ano, parece-me que comprometer os recursos do tesouro em indemnizações a estas empresas pode tornar-se problemático, tendo em conta que a administração popular, a que Chávez chama de controlo obreiro, pode ser exercida tanto em empresas nacionalizadas como não nacionalizadas. Aí vejo um problema, mas o processo parece-me muito promissor.

- As nacionalizações que estão a ocorrer na Argentina vão na mesma direcção daquelas realizadas por Chávez na Venezuela?

- Não. O governo de Cristina Kirchner adoptou algumas medidas de nacionalização, por exemplo, de fundos de pensões, que eram privados, e que voltaram para as mãos do Estado, e um conjunto de pequenas empresas também passou à órbita do Estado. Mas, primeiro, não são as empresas estratégicas, o que é uma diferença-chave em relação à Venezuela. Não só não são as empresas estratégicas, como o que mais chama mais a atenção é que as nacionalizações na Venezuela têm repercussão directa na Argentina, porque se se nacionaliza uma empresa argentina como a Techint, o governo de Kirchner apoia as reclamações e as críticas feitas pelos grupos económicos dominantes em relação a estas nacionalizações.

Batalha contra a direita

- Considera que o processo político na América Latina, dadas as experiências de governos denominados progressistas, segue o seu curso, ou como diz Fidel Castro, pode haver uma irrupção da direita?

- Creio que a direita está retomando a ofensiva. E isto vê-se na campanha mediática internacional que existe contra Chávez, contra Correa, e no intento de reeleição de Uribe, nas tentativas da direita chilena com Piñera; vê-se no Peru com o governo de Alan García, no México com Calderón e no Panamá com o recente triunfo de Martinelli. Ou seja, há como que uma linha "direitista" latino-americana, que retrocedeu mas que ainda têm os seus bastiões. Os principais bastiões, sem lugar a dúvidas, são Uribe na Colômbia e Calderón no México, e isso mantém-se. Há uma pressão importante na Argentina que se viu nos conflitos rurais do ano passado, que visa retomar a ofensiva. Mas diria que os principais objectivos da direita não foram atingidos. A direita tinha o objectivo de derrubar o governo de Evo Morales através de um golpe de Estado e fracassou no ano passado, como fracassou no objectivo de secessão das províncias do oriente boliviano; fracassou também no intento de derrotar eleitoralmente tanto Chávez na Venezuela como Correa no Equador. Pode-se dizer que, nos três países onde o processo político mais avançou, a direita não conseguiu recompor o seu poder. E em outros lugares predominam os meio tons. A direita ganhou no Panamá, mas perdeu em El Salvador onde a Frente Farabundo Martí ganhou as eleições. É um equilíbrio, mas creio que há que evitar aqui o impressionismo, a ideia que a direita está a voltar.

- Estamos praticamente às portas do bicentenário da emancipação da América Latina. Neste bicentenário poderíamos assinalar novamente a entronização de Espanha no hemisfério?

- Não, parece-me que o momento de entronização de Espanha foi no quinto centenário do descobrimento, em 1992. Nesse momento, década de 90, Espanha demonstrou as suas inversões na região, comprou petróleo, telecomunicações e entrou em força. No último ano, pelo contrário, está-se a assistir a um processo contrário, porque a crise está a afectar a Espanha mais severamente que qualquer outro país com interesses no exterior em toda a Europa. O desemprego e a dívida pública em Espanha estão a níveis recorde e a crise económica, industrial e financeira espanhola é provavelmente uma das mais graves da Europa. Parece-me que tal facto a médio prazo vai afectar muito as poupanças espanholas na América Latina. Vamos chegar ao bicentenário num momento em que há uma crise do domínio norte-americano muito evidente em toda a região e uma crise de domínios na América do Sul, e uma política de estreitamento de vínculos na América Central. É como se o continente se tivesse partido em dois. Os Estados Unidos reforçam o seu domínio, o seu controlo, sobre o México, o Caribe, a América Central, a Colômbia e o Peru, mas perde capacidade de influência no cone Sul. Não nos esqueçamos que no ano passado foram expulsos os embaixadores norte-americanos da Bolívia e da Venezuela, e ambos os países estiveram durante doze meses sem os chefes das missões diplomáticas de Washington. Então, na reunião de Trinidad e Tobago, viu-se uma política de Obama que tenta voltar ao esquema de Clinton, mais diplomático. Tal demonstra as dificuldades reais que os Estados Unidos enfrentam devido à sua crise económica e ao pântano militar em que estão atolados no Médio Oriente.

- Immanuel Wallerstein fala do declínio dos Estados Unidos enquanto império…

- Eu não me considero muito distante da ideia do declínio inexorável do império norte-americano. Pode, no entanto, declinar e também recompor-se. Já se recompôs muitas vezes. Parece-me que é como uma filosofia de vitória. Parece-me que é uma predestinação onde a história são sucessões de potências que ascendem e descendem. Não creio que o ciclo da história contemporânea esteja assinalado por essa inexorabilidade. Parece-me que distintos desenlaces dão resultados distintos.

Paradoxo do capitalismo

- Ainda que os Estados Unidos estejam débeis no cenário global continua a ser previsível a sua continuidade como a grande hegemonia mundial?

- Os Estados Unidos são a potência militar de todo o território mundial. E são o protector de todos os capitalistas do mundo. Não há nenhum país capitalista que esteja disposto ou que tenha possibilidades de substituir o Pentágono no controlo de centenas de bases militares em todo o mundo. Primeiro, os Estados Unidos têm a NATO, e tanto a Europa como o Japão encostam-se nessa organização. Os Estados Unidos mantêm a supremacia militar, e é esse o grande instrumento de dominação que subsiste. No plano económico e financeiro, a situação é mais complexa porque, paradoxalmente, os Estados Unidos são o centro da crise actual mas o refúgio de todos os capitalistas do mundo é o dólar. Há então um paradoxo: o país mais ameaçado é o refúgio, e ao mesmo tempo é o país que procura a reconstituição do FMI que impõe a política monetária mundial através da Reserva Federal. Há que separar o conjuntural do médio prazo. Os Estados Unidos estão numa crise muito aguda, mas continuam a ter as ferramentas chave da geopolítica mundial.

- Vê-se na América Latina uma capacidade de intervenção por parte da direita espanhola através da Fundación FAES, de José María Aznar, no fascista Partido Popular e seus líderes na região como os Vargas Llosa, Enriques Krause, Marianos Grondona, Jorges Castañedas. Essa intervenção pode estar a gerar alguma perturbação nos governos progressistas?

- Eu diria que os perturba mais a direita latino-americana que a espanhola. A direita latino-americana é suficientemente conservadora e reaccionária, mantendo reservas e recursos suficientes, como os Mariano Grondona, Piñera, Vargas Llosa e os herdeiros de Octavio Paz. A direita cultural, neoconservadora, latino-americana, governou a região durante décadas, e alimenta os governos militares, mantendo um pensamento elitista, liberal, europensante e eurocêntrico.

A grande inquisição mediática

- E têm a capacidade de manipulação mediática…

- Claro, é essa a novidade. Porque governaram historicamente através da igreja, dos seus recursos, das suas escolas, e agora como têm os meios de comunicação sob o seu domínio exercem uma influência despótica através dos mesmos.

- Os meios de comunicação são agora o que foi a igreja católica?

- São a grande inquisição e exercem uma influência nefasta. Por isso me parece tão salutar e transformadora a decisão de Chávez de não renovar a licença da RCTV. Creio que essa medida é muito mais transcendente que qualquer nacionalização de uma empresa siderúrgica.

- Mas com essa resposta países de direita como Colômbia, Peru ou México vão dizer que Claudio Katz é um tipo totalitário. Que responderia a isso?

- Dizem isso porque para eles manipular monopolisticamente um grupo de meios de comunicação é um exemplo de democracia. Há uma hipocrisia absoluta. Os donos dos meios de comunicação são um punhado de pessoas, um grupo minúsculo que não é eleito. É algo paradoxal, pois se todos os congressistas têm de ser votados e qualquer presidente, presidente da câmara e governador também, por sua vez os meios de comunicação, que têm um poder muito mais sólido e estável que todas as autoridades eleitas de qualquer país, a esses ninguém elege, são puro poder do divino. Dizem que competem entre si através da mudança de canais, mas a oferta é minúscula. Ou seja, o telespectador pode optar entre a CNN e a Globovisión, mas isso nada muda, vêm o mesmo.

- Como é possível democratizar os meios de comunicação na América Latina?

- Do mesmo modo como se democratiza qualquer instituição. Os meios de comunicação não podem ser privilegiados em relação a outras instituições. Temos que democratizar a vida política, as escolas, as instituições, as forças armadas, a sociedade, tudo. Tem de haver uma preocupação quotidiana de acabar com as discriminações de género, de raça, de etnia. Na América Latina estamos a mudar as constituições de muitos países para incorporar novos direitos, para incorporar os direitos esquecidos dos indígenas, da juventude, das crianças. Ou seja, o desenvolvimento da sociedade é a ampliação dos direitos. O único direito de que não se pode falar é o direito à comunicação. Esse quer ser intocável.

- O politólogo brasileiro Emir Sader, actual secretário executivo do CLACSO (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), dizia que os meios de comunicação, para serem democratizados, necessariamente teriam que passar ao controlo do Estado. Concorda?

- Creio que têm de ser propriedade pública, mas atenção, não podem ser manuseados por um governo, porque isso levar-nos-ia a formas totalitárias. Há muitas experiências nos últimos 50 ou 60 anos de instituições públicas que não dependem do governo. O caso da BBC de Londres é muito comentado. Não o estudei, pelo que não posso opinar, mas conheço muitas experiências onde o importante é que estejam sujeitos a um regime legal que impeça a sua manipulação pelo governo, por exemplo. Não podemos passar de meios manipulados por grupos capitalistas a meios manipulados por governos. Tem que haver liberdade informativa, mas também propriedade pública. Creio que há que discutir os mecanismos de propriedade democrática dos meios de comunicação.

- Tem a sensação de que a América Latina está a passar por um processo de reconfiguração política?

- Tenho a sensação que é um processo de longo prazo e que terá que enfrentar desafios importantes. Não será linear. E estamos num ponto em que a nossa batalha contra a direita vai ser muito dura, a direita de Uribe, de Calderón, de Alan García e também a direita militar. Os Estados Unidos mantêm as suas bases militares. Não podemos deixar-nos levar pela imagem de Obama como aquele que transformou as relações com a região. As bases do Comando Sul com uma estrutura de controlo militar em toda a região continuam intactas, inclusivamente medidas mínimas como o encerramento de Guantánamo não se implementam, o embargo a Cuba não se levanta… Isto é, os grandes problemas de soberania política na nossa região, no bicentenário, continuam na ordem do dia.

Colômbia, uma sociedade militarizada

- Como analisa o armamento da Colômbia para enfrentar os seus conflitos internos e as repercussões directas na economia do país?

- O pior da Colômbia são esses gastos terríveis, esse esbanjamento de fundos em material militar que não se faz para defender a soberania nacional, que não é uma necessidade do país para defender as suas fronteiras frente a uma agressão externa, única justificação real que uma nação pode apresentar em certo momento para destinar tantos recursos à actividade bélica. Apenas se estivesse ameaçada a soberania do país e a vida dos seus cidadãos tal seria justificável. Na Colômbia está a ocorrer a aurora da formação de uma sociedade militarizada para servir os interesses dos grupos dominantes, que gerem os recursos deste país. Creio que há tendência à militarização na América Latina, que está em marcha não só na Colômbia como também no Brasil, que cada vez mais está a destinar uma elevada percentagem de fundos públicos para gastos militares, fabricando submarinos, assinando convénios com a França para fazer inversões extraordinariamente elevadas no sector e que tem forças militares em ocupação no Haiti neste momento. Temos que estar muito conscientes na América Latina que a nossa censura é ao Pentágono, ao imperialismo, aos norte-americanos, mas também ao gasto militar na região com fins não populares. Temos que estar muito atentos a isso e manter o alerta a soar.

- Mas também para os países fabricantes de armas isso é um excelente negócio…

- Eles vivem disso. A guerra é uma necessidade do imperialismo, uma necessidade estrutural, não uma opção. Se se fabricam armas, é preciso usá-las. Há um grupo de fabricantes que vive directamente disso: Estados Unidos e todo o seu dispositivo militar associado – Israel, Colômbia, Egipto, Austrália. Para os Estados Unidos é necessário manter a sua supremacia bélica como advertência permanente a países como a China, no sentido de ficarem quietos, de não tentarem desafios. Há uma reprodução de guerras e uma tendência à guerra infinita, à guerra sem proporções, como forma de exercer permanentemente essa supremacia, advertindo o resto do mundo que ninguém se pode atrever a desafiar o poder imperialista. É contra isso que temos de batalhar.

- Finalmente, não descarta que neste processo terminemos, se não numa guerra mundial, numa série de conflitos periféricos como estratégia para superar a actual crise do sistema capitalista?

- Sim, é possível. Mas há uma grande diferença em relação aos anos 30, que é o facto de não ser já uma guerra entre potências como a França contra a Alemanha ou os Estados Unidos contra o Japão. Há um imperialismo colectivo, associado, que faz a guerra contra as frentes periféricas, e faz guerras de advertência contra países periféricos que possam ascender. Parece-me que vamos ter muitos conflitos porque o imperialismo precisa deles, com ou sem crise financeira. Os Estados Unidos acabaram de devastar o Iraque, agora preparam-se para devastar o Afeganistão e estão a advertir permanentemente o Irão com uma possível invasão, tal como estão a fazer com a Coreia do Norte. A crise acentua essa tendência para a guerra, porque está na natureza do sistema, e por isso são tão importantes as alternativas como o Fórum Social Mundial e a emergência de coligações anti-bélicas por todo o mundo contra a guerra. Surgiram e emergiram minorias colectivas na Europa e na América Latina de resistência à guerra, e parece-me que vão continuar a surgir novas, renovando-se.

[1] El Porvernir del Socialismo, coedição Ediciones Herramienta e Ediciones Imago Mundi, Buenos Aires, 2004, 256 páginas, ISBN 950-793-026-4

O original encontra-se em http://www.argenpress.info/2009/07/entrevista-con-el-economista-argentino.html .
Traduzido por João Camargo.

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 19 de julho de 2009

SERVIDÃO HUMANA/ESCRAVOS DO DESEJO (OF HUMAN BONDAGE, 1934)

ESCRAVOS DO DESEJO - 1934

Cartazes:



Especificações:

Formato: RMVB
Áudio: Inglês
Legenda: Português
Duração: 83 min.
Cor: P&B
Tamanho: 287Mb
Partes: 2 (190Mb + 96,5Mb)

Download:

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Senha:

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Créditos: F.A.R.R.A.-Andriotti Jr.


Diretor:

John Cromwell

Roteiro:
Lester Cohen (roteiro)
W. Somerset Maugham (livro)

Elenco:
Leslie Howard (Philip Carey)
Bette Davis (Mildred Rogers)
Frances Dee (Sally Athelny)
Kay Johnson (Norah)
Reginal Denny (Harry Griffiths)
Alan Hale (Emil Miller)

Sinopse:
Philip Carey (Leslie Howard) é um artista inglês que estuda artes em Paris há quatro anos e sofre de uma malformação congênita no pé direito, a qual sempre foi motivo de vergonha e traumas. Desencorajado por seu professor, Philip abandona a escola de artes e retorna a Londres para estudar medicina. É quando conhece e se apaixona obcecadamente por uma linda, loira e vulgar garçonete, Mildred Rogers (Bette Davis). Philip faz de tudo para agradá-la e conquistá-la enquanto ela responde com indiferença e frieza. Quando ele expressa seu interesse em iniciar um relacionamento sério, ela o manipula, explora e trata com crueldade até abandoná-lo. Philip segue sua dolorosa vida até conhecer Norah (Kay Johnson), uma escritora que assina seus trabalhos através de um pseudônimo masculino. Ela lentamente o ajuda a se curar da dolorosa obsessão a Mildred, até que esta retorna buscando ajuda, já que agora está grávida e sozinha.

Comentário:
Servidão Humana/Escravos do Desejo (Of Human Bondage, 1936) é uma adaptação do livro homônimo do famoso dramaturgo francês William Somerset Maugham. Somerset Maugham estudou medicina, mas abandonou logo que sua carreira como escritor teve êxito. Durante a Primeira Guerra Mundial também trabalhou como agente secreto, fato em comum com outros importantes escritores clássicos e contemporâneos como: Christopher Marlowe, Ben Johnson, Daniel Defoe, Graham Greene e John le Carré. Seu estilo é conhecido por ser uma mistura de ficção e realidade e, por vezes, autobiográficos. É assim que os críticos clamam a obra Servidão Humana, já que existem vários fatos na obra que coincidem com a vida do autor, sejam em referências diretas ou indiretas, mesmo Maugham ter sempre negado e afirmado que a obra é muito mais ficção que realidade. O livro, de 1915, é considerado um dos mais importantes do dramaturgo devido a sua narrativa diferenciada naquela época e o grande teor autobiográfico, mesmo sendo uma ficção. Além, claro, da profundidade psicológica e da sordidez das personagens numa narrativa clara, cínica e suscinta. A obra teve 3 adaptações cinematográficas: a primeira em 1934 (com Leslie Howard e Bette Davis), a segunda em 1946 (com Paul Henreid e Eleanor Parker) e em 1964 (com Laurence harvey e Kim Novak), sendo a versão de 1934 considerada a melhor principalmente pela bem manipulada interpretação de Bette Davis, a qual lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Atriz e a única indicação recebida pelo filme naquele ano. O título exemplifica todo o significado da história, Human Bondage (ESCRAVIDÃO HUMANA). Sem dúvida a história se destaca na máxima popular quem eu quero não me quer, quem me quer mandei embora devido a relação conflituosa a qual os seres humanos se submetem, naquela sempre e constante intenção de querer o que se não tem e de amar o que se não pode, bastante similiar ao que diz o poema Quadrilha, de Drummond, onde João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. A consciência das personagens de compreenderem esses fenômenos de amor e recusa é presente o tempo todo, eles sabem que o amor é uma droga e que o desejo é incontrolável, e a forma explícita como isso é demonstrado dá uma dimensão muito maior de submissão e escravidão na qual nos identificamos. Hoje em dia o cinema já explorou este tema de forma incansável e até bastante redundante, mas para a época foi bastante diferente e um tanto chocante. Possui sequencias de diálogos memoráveis numa edição bastante eficiente e moderna numa história que, não importa o tempo que passe, sempre será atual.

Trivia:
-É o primeiro de 3 filmes protagonizados por Bette Davis e Leslie Howard, os outros dois são: A Floresta Petrificada (The Petrified Forest, 1936) e Somos do Amor (It's Love I'm After, 1937).
-Max Steiner, talvez um dos compositores mais influentes nas décadas de 30 e 40, é o compositor desse filme. Ele compôs mais de 200 títulos, sendo 21 deles estrelados por Bette Davis, que chegou a afirmar que "sua composição eram invasiva à sua atuação" no filme A Estranha Passageira (Now, Voyager, 1942). Max Steiner foi ficar famoso em 1942 com a trilha sonora de Casablanca.
-Embora tenha participado de várias produções anteriormente, este filme é tido como "a grande estréia de Bette Davis". Foi com ele que ela recebeu o status de 'estrela'.
-Bette Davis tinha certeza receberia uma indicação ao Oscar, mas primeiramente não foi inserida na lista oficial de indicados daquele ano, que incluia apenas: Grace Moore, Norma Shearer e Claudette Colbert (vencedora). O fato fez com que o seu nome fosse inserido posteriormente, prática não mais aceita pela Academia.
-Bette Davis queria o papel de Mildred Rodgers porque acreditava que seria sua grande estréia em Hollywood depois de anos estrelando filmes que não a levaram a lugar algum. Ela implorou ao chefe da Warner Brothers, Jack L. Warner, a liberá-la do contrato para que pudesse estrelar o filme. Ele concordou porque estava certo do iminente fracasso, mas quando sua performance começou a especular uma indicação ao Oscar, a Warner iniciou uma forte campanha encorajando a Academia em não votar em Bette Davis. Naquela época, os votos e as contagens eram feitas pelos próprios membros da Academia (dos quais a Warner também fazia parte). Os fãs e apoiadores de Bette Davis ficaram tão chocados com a omissão de seu nome quando as indicadas a Melhor Atriz daquele ano foram divulgadas ao ponto de fazerem uma petição para que seu nome fosse inserido, e foi o que aconteceu posteriormente. Por causa desse fato, a Academia mudou suas regras de voto e as contagens passaram a ser feitas pela empresa PriceWatherhouse, a qual presta estes serviços à Academia até hoje.

Fotos:




Fonte:
IMDb.com
Filmsite.org

“Investimentos próprios” da GM vêm do BNDES, Banrisul e BRDE


E ao Erário do Rio Grande do Sul a montadora americana só pagará 25% do ICMS por 10 anos

Que os gaúchos se cuidem – e que os bancos públicos tranquem os seus cofres. O presidente da filial da General Motors declarou que a empresa “está comprometida com o futuro do Rio Grande do Sul”. Da última vez que houve uma declaração desse tipo, metade das cidades do Estado de Michigan, EUA, viraram cidades-fantasmas. Se tiverem alguma dúvida, favor consultar o cineasta Michael Moore, que nasceu em Flint, a cidade em que a GM foi fundada. Moore acha que a GM é uma quadrilha de vigaristas e bandidos – fez até um filme, o primeiro de sua carreira, sobre isso. Com efeito, ninguém até hoje desmentiu Moore – pelo contrário, segundo o presidente Obama, é isso mesmo.

E, realmente, a julgar pelos festejos promovidos em Gravataí, Porto Alegre e Brasília na quarta-feira, a coisa está mais para Al Capone do que para Eliot Ness. Bem fez o presidente Lula, homem sério e de espírito prático, lembrando logo que, se os planos anunciados pela GM forem verdadeiros, isso quer dizer que “a empresa foi precipitada no mês de dezembro”, quando demitiu operários – e entrou na maré de chantagem para diminuir os seus salários.

CONJUNÇÃO

No meio da pantomina, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, mostrando o jeito tucano de ser, deu um suspiro e declarou: “mais do que brasileira, a GM é gaúcha”. Nós nem sabíamos que a GM era brasileira. Agora, sabemos que, segundo a governadora, o Rio Grande do Sul não faz parte do Brasil, pois só assim algo pode ser mais gaúcho do que brasileiro. E logo a GM...

Mas, compreende-se – a governadora é uma pessoa muito doméstica. Gosta muito de casas. Principalmente com o dinheiro alheio.

A GM, também. Dessa conjunção de afinidades só podia nascer um assalto: a GM só pagará ao Estado do Rio Grande do Sul 25% do ICMS. O resto, 75%, será financiado com 10 anos de carência e mais 12 anos para amortizá-los em suaves prestações. Em suma, durante 10 anos a GM só pagará um quarto do imposto estadual que deveria pagar, aquele imposto que, em princípio, é para construir ou manter escolas, hospitais, etc.

Como a governadora não se interessa por essas coisas, deu à GM isenção de 75% do ICMS durante 10 anos. Qual a vantagem que o Estado e a população terão com a GM “investindo”? Bem, a GM promete, com a expansão da sua fábrica, fornecer a fabulosa quantidade de 1000 (mil) empregos diretos daqui a três anos. Será o emprego mais caro que já apareceu no país – o que nada tem a ver com o salário que os funcionários receberão, evidentemente.

Mas, segundo foi anunciado, além disso haverá 7 mil empregos indiretos – de onde saiu essa conta, nós não sabemos. Provavelmente do mesmo lugar que saiu a “obsolescência planejada” e outras vigarices da GM, pois é evidente que esse é um número sacado de alguma cartola. Aliás, mesmo que fosse verdade, seriam ao todo apenas 8 mil empregos, incluindo, provavelmente, o vendedor de bilhetes de loteria que fará seu trabalho na porta da fábrica da GM. Um tremendo emprego indireto...

Todo mundo sabe que a GM é uma corporação falida, um monopólio moribundo, que mal se sustenta, e somente ainda não foi fechada à custa dos contribuintes norte-americanos, isto é, do dinheiro do povo dos EUA.

Mas, segundo o presidente da filial no Brasil, um certo Ardila (esse pessoal tem cada nome...), isso é a matriz. Já a filial que preside, está tão bem que vai investir R$ 2 bilhões, além de R$ 3 bilhões que já teria investido, para expandir sua fábrica no Rio Grande do Sul. Se fosse verdade, seria o primeiro caso de uma filial que nada em dinheiro, enquanto a matriz está falida, e esta não toma nenhuma providência...

Repetindo Ardila, certa mídia saiu por aí trombeteando os “recursos próprios” que a GM vai investir no Rio Grande do Sul. Um chupa-tintas estampou em letras garrafais: “Com investimento bilionário, GM mostra confiança no mercado brasileiro”.

Ora, quem não pode confiar na GM é o mercado brasileiro, ou seja, os consumidores, os compradores, o povo. Se os americanos, que conhecem essa turma mais de perto, não confiam, por que nós devemos confiar?

A GM, evidentemente, não vai “investir” R$ 2 bilhões em “recursos próprios” no Estado natal da grande Ana Terra. Não por falta de lucros no Brasil, que os tem, e excessivos. Mas, se a filial da GM tivesse R$ 2 bilhões (aliás, segundo Ardila, R$ 5 bilhões) em “recursos próprios”, a matriz nos EUA já teria requisitado os cobres para cobrir o seu rombo, pois a função de uma filial é remeter dinheiro para a sede, mais ainda em tempos de crise e bancarrota.

Porém, segundo o presidente da filial, “nunca fomos parte do processo de restruturação nos EUA”. Certamente, não é a nós que ele precisa convencer disso – até porque não vai conseguir. O próprio BNDES bloqueou a liberação de empréstimos já aprovados à filial da GM enquanto durou a concordata da matriz. O sr. Luciano Coutinho pode ter uma política equivocada no banco que preside, mas não é idiota de se meter num sarilho desses.

Mas agora, que o governo norte-americano assumiu a tutela da matriz, as coisas são diferentes. Naturalmente, os “recursos próprios” de Ardila são recursos do BNDES, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) e do Erário estadual. Ou seja, são recursos de bancos estatais e do Tesouro local.

Ardila afirmou que 50% dos recursos seriam da GM e o resto viria 30% do BNDES e 20% do Banrisul (Zero Hora, 15/07/2009). Mas também afirmou que a GM pediu R$ 700 milhões no BNDES, R$ 344 milhões no Banrisul e R$ 200 milhões no BRDE. Só aí já há R$ 1 bilhão e 244 milhões, portanto, mais de 50% de R$ 2 bilhões, vindo de bancos públicos (O Estado de S. Paulo, 15/07/2009).

ERÁRIO

Resumindo: nos EUA, a GM vive do dinheiro dos contribuintes. Aqui, no Brasil, é diferente - ela pretende viver do dinheiro dos bancos públicos e do Erário, ou seja, do dinheiro do contribuinte brasileiro. Certamente, é muito diferente, pois americano não é brasileiro e brasileiro não é americano. Como se pode dizer que o dinheiro do contribuinte de lá é igual ao do contribuinte de cá?

Parece, aliás, que esse é o grande negócio: arranjar dinheiro do Estado. O resto, inclusive a produção de automóveis, só serve para atrapalhar. Infelizmente, a GM ainda não conseguiu pegar dinheiro do Estado sem produzir alguma coisa. No dia em que isso acontecer, será a perfeição...

O presidente da GM é um sujeito fiel à tradição da empresa. Nunca diz nada muito preciso, nem muito seguro nem muito verdadeiro. No meio da entrevista coletiva, alguém lembrou que a GM começou há algum tempo a construir uma fábrica no Estado vizinho, Santa Catarina. E então? Qual o sentido de ampliar outra no Rio Grande do Sul? Bem, respondeu ele, é “altamente provável” que a fábrica de Santa Catarina forneça motores à unidade do Rio Grande do Sul. “Altamente provável”? Por pouco Ardila não disse que para ter certeza do que a unidade de Santa Catarina fará, é necessário consultar o presidente da GM do Brasil... Ou será que quem se interessar pelo assunto terá de recorrer à matriz nos EUA para saber?

Convenhamos, melhor proposta fez um leitor do jornalista Luís Nassif: já que a GM está falida, porque não estatizamos a filial, mais ou menos como o Obama fez com a matriz, para ter, finalmente, uma indústria nacional de automóveis? Pelo menos o dinheiro do BNDES seria melhor empregado...

CARLOS LOPES
.
Original em Hora do Povo

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Poesia de Carlos Costa...

sou deus ,
para mim eu sou um deus
pois creio nas minhas ações a perfeição do mundo
mesmo que eu erre, creio que meu erro é um ato divino
em benefício social.
Sou deus,
acredite
tenho a capacidade de julgar
de não julgar
de punir
de aceitar...
Sim eu sei
isso pode me fazer, por definição um deus,
que escreve seus textos com ar de professor da vida
descreve situações de um homem (santíssima trindade)
que sofre sem julgar seu próximo, mas
com um sentimento de abandono.
Pois é
sou deus
(santíssima trindade)
que vive o mundo que eu mesmo criei
como um homem
que por mais generoso que seja
comete erros como um simples mortal
Talvez eu não seja o deus da bíblia (e não sou)
Mas sou o deus (santíssima trindade)
da minha vida.
Carlos Eduardo Moreira da Costa

É bom abrir o olho....

O espirro de Honduras e o resfriado da América Latina

por Renato Rovai

Não sou adepto de teoristas conspirativas, mas como dizia o Brizola, se tem dente de jacaré, pele de jacaré, boca de jacaré, só pode ser jacaré. A manutenção do golpismo em Honduras é uma séria ameaça aos governos progressistas na América Latina, em especial a de países menos centrais como El Salvador, Nicarágua, Paraguai e Bolívia.

Pelo que percebi ontem [15/07/2009] no debate realizado pelo Cebrapaz no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, onde dividi a mesa com os colegas Gilberto Maringoni e José Reinaldo Carvalho, muitos pensam como eu, inclusive os dois citados.

A questão é simples. A direita truculenta organizada pela doce mídia latino-americana busca desde 11 abril de 2002 (quando Hugo Chávez foi seqüestrado e retirado à força de Miraflores) reativar o golpismo no Continente.

Foram várias as tentativas na mesma Venezuela, como também na Bolívia, onde os conflitos de rua mataram dezenas. No Brasil, em outras proporções, em 2005 um ex-presidente da República chegou a propor que o atual assumisse que não seria candidato à reeleição para que pudesse terminar o seu então primeiro mandato.

Mais recentemente, no Paraguai, até a fertilidade do atual governante deu combustível para que se tentasse articular seu impeachment.

Em Honduras, o impeachment não é possível constitucionalmente. Por isso, a turma do Continente que gosta do porrete e que conta com “simpáticos” intelectuais como Mario Vargas Llosa preferiu seqüestrar o presidente e mandá-lo de pijamas para Costa Rica.

Agora, um “acordo” é apresentado pelos golpista com a anuência da Igreja e da doce mídia local. O presidente constitucional Manuel Zelaya se entregaria à Justiça do país e neste caso poderia lhe ser oferecida uma anistia. Mas nada de volta à presidência. Isso os golpistas julgam inconstitucional. Entenderam?

É como se alguém assaltasse sua casa, estuprasse sua mulher, matasse seus filhos e depois seu vizinho chamasse você e o assassino para conversar na casa dele. Buscando um acordo para que você pudesse andar pelo bairro de cabeça baixa. Nada de voltar pra casa. Nada de punição aos bandidos.

É um escândalo odioso. Mas mesmo assim a solução começa a ganhar adesões em nome de uma suposta paz. Como o calendário é favorável aos golpistas que já falam em antecipar as eleições que estavam marcadas para 29 de novembro próximo, o golpe pode acabar sendo um sucesso.

Se isso vier a acontecer, a retomada democrática no Continente pode sofrer seu primeiro grande revés. E nada nos garante que isso que parece um espirro localizado possa vir a se tornar um longo resfriado continental.

Se eu fosse presidente do Brasil, chamaria o Itamaraty e exigiria que me apresentasse várias possibilidades de ações mais duras contra esse golpe. Ações que pudessem ser desencadeadas a partir da próxima semana.

O colega Maringoni falou de um bloqueio a Honduras. Não tenho convicção a respeito dessa solução. Como diz meu vizinho de sala e editor executivo da Fórum, Glauco Faria, condenamos essa solução em Cuba. Não devemos defendê-la contra outros povos.

Afinal, quem vai sofrer suas conseqüências não é apenas Micheletti, a Igreja e a doce mídia de lá. Também não defendo a invasão do país por tropas externas. Mas ao mesmo tempo algo precisa ser feito. Com urgência.

Honduras é um pequeno país, mas pode ser um bom exemplo para que essa corja se anime a fazer o mesmo Continente afora. E essa corja é uma corja.

Renato Rovai é editor da revista Fórum.

A imprensa gaúcha pegou leve demais

A governadora gaúcha Yeda Crusius perdeu a linha ontem (http://www.midiamundo.com/2009/07/sem-bola-de-cristal.html).
Hoje os jornais do Rio Grande mediram palavras para falar do incidente.
Zero Hora fala em "reação ao cerco".
O Sul publica "protesto" e "confusão".
O Correio do Povo consegue ir um pouco mais longe e fala em "protestos e fúria".
Mas é preciso ir às capas do centro do país para entender o que aconteceu na capital gaúcha.
O Estado de S. Paulo dá o incidente na foto principal de capa e fala que Yeda "bate boca".
O Globo não perde tempo e diz "O grito".
E a Folha de S. Paulo vai além de todos os jornais, gaúchos ou não, e como foto principal de capa fala em "Um dia de fúria".

Por que os jornais gaúchos não conseguem ser mais específicos, como a Folha de S. Paulo?
Por que a imprensa gaúcha só começou a falar dos escândalos da governadora depois que a revista Veja trouxe o fato, mesmo que o Ministério Público já esteja com o caso desde o ano passado?
Por que os jornais gaúchos, exemplos de sucesso para todo o Brasil, têm tanta dificuldade em falar do governo e da governadora?









Entrevista com Mohammed Hassan


Afeganistão – Paquistão: o buraco negro do Império
MOHAMMED HASSAN Que razões levaram George W Bush à guerra no Afeganistão? E Obama, ao que é que o motivou a intensificar a guerra ao Afeganistão? Quem são os beneficiários da cultura da papoila do ópio e por que razões se generalizou a sua produção no Afeganistão? O Paquistão pode pulverizar-se em vários pequenos estados? Estas são algumas das questões a que Mohammed Hassan procura responder na entrevista que hoje publicamos concedida a Michel Collon e Gregóire Lalieu

Grégoire Lalieu e Michel Collon - Odiario.info

É possível ganhar a guerra no Afeganistão? Não, respondem os especialistas. No entanto, a NATO prossegue os seus esforços para vencer os Talibãs e é o Paquistão que se incendeia. Quais são as verdadeiras razões desta guerra? Os desígnios hegemónicos dos EUA mergulharão a região no caos? Neste novo capítulo da nossa série «Compreender o mundo muçulmano», Mohamed Hassan responde a estas questões. E explica-nos porque cabe ao povo do Paquistão salvar o seu pais de uma possível extinção.


Grégoire Lalieu e Michel Collon (GL e MC): Em 2001, os EUA lançavam a operação «Enduring Freedom» no Afeganistão porque, segundo eles, os Talibans recusavam entregar Osama Ben Laden. Sete anos mais tarde, ninguém mais fala do inimigo público número um. Quais são hoje as razões para esta guerra ?
Mohammed Hassan (MH) : Primeiro, devemos considerar que os Talibãs nada têm que ver com Osama Ben Laden. Em 1996, Ben Laden, recambiado da Arábia Saudita, encontrou refúgio no Sudão. Os Sauditas fizeram então pressão sobre este país para expulsar o célebre terrorista. Foi neste momento que Ben Laden foi para o Afeganistão. Mas os atentados de 11 de Setembro não tiveram qualquer relação com este país. Há mesmo esta reacção dos Talibãs quando Washington reclamou Ben Laden: «Se quereis que Ben Laden seja julgado, dai-nos as provas e deixai-nos julgá-lo por um tribunal islâmico em qualquer país muçulmano». Os neoconservadores da administração Bush utilizaram este acontecimento trágico sobretudo como um álibi.

GL e MC: Com que intenções?
MH: Três grandes obras permitem-nos compreender as raízes da visão dos EUA. A primeira, O Fim da História, de Francis Fukuyama. Ele pretendia que a História da humanidade tinha chegado ao fim com o afundamento da União Soviética e o domínio da democracia liberal. Em seguida, O Choque das Civilizações, de Samuel Huntington. Segundo ele a História não dependia já da luta de classes mas sim de um conflito entre civilizações. Huntington dividiu então o mundo entre diferentes civilizações, decretando que a mais agressiva seria a islâmica. A última obra, O Grande Tabuleiro, de Zbigniew Brzezinski, considera que aquele que dominar a Eurásia será a única potência do século XXI. Com efeito, a maioria da humanidade vive nesta zona e a actividade económica é aí a mais importante.

Por agora, recuemos ao final da administração Clinton. O ano de 1997 foi marcado por uma séria crise económica: com o rebentamento da bolha financeira na Ásia, o NASDAQ afundou-se. Quando os neoconservadores desembarcaram na Casa Branca com Georges W. Bush em 2001, a situação económica não era brilhante. Apesar disso, eles expuseram muito claramente os seus objectivos: ninguém deve ser capaz de rivalizar com os EUA. Para aí chegar, a nova administração procurava controlar o mundo controlando os recursos mais importantes, essencialmente o gás e o petróleo.

Sob a influência de Brzezinski, Clinton queria primeiro dominar a Europa alargando a NATO, e em seguida ganhar a Ásia Central. Mas os neoconservadores disseram: « Não, nós não temos tempo para isso. Face a esta crise, nós devemos controlar o Grande Médio-Oriente para dispor do petróleo». Sente-se esta mudança no discurso de Bush depois dos atentados de 11 de Setembro, quando ele diz: «Vocês estão connosco ou contra nós».

Com a sua concepção de Eixo do Mal, ele queria alargar a guerra. A guerra do Afeganistão - que pela primeira vez na História foi planeada pela CIA sem a colaboração do Pentágono – não era mais que um pretexto para treinar as tropas dos EUA e dar-lhes a experiência necessária para em seguida atacar o Iraque. Como deveis saber, o derrubamento de Saddam Hussein estava planeado bastante antes dos atentados do 11 de Setembro.

GL e MC: Obama pretende encarnar a mudança. Porque é que ele concentra os esforços militares no Afeganistão em lugar do Iraque?
MH: Primeiro, a guerra no Iraque provocou dificuldades não previstas. O governo dos EUA pensava que era a solução mais fácil, porque Saddam Hussein não dispunha de um grande exército e uma larga fatia da população iraquiana detestava o regime. Não foram precisos mais que uns dias, de 20 de Março a 10 Abril de 2003, para que os EUA tomassem Bagdad. Depois, dedicaram-se a proteger a indústria petrolífera e deixar o resto rebentar. Paul Bremer, o governador dos EUA no Iraque, destruiu as bases do antigo regime iraquiano, desmobilizando a polícia e a estrutura do exército.

Neste momento a resistência aumentou, e com ela o custo da ocupação EUA: oito milhões de dólares cada mês, (aos quais se podem juntar um milhão e meio para o Afeganistão! Durante oito anos a administração neoconservadora despendeu todo o seu dinheiro nesta guerra, sem nenhum resultado: não conseguiram, pacificar o país, nem criar o governo que queriam, nem obter uma base popular, nem controlar o petróleo.

Desde que a resistência iraquiana revelou a fraqueza do imperialismo americano e a sua incapacidade para vencer o conflito, o povo dos EUA tornou-se mais atento no plano político. A falta de apoio da opinião pública a esta guerra também levou Obama a uma mudança. Do mesmo modo que na cena internacional, esta guerra não obtinha unanimidade: a França, a Alemanha e outros países recusaram-se a partir para o Iraque. Resumindo, a decisão de Obama é também um meio de manter a aliança da NATO. Mas um malogro no Afeganistão poderia marcar o fim da NATO.

GL e MC: Os Talibãs nem sempre foram inimigos dos EUA. A antiga secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, saudou a sua chegada ao poder em 1996 como um «passo positivo». Consta mesmo que esse passo foi encorajado. O que a antiga primeira-ministra paquistanesa, Benazir Bhutto, resumia assim: «A ideia era inglesa, o financiamento saudita, a supervisão paquistanesa e o armamento americano».
MH: No final dos anos 70, os Soviéticos vieram ao Afeganistão para apoiar o governo revolucionário ameaçado por combates internos. Brzezinski, conselheiro do presidente Carter, entendeu fazer do Afeganistão o Vietname dos Soviéticos, para dar assim um golpe fatal na influência do socialismo na região. Para combater a União Soviética e o governo revolucionário do Afeganistão, os Estados Unidos e a Arábia Saudita sustentaram os mujadines por intermédio do Paquistão. Quando o Exército Vermelho deixou o Afeganistão em 1989, os Estados Unidos sabiam que os Soviéticos atravessavam uma séria crise. Tendo em atenção o seu propósito, eles lavaram as mãos e deixaram a região, que se encontrava mergulhada no caos. De facto, Washington utilizou os mujadines como um preservativo: quando não tinham mais utilidade foram atirados fora. Quem sofreu? Os povos do Afeganistão e do Paquistão.

Com efeito, quando os serviços secretos paquistaneses sustentaram os mujadines para combater os comunistas, não unificaram este movimento, mas apoiaram cada senhor da guerra separadamente. Após os Estados Unidos terem partido, uma severa competição opôs os senhores da guerra afegãos. O país foi totalmente destruído por esta guerra civil. Milhões de refugiados fugiram para o Paquistão, também ele próprio atingido por uma grave crise e a economia em declínio com a chegada de numerosos Afegãos e barões da droga.

Neste contexto, apareceram os Talibãs, estudantes saídos da mais jovem geração de refugiados. A sua chegada ao poder oferecia uma oportunidade aos Estados Unidos e ao Paquistão. Na realidade, cada um, destes três actores tinham interesses muito diferentes.

GL e MC: Isso quer dizer que?
MH: Quando os países da Ásia Central se tornaram independentes, o Paquistão tomou consciência de que o seu principal inimigo, a Índia, era forte, e então ele próprio se encontrava numa posição delicada. A burguesia paquistanesa decidiu, para se desenvolver economicamente e concorrer com a Índia, utilizar o Afeganistão como porta de acesso aos mercados da Ásia central. Favoreceu assim o acesso ao poder dos Talibãs no Afeganistão.

O interesse dos EUA era controlar e dominar as riquezas da Ásia central. A companhia petrolífera US Unocal pretendia construir um pipeline na região. Mas para isso, era preciso que o Afeganistão fosse pacificado.

O interesse dos Talibãs era pacificar o país e instaurar um revolução islâmica. O que ia ao encontro dos interesses da Arábia Saudita que sonhava exportar a ideologia islâmica para a Ásia central, para enfraquecer a Rússia e controlar o gás nesta região.

Assim, apoiados por potências estrangeiras, os Talibãs combateram os senhores da guerra e tomaram o poder. Fatigado, o povo do Afeganistão queria a paz. Os Talibãs foram bem acolhidos.

GL e MC: Mas esse planoacabou por não surtiu efeito: os Estados Unidos não conseguiram pacificar a região, o Paquistão não pôde aceder aos mercados da Ásia central e os Talibãs foram afastados. Porquê?
MH: O Afeganistão comporta diferentes grupos étnicos. O mais representativo é o dos Pachtunes, quase 50% da população. Depois, há os Tadjiques, os Hazaras e os Kazaques, á volta dos quais a rivalidade dos senhores da guerra se articula. Por fim há outras minorias. Os Talibãs são Pachtunes. Um traço característico deste grupo é que eles são muito independentes! Os Estados Unidos e o Paquistão queriam utilizá-los como mercenários, mas os Talibãs tinham a sua própria visão das coisas. Para mais, os Pachtunes não reconheciam a fronteira que separa o Afeganistão do Paquistão.

GL e MC: Porquê?
MH: Regressemos ao séc. XIX, quando a Índia era a preciosa colónia do Império britânico, que perturbava a expansão dos Russos na Ásia central. Para proteger a sua colónia, os Britânicos queriam utilizar o Afeganistão. Isso originou três guerras anglo-afegãs. O que nos interessa particularmente é o resultado da segunda guerra: em 1893, o governador da Índia, Sir Durand, traçou uma linha sobre o território Pachtune, afim de proteger a sua colónia, criando uma zona tampão entre o Afeganistão e a Índia britânica. Esta linha é a fronteira actual entre o Afeganistão e o Paquistão. É por isto que muitos Pachtunes não reconhecem a existência do Paquistão. Quando este país se tornou independente, o único membro a votar contra a sua entrada nas Nações Unidas foi o Afeganistão!

Era claro, portanto, que os Talibãs, assim que tomassem o poder não se iriam submeter a estes interesses estrangeiros. Em Maio de 2001, seis meses antes do ataque ao World Trade Center, Washington atribuía, sem qualquer resultado, uma subvenção de 43 milhões de dólares ao regime talibã no quadro do projecto de pipeline da Unocal. Mas com o 11 de Setembro, todo o programa foi por água abaixo.

GL e MC: As forças da coligação surpreenderam facilmente o regime talibã mas não conseguiram tomar o controle do país. Porquê ?
MH: Em primeiro lugar, o actual governo do Afeganistão não é reconhecido pelos Pachtunes. Quando os Talibãs foram derrubados, os Estados Unidos colocaram Hamid Karzai como presidente. Karzai, que trabalhou para a Unocal. É um Pachtune mas não tem base social no Afeganistão. De facto os Pachtunes, primeiro grupo étnico do país, não estão verdadeiramente representados neste governo. Mas há mesmo algumas marionetas de Washington sem nenhuma legitimidade junto da população. Á partida, os Estados Unidos tentaram comprar os Pachtunes representativos para participar no governo, mas estes pegaram no dinheiro e retiraram-se: como lhes disse os Pachtunes são muito independentes!

Em segundo lugar, os senhores da guerra presentes no governo trabalham cada um no seu próprio interesse. Eles não pagam taxas ao governo central, mas apropriam-se das riquezas. Cada ministério é o ministério independente de um senhor da guerra. Uma situação caótica que paralisa o governo.

Em terceiro, os senhores da guerra não têm confiança nos Pachtunes. Eles acham que se estes tiverem a maioria no governo imporão a sua visão. Em resumo, é um governo onde todos estão contra todos. Todos os cenários que o ocidente estabeleceu não resultaram.

Podemos dizer igualmente que as forças da NATO não ajudam Hamid Karzai no seu trabalho, ao bombardearem camponeses nas suas terras, nas mesquitas, em casamentos ou em funerais… o actual governo é entendido por uma boa parte da população como um instrumento do agressor.

Todas estas mortes criaram um levantamento popular e unificaram a resistência dos Talibãs.

Como consequência desta guerra, a produção de ópio aumentou mais de 3.000% depois da queda do regime talibã. O Departamento de Estado dos Estados Unidos acusou os Talibãs de utilizarem a droga para financiar a resistência…

O ópio é um produto químico proveniente da papoila. Quando a flor de papoila aparece, corta-se, apanha-se o leite que corre e vende-se. É o que fazem os camponeses afegãos. Depois, secam este leite, trabalham-no numa máquina juntando produtos químicos para finalmente obter o ópio. Para produzir esta droga, é preciso um laboratório e conhecimentos de química. Não creio que os camponeses afegãos sejam todos diplomados em química. Se assim fosse o Afeganistão seria um país muito desenvolvido! Para retirar dinheiro do tráfico do ópio, é ainda precisa uma certa logística para poder enviar o produto para o ocidente. Os Talibãs não dispõem de nada disso. De facto, o ópio é proveniente dos senhores da guerra, com a ajuda da CIA. A maior parte das vezes esta droga provém dos serviços secretos dos Estados Unidos que a utilizam como um fundo rentável, transportando a droga para os países ocidentais, vendendo-a a preços de mercado e utilizando em seguida este dinheiro para financiar as suas guerras.

No Afeganistão, a cultura da papoila começou com a guerra contra os Soviéticos e hoje, a indústria do ópio está nas mãos dos senhores da guerra. Ora, para um camponês, cultivar a papoila rende bastante mais que cultivar tomates. Para conseguirem uma base social, os senhores da guerra deixavam então os camponeses cultivar aquilo que quisessem.

Pelo contrário, quando os Talibãs tomaram o poder, nos anos 90, queimaram os campos de papoilas. Fazendo assim bastantes inimigos entre o campesinato. É por isso que, hoje, os Talibãs não impedem os camponeses de cultivar a papoila, mas interditam a produção de ópio. E retiram daí benefícios graças á contribuição financeira dos camponeses. De facto, o governo central não tem qualquer possibilidade de receber uma taxa no sul do país, porque tudo está nas mãos dos Talibãs. Ora, um governo incapaz de recolher uma taxa não é um governo!

GL e MC: Muitos especialistas consideram que a guerra no Afeganistão é impossível de ganhar. O General francês Georgelin classificou-a mesmo de «cagadouro ingerível» («merdier ingérable»). Quais são as dificuldades encontradas pelas forças da coligação ?
MH: A NATO mata civis todos os dias. Daí que a população se tenha aproximado dos Talibãs. Presentemente estes controlam o sul do país, com um governo de facto em cada cidade. Eles misturam-se com a população e as forças da NATO sofrem perdas. Desde que qualquer coisa suspeita mexa, os GI’s abrem fogo, matando civis ao mesmo tempo. Pelo que os Afegãos fazem frente, por um lado, aos senhores da guerra imperialistas, que bombardeiam civis e, por outro, aos senhores da guerra regionais, que pilham o país e vendem droga. Esta é a razão por que os Talibãs têm o apoio da população. Não que eles tenham ideias progressistas, mas porque esperam que devolvam a paz ao país. Exactamente como fizeram em 1992.

GL e MC: É por isso que Obama se diz pronto a negociar com os Talibãs moderados?
MH: Ele tenta proteger os Estados Unidos de uma crise que se acumulou durante as sete últimas décadas. E isso é muito difícil. Obama quer mostrar que não há mais guerra contra os muçulmanos, que rejeita o pretenso choque de civilizações. Diz-se pois pronto a negociar com os Talibãs moderados. Tal é a nova política dos Estados Unidos para numerosos pontos do mundo onde há movimentos muçulmanos: dividi-los entre os bons e os maus.

Eu não sei se este género de negociações poderá pôr fim ao conflito. Se Washington tenta esta via, deverá provavelmente promover uma nova imagem mostrando os Talibãs sob o seu lado bom. Mas eles têm mentalidades atrasadas: eles destruíram os templos budistas para instalar a revolução islâmica, as suas posições contra as mulheres são primitivas e a sua visão do mundo arcaica. Por outro lado, para obter o apoio popular, eles aprendem com os seus erros. Evoquei a cultura da papoila. Um outro exemplo: contrariamente ao que preconizaram no passado, os Talibãs estão hoje de acordo em que as raparigas possam ir á escola. Evoluíram e estão mais fortes para resistir. Mas isso não significa forçosamente que estejam abertos a negociações com os Estados Unidos. Por fim, deveis também ter em conta que daqui em diante o grosso da crise não está mais no Afeganistão mas no Paquistão.

GL e MC: Porque é que a guerra afegã provocou esta crise no Paquistão?
MH: Como já lhe disse, a linha de Durand traçada no território histórico dos Pachtunes é a actual fronteira separando os dois países. O que significa que temos Pachtunes dos dois lados. No Paquistão, eles são o segundo grupo étnico depois dos Punjabis. Isto é muito importante. Porque a elite paquistanesa, após a independência do país, sempre sustentou o imperialismo dos EUA. Vós podeis trabalhar como agente do vosso patrão quando fazeis para ele um trabalho lá longe, na América do Sul ou na África por exemplo. Mas no caso da guerra do Afeganistão é um suicídio porque os dois países são vizinhos e partilham grupos étnicos. Também há Talibãs no norte do Paquistão. Diariamente eles atacam e destroem os reabastecimentos das forças da coligação que passam do Paquistão ao Afeganistão por um caminho estratégico da fronteira. Para resolver este problema, o governo paquistanês, marioneta de Washington, autoriza a NATO a bombardear os Pachtunes sobre o seu próprio território. Consequência de tudo isto, os Talibãs paquistaneses desenvolveram-se e consideram, agora, que o seu inimigo está no Paquistão. Declararam querer marchar sobre Islamabad.

E por isso a fronteira entre os dois países não faz qualquer sentido. E o povo paquistanês deve fazer face a este problema: onde está a legitimidade do governo paquistanês se ele deixa a NATO bombardear os seus próprios civis? O povo paquistanês tem agora duas soluções: tornar-se nacionalista e recusar o diktat dos EUA ou continuar nesta via que leva á destruição do seu país.

GL e MC: Quais poderiam ser as consequências desta crise?
MH: A chave está na estratégia dos Estados Unidos para bloquear a China. Quando aconteceu o tsunami, Washington enviou uma importante ajuda humanitária á Indonésia, na expectativa de aí construir uma base militar na província de Aceh. Esta base foi feita em frente ao estreito de Malaca e é por este estreito que passa o petróleo proveniente do Oceano Indico com destino á China.

Hoje, os Estados Unidos estão instalados neste lugar estratégico. Ao mínimo problema com a China, estão prontos a fechar este estreito e privar Pequim de petróleo. Tendo em conta esta situação, o gigante asiático – que tem cada vez mais necessidade de petróleo para desenvolver o país – procura outras vias de abastecimento. Uma solução passa pela Birmânia, que tem recursos e poderá permitir um acesso através do Bangladesh.

Uma outra possibilidade, é o porto de Gwandar, construído pela China no Baluquistão que é a maior província do Paquistão: aproximadamente 48% da superfície do país. Mas é também a província menos populosa: 5% da população total. Esta província tem importantes reservas de gás e de petróleo. Pequim poderia também construir um pipeline partindo do Irão e passando pelo Baluquistão antes de entrar na China ocidental. Mas os Estados Unidos pretendem absolutamente impedir esta província de passar para a esfera de influência chinesa. Daí o seu apoio ao movimento separatista do Baluquistão, afim de eles tomarem o controle do porto de Gwandar.

Com o problema dos Pachtunes e a possível secessão da maior província, o Paquistão arrisca-se a uma balcanização: a explosão numa série de pequenos estados. Hoje, o povo paquistanês está mais atento. É nele que reside o dever de deter este desastre e de remover os Estados Unidos do Paquistão. Mas essa é também a responsabilidade de todos os movimentos democráticos revolucionários da região. Com efeito, se o Paquistão conhecer a mesma sorte que a Jugoslávia, toda a região deverá ficar face a muito graves problemas.


Mohamed Hassan recomenda as seguintes leituras :

•Ahmed Rashid, Taliban. Militant Islam, Oil and Fundamentalism in Central Asia, Yale University Press, 2001 (existe em francês: Ahmed Rashid, L’ombre des Talibans, Autrement, 2001)
•Antonio Giustozzi, War, Politics and Society in Afghanistan, 1978-1992, Georgetown University Press, 2000
•Alfred W. McCoy, The Politics of Heroin in Southeast Asia. CIA complicity in the global drug trade, Harper & Row, 1972 (existe em francês: Alfred W. McCoy, La politique de l'héroïne l'implication de la CIA dans le trafic de drogues, Ed. du Lézard, 1998)•Michel Collon, Media Lies and the Conquest of Kosovo, Unwritten History, 2007 (existe em francês: Michel Collon, Monopoly, L’Otan à la conquête du monde, EPO, 2000)


Esta entrevista foi originalmente publicada em:
www.michelcollon.info

Tradução: Guilherme Coelho