quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A jovem pirata sueca


"Creio que o Partido Pirata terá um papel importante ao dar forma ao futuro digital, tanto online como offline. A sociedade digital é algo que estará impregnado na estrutura da nossa vida cotidiana, e até agora o único partido que se deu conta disso, na Suécia ou em qualquer outro lugar, foi o Partido Pirata."

Por Thalita Pires, de Londres, pra revista Fórum

Reforma das leis de copyright, o fim do sistema de patentes e a garantia à privacidade online e offline a todos os cidadãos. Com essa plataforma e objetivos bem definidos, o Partido Pirata sueco cresceu vertiginosamente, especialmente entre pessoas com menos de 30 anos, e tornou-se o terceiro partido político da Suécia, com mais de 50 mil membros. Nas eleições do ano passado, os piratas ficaram muito próximos de chegar ao parlamento. Mas foi nas eleições europeias que eles conseguiram as primeiras vitórias.

Hoje, a coordenadora internacional do partido e estudante de economia Amelia Andersdotter, 21 anos, está próxima de ser a segunda representante da agremiação no Parlamento Europeu. A confirmação de sua vaga depende do plebiscito irlandês programado para outubro, que decidirá se o país aceita os termos do Tratado de Lisboa. Essa brecha jurídica é no mínimo curiosa. Os países membros da União Europeia mudaram, com o Tratado de Lisboa, as regras que definem o número de representantes de cada país no Parlamento continental. O único país que ainda não ratificou o Tratado é a Irlanda. O problema é que não houve medidas transitórias entre uma regra e outra, e até agora os 16 deputados que estariam eleitos pela nova regra esperam em seus gabinetes. Foram apelidados de “deputados fantasmas”.

Amelia, uma das fantasmas do Parlamento, não se importa com a indefinição. “É de certa forma divertido que seja possível a existência de ‘deputados fantasmas’”, brinca. Ela continua se dividindo entre a universidade e a militância política. Na entrevista abaixo, ela explica melhor as pretensões de seu partido.

Fórum - O Partido Pirata nasceu com o intuito de preencher um vazio nos programas de partidos tradicionais no que diz respeito a questões levantadas pela internet. De que maneira essas forças políticas falharam em temas como copyright, troca de arquivos, privacidade online e outros?
Amelia Andersdotter - Os outros partidos se dividiram na resposta às mudanças legislativas da sociedade e da economia digitais. Eles têm algumas opiniões favoráveis a mudanças, mas a parte deles que realmente governa sempre acaba defendendo visões conservadoras em relação aos direitos digitais e à propriedade intelectual.
Nosso partido está unido em busca de uma visão benéfica e adequada ao futuro em relação à sociedade digital, à economia digital e às leis que serão ou não necessárias. Portanto, o que queremos fazer, basicamente, é reformar drasticamente a propriedade de direitos intelectuais e garantir acesso pleno à internet e serviços online relacionados, assim como exigir um tratamento balanceado às informações dos cidadãos, que devem ter a privacidade garantida.

Fórum - O Partido também tem no programa o fim das patentes, especialmente na indústria farmacêutica. Qual é a alternativa sugerid0a ao modelo atual de pesquisa?
Amelia - É bastante claro que o sistema de patentes não funcionou como um sistema de incitamento. Essa é uma idéia sustentada largamente por pesquisas independentes. Em vez de encorajar a inovação, o atual sistema estimula os inovadores a contornar as patentes. Isso acontece em todas as indústrias, mas é especialmente prejudicial à sociedade no caso da indústria farmacêutica. Enquanto temos 15 medicamentos ligeiramente diferentes para a síndrome das pernas inquietas (cada uma com apenas uma molécula diferente da substância original), ainda há falta de drogas para, por exemplo, a malária.
Nós defendemos um sistema alternativo de financiamento. Talvez um fundo para dar prêmios, no qual o inventor ganha uma quantia fixa pela invenção. Cada fundo teria um critério específico (“fabrique um remédio contra a malária e ganhe US$ 10 mil”, por exemplo). Esse tipo de premiação era bastante popular na era pré-patentes, e poderia funcionar outra vez. Há variações nesse modelo de prêmios. O cientista poderia receber uma quantia fixa por algum tempo depois de ter realizado a sua descoberta. Qualquer pessoa que desenvolva essa descoberta no futuro (mudando algo da fórmula, por exemplo) teria que pagar uma pequena quantia em royalties para o primeiro cientista, para mostrar respeito ao seu trabalho. Mas deveria, também, ganhar uma quantia, pois fez com que a descoberta anterior evoluísse.

Fórum - As novas redes podem também criar novos modelos econômicos?
Amelia - Certamente, embora ainda não seja possível saber de que modo. Na internet tudo é possível. Já vimos diversas inovações nas atividades online, e isso continuará ocorrendo.

Fórum – Outro problema enfrentado nessa área é o receio de os artistas terem piores condições de trabalho e serem menos remunerados num ambiente disperso como a internet. Como você vê esse debate?
Amelia - Talvez possamos esperar um fortalecimento da cena local (performances ao vivo ou em lugares próximos do próprio artista), mas ao mesmo tempo uma base de fãs global, já que a tecnologia possibilita a difusão do trabalho criativo ao redor do mundo. Isso pode levar ao desenvolvimento de divisões mais especializadas da indústria do entretenimento, para atender a necessidades que serão muito mais pessoais do que geográficas. Em relação à remuneração, uma alternativa é aumentar o número de apresentações ao vivo, em que, além dos ingressos, o artista possa vender seu material.

Fórum - A internet de fato propicia uma liberdade de comunicação antes impensável. Mas, hoje, são poucas as empresas que controlam a rede física da internet. Isso não é um risco à liberdade de informação? Como essa concentração pode ser resolvida?
Amelia - Estranhamente, isso não é um problema na Suécia. Temos um mercado muito competitivo aqui, onde muitas empresas têm redes. E essas empresas não são as mesmas que proveem o acesso à internet. Além disso, nossa legislação responsabiliza claramente as empresas em caso de falhas na rede. Acredito na eficácia de uma lei que garanta a competição para balancear a propriedade desigual da rede e dos servidores, e talvez ainda uma regulação que deixe claro quais são as responsabilidades e deveres dos proprietários da infraestrutura e dos servidores.

Fórum - Vocês já alcançaram alguma mudança na legislação da Suécia? E com outros países, como é a interação com grupos políticos semelhantes?
Amelia - Nós já incomodamos em grandes debates, mas até agora o único avanço foi tornar menos invasiva uma proposta em relação à vigilância de dados. Penso que temos ótimas relações com muitos atores diferentes, em vários países. Existe uma rede internacional de partidos piratas, bem como conexões com grupos ativistas autônomos, com quem fizemos algumas campanhas.

Fórum - A rede, apesar de suas várias possibilidades, tem também os seus gigantes, especialmente o Google, que parece estar presente em cada uma das atividades online. Isso pode ser danoso ao espírito da internet?
Amelia - Sim e não. O Google oferece uma série de bons serviços, e isso é bom por definição. Ao mesmo tempo, a internet se orgulha de ser muito descentralizada. Mas assim como vemos a Microsoft ser lentamente substituída pelo Ubuntu Linux, veremos o Google ser superado pelo mercado.

Fórum - Você acredita que ainda haverá espaço para grandes empresas de entretenimento num futuro sem copyright?
Amelia - É uma pergunta difícil para mim. Mas acredito que pode haver espaço para essas empresas se elas desenvolverem modelos de negócios online. De outra forma, não.

Fórum - O presidente francês Nicolas Sarkozy tentou aprovar a proibição do peer to peer. No Brasil, há uma proposta de lei que exige que os provedores guardem informações sobre todos os usuários, para futuras investigações. Como você encara a tentativa de alguns países de criminalizar a troca de arquivos e de instalar uma vigilância online?

Amelia - No limite, isso é contraproducente. Isso prejudica tanto os servidores como os cidadãos e desestimula a cooperação com a lei. Seria melhor que o Estado, na luta contra o crime, focasse nos indivíduos que são de fato suspeitos do que ter carta branca para vigiar toda a população. E quando os dois lados – cidadãos e empresas – são afetados, pode se instalar um clima de não-cooperação que certamente prejudicaria investigações.

Fórum - Apesar de a luta contra o copyright ser difícil, o futuro aponta para um mundo com menos controle sobre bens culturais. Se e quando isso acontecer, qual será o papel do Partido Pirata? Vocês têm uma agenda alternativa?
Amelia - Creio que o Partido Pirata terá um papel importante ao dar forma ao futuro digital, tanto online como offline. A sociedade digital é algo que estará impregnado na estrutura da nossa vida cotidiana, e até agora o único partido que se deu conta disso, na Suécia ou em qualquer outro lugar, foi o Partido Pirata.

Fórum – Como classificar seu partido dentro da divisão ideológica direita e esquerda?

Amelia - Nós nos movemos em uma área nova, ainda cinzenta. A divisão entre direita e esquerda é remanescente dos antigos conflitos da época da industrialização. O Partido Pirata age no espaço que concerne à digitalização. É um campo completamente diferente, que vai requerer novas escalas.

Fórum - Alcançar o Parlamento Europeu significa que o Partido Pirata é reconhecido como uma força real na Suécia. Você esperava que isso acontecesse tão rápido?
Amelia - Para ser honesta, talvez não. Até há pouquíssimo tempo (abril deste ano) nós não parecíamos ter muito sucesso, mas então vieram as eleições e chegamos ao Parlamento. Foi uma surpresa muito agradável.

Fórum - Como você encara a falha jurídica que colocou você e outros candidatos na posição de parlamentares fantasmas?
Amelia - É de certa forma divertido o fato de que é possível que haja parlamentares fantasmas. Sinto-me estranha nessa situação, mas ao mesmo tempo é fácil. Continuo estudando nesse semestre, a vida continua a mesma. Então me parece que minhas atividades políticas e pessoais continuarão praticamente do jeito que eram antes.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.

Thalita Pires, de Londres


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Um pouco de nossa historia....

1822: a Independência escravizada





Escrito por Mário Maestri

Em janeiro de 1821, no Rio Grande do Sul, Auguste de Saint-Hilaire anotava em seu diário que o Brasil perigava ser "perdido pela casa de Bragança" e que "suas províncias" podiam explodir em nações independentes, "como as colônias espanholas", considerando-se a tamanha diferença entre elas. Escrevia enfaticamente o arguto naturalista: "Sem falar do Pará e de Pernambuco, a capitania de Minas e do Rio Grande, já menos distanciadas, diferem mais entre si que a França da Inglaterra".

Desde sua origem, a América portuguesa foi mosaico de regiões semi-autônomas, de frente para a Europa e África, de costas umas para as outras. As diversas colônias exportavam seus produtos e importavam os manufaturados e cativos que consumiam pelos portos da costa. Eram muito frágeis os contatos entre as capitanias e, mais tarde, as províncias, inexistindo o que hoje definimos como mercado nacional.

Nas diversas regiões, os grandes proprietários controlavam o poder local e viviam em associação subordinada às classes dominantes portuguesas metropolitanas. Os proprietários luso-brasileiros sentiam-se membros do império lusitano, possuíam laços de identidade regional e desconheciam sentimentos ‘nacionais’, impensáveis devido à inexistência de entidade nacional .

Quando do projeto recolonizador da Revolução do Porto, em 1820, as classes dominantes provinciais mobilizaram-se por independência restrita aos limites das regiões que controlavam. O Brasil seguia sendo entidade sobretudo administrativa, sem laços econômicos e sociais objetivos e subjetivos. A construção do Estado-nação brasileiro esboçou-se no II Império e foi sobretudo produto do ciclo nacional-industrialista dos anos 1930.

Nas províncias atuavam as mesmas forças centrífugas que explodiram a América espanhola em constelação de repúblicas independentes, mesmo tendo, ao menos as classes exploradoras, o espanhol como a mesma língua; o catolicismo como a mesma religião; a Espanha como a mesma metrópole. Porém, todas as províncias do Brasil emergiram da Independência coeridas por monarquia centralizadora e autoritária.

Quando da crise de 1820, as classes dominantes provinciais desejavam pôr fim ao governo absolutista lusitano, nacionalizar o comércio português, resistir às pressões abolicionistas do tráfico inglesas e imperar plenamente sobre suas províncias. No relativo à ordem política, dividiam-se em monarquistas e republicanos; quanto à conformação nacional, eram federalistas ou separatistas.

No Norte, Nordeste, Centro-Sul e Sul, eram fortíssimas as tendências republicanas e independentistas. Como assinalado, tudo levava a crer que o Reino do Brasil explodiria em repúblicas, como as possessões espanholas, que sequer mantiveram os laços dos antigos vice-reinados – Nova Espanha; Nova Granada; Peru; Prata.

Um grande problema angustiava os grandes proprietários de todo o Brasil. Realizar a independência e não comprometer a escravidão, base da produção e da sociedade de todas as províncias. Fortes choques militares entre as classes proprietárias provinciais e as tropas metropolitanas, na luta pela independência, e entre as primeiras, na luta pelas novas fronteiras, colocariam em perigo a submissão dos cativos e a manutenção do tráfico.

As classes proprietárias do Brasil sabiam que a guerra levaria ao alistamento e à fuga de cativos, como ocorrera durante a guerra anti-holandesa, em 1630-1654, e em diversas outras ocasiões. Tinham em mente o exemplo aterrorizador da grande sublevação dos cativos, vitoriosa no Haiti, em 1804. Os Estados luso-brasileiros que abolissem a escravidão, por não dependerem da instituição, acolheriam cativos fujões. As pequenas nações negreiras vergariam-se ao abolicionismo britânico do tráfico.

O comerciante inglês John Armitage, que chegou ao Brasil com 21 anos em 1828, registrou em sua perspicaz História do Brasil os temores das classes proprietáriaslocais: "Quaisquer tentativas prematuras para o estabelecimento da república teriam sido seguidas de uma guerra sanguinolenta e duradoura, na qual a parte escrava da população teria pegado em armas, e a desordem e a destruição teriam assolado a mais bela porção da América Meridional."

O Estado monárquico, autoritário e centralizador brasileiro foi partejado e embalado pelos interesses negreiros. A Independência deu-se sob a batuta conservadora dos grandes escravistas. Os ideários republicano, separatista e federalista provinciais foram reprimidos.

A independência do Brasil foi a mais conservadora das Américas. Os proprietários brasileiros romperam com o Estado e o absolutismo português e entronizavam o autoritário herdeiro do reino lusitano. Cortavam as amarras com a ex-metrópole e transigiram com os seus interesses mercantis e de sua casa real. Mantiveram-se unidos para garantir, por mais seis décadas, a exploração escravista.

Mário Maestri é historiador, professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.

E-mail: maestr@via-rs.net

Pela imediata privatização da revista Veja


No blog do miro, por ele mesmo

Numa conversa descontraída no aeroporto de Brasília, o irreverente Sérgio Amadeu, professor da Faculdade Cásper Libero e uma das maiores autoridades brasileiras em internet, deu uma idéia brilhante. Propôs o início imediato de uma campanha nacional pela privatização da Veja. Afinal, a poderosa Editora Abril, que publica a revista semanal preferida das elites colonizadas, sempre pregou a redução do papel do Estado, mas vive surrupiando os cofres públicos. “Se não fossem os subsídios e a publicidade oficial, as revistas da Abril iriam à falência”, prognosticou Serginho.

As “generosidades” do governo Lula

Pesquisas recentes confirmam a sua tese. Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo, descobriu no Portal da Transparência que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país... Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos”.

Indignado, Carlos Lopes criticou. “O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente seu panfleto – a revista Veja”. Realmente, é um baita absurdo que o governo Lula ajude a “alimentar cobras”, financiando o Grupo Abril com compras milionárias de publicações questionáveis, isenção fiscal em papel e publicidade oficial. Não há o que justifique tamanha bondade com inimigos tão ferrenhos da democracia e da ética jornalística. Ou é muita ingenuidade, ou muito pragmatismo, ou muita tibieza. Ou as três “virtudes” juntas.

A relação promiscua com os tucanos

Já da parte de governos demos-tucanos, o apoio à famíglia Civita é perfeitamente compreensível. Afinal, a Editora Abril é hoje o principal quartel-general da oposição golpista no país e a revista Veja é o mais atuante e corrosivo partido da direita brasileira. Não é de se estranhar suas relações promiscuas com o presidenciável José Serra e outros expoentes do PSDB-DEM. Recentemente, o Ministério Público Estadual acolheu representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar irregularidades no contrato firmado entre o governo paulista e a Editora Abril na compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola.

A compra de 220 mil assinaturas representa quase 25% da tiragem total da revista Nova Escola e injetou R$ 3,7 milhões aos cofres do “barão da mídia” Victor Civita. Mas este não é o único caso de privilégio ao grupo direitista. José Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do “Guia do Estudante”, outra publicação da Abril. Como observa do deputado Ivan Valente, “cada vez mais, a editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isso totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada, considerado apenas o segundo semestre de 2008”.

O mensalão da mídia golpista

Segundo o blog NaMariaNews, que monitora a deterioração da educação em São Paulo, o rombo nos cofres públicos pode ser ainda maior. Numa minuciosa pesquisa aos editais publicados no Diário Oficial, o blog descobriu o que parece ser um autêntico “mensalão” pago pelo tucanato ao Grupo Abril e a outras editoras, como Globo e Folha. Os dados são impressionantes e reforçam a sugestão de Sérgio Amadeu da deflagração imediata da campanha pela “privatização” da revista Veja. Chega de sugar os cofres públicos! Reproduzo abaixo algumas mamatas do Grupo Civita:

- DO de 23 de outubro de 2007. Fundação Victor Civita. Assinatura da revista Nova Escola, destinada às escolas da rede estadual de ensino. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 408.600,00. Data da assinatura: 27/09/2007. No seu despacho, a diretora de projetos especial da secretaria declara “inexigível licitação, pois se trata de renovação de 18.160 assinaturas da revista Nova Escola.

- DO de 29 de março de 2008. Editora Abril. Aquisição de 6.000 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 2.142.000,00. Data da assinatura: 14/03/2008.

- DO de 23 de abril de 2008. Editora Abril. Aquisição de 415.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 30 dias. Valor: R$ 2.437.918,00. Data da assinatura: 15/04/2008.

- DO de 12 de agosto de 2008. Editora Abril. Aquisição de 5.155 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 1.840.335,00. Data da assinatura: 23/07/2008.

- DO de 22 de outubro de 2008. Editora Abril. Impressão, manuseio e acabamento de 2 edições do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 4.363.425,00. Data da assinatura: 08/09/2008.

- DO de 25 de outubro de 2008. Fundação Victor Civita. Aquisição de 220.000 assinaturas da revista Nova Escola. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 3.740.000,00. Data da assinatura: 01/10/2008.

- DO de 11 de fevereiro de 2009. Editora Abril. Aquisição de 430.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 2.498.838,00. Data da assinatura: 05/02/2009.

- DO de 17 de abril de 2009. Editora Abril. Aquisição de 25.702 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 608 dias. Valor: R$ 12.963.060,72. Data da assinatura: 09/04/2009.

- DO de 20 de maio de 2009. Editora Abril. Aquisição de 5.449 assinaturas da revista Veja. Prazo: 364 dias. Valor: R$ 1.167.175,80. Data da assinatura: 18/05/2009.

- DO de 16 de junho de 2009. Editora Abril. Aquisição de 540.000 exemplares do Guia do Estudante e de 25.000 exemplares da publicação Atualidades – Revista do Professor. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 3.143.120,00. Data da assinatura: 10/06/2009.

Para não parecer perseguição à asquerosa revista Veja, cito alguns dados do blog sobre a compra de outras publicações. O Diário Oficial de 12 de maio passado informa que o governo José Serra comprou 5.449 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, que desde a “ditabranda” viu desabar sua credibilidade e perdeu assinantes. Valor da generosidade tucana: R$ 2.704.883,60. Já o DO de 15 de maio publica a compra de 5.449 assinaturas do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo por R$ 2.691.806,00. E o de 21 de maio informa a aquisição de 5.449 assinaturas da revista Época, da Globo, por R$ 1.190.061,60. Depois estes veículos criticam o “mensalão” no parlamento.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Artigo de Sara Robinson sobre os USA...

A ascensão do fascismo nos Estados Unidos

Obama_globe_12jan2009.jpg

Obama, na versão apocalíptica: Socialista, autoritário, Grande Irmão e presidente ilegítimo (nasceu na África)

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?

por Sara Robinson, no Blog For Our Future

Publicado no blog viomundo de Luiz Carlos Azenha


Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Chegamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?

E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. "Bem... estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá".

Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de "fascismos" do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais -- um, em particular -- em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.

E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvel -- e os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer -- ou mesmo manter o território.

O que é fascismo?

A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, "todo mundo é o fascista de alguém". Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:

"Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio".

Em outro lugar, ele refina o termo como "uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa".

Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência

Do proto-fascismo ao momento-chave

De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós -- e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.

No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.

O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio -- ou no próximo.

Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do "Despertar nos Estados Unidos" [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.

Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.

Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.

Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.

A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os "squadristi" italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.

Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio "depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima".

Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: "Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes".

E, mais perigosamente: "A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar".

Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas em ascensão. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua "base dura", dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.

Quanto esta aliança "não santa" é feita, o terceiro estágio -- a transição para um governo abertamente fascista -- começa.

O terceiro estágio: chegando lá

Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de "fascismo" porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves -- algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.

Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].

Site da FreedomWorks

Site do Americans For Prosperity

[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]

Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] -- o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer -- sendo ratificada por congressistas republicanos.

Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democrático -- e as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].

Um dos protestos aparece aqui

Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por "um longo e quente agosto para os democratas no Congresso".

Este é o sinal pelo qual estávamos esperando -- o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.

Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.

O ponto decisivo

De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo -- e o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática -- aumentada e aperfeiçoada a cada uso -- contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes.

Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:

1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?

2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?

3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?

Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, "se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura -- os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa -- então será muito tarde para enfrentá-lo".

Paxton (que anteviu que "um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros") concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista -- como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] -- pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.

O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora -- igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.

Paxton caracteriza o estágio cinco como "radicalização ou entropia". Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).

É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva -- mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.

Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.

Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.

Cruzada midiática contra reforma agrária


Altamiro Borges

Desde a decisão do governo Lula de atualizar os índices de produtividade rural, cedendo à forte pressão da jornada de luta do MST em agosto, os barões do agronegócio, sua mídia venal e sua bancada ruralista deflagraram agressiva cruzada contra a reforma agrária. A Rede Globo acionou seus “especialistas” para bombardear a medida. Já a TV Bandeirantes, da família Saad, dona de 16 fazendas e 4.500 hectares de terras em São Paulo, estrebuchou em editorial. Entre os jornais, o oligárquico Estadão foi o mais histérico. A Folha manteve sua linha de futricas, estimulando a cizânia entre governo e movimentos sociais, e a asquerosa Veja demonizou novamente o MST.

A correção dos índices é uma exigência legal e não deveria gerar tanto histerismo. Segundo João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST, “a lei determina que os índices sejam atualizados. Atualmente, o Incra usa dados defasados do IBGE de 1975 como parâmetros para as desapropriações. A Constituição Federal estabeleceu que a propriedade da terra é um bem da natureza, que a rigor pertence aos brasileiros. Por isso, está condicionada pela sociedade a cumprir função social. Se o uso da terra não cumpre a função social, ela deve ser desapropriada pelo Estado. A sociedade será beneficiada porque a atualização obriga o latifundiário atrasado a aumentar a produção ou entregar suas terras ao governo”.

Ainda segundo o líder dos sem-terra, “a atualização dos índices dará mais agilidades e condições para o governo cumprir a lei e desapropriar fazendas que são improdutivas, mas que se escondem atrás dos números de 1975. Mesmo assim, serão utilizados dados de 1996, ou seja, ainda com dez anos de atraso. Os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação ou reserva de valor. Aqueles que estiveram produzindo, nada precisam temer. Se o governo aumentar as desapropriações para a reforma agrária, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desigualdade no campo e, com isso, diminuem os conflitos”.

CPT elogia Lula e critica o latifúndio

Diante da pressão dos ruralistas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou uma nota bastante elucidativa, assinada por seu presidente nacional, Dom Ladislau Biernaski. Reproduzo-a abaixo:

O anúncio pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva de atualização dos índices de produtividade da terra desencadeou uma furiosa campanha da bancada ruralista contra a medida, apoiada pela grande maioria da poderosa mídia e pelo ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, usando da mentira e de argumentos falaciosos, destinados a enganar a opinião pública e a derrubar a iniciativa governamental. A CPT Nacional vem, pois, a público mostrar o outro lado da moeda.

Está de parabéns o senhor presidente por este gesto histórico que trará um grande e benéfico desenvolvimento para todo o nosso povo. Ao assinar esta atualização, atrasada há mais de 30 anos, Lula estará simplesmente cumprindo a Lei Agrária 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 que no artigo 11 determina o seguinte: “Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”.


Recordes de produtividade e concentração

Ora, o estudo “Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira” divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que, de 1975 a 2008, a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3,68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5,59% como média anual. Em 1975 produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975, para 10.18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo.

A comparação com outros países demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3,2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006, foi de 1,95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi de 1,84%, entre 1960 a 2000. A conclusão óbvia a que se chega é que por trás desta guerra da bancada ruralista, teimando em manter os velhos índices de produtividade de 1975, está o intento de preservar o latifúndio improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras, desconsiderando a função social da propriedade, estabelecida na nossa Constituição Federal, continuando o Brasil, assim, o campeão mundial do latifúndio depois de Serra Leoa.


Os argumentos mentirosos

Eles levantam repetidamente o número de 400 mil propriedades rurais que seriam afetadas pela medida, inviabilizando assim toda a produção agrícola no país. Na realidade este número corresponde a apenas 10 % das propriedades rurais, embora ocupem 42,6% das terras. Com efeito, das 4.238.447 propriedades cadastradas pelo Incra, 3.838.000, ou seja, 90 % não seriam afetadas pela medida. São estas propriedades as que garantem 70% do alimento que é posto na mesa dos brasileiros. Ao passo que essas outras 400 mil, com o ferrenho apoio da bancada ruralista, são as que recorrem ao governo para adiar indefinidamente o pagamento de suas dívidas com os bancos, como a imprensa tem noticiado com freqüência.

À crítica à anunciada medida juntou-se também uma raivosa criminalização dos movimentos de trabalhadores no campo, da forma mais generalizada e iníqua. Entretanto o que se vê no nosso campo é o deprimente espetáculo da multiplicação dos acampamentos de sem-terra que se sujeitam, por anos a fio, a condições inumanas de vida na fila da realização, um dia, do sonho da terra prometida de viver e trabalhar.

Os dados de ocupações de terra e de acampamentos, registrados pela CPT e divulgados anualmente mostram um quadro preocupante. Onde há maior concentração de sem-terra é onde o número de assentamentos é menor. E isso justamente ao lado de áreas improdutivas, que a atualização dos índices poderia facilmente disponibilizar para assentamento das famílias. Em 2007, no Nordeste se concentraram 38,3% das ocupações e acampamentos envolvendo 42,5% das famílias, No Centro-Sul, aconteceram 49,5% das ações envolvendo 43,5% das famílias. Porém os assentamentos promovidos pelo governo aconteceram na sua maioria na Amazônia, onde há mais disponibilidade de terras públicas, distantes dos centros habitados.


“Uma exigência de justiça social”

Fica claro, pois, que onde há mais procura por terra, no Nordeste e no Centro-Sul, há menos disponibilidade de terras. E um dos fatores que limita esta disponibilidade são os índices defasados de produtividade. Ao lado disso, no Sul, onde foram assentadas somente 2,6% das famílias, estas tiveram uma participação de 42,06% do total da produção nacional de grãos. Portanto a atualização dos índices de produtividade poderá disponibilizar muito mais áreas em regiões mais propícias ao cultivo de grãos, onde há mais busca por terra e onde a tradição agrícola é mais forte.

Diante de tudo isso, a CPT Nacional declara que a alvissareira atualização dos novos índices de produtividade da terra, tantas vezes protelada, é uma exigência de justiça social. Mas a superação da secular estrutural injustiça social no campo e do resgate da dívida social para com os excluídos da terra, vítimas da nefasta política do sistema corrupto e violento que defende a ferro e fogo a arcaica estrutura agrária alicerçada no latifúndio, só se concretizará quando se colocarem em nossa Constituição limites para a propriedade da terra. Então, a partir disso, será possível uma real democratização ao acesso a terra.

A dialética e o marxismo






Leandro Konder - socialismo.org.br

Leandro Konder
Leandro Konder
Peço licença para começar por uma curiosa experiência vivida há muitos anos, em 1964, no IPM do ISEB. Interrogado por um coronel a respeito de uma palestra que eu havia feito sobre o marxismo, falei em dialética. Para a minha surpresa, o coronel explicou ao sargento datilógrafo: "A dialética é esse negócio que os comunas inventaram para dizer que uma coisa é, mas ao mesmo tempo não é"...

No momento em que ouvi a explicação, por força da situação grotesca, achei-a apenas engraçada. Sinistra, porém cômica. Com o tempo, entretanto, comecei a reconhecer que havia alguma procedência naquela crítica rudemente formulada: de fato, com esse sentido a dialética tem sido - e continua sendo - usada com freqüência.

Essa constatação me levou, muitos anos depois, a escrever um livrinho de divulgação intitulado O que é Dialética, tentando dissipar alguns dos mal-entendidos que circulam em torno da dialética. Não tive a ambição de superar o mal-entendido em geral, porque desconfio que o mal-entendido em geral é insuperável: ele brota incansavelmente das brechas que sempre existem na articulação entre o nosso saber e o real; ele aproveita a inesgotabilidade do real, a irredutibilidade do real ao conhecimento.

O que podemos fazer, reconhecendo as limitações do nosso conhecimento, é admitir com Hamlet que há mais coisas no céu e na Terra do que supõe a nossa filosofia. A tradução usual acrescentou "vã" filosofia, mas o que Shakespeare escreveu foi : "There are more things in Heaven and Earth, Horatio, / Than are dreamt of in our philosophy" (Hamlet, primeiro ato, quinta cena). A filosofia pode se reconhecer como limitada sem se considerar vã.

A construção do conhecimento necessita de desconfiança em relação a si mesma e também de autoconfiança. Em que a dialética, na concepção de Marx, pode contribuir para a satisfação de cada uma dessas necessidades?

A contribuição para desconfiança vem pela ligação com o conceito de ideologia: a distorção ideológica pode ser tão sutil que eu não a perceba infiltrar-se em meu ponto de vista, em minhas razões, em minha ciência, em minhas intuições.

A contribuição para a autoconfiança vem pela ligação com o conceito de práxis, a atividade do sujeito que de algum modo aproveita algum conhecimento ao interferir no mundo, transformando-o e se transformando a si mesmo.

Cabe à dialética, em Marx, articular a crítica das ideologias à práxis.

Se a crítica das ideologias não se ligar à práxis, ela tende a se deteriorar, tende a se reduzir a mera ...distorção ideológica.

Se a práxis não se ligar a uma constante crítica das ideologias, ela degenera em pragma.

De fato, as três se condicionam reciprocamente; a práxis precisa da crítica das ideologias para melhorar o conhecimento com base no qual se orienta; a crítica das ideologias precisa ao mesmo tempo contribuir para a orientação e para o questionamento da práxis. Cada uma das duas, então, precisa da outra. E ambas necessitam da dialética (como a dialética necessita de ambas).

O conceito de práxis é decisivo na distinção entre a dialética de Marx e a do seu mestre, Hegel. É verdade que em ambos a dialética se funda como uma ontologia e não como uma teoria do conhecimento. O que conta, para os dois, é o movimento do ser, suas contradições. No entanto, eles divergem na compreensão desse ser que se move e no entendimento de qual possa ser a sua relação com o conhecimento.

Para Hegel, ou o conhecimento expressa o ser e o ilustra, ou então se afasta do ser, torna-se mero equívoco e não interessa. Para Marx, os homens, sujeitos da práxis, se servem daquilo que conhecem ou julgam conhecer.

Na práxis, o sujeito age conforme pensa, a prática "pede" teoria, as decisões precisam ter algum fundamento consciente, as escolhas devem poder ser justificadas. Na práxis, o sujeito projeta seus objetivos, assume seus riscos, carece de conhecimentos. Na oitava das "Teses sobre Feuerbach", Marx distingue explicitamente a práxis e a "compreensão" ["Begreifen"] da práxis (quando afirma que os mistérios em que a teoria tropeça são solucionados na práxis e na compreensão da práxis). (MARX, vol. III).

Pouco antes, em sua polêmica com a "sagrada família" dos hegelianos, Marx havia escrito: "A verdade é, para o senhor Bauer, tal como para Hegel, um automaton que se prova por si mesmo. O ser humano só tem que segui-la" (MARX vol. II).

A teoria, então, tem que "morder" as diferentes ações transformadoras, e pode não conseguir fazê-lo, ou pode "mordê-las" muito deficientemente. Em todo caso, fica claro que a interferência da construção do conhecimento na práxis, para Marx, se reveste de uma dramaticidade e assume uma importância que a gnosiologia hegeliana jamais reconheceria.

Hegel admitia que no movimento do ser havia um momento necessário em que aparecia a liberdade, o sujeito humano manifestando seu poder de interpretar o real e tomar iniciativas; esse poder, contudo, acabava sendo bastante restrito, era rigidamente condicionado, subordinado a uma racionalidade ainda sufocante.

Em Marx, surge a possibilidade de se pensar o sentido da história não a partir de uma razão constituída, mas a partir de uma razão constituinte. O sentido do nosso movimento não é anterior à nossa intervenção: é instaurado por nós, dentro dos limites que nos são impostos pelo quadro em que nos inserimos.

Sem se entregar a uma visão irracionalista da história, Marx abre caminho para uma dialética que pode superar o determinismo, isto é, pode acolher a riqueza do subjetivo na objetividade, ou, em outras palavras, pode continuar respeitando a necessidade e ao mesmo tempo pode assimilar a liberdade (sem estreitá-la).

Na história do marxismo, entretanto, a direção em que se moveu a dialética de Marx não foi tão fecunda como se poderia esperar. O determinismo, expulso da doutrina pela porta da frente, logo voltou a infiltrar-se nela pela porta dos fundos.

As urgências da luta política criaram condições nas quais os militantes organizados eram extremamente vulneráveis ao sentimento gratificante de se acharem na "crista da onda" do "progresso", e esse sentimento, conforme observou Walter Benjamin, inseria os homens num tempo "vazio e homogêneo", desviando-os do desafio que consiste em "escovar a história a contrapelo" (BENJAMIN).

Quando Marx, aos 25 anos, propôs que a revista alemã, que ia ser lançada em Paris sob sua direção, tivesse como lema "uma crítica implacável a tudo que existe" (MARX, vol. I), o movimento operário não tinha, por assim dizer, nada a perder.

No final do século XIX, porém, os socialistas haviam criado os primeiros partidos de massa, os primeiros sindicatos de massa, a segunda Associação Internacional dos Trabalhadores, e possuíam, portanto, todo um patrimônio político pelo qual deveriam zelar. Convinha-lhes, então, agir com alguma prudência.

No novo quadro, reconhecia-se a verdade enunciada pelo velho Goethe, no seu Wilhelm Meister: "São poucos os que refletem e são capazes de agir. A reflexão amplia, mas enfraquece; a ação revigora, mas limita"( GOETHE, VIII, cap. 5).

Entre os poucos que uniam convincentemente reflexão e ação, naquele momento, estava Karl Kautsky, líder e principal teórico do Partido Social-Democrático dos Trabalhadores Alemães. A influência de Kautsky foi enorme. Segundo o historiador francês Georges Haupt, pela seleção dos textos que considerava importantes de Marx e pela concatenação de tais textos, foi Kautsky quem criou "o marxismo" (termo que Marx recusava). (HAUPT).

O "marxismo" que assim nascia se baseava numa opção problemática. Dissemos que Kautsky unia convincentemente a reflexão e a ação. Devemos perguntar, porém, de que reflexão e de que ação se trata.

Kautsky nunca deixou de ser darwinista e adepto da teoria evolucionista. Por isso, nunca se interessou de fato pela dialética e difundiu com êxito sua leitura da concepção de Marx como um determinismo histórico. Para ele, o novo não vinha de uma ruptura: era o resultado do lento e inexorável amadurecimento de algo que já existia antes e ainda não era percebido e afinal passou a ser enxergado.

A idéia ainda ganhou mais força com a publicação, na época, de um livro escrito pelo genro de Marx, Paul Lafargue, intitulado, sintomaticamente, O Determinismo Econômico de Karl Marx. (LAFARGUE).

A convicção de serem os representantes de um movimento revolucionário objetivo, que estava se realizando inexoravelmente, consolava e reanimava os lutadores nos momentos difíceis, ajudando-os a suportar derrotas, porém, quando se organizava em forma de teoria, assumindo a forma de um determinismo ou "mecanicismo fatalista", atrofiava-lhes a capacidade de tomar iniciativas, tornava-se "causa de passividade", segundo a análise feita por Antonio Gramsci (vol. I, p. 107) (GRAMSCI).

A dialética se retraiu. Apesar das advertências feitas por Lukács em 1922, em História e Consciência de Classe (LUKACS), apesar das lúcidas observações de Gramsci e Benjamin, a dialética encontrou pouco espaço para florescer no espaço ocupado pelo "marxismo oficial", tanto na versão social-democrática como na nova versão leninista.

Foi grave, mesmo, o que aconteceu com o pensamento de Marx no uso que lhe deram os políticos e teóricos integrados ao movimento dos partidos comunistas: instituiu-se uma "ortodoxia" posta sob o controle dos dirigentes supremos do movimento comunista mundial e se reduziu drasticamente o espaço da reflexão livre ligada à ação.

A dialética não podia deixar de se ressentir do cerceamento do diálogo (convém não esquecermos que os dois termos nascem irmanados: diálogo vem de dia+logos e dialética vem de dia+lêgein).

É certo que dialética e dialógica não são sinônimos; existem procedimentos dialógicos que não são dialéticos, quer dizer não reconhecem a centralidade da contradição. No entanto, quando as condições históricas se tornam muito desfavoráveis ao diálogo, elas tendem a prejudicar a dialética.

A divisão dos socialistas na Europa mostrou que as duas tendências principais do movimento não estavam preparadas para pensar e realizar a unidade na extrema diversidade. Divididos, social-democratas e comunistas acabaram, por diferentes caminhos, se acumpliciando com a depreciação da dialética.

Os social-democratas tenderam a reduzir Marx a um teórico importante, mas igual a muitos outros, autor de umas tantas idéias que poderiam ser ecleticamente aproveitadas em contextos específicos. Eduard Bernstein propunha mesmo, francamente, substituir a dialética pelo velho e bom empirismo inglês.

E os comunistas tenderam a reduzir a dialética - pragmaticamente - àquilo que o coronel do IPM do ISEB caracterizou como o que os "comunas" inventaram para dizer que uma coisa ao mesmo tempo é e não é...

Nos termos da frase de Goethe, agora modificada, a ação limitava e não revigorava a reflexão, e a reflexão enfraquecia a ação sem amplia-la.

O que era realmente grave é que não se tratava de mero descuido. O filósofo tcheco Karel Kosik observou que no sistema político adotado pelos comunistas havia uma polarização entre o detentor de um saber proporcionado pela teoria revolucionária (o "Comissário do Povo") e o homem comum, a quem a "Verdade" está sendo levada. Quanto mais este último deixasse de formular dúvidas ou objeções, mais ele seria considerado "bem encaminhado" pelo primeiro. O funcionamento do sistema, então, teve como conseqüência inevitável, de um lado, o fortalecimento do dogmatismo do "Comissário" e, de outro, a passividade do consumidor da doutrina (KOSIK).

Houve, sem dúvida, resistências a esse processo. Além dos já lembrados Lukács, Benjamin e Gramsci, diversos outros nomes merecem ser lembrados, como, entre muitos outros, Adorno e Horkheimer. É muito significativo, porém, que esses autores tenham ficado marginalizados, ou no mínimo postos sob áspera suspeita, com escassa influência real sobre o grande movimento político que se realizava, então, em nome do marxismo.

O processo da derrocada da União Soviética mudou o quadro. Livres do pesado compromisso - que lhes era cobrado - de proteger e preservar o sistema dos partidos comunistas e o vasto e imponente aparelho estatal de uma superpotência, os marxistas podiam, dentro de certos limites, voltar a sentir alguma proximidade com a disponibilidade, alguma afinidade com o despojamento que tinha o jovem Marx para uma "crítica implacável a tudo que existe".

Se existe alguma possibilidade de revitalização do marxismo como teoria, ela depende, certamente, dessa recuperação das raízes da dialética. Nas atuais circunstâncias, a dialética enfrenta o desafio de um recomeço.

Cabe-lhe resgatar a força da dialógica, que chegou a desempenhar um papel tão importante nos escritos de Platão, abrindo espaço no movimento do pensamento para a incorporação necessária do discurso do Outro, como pré-requisito para a elevação da filosofia em direção ao mundo das idéias.

Cabe-lhe associar a radicalização de sua vocação crítica ("mudar a vida!", conclamava o poeta Rimbaud) a uma modéstia metodológica e a uma vigilância autocrítica que lhe permitam enxergar suas próprias limitações e a estimulem a buscar naquilo que surge de novo no campo de seus interlocutores/contraditores elementos que podem - surpreendentemente - ensejar a ampliação de seus horizontes.

A dialética, como modo de pensar, suporta mal qualquer tentativa de defini-la. Algumas das suas características mais importantes, contudo, podem ser determinadas aproximativamente. Podemos constatar, por exemplo, que ela depende essencialmente da capacidade do sujeito de apreender o novo e a contradição. Ou, em outras palavras: depende do reconhecimento pelo sujeito da "formação ininterrupta da novidade qualitativa" (LUKÁCS, p. 260) e da sua capacidade de se orientar no quadro das contradições com que se defronta e que inevitavelmente o envolvem.

Como o novo está sempre surgindo e as contradições estão constantemente ultrapassando os limites da sua compreensão, o sujeito, na dialética, não pode deixar de ter no infinito uma referência fundamental: a infinitude é a categoria que lhe permite entender o real como efetivamente inesgotável, irredutível ao saber.

Apesar das diferenças (que não devem ser subestimadas), cumpre reconhecermos, então, uma convergência entre a dialética e a mística: em ambas, o sujeito se sente em face de algo maior do que aquilo que está ali, quer dizer, se sente relacionado a algo que transcende a realidade imediata, algo que vai além da realidade restritamente presente, que o seu conhecimento poderia pretender dominar e exaurir.

Nas décadas de maior influência do movimento comunista, o "marxismo oficial" se recusava a admitir esse ponto de convergência e fechava obstinadamente os olhos diante de obras tão instigantes como as de mestre Eckhardt, Nicolau de Cusa e Blaise Pascal.

Outro obstáculo no qual o "marxismo oficial" tropeçava era aquele que se refere às relações da dialética com a natureza. Com uma curiosidade digna de admiração, porém manifestando um espírito um tanto amadorístico, o velho Engels fez algumas observações a respeito do que seria as "leis da dialética" no âmbito das ciências naturais; tomou algumas notas e as deixou com pessoas que as editaram em livro, sustentando a tese de que havia uma dialética que abarcava desde a natureza até a história.

Com a "dialética da natureza" se atenuava a ruptura da passagem dos processos naturais aos processos históricos, as categorias básicas da dialética eram trabalhadas de maneira a valer para os dois níveis, o que acarretava certa "naturalização" da história.

A teoria da "dialética da natureza" exerceu uma forte influência até mesmo sobre alguns marxistas argutos, como Henri Lefebvre, que escreveu: "o homem continua sendo um ser da natureza, mesmo quando se apropria dela. Às vezes, ele chegou a crer que seus fins se opunham à natureza: sua liberdade, por exemplo. Porém essa liberdade só tem sentido e realidade na natureza e pela natureza" (LEFEBVRE).

Hoje em dia, preocupados com a dilapidação dos recursos - finitos! - do nosso planeta, será muito difícil encontrarmos alguém que nos assegure que o desperdício de água, as atividades industriais danosas ao meio ambiente e a destruição da floresta amazônica são "naturais".

Uma terceira "derrota" histórica da dialética decorreu do fato de que, negada a sua origem (na relação sujeito/objeto), deixava de ser reconhecido o poder que os sujeitos têm de fazer escolhas, de tomar decisões, antevendo os objetivos que pretendem alcançar. Ao invés de pensar a totalização a partir da práxis, os adeptos da "dialética da natureza" impuseram um concepção prepotente de totalidade, fundindo (e confundindo) o natural e o social.

Hoje, a dialética enfrenta outras batalhas. Vive, como diria Merleau Ponty, outras "aventuras" (MERLEAU-PONTY). Recusa-se, como sempre, a se deixar enquadrar como "método" ou - o que é pior - como "doutrina". Caso ela se deixasse enquadrar como uma doutrina, simplificaria muito o nosso trabalho como professores, na educação dos jovens. Acontece, entretanto, que os jovens para os quais nós transmitiríamos a doutrina seriam, afinal, tudo que possamos imaginar, menos ... dialéticos.

Como a dialética vem entrando no século XXI ? Ela se sabe mais ampla do que o marxismo. Pode-se ser dialético sem ser marxista (como era o caso de Gerd Bornheim e, em certo sentido, do padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, dois filósofos importantes, recentemente falecidos, e que estão nos fazendo muita falta).

Também é evidente que se pode ser marxista sem ser verdadeiramente dialético.

A dialética, se me permitem dizê-lo cum grano salis, tem simpatizado com o marxismo, porém não parece disposta a lhe assegurar que ela é a mulher da vida dele. Por fidelidade ao Modernismo, com quem viveu bons momentos, trata o Pós-Modernismo com frieza. Faceira, insinua, contudo, que de repente pode mudar de atitude.

Não ficou nem um pouco magoada quando José Guilherme Merquior se referiu a ela como uma "dama de costumes fáceis" (MERQUIOR, p. 178). Prefere, entretanto, o elogio que o poeta Bertolt Brecht fez ao seu senso de humor. Imagino-a dizendo:

- Brecht tinha razão. Quem não tiver senso de humor nunca me compreenderá.

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas, vol. I, Trad. Sérgio Paulo Rouanet, SP, Brasiliense, 1985.

GOETHE,W. Wilhelm Meister. Ed. Goldmann, 1975.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, trad. Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, RJ, Civilização Brasileira, 1999.

HAUPT, Georges. L'historien et le mouvement social, Paris, Maspero, 1971.

KOSIK, Karel. "Moral da Dalética e Dialética da Moral", in Moral e Sociedade, Rio ed. Paz e Terra, 1968.

LEFEBVRE, Henri. Que es la dialectica. Trad. Rodrigo Garcia Treviso. Buenos Aires, La Plêiade, 1975.

LUKACS, Georg. Geschichte und Klassenbewusstsein. Neuwied & Berlim, luchterhand, 1970.

MARX, Karl. Marx-Engels-Werke. Berlim, Dietz, volumes 1, 2 e 3, 1962 e 1964.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Les aventures de la dialectique, Paris, Gallimard, 1953.

MERQUIOR, José Guilherme. As Idéias e as Formas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981.

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Londres, Penguin, 1985.

Aula magna proferida na PUC-RJ em 28/03/2003.

Leandro Konder é filósofo marxista.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A rua é das pessoas e não dos carros

Por Nazareno Stanislau Affonso*

Em 2008 os fabricantes de automóveis foram ajudados pela isenção da Cide-combustíveis, pela redução da alíquota do IOF na compra de motocicletas, motonetas e ciclonetas por pessoas físicas, e pela redução do IPI da indústria automobilística, representando importantes renúncias fiscais. A indústria nunca fabricou tanto e quem perdeu foram os cidadãos no seu direito de mobilidade. A opinião é de Nazareno Stanislau Affonso em artigo na revista do Ipea Desafios/agosto 2009.

Nazareno Stanislau Affonso, é coordenador do MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade) e do escritório da ANTP Brasília, diretor do Instituto RUAVIVA, integrante do Conselho das Cidades e da Coordenação do Fórum Nacional da Reforma Urbana.

Eis o artigo.

Em 2007 o governo e a indústria automobilística comemoraram a fabricação dos 50 milhões de veículos em 50 anos, colocando o Brasil no 9º lugar entre os produtores e 11º exportador mundial. A Anfavea dizia que os próximos 50 milhões deveriam acontecer em 15 anos, caso o governo desse “estímulo ao consumo interno, apoio à engenharia e incentivo à produção e exportação”.

Os automóveis e as motocicletas estão no centro da crise de mobilidade, figurando entre as principais causas dos congestionamentos, do aumento da poluição e dos acidentes com mortos e feridos, com as cidades pagando alto custo, principalmente os usuários de transportes coletivos. Em 1998, pesquisa sobre congestionamentos em dez capitais, do Ipea/ANTP, apontava um custo de R$ 5 bilhões, responsável por 15% de aumento das tarifas públicas.

Enquanto o transporte público urbano espera por medidas de desoneração tributária, justiça social nos pagamentos das gratuidades - hoje pagas pelos usuários - e investimentos em infraestrutura, o governo federal e os estados de São Paulo e Minas Gerais injetaram R$ 8,5 bilhões para manter os financiamentos para automóveis, sob pretexto de que seu bom desempenho favorece a economia,.

Em 2008 os fabricantes de automóveis foram ajudados pela isenção da Cide-combustíveis, pela redução da alíquota do IOF na compra de motocicletas, motonetas e ciclonetas por pessoas físicas, e pela redução do IPI da indústria automobilística, representando importantes renúncias fiscais. A Fenabrave festejou um crescimento de 27,8% nas vendas entre 2006 e 2007, atingindo 2,3 milhões de automóveis comercializados. Em 2008 festejou novo recorde, o maior da história, crescendo 14% sobre 2007 (de 2,3 milhões para 2,6 milhões), a despeito da crise internacional que afetou profundamente a indústria automobilística em todo o mundo.

Os dados são contundentes quanto às perdas sociais e econômicas que esse modelo de mobilidade promove no país: o transporte público, uma solução sustentável e que cria cidades mais baratas e eficientes, recebe seu primeiro golpe, quando a Constituição passa a competência para os municípios investirem e gerirem os transportes públicos, sem prover os recursos condizentes, além de inviabilizar as propostas de se criar um fundo de investimentos permanente para essa política. Nessa política rodoviarista e focada nos automóveis, houve o fim dos bondes, as ferrovias urbanas foram sucateadas, e os ônibus perderam 20 bilhões de passageiros entre 1992 e 2005, deixando de arrecadar R$ 29 bilhões (ANTP) .

Como o uso do automóvel relaciona-se à renda da população, fica claro o abismo existente entre o consumo dos que ganham até R$ 250 e mais de R$ 3.600: para os últimos, o consumo de energia é 9 vezes maior, o de combustível 11 vezes, despejam 14 vezes mais poluentes no meio ambiente e 15 vezes mais acidentes de trânsito. Comparando o transporte público com os automóveis, vemos mais absurdos: os automóveis são responsáveis por 83% dos acidentes; 76% da poluição e sofrem apenas 38% dos congestionamentos dos quais são a maior causa, enquanto os que usam transporte público sofrem 62%.

Com relação aos subsídios totais ao transporte urbano nas regiões metropolitanas por modo: autos/motos/táxi recebem de R$ 10,7 bilhões a R$ 24,3 bilhões/ano (86% dos recursos), enquanto os transportes públicos recebem de R$ 2 bilhões a R$ 3,9 bilhões (14%), apesar de transportarem 31% das viagens contra 30% dos automóveis. Esses subsídios referem-se apenas à compra e licenciamento de veículos, operação direta, estacionamento e externalidades não cobradas (poluição, acidentes, congestionamento).

Embora não haja aqui espaço para se aprofundar sobre o que levou o país a optar por essa política de mobilidade centrada nos automóveis, que aumenta a exclusão social e a poluição e promove um genocídio no trânsito, é possível demonstrar que há soluções, mas que pressupõem vontade política, responsabilidade pelo futuro das próximas gerações e pela sustentabilidade do planeta.

Para isso, utilizarei algumas das propostas apresentadas pelo MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de qualidade para todos) na 8ª Jornada Brasileira Na cidade, sem meu carro, cuja campanha era “a rua é das pessoas e não dos carros”:

1. Transformar os estacionamentos na via pública em aumentos de calçadas, ciclovias e faixas exclusivas de ônibus, ou em jardins, limitando o estacionamento nos centros urbanos aos residentes;

2. Garantir que todo investimento em novas ruas, incluindo os viadutos, seja para pedestres, ônibus e bicicletas;

3. Utilizar faixas de vias, hoje dos automóveis, para implantar corredores exclusivos de ônibus, e que esses sejam fiscalizados para não serem invadidos;

4. Criar um fundo de mobilidade urbana municipal com recursos provenientes da Cide-combustível, de pedágios urbanos e da taxação de estacionamentos, prestando conta publicamente, todo ano, da sua aplicação;

5. Promover o planejamento racional das ruas pela prefeitura, integrando as linhas de ônibus, as bicicletas, as calçadas acessíveis e os carros às linhas de ferrovia e metrô e aos corredores exclusivos de ônibus.

Nosso sonho é construir cidades em que os vários espaços sociais sejam valorizados, promovendo a inclusão da cidade real.

* Nazareno Stanislau Affonso é coordenador do MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade) e do escritório da ANTP Brasília, diretor do Instituto RUAVIVA, integrante do Conselho das Cidades e da Coordenação do Fórum Nacional da Reforma Urbana.

Fonte
: IPEA Desafios/ IHU-online


(Envolverde/Mercado Ético)

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A América Latina estará reagindo??

As Vias Abertas na América Latina
Ricardo AntunesNeste texto e depois de analisar a situação da América Latina, o Pofessor Ricardo Antunes interroga-se: “não estarão os povos andinos, amazônicos, indígenas, negros, homens e mulheres trabalhadores dos campos e das cidades, a estampar que a América Latina não está mais disposta a suportar a barbárie, a subserviência, a iniqüidade, que em nome da “democracia das elites” assume de fato a postura do império, da autocracia, da truculência, da miséria e da indignidade? Não estaremos presenciando o afloramento de um novo desenho de poder popular, construído pela base, pelos camponeses, indígenas, operários, assalariados urbanos que começam novamente a sonhar com uma sociedade livre, verdadeiramente latinoamericana e emancipada?”. Não estaremos começando tecer, redesenhar e mesmo presenciar as novas vias abertas na América Latina?
Ricardo Antunes* - Odiario

Nas últimas décadas do século XX a América Latina vivenciou um verdadeiro desastre social, caracterizado pelos enormes índices de pauperização, expulsão, despossessão, desemprego e empobrecimento no campo e nas cidades e, em contrapartida, aumento desmesurado da concentração da riqueza, ampliação da propriedade da terra, crescimento do agronegócios, avanço dos lucros e dos ganhos do capital.

Foi ainda um período de grande expansão das empresas transnacionais e do capital financeiro, que obtiveram, ambos, altas taxas de lucro, como se pode constatar com os lucros dos bancos no Brasil, tanto nos dois governos FHC como os de Lula, além da implementação de modelos econômicos que seguiram à risca a cartilha do FMI. Isso sem falar na existência de parlamentos degradados e de judiciários em grande medida coniventes com as classes dominantes e seus pólos ativos de corrupção.

Mas o receituário neoliberal e sua pragmática vêm dando mostras de exaustão e os povos da América Latina estão á frente destes novos embates. Os países andinos, por exemplo, experimentam e exercitam novas formas de poder popular. São vários os exemplos de avanço das lutas populares em Nuestra América.

Contra a arquitetura institucional eleitoral das classes dominantes, os povos indígenas, os “campesinos”, os sem-terra, os operários, os assalariados despossuídos, os desempregados, esboçam novas formas de ação e de luta social e política, recusando-se a respaldar governos e grupos que tem sido dominantes há muito tempo.

A história esta sendo redescoberta de outros modos e por outras formas. Nos Andes, responsável por uma cultura indígena secular e mesmo milenar, cujos valores, ideários, sentimentos são muito distintos daqueles estruturados sob o controle e o tempo do capital, ampliam-se as rebeliões, desenham-se novos ciclos de lutas, dando claros sinais de contraposição à ordem que se estrutura desde o início do domínio e espoliação colonial.

Começa a ser desenhada uma nova forma de poder popular, autoconstituinte, moldada pela base. Na Bolívia, por exemplo, os povos indígenas e camponeses vêm rompendo com a conservação e a sujeição. Herdeiros de uma tradição revolucionária, o povo boliviano tem dado mostras de muita força e rebeldia, sinalizando que o avanço popular é cada vez maior, o que vem aguçando a oposição burguesa e imperialista em suas várias tentativas de desestabilizar o governo de Evo Morales.

Na Venezuela, os assalariados pobres dos morros de Caracas avançam na organização popular como uma forma alternativa de poder nas empresas, nos bairros populares, nas comunas, ampliando sua ação, impulsionando o governo Chavez, fazendo acentuar seus traços anticapitalistas e filiando-o na rota das alternativas de inspiração socialista. Avança-se, com a mobilização popular, no esboço do desenho prático e reflexivo dos novos caminhos do socialismo no século XXI.

No Peru, os indígenas e camponeses estão desencadeando levantes todos os dias, neste mês de junho de 2009, contra o governo conservador e de direita de Alan Garcia, que acumula índices de crescente oposição popular e procura controlar através de brutal repressão. Junto com tantos outros povos andinos, os latinoamericanos aumentam os espaços de resistência e rebelião.

Na Argentina, quando da eclosão dos levantes em dezembro de 2001, vimos a luta dos trabalhadores desempregados, denominados “piqueteros”, que depuseram, junto com as classes médias empobrecidas, vários governos, nos dias que abalaram a Argentina. E que os Kirchner tentam a todo custo controlar e cooptar, usando-se dos novos modos de ser do velho peronismo.

As rebeliões no México, de Chiapas até a experiência da Comuna de Oaxaca em 2005, a resistência prometeica dos cubanos, a luta do MST contra a propriedade da terra, o agronegócios e seus transgênicos, são outros importantes exemplos das lutas sociais e políticas da florescem na América Latina. Isso para não falarmos das lutas operárias urbanas, dos assalariados da indústria e dos serviços mercadorizados, dos trabalhadores imigrantes, que temos freqüentemente destacado nesta nossa coluna.

Termino com a indagação que fiz em outra oportunidade: “não estarão os povos andinos, amazônicos, indígenas, negros, homens e mulheres trabalhadores dos campos e das cidades, a estampar que a América Latina não está mais disposta a suportar a barbárie, a subserviência, a iniqüidade, que em nome da “democracia das elites” assume de fato a postura do império, da autocracia, da truculência, da miséria e da indignidade? Não estaremos presenciando o afloramento de um novo desenho de poder popular, construído pela base, pelos camponeses, indígenas, operários, assalariados urbanos que começam novamente a sonhar com uma sociedade livre, verdadeiramente latinoamericana e emancipada?”.

Não estaremos começando tecer, redesenhar e mesmo presenciar as novas vias abertas na América Latina?


* Professor de Sociologia do IFCH/ UNICAMP e autor, dentre outros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo), e Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez).