domingo, 18 de outubro de 2009

Uma questão agrária...

Estratégia do grande capital fundiário é negar a existência da questão agrária

  correio da cidadania - Guilherme C. Delgado   

 Problemas agrários e conflitos sociais envolvendo populações rurais são tão antigos no Brasil quanto a história colonial, iniciada pela ocupação das terras e escravização das populações indígenas. Nessa época a violência e o escravismo da população rural originária e daquela trazida da África caracterizavam a própria índole do projeto colonial.
 Por outro lado, uma “Questão Agrária” nacional, caracterizada como um problema político em aberto na agenda política do Estado brasileiro, é bem mais recente – anos 60 do século XX. Nesse interregno de meio século houve, sob signo da mudança da estrutura agrária, muita pressão, conflito e repressão, além de alguma alteração formal no estatuto do direito da propriedade fundiária. O Estatuto da Terra de 1964 e a Constituição Federal de 1988 são expressão dessa mudança formal no princípio jurídico da terra como bem social e não como bem de mercado, como assim estabelecia a Lei de Terras de 1850. Mas somados os 45 anos de vigência conjunta, seja do Estatuto da Terra, seja da Constituição de 1988, constata-se que substantivamente não houve mudança no direito agrário.
 Esse divórcio da política agrária relativamente aos fundamentos do direito agrário não é efeito sem causa. Reflete uma estratégia privada dos grandes proprietários fundiários, associados ao grande capital e ao Estado, produzindo e reproduzindo no Brasil a chamada “modernização conservadora” da agricultura, no âmbito da qual se nega peremptoriamente a existência de uma questão agrária nacional.
 O fato, empiricamente indiscutível, de prevalecer uma estrutura agrária altamente concentrada, calcada em direitos de propriedade que se arrogam absolutos, tem conseqüências sociais, ambientais e políticas perversas para a maioria da população rural e para país como um todo. Mas sua conversão em “Questão Agrária” requer explicitação do que e de quem estarão implicados nesta problemática.
 Questão agrária atual
 A primeira e principal demarcação do problema em foco coloca-se sob a perspectiva desigual de como são afetados pela estrutura agrária atual os proprietários da riqueza social, os trabalhadores e a sociedade brasileira em seu conjunto.
 No passado (anos 60), a esquerda partidária (Partido Comunista) defendia a tese de que a estrutura agrária brasileira constituía obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo na agricultura. Essa tese tinha por referencial o capital e não o trabalho como cerne da Questão Agrária. A história do último meio século, sob a égide da “modernização conservadora”, é bastante elucidativa para desmenti-la.
 Por outro lado, se a leitura do problema é feita sob a perspectiva do mundo do trabalho rural e do conjunto da sociedade brasileira, haverá sim uma Questão Agrária em aberto em pleno século XXI, com tendência de se agravar no tempo. O cerne da questão é precisamente a implicação negativa da “modernização conservadora” (mudança técnica sem mudança na estrutura agrária) para a ocupação dos trabalhadores e agricultores familiares, para o manejo ecologicamente sustentável do meio ambiente e para a distribuição da renda e da riqueza geradas no espaço rural. Tudo isto tem significado social concreto: relações sociais civilizadas ou o império da barbárie dos “donos do poder” e da riqueza territorial.
 No século XXI, a política de modernização técnica da agricultura, sem mudança na estrutura agrária, agora etiquetada de agronegócio, ganha reforço a partir da crise cambial de 1999, que aprofunda o processo de “primarização” do comércio exterior brasileiro.
 Nesse contexto, relança-se a tese da exportação de commodities’ a qualquer custo (soja, milho, carnes, açúcar, etanol, celulose de madeira, matérias primas minerais etc.), como via de escape ao déficit cumulativo e crescente da Conta de Transações com o Exterior. O aparente sucesso desta tese, com a reversão do déficit entre 2003 e 2007, esconde o fato notório do seu recrudescimento e agravamento a partir de 2008, puxado pela remessa de rendimentos do capital estrangeiro. Este aqui ingressou e continua a ingressar sob o abrigo da liberalização financeira, permitindo até que se formassem “Reservas Externas”, ao custo de uma acentuada elevação das “Remessas de Rendimentos”. Mas continua em vigência o regime de primarização do comércio exterior, impelido pela liberalização financeira, calibrando a aliança do grande capital, da grande propriedade fundiária e do Estado para um projeto sem futuro para o Brasil.
 Os indicadores de agravamento da questão agrária
 Os indicadores de avanço das exportações primárias dos últimos oito anos revelam crescimento forte dos produtos “básicos” e “semi-elaborados”, que, representando 44% da Pauta de Exportações entre 1995 e 1999, saltam para 57% em 2008. Medidas em dólares correntes, essas exportações primárias aproximadamente quadruplicam no período em exame. Praticamente no mesmo período, o Censo Agropecuário de 2006, confrontado com o Censo de 1996, revela aumento dos índices de concentração fundiária e redução de 7,6% no Pessoal Ocupado na Agricultura. Este último dado, também levantado pelo IBGE, anualmente, por meio das Pesquisas por Amostragem de Domicílios, confirma continuamente neste decênio a redução do emprego rural, “pari-passu” à extensiva expansão das ‘commodities’.
 O indicador de desmatamento florestal, inevitável com a acelerada expansão da pecuária e das “commodities” agrícolas, aparece periodicamente nas imagens de satélite, suscitando aceso debate entre ambientalistas e ruralistas, que, contudo, não vai às causas do problema.
 Há vários outros indicadores afetados pela atual expansão agrícola acelerada: aumento da grilagem de terras, agora amparada por favores oficiais; perda de eficácia do manejo e conservação dos recursos hídricos; perda de biodiversidade em razão da expansão da monocultura. Mas é principalmente o aumento da morbidade face ao rápido aumento das doenças laborais e a violência que permeia as relações semi-clandestinas de trabalho volante os focos dos indicadores mais perversos desse processo de expansão agrícola.
 Todos esses indicadores de uma Questão Agrária politicamente incidente sobre o mundo do trabalho, o meio ambiente e a sociedade em geral praticamente não repercutem na agenda do Congresso Nacional, nem nas pautas da grande mídia. Ao contrário, cogita-se mesmo é de retroceder a aplicação dos dispositivos constitucionais que prevêem a observância do “Grau de Utilização” das terras, conforme a atual Lei Agrária de 1993, a prevalecer o Projeto de Lei da senadora Katia Abreu, já aprovado na Comissão de Agricultura do Senado.
 Há uma certa nostalgia no agir político da nossa elite ruralista relativamente às práticas ‘normais” do estatuto colonial. Tratam a sociedade brasileira como uma grande barbárie em pleno século XXI, sob cumplicidade ou omissão de muitos que perderam a esperança.
 Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Hora de acordar





Adriano Benayon*   

http://www.anovademocracia.com.br/58/4a.jpgOuro e dólar

Faz tempo que advertimos: manter— se atado ao "sistema financeiro internacional" custará caro a todos os povos, e tanto mais caro quanto maior, em cada país, seu entrosamento com esse "sistema" e quanto mais tempo isso dure.

No artigo Derivatives Collapse and the China Gold and Silver Markets — publicado por Global Research, 10.09.2009 – Bob Chapman mostra que o império anglo— norte— americano amarrou dentro de estreita armadilha os países detentores de créditos em dólares, exercendo sobre eles pressão político— militar e/ou enganando e cooptando seus dirigentes políticos.

Entre outros, chineses, japoneses, alemães e árabes. A China, um dos poucos países com poder para retaliar e exigir compensações, foi induzida a não só acumular dólares em quantidade estarrecedora, mas também a fazer apostas erradas nos mercados financeiros, adquirindo títulos — com a obrigação de, no futuro, entregar ouro e prata — derivados de contratos detidos por bancos estrangeiros.

Dada a tendência, cada vez mais clara, à valorização dos metais preciosos, os logrados que ficaram com esses derivativos sofrerão enormes prejuízos, pois, para entregar esses metais, terão de comprá— los a preços mais elevados. Esses contratos, chamados forward, são, na maioria, negociados fora das Bolsas e exigem o cumprimento da obrigação ao final do prazo estabelecido.

Como outros, os chineses demoraram a perceber a dimensão da enrascada em que caíram ao comprar títulos denominados em dólares. Eles vêm, nos últimos meses, procurando vendê— los e comprar ouro e metais preciosos. Além disso, o governo da China está aconselhando seus cidadãos a fazer o mesmo. Ademais, proibiu as exportações de prata.

Ainda mais preocupante para os concentradores anglo— americanos, controladores das finanças mundiais: diante da escalada nos preços dos metais preciosos, o governo chinês fez saber que cogita renegar contratos forward, por força dos quais teria de entregar quantidades volumosas de ouro e prata.

Um dos objetivos dos anglo— americanos ao induzir os chineses e outros a adquirir esses derivativos foi obrigar os detentores de títulos dos EUA a não despejá— los no mercado, pois, se assim o fizerem, farão elevar o preço dos metais preciosos, sofrendo, em consequência, vultosos prejuízos.

Em setembro, o ouro voltou a ultrapassar US$ 1.000,00 por onça*, apesar das jogadas e pressões dos concentradores financeiros anglo— americanos, coadjuvados por seus satélites europeus, para manter baixo o preço. Nesse contexto, os bancos centrais têm— se desfeito, nos últimos anos, de suas reservas em ouro, o que beneficia adicionalmente os oligarcas, que o têm podido adquirir a preço baixo.

É interessante notar que esses oligarcas, sobre tudo os britânicos, são os maiores detentores do ouro existente no mundo, tanto em cofres de bancos, como em minas de todos os continentes.

Podem— se esperar, portanto, grandes embates no jogo de poder mundial no último trimestre do ano, quando deve ficar desmoralizada a farsa de que a "crise" está terminando.

Novas bolhas vão espocar, como as mencionadas em meus artigos recentes. Só nos EUA, até agora, o Estado gastou com elas US$ 23 trilhões. As emissões monetárias para cobrir os novos rombos certamente farão intensificar a descrença dos fundos soberanos chineses e de outros países em preservar o valor de suas vultosas carteiras de títulos norte— americanos.

Depressão, desemprego e guerra

Com a confirmação, em breve, de que o colapso financeiro mundial e a depressão se aprofundarão, o cenário de confrontação se tornará mais explícito, levando a conflitos armados e/ou a soluções de compromisso entre países dotados de poder real, ou seja, militar — inclusive nuclear — , industrial e tecnológico.

O desemprego, em proporções jamais vistas, acarretará lutas sociais às quais os governos títeres da oligarquia reagirão por meio de repressão e, em parte, de investimentos econômicos e sociais.

Estes, porém, são inviáveis se forem mantidas as atuais moedas e não se cancelar os títulos tóxicos e liquidar os bancos que os detêm. Isso porque a dimensão dos déficits públicos é incontrolável, mesmo sem grandes iniciativas sociais. Mais que isso, elevar, em favor destas, as emissões de moeda, que já são estratosféricas, desencadeará a hiperinflação. A saída clássica, para as poderosas dinastias, é a guerra de grandes proporções.

De qualquer forma, o povo norte— americano é participativo, e os protestos e manifestações já contam com dezenas de milhões de pessoas, embora os grupos estejam, em geral, desorientados e ideologicamente divididos.

O desemprego, altíssimo e crescente, também na Europa, aumentou em mais de 10 milhões nos EUA, nestes dois anos, incluindo os que decidem parar de buscar trabalho, e a cifra segue crescendo a ritmo mensal entre 600.000 e 1 milhão.

A taxa oficial, grandemente manipulada, de quase 10%, mais que dobrou desde 2007. O desemprego que inclui os trabalhadores a título precário e os de tempo reduzido, está perto de 21% da força de trabalho.

A Flórida tornou— se o 19º estado a recorrer a crédito para pagar benefícios sociais. Na Califórnia, onde estão sem emprego 40% das pessoas em idade de trabalhar, o governo, em estado falimentar, cortará, este mês, 140.000 beneficiários.

Brasil

Tenho repetido que os efeitos no Brasil já são graves e que não passa de paliativo a tentativa de elevar os gastos sociais e os investimentos, via BNDES, inclusive elevando, para isso, a dívida pública.

O jogo de poder mundial, sempre pesado, vai sê— lo ainda mais, e para o Brasil é preferível que se prolongue o conflito entre países com poder real a que eles se entendam.

Para países destituídos de poder, a chance de mudar de rumo depende da desordem no sistema imperial, infinitamente melhor que a ordem mundial pretendida pela oligarquia. São condições favoráveis à organização da sociedade brasileira para se dotar de instituições capazes de a levar a evoluir: 1) o impacto da depressão; 2) o choque causado pela transformação em caos do sistema financeiro internacional; 3) a confrontação entre as potências.

Urge, em suma, para o Brasil, encontrar o rumo da independência, saindo da subserviência em que afunda desde 1954, com o Estado financiando e subsidiando as transnacionais. Elas se tornaram a classe dominante no País, têm tido acesso gratuito às suas fabulosas riquezas naturais e feito esmagar as atividades industriais e tecnológicas dos brasileiros.

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* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento", editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
1 Onça (oz) unidade de medida equivalente a a 31,1035g.

Por que é preciso destruir a burguesia e sua imprensa





Marcelo Salles  - A Nova Democracia 
"Porque em nenhum lugar o espírito específico dos Estados manifesta-se mais claramente que nos debates sobre a imprensa"
Karl Marx, em Liberdade de Imprensa

Em virtude dos avanços das tecnologias da informação, os meios de comunicação de massa passaram a atingir praticamente todo o universo de cidadãos que convivem em sociedade. Seus suportes são muitos: outdoors, emissoras de rádio, emissoras de televisão, jornais, revistas, internet, telefones celulares, entre outros. Por outro lado, cada vez menos atores detêm o poder de produzir e divulgar palavras e imagens, conforme registra Dênis de Moraes em seu livro A batalha da mídia: "Hoje em dia, 20 conglomerados transnacionais de mídia controlam cerca de 3/4 de toda produção simbólica no planeta, o que traz problemas gravíssimos para a diversidade informativa e para a pluralidade cultural".

No Brasil também existe uma concentração significativa entre os meios de comunicação de massa. No veículo televisão, por exemplo, o mercado pertence a um grupo de apenas seis corporações, apontando para a formação do monopólio, informa Dênis de Moraes:

"Seis empresas de mídia controlam o mercado de TV no Brasil, um mercado que gira mais de US$ 3 bilhões por ano. A Rede Globo detém aproximadamente metade deste mercado, num total de US$ 1,59 bilhão. Estas seis principais empresas de mídia controlam, em conjunto com seus 138 grupos afiliados, um total de 668 veículos midiáticos (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva; a Globo, sozinha, detém 54% da audiência da TV".

A televisão tem uma importância central por suas características próprias, capazes de entreter pelas vias de áudio e vídeo — o que até sua invenção era uma conjugação inédita na história da comunicação mundial entre os veículos domésticos. Por outro lado, no Brasil a importância desta mídia assume contornos ainda maiores devido ao baixo índice de alfabetização do povo — segundo o Instituto Paulo Montenegro, em pesquisa divulgada pelo escritor Venício Lima, no livro Mídia: crise política e poder no Brasil, apenas 26% dos brasileiros entendem o que lêem.

Entendemos, ainda, que os meios de comunicação funcionam como uma instituição com imensa capacidade de produzir e reproduzir subjetividades, que se desdobram em atitudes e posicionamentos bastante objetivos, como demonstra Cecília Coimbra em seu livro Operação Rio: o mito das classes perigosas:

"A mídia é atualmente um dos mais importantes equipamentos sociais no sentido de produzir esquemas dominantes de significação e interpretação de mundo (...). Esse equipamento (...) nos orienta sobre o que pensar, sobre o que sentir".

Estrutura fortemente concentrada, poder de agendamento e capacidade de influir sobre as decisões de cidadãos, instituições, chefes de Estado e da própria sociedade são características que credenciam as corporações de mídia como atores extremamente relevantes nos dias de hoje.

Em A ideologia Alemã, Karl Marx resume em grande parte a centralidade da imprensa para que a burguesia mantenha o controle sobre a sociedade:

"Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual; de tal modo que o pensamento daqueles a quem é recusado os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante."

O controle ferrenho dos aparelhos ideológicos pela burguesia tem uma série de consequências, entre elas a de não permitir que as massas enxerguem e sintam de maneira clara as condições brutais de exploração a que são submetidas pelo sistema capitalista, sobretudo em sua fase superior, o imperialismo.

Esta violência assume proporções ainda maiores quando observamos o papel dos meios de comunicação no tocante à eterna criminalização das classes populares, de suas lutas por se libertar da exploração, de seus hábitos e costumes, de suas formas de trabalho, de sua luta por sobrevivência.

Um bom exemplo disso foram as reportagens que se seguiram à operação policial no Complexo do Alemão, que deixou mais de 40 mortos em 2007 — uma comissão federal provou, posteriormente, que pelo menos duas pessoas foram executadas a sangue frio. A revista Veja considerou a matança "a guerra necessária para a reconstrução do Rio", O Globo dedicou 95% do espaço editorial nos dois dias seguintes para apoiar a ação da polícia e a revista Época exibiu em sua capa a fotografia de um policial caminhando sobre corpos sem vida, com o título: "Um ataque inovador". Emissoras de rádio e televisão seguiram o mesmo caminho. O massacre (des) informativo atinge a sociedade como um todo, e pauta toda a sociedade com a linha política das classes dominantes, inclusive os operadores do Direito que irão interferir diretamente no fato ocorrido: delegados, promotores e juízes.

Apenas para ilustrar a agressão da imprensa burguesa contra os trabalhadores, relembramos um caso ocorrido em 16 de abril de 2003. A operária Maria Dalva da Costa Correia da Silva, de 54 anos, perdeu um filho assassinado por policiais. No dia seguinte, Thiago da Costa Correia e Silva foi chamado de bandido pelo jornal Extra, das Organizações Globo. Título: "Tiroteio mata 4 em morro da Tijuca"; subtítulo: "Policiais são surpreendidos e trocam tiros com bandidos do Borel". O texto da matéria relacionava o estudante como traficante, a forma encontrada para legitimar o seu assassinato. "Sei que não houve troca de tiro. Foi execução e todos levaram tiro nas costas e na cabeça", enfatiza Maria Dalva. Thiago tinha 19 anos, cursava a oitava série do primeiro grau e trabalhava, com carteira assinada, fazendo manutenção de bombas de gasolina.

A estratégia de criminalização da classe trabalhadora é um dos pilares centrais do fascismo, cuja implementação tem sido acelerada, principalmente nas semicolônias. O Estado mantém as massas populares permanentemente aterrorizadas e sufocadas em suas reivindicações, visando diminuir sua  capacidade de mobilização e luta.

Enquanto isso, ofuscada pela cortina de fumaça de escândalos da política mundana com cobertura nacional, procede-se a uma escandalosa usurpação das riquezas nacionais. Sob os auspícios da imprensa monopolista, a atual crise do sistema capitalista drenou o quanto pôde. Só no setor automobilístico, conforme relatório do Banco Central de 2008, as montadoras enviaram nada menos que US$ 4,8 bilhões às matrizes no exterior. Somando os outros setores da economia, a sangria alcança absurdos US$ 20,143 bilhões/ano. O Globo deu matéria sobre isso sem nenhum destaque nas páginas internas. Não dá pra aceitar calado o envio de tantos bilhões pra fora enquanto existe gente passando fome aqui dentro.

Outro ponto central da estratégia das classes dominantes em que a imprensa é utilizada em larga escala são as guerras de rapina, assim como os momentos de ruptura institucional. No primeiro caso temos o exemplo do apoio irrestrito das corporações de mídia ao governo ianque para a invasão e genocídio no Iraque e Afeganistão. No segundo caso temos o exemplo candente do recente golpe ocorrido em Honduras, cujo movimento inicial contou com o suporte efetivo do monopólio internacional dos meios de comunicação.

A Obscenidade do Império obtém o Diploma da Paz


Por Raul Fitipaldi

A Velha Prostituta, e sua filha Suécia, continuam exercendo um fascínio extraordinário sobre os escravos da Colônia com seus reis assassinos de ursos, suas feias rainhas, seus príncipes alcoólatras e suas princesas promíscuas. Mas não só. Também com sua idolatria ao filho bastardo, os Estados Unidos. Li e reli alguns comentários dos líderes da América Latina sobre a entrega do galardão à ignomínia conhecido pelo nome de “Prêmio Nobel da Paz”. Prêmio de marketing político que já foi dirigido a dar álibi a figuras tão rastejantes como Shimon Peres, serviçais como Mohamed ElBaradei, pró-ocidentais como Shirin Ebadi; cínicas como Jimmy Carter (outro membro do partido democrata ianque); corrompidas como Kofi Annan; dentre outras delícias da impostura. O “Alfredinho” me faz acreditar que o nosso nível de idiotização perante o espetáculo mediático continua quase intato. Apenas a Senadora colombiana Piedad Córdoba tomou distância suficiente do tom de obamania que ainda assola o continente, quando disse “que espera que, depois de ter recebido o Prêmio Nobel da Paz, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, rechace definitivamente o acordo para a instalação de sete bases militares do seu país em território colombiano e se perguntou quando é que se fechará a prisão que Washington mantém ilegalmente em Guantánamo, Cuba.”
Só neste mundo dominado por minorias medievais, sátrapas e obscenas, o Presidente de uma nação manchada de sangue, que aplica golpes associada às oligarquias mais apátridas e grosseiras, que passa pela pior crise da sua história, que desfila sua decadência impudica, que pratica o genocídio a diário com naturalidade demoníaca fora do seu território, e o crime de estado em casa, pode receber um prêmio à paz. Não seria melhor um Prêmio Kissinger à Morte?
O Nobel da Paz é um Prêmio Obsceno para um País Obsceno. Prêmio para distrair o foco dos fracassos acumulados em nove meses pela jovem administração obamaniaca no Afeganistão, no Iraque. A implicância dos EUA no golpe em Honduras, na preparação de um golpe na Guatemala, a tentativa de desestabilização dos governos da Venezuela com paramilitares no Zulia, as campanhas maciças contra Evo Morales e seu povo, as tentativas de quebrar e confundir a mobilização popular no Equador, o apoio constante aos oligarcas do campo argentino, e sobretudo, a instalação das Sete Bases Militares Gringas na Colômbia, aqui, na Pátria Grande. O país da cadeira-elétrica, da exploração sistêmica de hispanos, da falta de saúde, da obesidade, do maior consumo de drogas, dos criminosos em série, é dirigido pelo Prêmio Nobel da Paz.
Pareceria que o fato do Mr. Obama ser um cidadão negro, charmoso, jovem, lhe confere ao Império a possibilidade de fazer-se um lifting momentâneo badalado pelas redes de multiplicação do sistema, as modeladoras da opinião do mundo. Essa máscara da paz está grudada na pele com sangue iraquiano, sudanês, afegão, hondurenho, mexicano, haitiano, e, se nossos líderes não se arrancam, por muito que doer, esse “MÁSCARA” do Prêmio Nobel da Paz, só brotarão mais rios de sangue na região. Não há nenhum texto de política de estado que indique que há de se aplaudir o chefe de um bando de criminosos (o insinua Maquiavel, é verdade...), seja qual for a gangue, mesmo que sejam os ainda sócios majoritários e consumistas dos Estados Unidos de Sua América, não da Nossa.

Brasil é líder no combate à fome entre emergentes, diz ONG

O Brasil é líder no combate à fome entre os países em desenvolvimento, de acordo com um ranking elaborado pela ONG antipobreza Action Aid e publicado nesta sexta-feira para marcar o Dia Mundial da Alimentação. Segundo o documento, o país demonstra "o que pode ser atingido quando o Estado tem recursos e boa vontade para combater a fome".

A lista foi elaborada a partir de pesquisas sobre as políticas sociais contra a fome em governos de 50 países. A partir da análise, a ONG preparou dois rankings - um com os países em desenvolvimento, onde o Brasil aparece em 1º lugar, e o outro com os países desenvolvidos, liderado por Luxemburgo.

Em último lugar na lista dos desenvolvidos está a Nova Zelândia, abaixo dos Estados Unidos. Entre os países em desenvolvimento, a República Democrática do Congo e Burundi aparecem nas últimas colocações.

Segundo a diretora de políticas da Action Aid, Anne Jellema, "é o papel do Estado e não o nível de riqueza que determina o progresso em relação à fome".

Brasil O documento elogia os esforços do governo brasileiro em adotar programas sociais para lidar com o problema da fome no país e destaca os programas Bolsa Família e Fome Zero.

"O Fome Zero lançou um pacote impressionante de políticas para lidar com a fome - incluindo transferências de dinheiro, bancos de alimentação e cozinhas comunitárias. O projeto atingiu mais de 44 milhões de brasileiros famintos", diz o texto.

Segundo o relatório, o programa ainda ajudou a reduzir a subnutrição infantil em 73%.

A ONG afirma ainda que o Brasil é "exemplar" no exercício do direito ao alimento e cita a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan 2006) e o Ministério do Combate à Fome como medidas de que exemplificam que o direito à alimentação está sendo cada vez mais reconhecido como direito fundamental.

Apesar do aspecto positivo, a ONG afirma que o Brasil "ainda tem áreas em que pode melhorar" e cita o desafio de incluir os trabalhadores sem terra e pequenos agricultores nos programas sociais de alimentação.

"É imperativo que famílias em pequenas fazendas também estejam protegidas da expansão dos enormes programas industriais de biocombustíveis do Brasil", afirma o relatório.

Índia Em segundo lugar no ranking dos países em desenvolvimento aparece a China, seguida por Gana (3º) e Vietnã (4º).

A Action Aid destaca a redução no número de famintos na China - 58 milhões em dez anos - e elogia os esforços do governo em apoiar os pequenos agricultores.

Em contrapartida, o documento critica a Índia onde, segundo o relatório, 30 milhões de pessoas teriam entrado para a taxa dos famintos desde a metade dos anos 90.

Além disso, a ONG destaca que 46% das crianças estão abaixo do peso e subnutridas no país.

"A fome existe não porque não há alimento suficiente na Índia, mas porque as pessoas não conseguem chegar até ele. O governo indiano enfrenta um enorme desafio para proteger os direitos dos pobres", diz o texto.

Ricos Não só os esforços e as políticas dos governos de países em desenvolvimento e mais pobres são criticados no documento divulgado nesta sexta-feira.

No ranking dos países desenvolvidos, atrás de Luxemburgo está a Finlândia (2º) e a Irlanda (3º), com a Nova Zelândia(22º) e os Estados Unidos (21º) nas últimas colocações.

A ONG acusa o governo neozelandês de ordenar cortes acentuados no incentivo oficial à agricultura e classifica o incentivo do governo americano à agricultura como "mesquinho".

"A contribuição (desses países) para expandir programas de segurança social permanece insignificante", diz o documento, agregando Grécia, Portugal e Itália. 
 

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Parabéns a todo(a)s que permanecem na luta....



Você sabe como surgiu o Dia do Professor?


O Dia do Professor é comemorado no dia 15 de outubro. Mas poucos sabem como e quando surgiu este costume no Brasil.
No dia 15 de outubro de 1827 (dia consagrado à educadora Santa Tereza D’Ávila), D. Pedro I baixou um Decreto Imperial que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto, “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. Esse decreto falava de bastante coisa: descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até como os professores deveriam ser contratados. A idéia, inovadora e revolucionária, teria sido ótima - caso tivesse sido cumprida.
Mas foi somente em 1947, 120 anos após o referido decreto, que ocorreu a primeira comemoração de um dia dedicado ao Professor.
Começou em São Paulo, em uma pequena escola no número 1520 da Rua Augusta, onde existia o Ginásio Caetano de Campos, conhecido como “Caetaninho”. O longo período letivo do segundo semestre ia de 01 de junho a 15 de dezembro, com apenas 10 dias de férias em todo este período. Quatro professores tiveram a idéia de organizar um dia de parada para se evitar a estafa – e também de congraçamento e análise de rumos para o restante do ano.

O professor Salomão Becker sugeriu que o encontro se desse no dia de 15 de outubro, data em que, na sua cidade natal, professores e alunos traziam doces de casa para uma pequena confraternização. Com os professores Alfredo Gomes, Antônio Pereira e Claudino Busko, a idéia estava lançada, para depois crescer e implantar-se por todo o Brasil.
A celebração, que se mostrou um sucesso, espalhou-se pela cidade e pelo país nos anos seguintes, até ser oficializada nacionalmente como feriado escolar pelo Decreto Federal 52.682, de 14 de outubro de 1963. O Decreto definia a essência e razão do feriado: "Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias".

Fontes:
Site www.diadoprofessor.com.br
Site www.unigente.com


Lia Sabugosa – Por Um Beijo Teu (2005)


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tá no portal Vermelho.org


Morte do dólar: rumores demasiado exagerados

Um sistema monetário mundial que depende da moeda de um único país é algo problemático, tanto para o emissor como para os usuários. É a temporada de pânico com o dólar. Os comerciantes de pânico são variados: adeptos de investimentos em ouro, defensores da linha dura fiscal e muitos outros concordam que o dólar, moeda dominante desde a Primeira Guerra Mundial, está em seu leito de morte.


Por Martin WolfValor, do Financial Times, no Valor Econômico

Um colapso hiperinflacionário estaria em gestação. Será que isso faz sentido? Não. Ainda assim, o sistema monetário mundial baseado no dólar é falho. Seria bom começar a desenvolver alternativas. Deveríamos começar pelo que não confere com o que vem ocorrendo. O valor do dólar subiu. Quando a confiança voltou, o quadro reverteu-se. O dólar valorizou-se 20% entre julho de 2008 e março. Desde então, perdeu grande parte dos ganhos. Portanto, o declínio do dólar é sintoma de seu sucesso e não de seu fracasso.

Será que é possível encontrar sinais mais profundos de que o mundo esteja abandonando a moeda dos EUA? Um indicador bastante apreciado é o preço do ouro, que quadruplicou desde o início da década. Seu preço, contudo, é um indicador dúbio do risco inflacionário: seu pico anterior foi em janeiro de 1980, pouco antes de a inflação ter sido exterminada.

O aumento nos preços do ouro reflete medo e não fatos. Esse medo não é compartilhado de forma generalizada. O governo dos EUA consegue captar recursos a 4,2% anuais ao longo de 30 anos e a 3,4%, com vencimento em dez anos. Durante a crise, as expectativas inflacionárias indicadas pela diferença entre o rendimento dos papéis convencionais e os dos protegidos contra a inflação desmoronaram.

Desde então, recuperaram terreno - outro sinal de êxito da política econômica. Porém, ainda estão abaixo do patamar em que estavam antes da crise. O perigo imediato - tendo em vista o excesso de capacidade - nos EUA e no mundo é a deflação e não a inflação.
A correção do dólar não é apenas natural; é útil. Reduzirá o risco de deflação nos EUA e facilitará a correção dos "desequilíbrios" mundiais que ajudaram a causar a crise.

Concordo com um artigo, ainda por sair, de Fred Bergsten, do Peterson Institute of International Economics, a respeito de que os "fluxos imensos de capital para os EUA facilitaram o excesso de alavancagem e subestimação do risco" (O dólar e os déficits, "Foreign Affairs", novembro/dezembro 2009). Mesmo os céticos concordam que os EUA precisam de uma expansão puxada pelas exportações.

Por fim, o que poderia substituir o dólar? A menos (e até) que a China remova os controles cambiais e desenvolva mercados financeiros líquidos e profundos - o que possivelmente levaria uma geração- o euro é o único concorrente sério do dólar. Atualmente, 65% das reservas mundiais são compostas por dólares e 25%, por euros. Sim, poderia haver alguma mudança. Provavelmente, contudo, seria vagarosa. A região do euro também possui altos déficits fiscais e endividamento. O dólar existirá daqui a 30 anos; o destino do euro não é tão certo.

Essa visão pode ser muito complacente. O perigo de colapso do dólar é pequeno e sua substituição por outra moeda é ainda menor. Porém, um sistema monetário mundial que depende da moeda de um único país é algo problemático, tanto para o emissor como para os usuários. Os riscos também estão aumentando, particularmente, desde a emergência do "Bretton Woods 2" - a prática de administrar as taxas de câmbio em relação ao dólar.

Nos anos 60, Robert Triffin, um economista belgo-americano, argumentou que um sistema monetário global baseado no dólar tinha uma falha: a elevada liquidez que o mundo buscava exigiria déficits em conta corrente nos EUA. Cedo ou tarde, no entanto, o excesso de passivos monetários minaria a confiança na moeda-chave. A visão - conhecida como "dilema de Triffin" - mostrou-se visionária: o sistema de Bretton Woods caiu em 1971.

Estritamente falando, as reservas poderiam ser criadas se o país da moeda-chave simplesmente captasse no curto prazo e emprestasse no longo. Na prática, contudo, a demanda por reservas gerou déficits em conta corrente no país emissor. Em um regime de taxa de câmbio livre, o acúmulo de reservas também deveria ser desnecessário.

Depois das crises financeiras dos anos 90, entretanto, os países emergentes decidiram que precisavam buscar uma expansão puxada pelas exportações e segurar-se contra crises. Como resultado direto, apenas nesta década, foram acumuladas 75% das reservas cambiais mundiais.

Essa própria busca por estabilidade, entretanto, ameaça criar uma instabilidade de longo prazo. De fato, as autoridades monetárias chinesas estão preocupadas com o risco sobre o valor de suas imensas reservas em dólar, que, pela lógica de Triffin, é exacerbado por sua própria política. As autoridades monetárias dos EUA podem repetir o mantra do "dólar forte".

Porém, é uma aspiração sem instrumento para sustentá-la. As medidas políticas relevantes são tomadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), que não tem a instrução de preservar o valor externo do dólar. A única forma por meio da qual as autoridades monetárias chinesas poderiam preservar o valor doméstico de suas reservas externas seria apoiar o dólar, sem limites, o que comprometeria a estabilidade monetária doméstica da China e, no fim das contas, acabaria se mostrando autodestrutivo.

Nesse ponto, as preocupações generalizadas sobre a estabilidade monetária dos EUA e o papel externo do dólar convergem. Uma recomendação padrão em prol dessa estabilidade seria preservar a independência do Federal Reserve e também assegurar solvência fiscal no longo prazo. Caso aumente o receio de que qualquer um desses - ou pior, ambos - esteja em perigo, o resultado poderia ser uma crise autorrealizável.

O dólar poderia despencar e as taxas de longo prazo, decolar. Em tal crise, poderia muito bem temer-se que um Federal Reserve menos independente seria compelido a comprar dívidas públicas. Isso aceleraria a fuga para longe dos dólares. Portanto, as duas precondições para a estabilidade de longo prazo são um banco central com independência crível e a solvência federal. Ambas parecem estar dentro do controle dos EUA.

Isso, entretanto, é demasiado simples. A maioria dos analistas presume que a posição fiscal dos EUA pode ser determinada independente das decisões tomadas fora do país. Porém, se o setor privado dos EUA ficar desalavancado demais por um longo período (e, portanto, gastar substancialmente menos do que suas entradas), enquanto o resto do mundo quiser acumular ativos denominados em dólar como reservas, o governo dos EUA naturalmente surgiria como captador de recursos de última instância.

Uma das conclusões do dilema de Triffin é que o papel internacional do dólar poderia dificultar para os EUA administrarem seus assuntos fiscais de forma bem-sucedida, mesmo se o quisessem.

Chego, por um caminho um tanto diferente, à mesma conclusão de Bergsten: o papel mundial do dólar não está no interesse dos EUA. Os argumentos para passar a um sistema diferente são muito fortes. Não se trata disso porque o papel do dólar está ameaçado agora. Trata-se disso porque prejudica a estabilidade doméstica e mundial. O momento para alternativas é agora.

*Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do Financial Times

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Quanta discriminação....

POLÍCIA REPRIME PROCISSÃO DE SEM TERRA EM UBERLÂNDIA (MG)

 
 
A Polícia Militar de Minas Gerais, ontem dia 12 de outubro de 2009, cercou, com armas na mão, uma procissão em honra a Nossa Senhora Aparecida e submeteu os fiéis a uma “blitz”, na periferia da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Um grupo da comunidade católica do Assentamento de Reforma Agrária Dom Mauro, enquanto estava cumprindo promessa, de doação de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, à Igreja, do bairro Morada Nova, não muito distante do assentamento, em uma procissão, foi surpreendido pelo cerco de políciais armados, com viaturas e helicóptero.

Os fiéis estavam a cavalo, outros a pé e alguns em automóveis e a imagem era conduzida em uma carroça enfeitada com um toldo azul e flores cor de rosa. A alegação da polícia era de que estavam realizando uma “blitz” e que os veículos irregulares seriam apreendidos, o que de fato fizeram.

Toda prática religiosa deve ser respeitada, não importando a condição social de quem a vivência. Até mesmo nos presídios a prática religiosa, e a profissão de fé é permitida e incentivada. As fé das camadas populares traz consigo a força do cristianismo, com sua solidariedade, disponibilidade e fraternidade. Sofrer intimidação, de policiais com armas em punho, na sua prática religiosa, pelo fato de serem sem terra ou coisa que o valha, nos remete à uma figura de discriminação, realidade abominável, como o caso dos Dalits, na Índia. A estigmatização de um grupo social, a busca de sua criminalização, motividadas pelo lugar que ocupam na estrataficação social ou mesmo pelas idéias ou causas que defendam, no sentido da busca da justiça, não é legitimo e fere os principios da democracia.

Foram várais as procissões em honra a Nossa Senhora Aparecida, pelo Brasil a fora, neste dia 12 de outubro de 2009, ontem mais de 2 milhões de pessoas estavam na procissão do Círio de Nazaré, em Belém do Pará. Em nenhuma dessas manifestações religiosas se ouviu falar em blitz, ou na necessidade de verificar se a documentação dos carros dos fiéis estavam em dia ou se presenciou um cerco policial armado.
Ficamos imaginando se as autoridades passassem a utilizar essa prática, nas procissões de motoristas com seus veículos, no dia de São Cristovão. Submeter, um grupo pagando promessa, em procissão de fé, no dia da Padroeira do Brasil, ao poder da autoridade, mesmo que seja no uso de suas atribuições legais, é ato que deve nos levar a refletir. Acreditamos que é possível compatibilizar o respeito às pessoas, à liberdade religiosa e a eficiência policial, no âmbito de uma política de segurança pública que respeite a dignidade humana. Temos que refletir sobre os modelos policiais de operação e procurar difundir a tese de que o respeito ao tipo de uso da força permite a adequação entre a prática limite da repressão e o respeito aos direitos civis e humanos. 

A discriminação, praticada pela Polícia Militar de Minas Gerais, favorece aqueles que não suportam ver expostas às raízes profundas das dívidas sociais, que ainda persistem no Brasil, que se incomodam com os movimentos dos sem-terra, que inquietam suas mentes que querem ver perpetuadas a visão de seres humanos de primeira e de segunda categoria. A nossa fé cristã repousa em Deus, que veio em uma família pobre, que ocupou um curral alheio, para que a mulher desse à luz a Jesus Cristo. Essa mulher, que hoje devotamente, os católicos celebram, como Aparecida negra, nas redes de pescadores, no rio Paraíba do Sul. A fé anima a resistência histórica e abre caminhos para festa de uma sociedade nova.

Uberlândia 12 de outubro de 2009 

AFES (Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade)
APR (Animação Pastoral e Social no Meio Rural)
Capelania dos Assentamentos Santa Paulina
Frei Rodrigo (34) 9167-2929
Jose Oliveira (34) 9994-3218

Zapatismo: exemplo de resistência...

Os zapatistas e as múltiplas formas de resistência
  Guga Dorea - Correio da Cidadania  

 
"Para começar, te rogo não confundir a resistência com a oposição política. A oposição não se opõe ao poder, senão a um governo, e sua forma lograda e completa é a de um partido de oposição; enquanto a resistência, por definição (agora sim), não pode ser um partido: não é feita para governar, senão para ... resistir".
 
Com esse texto, de Tomás Segovia, que é chamado de Alegatorio e foi escrito no México em 1996, o subcomandante Marcos praticamente encerra uma espécie de manifesto político desenvolvido por ele cujo título é "A Quarta Guerra Mundial já começou".
 
Nesse manifesto, Marcos divide a sua visão em relação ao neoliberalismo em sete peças. O texto do Segovia faz parte da última peça, cujo conteúdo se refere a possibilidades latentes de resistências ao regime capitalista. Chamada por ele de "As bolsas de resistência", a peça refere-se a um "choque" intermitente entre "a aparente infalibilidade da globalização" e a "teimosa desobediência da realidade". São bolsas "de todos os tamanhos, de diferentes cores, das formas mais variadas. Sua única semelhança é sua resistência à ‘nova ordem mundial’ e ao crime contra a humanidade produzido pela guerra neoliberal" .
 
Mas como pensar em resistências concretas quando o imaginário capitalista atravessou por todos os cantos da subjetividade humana, reprimiu as singularidades e impôs o UNO, arrastando pretensas identidades e tradições culturais? O capitalismo contemporâneo, dentro dessa perspectiva, tratou de contaminar o que Guattari chamou por "territorialidades humanas tradicionais".
 
Em contrapartida, reiterou sempre Guatarri, estamos presenciando um processo conhecido como heterogênese, ou seja, novas formas de conceber a vida estão sempre prontas a romperem o cerco reterritorializante do sistema. Retornando à peça 7 do quebra-cabeça zapatista, Marcos aponta não para uma resistência supostamente unificada, mas para múltiplas resistências que podem se interconectar entre si, sem que uma se sobreponha ou seja subjugada pela outra.
 
"Ao tratar de impor seu modelo econômico, político, social e cultural, o neoliberalismo pretende subjugar milhões de seres, e desfazer-se de todos aqueles que não têm lugar em sua nova repartição do mundo. Porém, resulta que esses ‘prescindíveis’ se revoltam e resistem ao poder que quer eliminá-los. Mulheres, crianças, anciões, jovens, indígenas, ecologistas, homossexuais, lésbicas, soropositivos, trabalhadores e todos aqueles e aquelas que não só ‘sobram’, mas que também ‘molestam’ a ordem e o progresso mundial, se revoltam, se organizam e lutam. Sabendo-se iguais e diferentes, os excluídos da ‘modernidade’ começam a tecer as resistências contra o processo de destruição/despovoamento e reconstrução/reordenamento levado adiante, como guerra mundial, pelo neoliberalismo".
 
A frase "sabendo-se iguais e diferentes" é a mais pertinente. Como deve ser conceituado o tema "diferença" na atual órbita contemporânea mundial? É uma questão complexa que merece um pouco de atenção antes de continuarmos no nosso instigante quebra-cabeça planetário. Mas por enquanto fiquemos com uma carta remetida para os participantes do Fórum Nacional Indígena. Nela, o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena proclamou o seguinte dilema em relação ao racismo:
 
"Não podemos combater o racismo praticado pelos poderosos com um espelho que apresenta a mesma coisa, só que ao contrário: a mesma falta de razão e a mesma intolerância, mas agora contra os mestiços. Não podemos combater o racismo contra os indígenas praticando o racismo contra os mestiços. (...) No mundo que os zapatistas querem cabem todas as cores de pele, todas as línguas e todos os caminhos" .
 
É nesse contexto que o EZLN, sobretudo através dos comunicados do subcomandante Marcos, tem resgatado esse tema bastante atual e pertinente para o Brasil. Ao defender a polêmica hipótese de que a defesa da diferença não significa negar a importância da igualdade social, os zapatistas estão redimensionando os conceitos do que é ser diferente e igual no mundo contemporâneo, o que pode nos remeter inclusive à velha dicotomia antropológica entre etnocentrismo e relativismo.
 
Como definir entre um etnocentrismo unilateral, no qual o mais forte impõe seus interesses ao mais fraco, e um relativismo complacente que reitera a intocabilidade das diferenças, isolando culturas em espécies de guetos incomunicáveis e, não poucas vezes, geradores de sangrentas guerras de verdades contra verdades?
 
Há dois lados de uma mesma moeda. A cultura ocidental globalizada, ao impor o princípio da homogeneização ou do monoculturalismo, acabou gerando, no seu contra-fluxo, diversas e múltiplas manifestações heterogêneas, nem sempre inéditas no contexto da historiografia mundial, que resistem a essa busca por uma eventual massificação globalizante.
 
O capitalismo contemporâneo, é impossível negar, está em toda a parte. Contaminou o tempo e os espaços geográficos reprimindo, na medida do possível, qualquer possibilidade da emergência de desejos singulares, sejam eles coletivos ou individuais. A partir do pressuposto de que a chamada globalização do mercado tornou-se um fato irreversível, o principal nó a ser desatado é como deve ocorrer a inserção de um país como o México no contexto mundial.
 
Diante de todo esse panorama, como criar novos mecanismos políticos, econômicos, sociais e culturais para que o planeta não fique exclusivamente nas mãos do mercado, que é inevitavelmente excludente. O surgimento de novos grupos, que atuam paralelamente ao Estado, de uma maneira transversalizada, talvez venha a se tornar o primeiro passo rumo a uma globalização não perversa, que não busque a destruição das diferenças humanas em nome de uma fictícia igualdade, abrindo possíveis espaços e brechas para novas singularidades, novos modos de ser, que devem ser planetários, mas sempre se levando em consideração as diferenças localizadas.
 
(1) Felice, Massino Di & Muñoz, Cristobal (orgs), "A revolução invencível", Boitempo Editorial, São Paulo, 1998, pg 221
(2) idem, pg 121
(3) Id, pgs 221& 222.
(4) Id, pg 150 & 151.
 
Guga Dorea é jornalista e sociólogo. Atualmente é integrante do Instituto Futuro Educação e colaborador do Projeto Xojobil.