terça-feira, 27 de outubro de 2009

Grande farsa...

Farsa em Cabul, tragédia no Paquistão


Há algumas semanas, o chefe da ONU em Cabul, um norueguês de cabeça dura, decidiu que as recentes eleições presidenciais foram correctas e que Karzai era um governante legítimo. O seu adjunto, Peter Galbraith, o representante não-oficial do Departamento de Estado, ficou enfurecido (já que os EUA estão descontentes com Karzai, que é a sua própria criatura) e assumiu uma posição pública. Foi demitido.
Mas as histórias envolvendo representantes dos EUA e as Nações Unidas nunca acabam assim. Ontem, o supervisor eleitoral apoiado pela ONU determinou que as eleições tinham sido fraudulentas e ordenou uma nova volta. As montanhas do Indocuche devem ter ressoado com o som das risadas pachtun.
Ninguém no Afeganistão leva as eleições demasiado a sério, especialmente quando o país está ocupado pelos EUA e pelos seus acólitos da NATO. Nos velhos tempos, ter-se-iam livrado de Karzai, tal como dos ditadores sul-vietnamitas que armavam demasiada confusão.
Karzai tem sido um desastre total, mas o mesmo acontece com a ocupação que o implantou em Cabul. Agora, com uma guerra que vai muito mal e com os insurgentes a controlar grandes porções do território, Karzai está a ser o bode expiatório para pecados de que ele não é exclusivamente responsável.
Uma solução que está a ser considerada é a nomeação pelos EUA/ONU de um director-executivo e aqui Peter Galbraith seria a escolha óbvia. Isso seria muito mais simples e o director-executivo poderia nomear um gabinete em que todos os malfeitores pudessem compartilhar os despojos do comércio de ópio e um pedaço do dinheiro a ser gasto no país, quebrando assim o monopólio financeiro da família Karzai.
A única razão para a humilhação pública de um fantoche fiel é a sua recusa em compartilhar o poder e o dinheiro com outros colaboradores. Se for autorizado a permanecer no poder, prevejo que vai estar mais disposto a partilhar. Não que isso vá resolver quaisquer problemas na falta de uma estratégia de saída da NATO da região.
Enquanto a farsa se desenrola em Cabul, no vizinho Paquistão a situação tornou-se mais mortal. O governo de Zardari (efectivamente dirigido pela embaixadora dos EUA, Anne W. Patterson) ordenou ao exército do Paquistão para acabar com os talibãs no Waziristão do Sul, perto da fronteira afegã.
Isso também vai falhar. Mais inocentes vão morrer, mais refugiados serão criados juntando-se aos dois milhões de “deslocados internos” que já vivem em acampamentos. O resultado será um legado amargo, alimentando o ódio e ataques de vingança na região e, fatalmente, criando novas tensões no interior do exército do Paquistão.
Incapazes de compreender que foi o derramamento da guerra do Afeganistão sobre o Paquistão que exacerbou a crise no Paquistão, as directivas da administração Obama só a podem tornar pior.
Fonte: Counterpunch

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

É tempo de o mundo aceitar um Irã nuclear


por  Anoush Maleki, PressTV, Teerã

Créditos: Viomundo

O presidente George W. Bush, apoiado por conhecido grupo de neoconservadores e pela gangue de Tel Aviv, fez o que pôde para formular sua política externa de guerras, de modo a seu sucessor ser obrigado a gerir um terceiro conflito militar no Oriente Médio.
O Irã está na agenda da Casa Branca há muitos anos; hoje, o pretexto mais potente em uso é o programa nuclear iraniano, conduzido rigorosamente conforme as normas e sob vigilância dos especialistas da ONU.
Sob a alegação de que o governo anticapitalista de Teerã trabalharia para obter bombas atômicas para destruir Israel, o governo Bush cooptou apoios internacionais para impor sanções econômicas contra o Irã. O Conselho de Segurança da ONU adotou a via de três rounds de resoluções-sanções e proibiu o Irã de enriquecer urânio mesmo que exclusivamente para fins pacíficos.
O Irã, que é signatário do Tratado de Não-proliferação Nuclear [ing. Nuclear Non-Proliferation Treaty (NPT)], tem legítimo direito de enriquecer urânio para gerar combustível para suas usinas nucleares atualmente em construção. A Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] — único corpo que tem autoridade para intervir em programas nucleares em todo o planeta – já confirmou essa evidência.
Pois o presidente Bush parecia não ter qualquer dúvida de que, incluindo Teerã no seu famigerado "eixo do mal", o mundo o seguiria sem discutir e passaria a ver os iranianos como perfeitos demônios, decididos a construir bombas atômicas e iniciar uma guerra atômica.
De fato, o que interessava era soar os tambores de guerra contra o Irã. O inesperado revés econômico que os EUA sofreram, contudo, interrompeu a longa sequência de tentativas.
Hoje, até os mais neoconservadores já sabem que um ataque militar ao Irã, para destruir sua infraestrutura nuclear só conseguirá, no máximo, atrasar o desenvolvimento do programa. À parte a retaliação massiva que o exército do Irã e os Guardas da Revolução Islâmica [ing. Islamic Revolution Guards Corps (IRGC)] já anunciaram no caso de ataque ao Irã, o preço do petróleo subiria às alturas, "para mais de $200 o barril, em questão de horas" – o que demoliria os esforços para tentar recuperar a economia dos EUA, como escreveu o presidente do Conselho de Relações Exteriores, Richard N. Haass, em coluna intitulada "A Different Regime Change in Iran" [Uma diferente troca de regime no Irã], no Financial Times (13/10/2009).
A verdade é que o preço desse curso de ação é alto demais.
O presidene Obama, enquanto isso, suavizou a retórica desde que assumiu e adotou linguagem mais amena, oferecendo um raio de esperança para a diplomacia com Teerã – os dois Estados não mantêm relações diplomáticas desde a invasão da embaixada dos EUA em Teerã, em 1980.
Ironicamente, a questão nuclear aproximou mais os dois governos. O Irã está fazendo o que lhe cabe fazer. Está cooperando com a IAEA e considera a possibilidade de comprar urânio enriquecido para seu reator de um provável consórcio a ser constituído por França, Rússia e EUA.
No domingo, o Irã autorizou a inspeção pelos especialistas da ONU, que foram autorizados a visitar uma usina de enriquecimento a sudoeste de Teerã, de cuja existência a Agência foi informada em setembro, cerca de um ano e meio antes de a usina entrar em operação.
Mesmo assim, enquanto os EUA continuarem a divulgar e reforçar suspeitas de que o Irã estaria trabalhando para construir armas atômicas, nada autoriza a ter qualquer esperança de que Washington venha a trabalhar para reconstruir melhores relações. De fato, é chegada a hora de o governo dos EUA começar a agir de modo a merecer mais confiança.
Mais cedo ou mais tarde, a Casa Branca terá de render-se à evidência de que Teerã não desistirá de seu programa nuclear. O governo e os iranianos em geral crêem firmemente que têm o inalienável direito de prosseguir e dar andamento ao seu programa nuclear para objetivos pacíficos.
A natureza da política exterior iraniana, apesar dos seus valores anticapitalistas, é pacífica. O país jamais atacou qualquer nação e há décadas não ameaça, sequer, fazê-lo. Seus líderes e o povo consideram pecado o uso de armas de destruição em massa – já declarado contrário aos princípios do Islã.
Assim sendo, a ideia de que o Irã decida um dia construir e armazenar armas de destruição em massa, usá-las contra outro país, ou entregá-las a terroristas é completo delírio.
O Irã – governo e cidadãos – buscam construir um relacionamento com a comunidade internacional baseado em respeito mútuo, com vistas a alcançar objetivos mútuos.
"Vim [ao Cairo] em busca de um recomeço entre os EUA e os muçulmanos de todo o mundo; recomeço baseado em respeito mútuo, com vistas a alcançar objetivos mútuos. Recomeço baseado na certeza de que os EUA e o Islã não são excludentes e não têm de competir. Em vez disso, sobrepõem-se e partilham princípios comuns – princípios de justiça e progresso; de tolerância e dignidade para todos os seres humanos" – disse o presidente Obama no Cairo, dia 4/6/2009, falando ao mundo muçulmano.
Sabe-se que esses objetivos não serão alcançados do dia para a noite. Resta esperar apenas que o presidente dos EUA tenha sido sincero.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.presstv.com/detail.aspx?id=109619&sectionid=3510303
Tradução: Caia Fittipaldi

Da deslocalização de empregos ao salvamento de banqueiros

Os ricos saquearam a economia

  Paul Craig Roberts [*]
. A agência Bloomberg acusou os assessores mais próximos do secretário do Tesouro Timothy Geithner de terem recebido milhões de dólares por ano, trabalhando para o Goldman Sachs, para o Citygroup e para outras empresas da Wall Street. A Bloomberg acrescenta ainda que nenhum destes assessores tinha sido aprovado pelo Senado. Porém, são eles que supervisionam a transferência de centenas de milhares de milhões de dólares de fundos dos contribuintes para os seus antigos patrões.

Esta dádiva de milhares de milhões de dólares dos contribuintes deu aos bancos uma abundância de capital a baixo custo que fez disparar os seus lucros, enquanto os contribuintes que forneceram o capital ficaram desempregados e sem casa.

O JP Morgan Chase anunciou que no terceiro trimestre deste ano lucrou 3,6 mil milhões de dólares.

O Goldman Sachs ganhou tanto dinheiro durante este ano de crise económica que já está a pensar nos chorudos bónus. O jornal londrino Evening Standard informou que os “5 500 funcionários em Londres podem esperar uma média recorde de pagamentos de cerca de 500 mil libras cada (800 mil dólares). Os principais administradores receberão bónus no valor de vários milhões de libras cada, sendo 10 milhões de libras o valor mais alto a pagar (16 milhões de dólares).

Na eventualidade de os bankters (banqueiros+gangsters) não conseguirem pensar numa forma de aproveitar esta abundância, o Financial Times disponibiliza uma nova revista intitulada – “Como gastá-la”.

Os comerciantes de Nova Iorque rezam para que lhes chegue algum desse dinheiro, agora que enfrentam uma queda de 15,3% na ocupação dos hotéis da Quinta Avenida. O perito em estatística John Williams (shadowstats.com) afirma que a venda a retalho ajustada à inflação caiu para o nível de há dez anos: “Os últimos 10 anos de crescimento real do comércio a retalho foram praticamente anulados nesta depressão que ainda vigora”.

Entretanto, o número de utentes dos abrigos da cidade de Nova Iorque atingiu um recorde de 39 mil, sendo que 16 mil são crianças.

A administração da cidade de Nova Iorque ficou tão afectada que está a pagar 90 dólares por noite no aluguer de apartamentos novos para os sem-abrigo. Em desespero, as autoridades estão a oferecer bilhetes de avião só de ida aos sem-abrigo que queiram abandonar a cidade enquanto cobram uma renda aos residentes destes abrigos que têm emprego. Uma mãe solteira que ganhe 800 dólares por mês paga 336 dólares de renda.

O desemprego prolongado tornou-se um sério problema em todo o país, fazendo duplicar a taxa de desemprego oficial de 10 para 20%. Actualmente, o subsídio de desemprego prolongado está a acabar para centenas de milhares de norte-americanos. A elevada taxa de desemprego fez de 2009 um ano excepcional para o ingresso no exército.

While the US speeds plans for the ultimate bunker buster bomb and President Obama prepares to send another 45,000 troops into Afghanistan, 44,789 Americans die every year from lack of medical treatment. National Guardsmen say they would rather face the Taliban than the US economy.

Um número recorde de norte-americanos, mais de um em cada nove, sobrevive graças ao programa governamental de ajuda alimentar “Food Stamps”. Os incumprimentos relacionados com as hipotecas estão a aumentar à medida que os preços do mercado imobiliário caem. Na opinião de Jay Brinkmann, da Mortgage Bankers Association, a perda de emprego alastrou o problema dos empréstimos bancários de alto risco aos empréstimos de taxa fixa. Na feira popular do condado de Wise na Virgínia, duas mil pessoas fizeram fila para obter cuidados de saúde gratuitos.

Numa altura em que os EUA aceleram os planos de construção da bomba destruidora de casamatas (bunker buster bomb) e em que o Presidente Obama se prepara para enviar mais 45 mil soldados para o Afeganistão, 44 789 norte-americanos morrem todos os anos por falta de cuidados médicos. Os elementos da Guarda Nacional dizem que preferem enfrentar os Talibã do que a economia dos EUA.

Não é de admirar. Face aos piores níveis de desemprego desde a Grande Depressão, as companhias norte-americanas continuam a exportar empregos e a substituir os seus funcionários nos EUA por emigrantes mal pagos que têm vistos para trabalhar.

A exportação de empregos, o salvamento de banksters ricos e os défices devidos à guerra estão a destruir o valor do dólar. O dólar norte-americano tem vindo rapidamente a perder valor desde a última Primavera. A divisa da superpotência hegemónica diminuiu 14% em relação ao pula do Botswana, 22% em relação ao real e 11% em relação ao rublo. Assim que o dólar perca o seu estatuto de divisa de reserva, os EUA serão incapazes de liquidar as suas importações ou financiar os défices do seu orçamento governamental.

A deslocalização da produção fez com que os norte-americanos se tornassem excessivamente dependentes das importações e a perda de poder de compra do dólar irá comprometer ainda mais os rendimentos dos EUA. Uma vez que o Federal Reserve se vê forçado a monetizar a questão das dívidas do Tesouro, a inflação interna irá irromper. À excepção dos banksters e dos directores gerais das companhias deslocalizadas para o estrangeiro, não existe uma fonte de procura do consumidor que estimule a economia dos EUA.

O sistema político é insensível para com o povo norte-americano. O sistema é exclusivo de alguns grupos de interesse poderosos que controlam as contribuições para campanhas [eleitorais]. Os grupos de interesse têm exercido o seu poder no sentido de monopolizar a economia para benefício próprio. O povo norte-americano está condenado.
[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, co-autor de The Tyranny of Good Intentions .    Email: PaulCraigRoberts@yahoo.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts10162009.html . Traduzido por Ernesto Correia.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Mulheres de montadoras denunciam violações contra seus direitos trabalhistas






Adital -
 
 
Com o objetivo de construir mecanismos que garantam melhores condições de trabalho e respeito aos direitos humanos, as organizações de mulheres que trabalham nas indústrias montadoras elaboraram uma "Agenda Política e Laboral". O tema é urgente, uma vez que 80% das 70.000 pessoas empregadas das máquinas (há cerca de 180 montadoras têxteis no país) são mulheres. As discriminações no setor das montadoras são evidentes. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MINTRAB), os salários entre homens e mulheres seguem diferenciados. "Recebemos um salário equivalente a US$ 110.00 ao mês, enquanto o dos homens é de US$ 125.00 dólares. Esse investimento impede à mulher que trabalha na montadora adquirir a cesta básica vital, estimada em pelo menos US$ 400.00 dólares, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE)", afirma a proposta das organizações.
As entidades denunciam, ademais, as várias formas de violações aos direitos humanos. Dentre muitas, apontam: Não existe uma responsabilidade dos empregadores em cumprir com as normas e medidas de saúde ocupacional, segurança e higiene, água potável para beber, serviços sanitários adequados, e a quantidade necessária destes, por número de trabalhadoras e trabalhadores; Existe abuso, assédio e castigo sexual, maus tratos, golpes e gritos; Existe uma violação ao direito da sindicalização, já que ao menor sinal de reivindicação de seus direitos são despedidas. "Depois de haver discutido, refletido e analisado em profundidade nossa realidade, as trabalhadoras da montadora, casa particular e agroexportadoras, acreditamos que seja importante que se conheça a nível nacional e internacional a constante violação a nossos direitos como mulheres e como mulheres trabalhadoras; evidenciar a falta de vontade política e humana por parte do Governo e das entidades reitoras das políticas trabalhistas em resolver os problemas que enfrentamos nas fábricas, na casa onde trabalhamos e na agricultura", expõem
Assim, as organizações demandam igualdade salarial por igual trabalho entre homens e mulheres, respeito às jornadas laborais segundo o estabelecido no Código de Trabalho, e aumento de salário de acordo com o custo da cesta básica.
Elaboraram a Agenda: Associação de Mulheres Empregadas e Desempregadas Unidas contra a Violência (AMUCV), Associação de Mulheres Sementes de Mostarda, Associação de Trabalhadoras do Lar em Domicílio e da Montadora (ATRAHDOM), Associação pelos Direitos da Trabalhadora da Casa Particular, Mãe Solteira e Mulher Rural (ASOCASA), Centro para a Ação Legal em Direitos Humanos (CALDH), Comitê Permanente de ex-Trabalhadoras da Montadora (CAMBRIDGE), Grupo de Mulheres Amatitlanecas Organizadas Rompendo o Silêncio (MAORS), e Mulheres com Valor Construindo um Futuro Melhor (MUVACOFUM).

domingo, 25 de outubro de 2009

Belissima análise....

A América Latina e o período histórico atual

Emir Sader

I. O período histórico atual foi aberto pela confluência de três viradas, todas elas de caráter regressivo:

- a passagem de um mundo bipolar a um mundo unipolar, sob hegemonia imperial norteamericana;

- a passagem de um ciclo longo expansivo do capitalismo a um ciclo longo de caráter recessivo;

- a passagem da hegemonia de um modelo regulador – ou keynesiano ou de bem-estar social, como se queria chamá-lo – a um modelo neoliberal, desregulador, de livre mercado.

O triunfo do bloco sob direção norteamericana levou, depois de muitas décadas, a um mundo unipolar, com uma hegemonia inquestionável de uma única superpotência e a derrota e desaparição da outra – situação nunca antes vivida no mundo. Todo o papel de freio relativo à expansão imperial dos EUA deixou de existir, foram possíveis as guerras das duas últimas décadas – algumas chamadas de “guerras humanitárias”, violando a soberania de países, o que não acontecia desde o fim da primeira guerra mundial.

A irrupção de um mundo unipolar permite a apropriação militar e econômica pelo bloco ocidental e, em particular, pelos EUA, que puderam estender a economia de mercado a territórios insuspeitados como a China, a Rússia e os países do leste europeu. Permitiu incorporar à União Européia e à Otan a países antes membros do Pacto de Varsóvia. Configura-se assim um sistema mundial único, nos planos econômico, político e militar, sob direção norteamericana. Um único império mundial, mesmo se com contradições e disputas internas, reina no mundo. As guerras se dão desse bloco dominante contra zonas de resistência à sua dominação – Iugoslávia, Iraque, Afeganistão.

A passagem do ciclo longo expansivo – o de maior desenvolvimento capitalista, que Eric Hobsbawn caracterizou como a “era de ouro” desse sistema – ao ciclo longo recessivo tem repercussões importantes. Aquela ciclo teve a convergência dos três vetores fundamentais da economia mundial – os EUA (com a Alemanha e o Japão crescendo ao mesmo tempo que os EUA, fenômeno único), o campo socialista e economias da periferia (como México, Argentina e Brasil). Na sua convergência, produziram o maior ritmo de crescimento da economia mundial. Foi também o período de consolidação da hegemonia econômica norteamericana e do bloco ocidental.

A passagem ao ciclo longo recessivo não apenas significou a diminuição radical dos ritmos de crescimento, mas também a substituição do tema central do período anterior – o crescimento econômico – pelo de estabilização. De uma pata desenvolvimentista, a uma conservadora. Ao mesmo tempo que foi introduzida a temática da “ingovernabilidade” como central. Esta expressaria o conflito entre condições de produção da economia e demandas, como reflexo do ciclo longo recessivo e dos direitos acumulados ao longo das décadas de expansão econômica.

Esse conflito foi também o responsável pela irrupção de crises inflacionarias, especialmente nos países da periferia. Foi nesse hiato que se insinuou o FMI, com empréstimos em troca de cartas de intenções, que impunham duros ajustes fiscais, que preparam o caminho para Estados mínimos e políticas neoliberais.

O terceiro fator, a hegemonia de modelos neoliberais, com uma abrangência mundial que nenhum outro modelo tinha conseguido, teve a ver com essa transição de ciclo longo. Os programas neoliberais consolidaram uma nova relação de forças em escala mundial, iniciada com o fim da bipolaridade. A globalização e seus programas de desregulação, de abertura das economias, de privatizações, de precarização das relações de trabalho, de Estado mínimo, alteraram de forma radical a relação de forças entre os países do centro e da periferia, e entre as classes sociais dentro de cada país.

Intensificou-se a concentração econômica e de poder a favor das potências globalizadoras, em detrimento dos países da periferia. Estes, com Estados vítimas de acelerados processos de abertura econômica, viveram crises de caráter neoliberal, como foram os casos do México, da Rússia, dos países do sudeste asiático, do Brasil e da Argentina, em particular.

Modificou-se também radicalmente a correlação interna entre as classes em cada país, a favor das elites dominantes, com políticas neoliberais de precarização das relações de trabalho, com o aumento do desemprego aberto e da fragmentação do mundo do trabalho.

2. Na sua confluência de todos esses fatores essa mudança de período representa uma alteração de grandes proporções nas relações de força em escala mundial, com seus reflexos em cada região e em cada país. É preciso detalhar mais algumas das suas conseqüências.

A hegemonia dos EUA como superpotência representou que ele se tornou a única potência política mundial, que tem interesses em todas as partes do mundo, tem políticas para todos os temas e lugares. Sua superioridade militar se tornou incomensurável. A vitória na guerra fria significou também o triunfo ideológico da interpretação do mundo do campo vencedor.

Para o campo socialista o enfrentamento central da nossa época se dava entre o socialismo e o capitalismo. Para o campo imperialista, se daria entre totalitarismo e democracia. Teria sido derrotado o totalitarismo nazista e fascista, em seguida teria sido derrotado o totalitarismo comunista, agora se buscaria derrotar o totalitarismo islâmico e terrorista.

Com o triunfo do campo ocidental, desapareceram as alternativas no horizonte histórico contemporâneo, as propostas anticapitalistas. Cuba entrou no seu “período especial” diante do fim do campo socialista e da URSS, buscando evitar retrocessos. A China optou pela via de uma economia de mercado.

Democracia liberal passou a sintetizar democracia, economia capitalista se dissolveu no marco de uma suposta economia internacional ou economia de mercado. Foi uma vitória de uma visão do mundo e de uma forma determinada de vida – “o modo de vida norteamericano”. Este se transformou no elemento de mais força na hegemonia dos EUA no mundo, praticando não deixando intacto nenhum rincão do mundo – da China à periferia das grandes metrópoles – imune à sua influência.

Se esse é o elemento de maior força, a esfera econômica está entre seus pontos mais débeis. A desregulação econômica promovida pelo neoliberalismo, propiciou a hegemonia acelerada e generalizada do capital financeiro sob sua forma especulativa, tendo como resultado a financeirização das economias. Esse processo costuma marcar as fases finais dos modelos hegemônicos, que desembocam em fases de hegemonia do capital financeiro, característico de momentos de estagnação, como o atual ciclo longo recessivo da economia. Uma hegemonia que é difícil de reverter, uma vez enfraquecidos os estímulos para os investimentos produtivos, o que define um horizonte econômico de instabilidade e de estagnação ou de baixos níveis de crescimento.

A crise atual, que afeta profunda e extensamente a economia dos EUA e se estendeu pelo resto do mundo, nasceu exatamente dessas debilidades – da hegemonia do capital financeiro – para depois se manifestar como recessão econômica aberta. Uma crise que produz uma recessão longa e profunda na economia dos EUA e dos países do centro do capitalismo, sem que tenha a capacidade de reverter a sua raiz – a financeirização da economia.

Ao mesmo tempo, apesar de ter se transformado em única superpotência, com forte predominância no plano militar, os EUA não conseguem resolver duas guerras ao mesmo tempo – Iraque e Afeganistão.

Nenhuma outra potência ou conjunto de potências consegue rivalizar com os EUA, apesar das debilidades que este apresenta. Da mesma forma que, apesar do seu esgotamento, o modelo neoliberal, como não é simplesmente uma política de governo, passível de ser mudada de um momento a outro, mas de um modelo hegemônico, que inclui valores, ideologia, cultura, além de profundas e extensas raízes econômicas, tampouco se divisa outro modelo, por enquanto, que possa sucedê-lo.

Assim, entramos em um período de enfraquecimento relativo da capacidade hegemônica dos EUA, e esgotamento do modelo neoliberal, sem que alternativas tenham ainda capacidade de se impor. Porque no momento em que o capitalismo revela mais claramente seus limites, suas vísceras, ao mesmo tempo os chamados “fatores subjetivos” de construção de alternativas para a sua superação, também sofreram grandes retrocessos.

Instaura-se assim uma crise hegemônica, em que o velho não se resigna a morrer e o novo morrer e o novo tem dificuldades para nascer e substituí-lo. Como busca sobreviver o velho? Baseado em dois eixos: as políticas internacionais de livre comércio, com as instituições que os multiplicam,como o FMI, o Banco Mundial, a OMC. E, dentro de cada país, na ideologia do consumo, do shopping-center, do mercado.

Mas tem contra si a hegemonia do capital financeiro sob sua forma especulativa, que não apenas bloqueia a possibilidade de retomada de um novo ciclo expansivo da economia, como promove instabilidade, pela livre circulação dos capitais financeiros. Mas, ao mesmo tempo, não surge um modelo alternativo ao modelo neoliberal.

A construção de alternativas se choca assim com uma estrutura econômica, comercial e financeira, internacional, que reproduz o livre comércio, propicio às políticas neoliberais. E como ideologias consolidadas nas formas de comportamento e de busca e acesso a bens de consumo na vida cotidiana das pessoas.

Pode-se prever assim que estamos em período mais ou menos longo de instabilidade e de turbulências, tanto políticas, quanto econômicas, até que se forjem as condições de hegemonia de um modelo pósneoliberal e de uma hegemonia política mundial alternativa a dos Estados Unidos.

3. A América Latina sofreu diretamente a passagem ao novo período histórico. Praticamente todos os seus países foram vítimas das crises das dívidas, entrando na espiral viciosa de crise fiscal, empréstimo e cartas de intenções do FMI, enfraquecimento do Estado e das políticas sociais, hegemonia do capital financeiro, retração do desenvolvimento econômico, substituído pelo tema da estabilidade monetária e dos ajustes fiscais. Afetados centralmente por essas transformações, a América Latina passou a ser o continente privilegiado dos experimentos neoliberais.

As ditaduras militares em alguns desses países, entre os que se situam aqueles de maior força, até então do campo popular, como o Brasil, o Chile, a Argentina, o Uruguai, haviam quebrado a capacidade de resistências dos movimentos populares a políticas concentradoras de renda. Isso preparou o caminho para a hegemonia de políticas neoliberais.

Essas políticas foram se impondo, desde o Chile do Pinochet e a Bolívia do MNR, passando pela adesão de forças nacionalistas, como no México e na Argentina, até chegar a partidos social-democratas, como os casos da Venezuela, do Chile, do Brasil, quase que generalizando-se a todos o espectro político. A década de 1990 foi a do predomínio generalizado de governos neoliberais, alguns prolongados no tempo – como os do PRI no México, de Carlos Menem na Argentina, de FHC no Brasil, de Albertu Fujimori no Peru, no Chile de Pinochet e da Concertação (PS-DC); outros entrecortados por movimentos populares que derrubaram presidentes, como na Bolívia e no Equador, ou que fracassaram, como na Venezuela (com AD e com COPPEI).

Paralelamente foram se dando crises nas principais economias da região: México 1994, Brasil 1999, Argentina 2001-2002. Até que começaram a surgir governos eleitos pelo voto de rejeição do neoliberalismo, começando com a eleição de Hugo Chavez em 1998, seguida pelas de Lula em 2002, de Tabaré Vazquez em 2003, pela de Nestor Kirchmer em 2003, de Evo Morales em 2005, de Rafael Correa em 2006, de Mauricio Funes em 2009.

Revelando como o continente sofria as conseqüências dos governos neoliberais, houve um claro deslocamento para a esquerda no voto nos distintos países que foram tendo eleições. Nunca o continente, nem qualquer outra região do mundo teve simultaneamente tantos governos progressistas ao mesmo tempo.

O que unifica a esses governos, além do voto que derrotou governos neoliberais – de Carlos Menem a Carlos Andrés Perez, de FHC a Lacalle, de Sanchez de Losada a Lucio Gutierrez – há dois aspectos comuns: a opção pelos processos de integração regional ao invés dos Tratados de Livre Comércio e a prioridade das políticas sociais. São os dois pontos de maior fragilidade dos governos neoliberais, cuja lógica de abertura das economias, privilegiou as políticas de livre comércio e os Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos, e a prioridade do ajuste fiscal e da estabilidade monetária, sobre as políticas sociais. São as políticas sociais que dão legitimidade a esses governos, que sofrem, todos, forte oposição dos monopólios da mídia privada, mas conseguiram até aqui se reeleger pelo voto popular, dos setores , mais pobres das nossas sociedades.

Esses governos têm diferenças entre si, embora se unifiquem pela prioridade dos processos de integração regional e das políticas sociais. Nesse marco comum, se diferenciam porque alguns deles – Venezuela, Bolívia, Equador – avançam mais claramente na direção da construção de modelos alternativos ao neoliberalismo. Já na estratégia que os levou ao governo, combinaram sublevações populares, saída eleitoral, mas depois se propuseram a refundar o Estado, apontando para uma nova estratégia da esquerda latinoamericana, nem a tradicional de reformas, nem a luta armada, mas a combinação das duas numa síntese nova.

No outro campo estão os países que privilegiam os Tratados de Livre Comércio - como o México, o Chile, o Peru, a Colômbia, a Costa Rica. O primeiro pais a seguir esse caminho, o México, assinou um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e com o Canadá, no entanto o privilegio aberto foi com os EUA, com quem o México passou a ter mais de 90% do seu comércio exterior.

A crise econômica atual permite medir o significado das duas formas distintas de inserção no mercado internacional. O México, por exemplo, país paradigmático por ter sido o primeiro – e, originalmente, deveria ser o caminho que os EUA apontavam para todos os países do continente – teve a pior regressão econômica entre todas as economias, com cerca de 10% menos no primeiro semestre deste ano. Paga um preço caro por ter privilegiado o comércio com os EUA, epicentro da crise, que tem uma recessão profunda e prolongada, com todas suas repercussões negativas para o México.

Enquanto que um país como o Brasil, com uma economia mais ou menos similar que a mexicana, pôde sair de forma mais ou menos rápida da crise, por ter diversificado o comércio internacional, a ponto que o principal parceiro comercial do Brasil já não os EUA, mas a China. Ao mesmo tempo o país intensificou o comércio intraregional – mais concentradamente com a Argentina e a Venezuela, mas intensificado com todos os países que participam dos processos de integração regional -, e principalmente, expandiu enormemente o mercado interno de consumo popular. Este foi o principal responsável pela superação rápida da crise, fazendo com que, pela primeira vez, durante uma crise, as políticas de redistribuição de renda e de extensão dos direitos sociais, se mantivessem, mesmo na recessão.

Depois de uma fase de relativamente rápida expansão de governos progressistas no continente, a direita recuperou capacidade de iniciativa e busca reconquistar governos, para colocar em prática governos de restauração conservadora. Desde a tentativa de golpe de Estado na Venezuela, em 2002, passando por ofensivas contra os governos do Brasil, da Bolívia, da Argentina, a direita tenta colocar sua força econômica e midiática a serviço da recomposição de sua força política, derrotada pelos governos progressistas.

Podemos prever que a crise hegemônica se prolongará por um bom tempo no continente, entre um mundo velho superado, mas que insiste em sobreviver - o dos programas neoliberais – e um mundo novo que tem dificuldades para sobreviver – o de governos posneoliberais. As próximas eleições – especialmente as do Brasil, Bolívia, Uruguai, Argentina, - definirão se esses governos são um parênteses na longa sequência de governos conservadores ou se consolidarão e aprofundarão os processos de construção de alternativas pós neolliberais, de que a América Latina é um cenário privilegiado.

Eleições no Uruguai....é Hoje.....

Saiba o que está em jogo nas eleições do Uruguai


do site opera mundi

Maurício Fernandes | Montevidéu

O Uruguai vai às urnas neste domingo (25) para eleger o sucessor do popular presidente Tabaré Vázquez, componentes das Câmaras legislativas e membros das Juntas Eleitorais, que são independentes do Poder Judiciário. Também serão decididos em plebiscito dois projetos de reforma constitucional, sendo que um deles busca reparar os crimes cometidos pelas ditaduras que governaram o país. Veja abaixo o que estará em disputa na república que abriga a sede do Mercosul.
População: 3.494.382
Número de eleitores: 2.563.397
Quem vota: maiores de 18 anos, sufrágio universal e compulsório
Zonas eleitorais: 6.868, sendo 5.747 nas cidades e 1.121 em áreas rurais
Número de urnas: 8.868
Cargos em disputa: Presidência e Vice-Presidência, 30 assentos no Senado, 99 deputados e 5 membros de cada Junta Eleitoral
Chapas presidenciais (titular e vice): José “Pepe” Mujica e Danilo Astori (Frente Ampla, esquerda), Luis Alberto Lacalle e Jorge Larrañaga (Partido Blanco, direita), Pedro Bordaberry e Hugo de León (Partido Colorado, direita), Pablo Mieres e Iván Posada (Partido Independente, centro-esquerda) e Raúl Rodriguez e Delia Villalba (Assembléia Popular, esquerda).
Plebiscitos: autorização ao voto epistolar, para que uruguaios possam votar no exterior, e anulação da Lei de Prescrição que impediu investigações sobre crimes cometidos por governos ditatoriais do Uruguai
Resultado presidencial em 2004: vitória de Tabaré Vázquez no primeiro turno com 50,45% dos votos
Religiões: Católicos (66%), sem religião (31,2%), protestantes (2,6%), judeus (1,8%), ortodoxos (0,7%) e outros (1,1%).
Grupos étnicos: Brancos (90,2%), mestiços (3%), mulatos (1,2%) e outros (5,6%).
Forma de governo: República presidencialista. O Poder Executivo é exercido pelo presidente da República, eleito pelo voto popular para um período de cinco anos.
Trabalhadores das eleições: cerca de 50 mil pessoas
Uruguaios do exterior que voltam para votar: estimados em 30 mil
Horário de votação: das 8h às 19h30
Segundo turno: 29 de novembro
primeiros resultados: entre 5h e 6h de segunda-feira
Resultados definitivos: esperados para a tarde de segunda-feira

14 Bis – A Nave Vai (1985)


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Créditos: UmQueTenha

sábado, 24 de outubro de 2009

O despertar da midia livre....

A virtude pedagógica da Confecom

 
 
Por Altamiro Borges
 
Apesar das escaramuças e rasteiras, a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) já pode ser considerada uma grande vitória. Num curto espaço de tempo, milhares de brasileiros estão se envolvendo no debate estratégico sobre o papel da mídia na atualidade. Na semana passada, segundo balanço parcial, ocorreram mais de 60 etapas municipais, conferências livres da juventude, encontros sindicais e outros eventos para discutir o temário da Confecom. O saldo pedagógico deste rico processo, agregando milhares de pessoas, é incalculável.
 
Diagnóstico e propostas concretas
No conjunto, estas iniciativas cumprem dois objetivos básicos. Em primeiro lugar, elas colocam no banco de réus a mídia hegemônica, altamente concentrada e perigosamente manipuladora. Em todos estes eventos, os participantes criticam a crescente monopolização do setor, sua conduta de criminalização das lutas sociais – o alvo do momento é o MST –, as deformações dos valores humanistas e civilizatórios, a sua postura golpista. Como os barões da mídia se recusam a tratar de seus defeitos e nem sequer divulgam a Confecom, é a sociedade que escancara os seus podres.
 
O segundo mérito é que, além de fazer o diagnóstico do setor, os presentes também apresentam propostas para democratizar os meios de comunicação. Alguns consensos vão se forjando nestes debates: 1) novo marco regulatório, que coíba a concentração do setor e garanta a diversidade informativa; 2) revisão dos critérios de concessão pública para as emissores privadas de rádio e TV; 3) fortalecimento da rede pública de comunicação; 4) fim da criminalização da radiodifusão comunitária; 5) política pública de inclusão digital, garantindo “banda larga para todos”; 6) revisão dos critérios da publicidade oficial, incentivando a pluralidade; 7) medidas de estimulo à participação popular e ao controle social, com a criação dos conselhos de comunicação.
 
Cai a máscara dos barões da mídia
Os latifundiários da mídia fizeram de tudo para sabotar o debate democrático na sociedade sobre os meios de comunicação. Eles impediram a regulamentação dos dispositivos da Constituição de 1988; abortaram todas as iniciativas democratizantes do setor; chantagearam e enquadraram os poderes públicos; desqualificaram os críticos da monopolização e da manipulação midiática, apresentando-os como algozes da censura; contiveram ao máximo a convocação da Confecom.
 
Quando o governo Lula finalmente decidiu convocar a conferência, eles tentaram sabotá-la. Num gesto desesperado, seis das oito entidades empresariais abandonaram a comissão organizadora do evento. Com isso, os barões da mídia demonstraram que não têm qualquer compromisso com a democracia; que o discurso da “liberdade de expressão” é pura retórica; que eles não defendem a “liberdade de imprensa”, mas sim a “liberdade dos monopólios”. Esta conduta autoritária pode representar um tiro no pé. No esforço pedagógico da Confecom, cai a máscara dos barões da mídia.
 
Altamiro Borges é jornalista e diretor do Portal Vermelho

Intelectuais fazem manifesto contra CPI do MST

Intelectuais do Brasil e do exterior divulgaram nesta sexta-feira, 23, um manifesto em defesa dos Movimento dos Sem-Terra (MST) e contra a CPI.De acordo com o documento, está em curso no Brasil "um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST". No fundo, diz o texto, "prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira".



Entre os signatários do manifesto aparecem os escritores Eduardo Galeano, do Uruguai, e Luiz Fernando Veríssimo. Também estão na lista o crítico literário e professor aposentado Antonio Candido, o cientista político Chico de Oliveira e o filósofo Paulo Arantes. Até o final da tarde de desta sexta-feira, cerca de cem pessoas já haviam assinado o manifesto, que está circulando por diversos países. Em Portugal ele ganhou a adesão do sociólogo Boaventura de Souza Santos, um dos ideólogos do Fórum Social Mundial.



O manifesto critica a cobertura dada pela mídia. "A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo. Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça", diz o texto. E mais adiante acrescenta: "Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários, desejando produzir alimentos."


Vejam também em seguida a lista com algumas das personalidades no blog Os Amigos da Presidente Dilma
 
Créditos: Ze Justino

A questão nacional e os germes de novo protagonismo marxista

Carmona
Créditos: blog vermelho

Ronaldo Carmona, 35 anos, é graduado em ciências sociais e mestrando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve pesquisa na área de Geopolítica e pensamento estratégico. Foi dirigente nacional da União da Juventude Socialista (UJS) por quase uma década e é militante do PCdoB há cerca de duas décadas. Atualmente desenvolve tarefas junto à Comissão de Relações Internacionais do Partido e é Diretor de Estudos e Pesquisas do Cebrapaz. É autor do livreto “Transição ao socialismo e questão nacional na África do Sul, Índia e Rússia” (Editora Anita Garibaldi, 2009) e de mais de uma dezena de artigos na Revista Princípios, a maior parte deles sobre a América Latina.
Ronaldo, 60 anos de desenvolvimentismo se esgotaram, mas o país avançou. No final dos anos 1950 e inícios dos 60, chegamos à Bossa Nova, ao cinema novo, copa mundial de futebol, o CPC e o teatro levando o povo ao proscênio, posteriormente a MPB… Enfim, o Brasil “bombou” no mundo naquele tempo. Novas reflexões estratégicas surgiram na esquerda, no seio do movimento das reformas de base e da “revolução brasileira”. Isso foi barrado pela dependência, agora sob o domínio neoliberal. Parece que vivemos um novo ciclo de “redescoberta” do Brasil. Como você vê a questão?
A projeção internacional do Brasil, antes de mais nada, deriva de suas enormes potencialidades nacionais, grande parte delas todavia não decantadas.
As potencialidades brasileiras, em primeiro lugar, são objetivas. Temos um território imenso com riquezas por toda a parte – da Amazônia ao pré-sal. Num contexto de escassez de água e de terras agricultáveis no mundo – boa parte em função das mudanças climáticas –, diz a Embrapa, temos possibilidade de dobrar a produção de alimentos sem derrubar uma única árvore.
As potencialidades brasileiras têm a ver também, fundamentalmente, com a possibilidade de projetar poder, fruto de nossa posição geopolítica e estratégica. Não há qualquer ameaça à nossa soberania e integridade territorial e nacional nem em nossa vizinhança, nem defronte nosso território. O risco vem do norte, de renovadas ameaças do imperialismo norte-americano que se intensificarão no próximo período, dadas algumas crises de escassez que passará o mundo – sobretudo de energia, mas também de alimentos, de água e de matérias primas em geral.
Penso ser fundamental a reorientação estratégica das Forças Armadas brasileiras, em especial realocando tropas e equipamentos na Amazônia, dada a presença norte-americana no entorno de nossas fronteiras e diante das ameaças defronte ao nosso litoral, não de nossos irmãos de sangue africanos do outro lado do Atlântico, mas nas inúmeras bases da Otan diante de nossa costa marítima.
Enfim, como disse, as potencialidades brasileiras são, antes de mais nada, objetivas. Como sempre lembra Samuel Pinheiro Guimarães, se fizermos uma lista dos dez países com maior PIB, população e território, três nações aparecerão nas três listas: EUA, China e Brasil.
Por certo nossa população ainda é pequena, tendo em vista nosso território. No futuro, um governo de orientação nacionalista, com projeto de realização plena da nação pelo socialismo, deverá incentivar a natalidade como vetor estratégico da nação – como, aliás, fazem alguns países europeus hoje. Precisamos no mínimo dobrar a nossa população em uma ou duas gerações para ocupar esse vasto território. Claro que num quadro de desigualdades históricas acumuladas, isso pode parecer irrealista, mas num quadro de um governo que tenha visão estratégica, de construir um país forte e próspero para as próximas gerações, essa é uma questão inevitável.
Precisamos seguir incentivando a propagação dessa etnia nova, mulata e mestiça, grande vantagem civilizacional dos brasileiros, que nos permite ser um povo aberto, criativo, flexível, conciliador, assimilador, “antropofágico” e “moedor” de diferenças. Enquanto outros povos demonstram patriotismo como fator de exclusão e de ressaltamento de diferenças e contradições com outros povos, o nacionalismo brasileiro mostra ao mundo uma civilização que se afirma em harmonia e cooperação com outros povos do mundo. Como dizia o Sergio Buarque em Raízes do Brasil, trazemos no nosso sangue mouro e português a interação há centenas de anos, com outros povos. Nesse sentido, o protagonismo do Brasil no mundo é benigno, não busca subjugar ou dominar outros povos e nações.
Ronaldo, você lançou recentemente um pequeno livro abordando a questão nacional nas formulações programáticas nos partidos comunistas da África do Sul, Índia e Rússia. Como surgiu essa ideia? Como você chegou a constituir um pensamento tendo por base a questão nacional?
Este trabalho é, na verdade, um longo artigo que se transformou num livreto, sendo “um capítulo” de uma pesquisa maior que busca desenvolver e demonstrar o curso do que tenho chamado de “nacionalização” do marxismo.
Sobre este trabalho, especificamente, duas questões. Penso que após a crise do marxismo, com os episódios ligados ao fim da URSS, houve um movimento crescente de “nacionalização do marxismo”. Começou a perceber-se, fruto do balanço das primeiras experiências, que princípios, justamente por serem princípios, não são um dicionário completo. Que não há modelo único. Mais que isso, para além de princípios básicos do marxismo – essencialmente, poder político aos trabalhadores e crescente predomínio da propriedade social nos meios de produção – o caminho é nacional, e mais que isso, é preciso beber do pensamento avançado produzido no âmbito daquela formação social, onde o socialismo se propõe realizar.
Segundo que, pela observação dos movimentos de renovação e desenvolvimento do marxismo, percebo que muito pouco vem dos países centrais, nomeadamente da Europa. Já se foi o tempo do “marxismo eurocêntrico”. Os germes de um novo protagonismo do marxismo, não tenho dúvida, vêm do Sul do mundo, especialmente de grandes países em desenvolvimento, que acumulam massa crítica nacional e avançada.
Outros “quatro capítulos” dessa pesquisa maior incluem: (1) análise da trajetória do nacional nas formulações marxista, em Marx, em Lênin e no seu desenvolvimento – penso que há um curso crescente de assimilação do nacional pelo marxismo; (2) a centralidade da questão da Nação nos países que persistiram na orientação socialista após os episódios de 1989-1991, nomeadamente China, Coréia, Vietnã e Cuba; (3) a centralidade do problema nacional nas proclamações ao socialismo na América Latina – os processos mais radicais aqui são, antes de tudo, patrióticos e desenvolvimentistas. Por fim (4), a relação entre marxismo e formação social brasileira. Penso, pelas razões expostas acima, que os brasileiros têm uma propensão maior à vida coletiva e à construção do que chamaríamos de “sociedade da prosperidade”. Aqui, o liberalismo nunca vingou de fato, é estranho à nossa formação social.
Nação e socialismo, internacionalismo e patriotismo, particular concreto e universal abstrato… O marxismo nem sempre lidou bem com essa dialética. O movimento comunista, que você acompanha sistematicamente, parece pouco convergente nessa direção. Então pergunto: do ponto de vista teórico, que autores contemporâneos você tem acompanhado que têm por base uma compreensão avançada dessa relação?
Mais que autores, noto na reflexão dos Partidos – em especial de grandes Partidos Comunistas de massas, de grandes países em desenvolvimento – um curso de crescente assimilação da chamada questão nacional.
A grande derrota estratégica vivida pelo marxismo nos episódio de 1989-1991 força uma profunda análise, crítica e autocrítica, dos comunistas em todo o mundo. Acho que passadas duas décadas desses episódios, os Partidos comunistas tiveram balanços diferenciados; alguns Partidos – louváveis exceções à parte –, sobretudo na velha Europa, se fecharam, se apegaram aos princípios, num esquematismo dogmático típico dos períodos de defensiva estratégica. Mas eu diria que a maioria dos Partidos Comunistas, sobretudo os grandes PC’s de massas, passaram a ver uma confluência, uma identidade entre o marxismo e a questão nacional. O 10º Encontro de Partidos Comunistas, realizado aqui no ano passado demonstrou isso, inclusive em suas resoluções.
Mas também é preciso dizer: no curso da construção de um arcabouço teórico renovado, chamado por muitos de “socialismo do século XXI” tem aparecido alguns surrados “contrabandos”, ainda que de roupagem nova, que remetam ao “socialismo utópico” pré-marxista.
Um exemplo forte: alguns intelectuais na América Latina apontam o que chamam de “mercantilismo” e “sociedade do consumo” como grandes inimigos do socialismo. Isso é uma aberração do ponto de vista dos fundamentos do marxismo. Só numa sociedade de prosperidade se realiza o socialismo. Em especial para os brasileiros, sociedade da fartura e abundância, cuja grande aspiração nacional segue sendo o desenvolvimento, essa pregação da pobreza como socialista, definitivamente, não cola.
A esquerda tem retomado a questão nacional de várias formas. Estrategicamente, como você vê a esquerda brasileira nesse sentido?
Historicamente há uma relativa subestimação da questão nacional na esquerda brasileira. Isso tem a ver com uma tensão existente ao longo do século XX entre questão nacional e questão democrática. O vendável modernizante emergido da Revolução de 1930 e os períodos de auge do nacional-desenvolvimentismo – nomeadamente o segundo governo Vargas, o período JK e os II PND com Geisel – coexistiram com tensões e restrições à democracia.
No caso da esquerda em geral, muito especialmente o PT, vejo uma evolução importante, fruto da própria interação com a realidade objetiva. O PT surge nos anos 80 como uma força anti-Estado e anti-nacionalista. Chega a fazer enormes besteiras, fruto de um infantilismo esquerdista, como foi a não assinatura da Constituição de 1988. Mais recentemente, entretanto, no governo, à frente de responsabilidade objetivas com a Nação, passa a enxergar nossas enormes potencialidades e, assim, a ver com outros olhos a questão nacional.
Os comunistas, a despeito das permanentes tensões no Brasil com a questão democrática, sempre foram patriotas de primeira hora. Aliás, nas vezes em que se situou do lado errado, em oposição à Nação – muitas vezes, forçados a esta situação em contextos de forte repressão, mas outras vezes por erros de orientação política, em flertes com o simplismo binário do esquerdismo –, se isolou das massas e saiu do centro da luta política.
O novo Programa Socialista do PCdoB, que deverá ser aprovado nos próximos dias pelo 12º Congresso, entrelaça profundamente Nação e socialismo. Penso ser uma grande conquista teórica dos comunistas brasileiros e reflexo de um fenômeno geral no que diz respeito ao desenvolvimento e ao curso do marxismo no mundo.
Mas a esquerda no Brasil, pode-se dizer, opera hoje uma mudança qualitativa na percepção sobre a Nação e a nacionalidade. Visões derrotistas e negativistas acerca da trajetória dos brasileiros – que sempre prosperaram na esquerda –, vão sendo superadas aos poucos. Isso abre grandes e novas perspectivas para a luta pelo socialismo à brasileira.
Na América Latina, particularmente do Sul, que panorama você traça? Esse pensamento está bem presente na esquerda brasileira e latino-americana?
A Revolução bolivariana, antes de ser do “século XXI” é bolivariana, em alusão ao grande patriota Simon Bolívar. O nacionalista Eloy Alfaro é o inspirador da “Revolucion Ciudadana” no Equador, também chamada por Rafael Correa de “Revolução alfarista”. Mesmo na Bolívia, onde a questão nacional é absoltamente diferente da nossa, tendo em vista ser um país multicultural, o inspirador da Revolução é Tupac Katari, líder indígena anticolonialista, símbolo da nação aimara. A esquerda argentina busca se livrar das tensões com Juan Domingos Perón, o maior de todos argentinos. Os paraguaios inspiram-se no Doutor Francia, humanista e patriota paraguaio. Por aqui, figuras como o patriarca José Bonifácio e o líder da modernização brasileira, o presidente Getulio Vargas, passam a ser valorizados como nunca.
Para além dos valores e inspiradores, objetivamente, mesmo os processos mais radicais na América Latina, impulsionam políticas nacionalistas, essencialmente de recuperação dos bens estratégicos da nação, como base para impulsionar um ciclo de desenvolvimento e prosperidade.
Quanto isso está no centro do esforço de retomada de uma nova onda de lutas pelo socialismo?
O entrelaçamento entre socialismo e Nação estará na base da retomada da luta pela transformação social neste século XXI. Nação como motor que segue movendo as aspirações coletivas de um povo; socialismo como elemento universal, que inclusive permite a realização plena e efetiva da Nação.
 A China, que desequilibra o jogo de forças no mundo de hoje, dizem seus dirigentes, foi salva pelo socialismo, sem o qual a nação teria se esfacelado, se dividido. Foi a “redenção” da Nação, não custam de repetir os lideres chineses.
 A falência da utopia liberal da globalização e a crise do capitalismo que vivemos, tem seu contraponto mais forte na reemergência do Estado nacional. Ou seja, de um ambiente geral mais favorável às ideias mais avançadas.
 Também no caso do Brasil, no próximo período, se alargará o campo dos que perceberão que a plena realização da Nação passa pela transição ao socialismo. O PCdoB dará uma grande contribuição a isso, penso, com o novo Programa Socialista.