quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Forum Urbano Mundial...

Fórum Urbano Mundial deve reunir 15 mil pessoas no Rio

Cerca de 15 mil pessoas de mais de 160 países devem participar, entre os dias 22 e 26 de março, no Rio de Janeiro, do 5º Fórum Urbano Mundial. Os debates, organizados pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat), terão como tema central O Direito à Cidade: Unindo o Urbano Dividido, incluindo questões como acesso à moradia, diversidade cultural, participação social e urbanização sustentável.

Pela primeira vez na América Latina, o Fórum junta-se aos Jogos Mundiais Militares, que acontecem no próximo ano; à reunião Rio+20, que a Organização das Nações Unidas (ONU) estará promovendo na cidade em 2012 para discutir as ações de meio ambiente; à Copa das Confederações, que terá o Rio de Janeiro como sede; à Copa do Mundo, de 2014, cuja final deve ser no estádio do Maracanã; e às Olimpíadas de 2016.

De acordo com o ministro das Cidades, Marcio Fortes, o fórum representa um importante espaço de troca de experiências que devem nortear ações para melhorar o desenvolvimento urbano.

“Temos que trocar experiências e aprender as soluções adotadas em outros locais, como a Índia, a África do Sul, sempre com melhor retorno em função dos recursos investidos. Não é um fórum acadêmico, mas um fórum para servir de referência para execução. Queremos ação e resultado”, destacou, durante cerimônia de lançamento do fórum no dia 8, no Rio de Janeiro.

Marcio Fortes ressaltou, ainda, que entre as experiências brasileiras a serem apresentadas estão as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) realizadas no Rio. Segundo ele, as melhorias em termos de urbanização, construção de casas e saneamento no âmbito do programa do governo federal, em parceria com o estado e o município, representam um “laboratório muito importante”, que poderá ser observado pelos participantes do fórum.

O 5º Fórum Urbano Mundial terá diariamente 12 mesas-redondas e 108 eventos em rede, realizados em seis armazéns do Porto do Rio. As discussões devem reunir autoridades, ministros, governadores e representantes de organizações não governamentais de várias cidades do mundo.

De acordo com dados da UN-Habitat, aproximadamente 1 bilhão de pessoas no mundo vivem em assentamentos precários e mais da metade da humanidade ocupa os espaços urbanos. Nos próximos 50 anos, a estimativa é que esse número chegue a dois terços.

A diretora regional para a America Latina e Caribe da Comissão da ONU para Assentamentos Humanos, Cecília Martinez Leal, explicou que o Fórum não é fechado apenas para governos, e que quer discutir a cidade do futuro com Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades, órgãos voltados para engenharia, urbanismo e arquitetura, além de lideranças comunitárias.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sociedade Industrial...

Ainda a sociedade industrial
Escrito por Wladimir Pomar  - Correio da Cidadania
 
Foi na onda neoliberal de superar a sociedade industrial que FHC e sua trupe quase conseguiram quebrar a sociedade industrial capitalista que vinha sendo construída no Brasil. Ao invés de buscarem alternativas soberanas às dificuldades de reprodução do capital, no contexto da nova globalização capitalista, subordinaram o país às pretensões das grandes corporações transnacionais - CTN.
 
As CTN pretendiam manter as informações sob seu controle, incorporar empresas nacionais para manter as lucrativas e fechar as inviáveis, realocar suas plantas produtivas em países agrários e aproveitar-se do menor custo da mão-de-obra, tudo para elevar sua taxa média de lucro, ou sua margem de rentabilidade, questão chave para a reprodução ampliada do capital.
 
O governo brasileiro de então esnobou as experiências de países como a China e a Índia, que abriram suas portas aos capitais estrangeiros, mas sob a condição de instalarem plantas novas, para o adensamento das cadeias produtivas industriais nacionais, além de transferirem informações tecnológicas e também abrirem o comércio mundial a elas.
 
Nessas condições, enquanto no Brasil a globalização capitalista, pretensamente pós-industrial, quebrou indústrias e intensificou o desemprego e a precarização do trabalho, naqueles e em outros países da Ásia ela contribuiu para que a indústria se desenvolvesse em ritmo rápido e a classe operária industrial crescesse bem mais do que em todo o período de industrialização da Europa e Estados Unidos.
 
Em menos de 30 anos, a China e outros países asiáticos desenvolveram uma sociedade industrial que tende a superar as sociedades industriais européia e norte-americana. A emergência da China, ainda considerada improvável por boa parte do pensamento de esquerda e de direita até o início do século XXI, colocou o Brasil e o resto do mundo diante de questões inusitadas, tanto a respeito do industrialismo quanto da relação da economia com as questões ambientais, sociais e políticas.
 
Embora exista muita gente que continue separando a economia não só do meio ambiente, mas também das questões sociais e políticas, os exemplos da China, Brasil e outros países emergentes mostram justamente que não é possível fazer essa separação.
No caso da China, diante do passivo ambiental de quase seis mil anos de história, a maior parte não-industrial, que utilizou ao máximo seus recursos naturais, a construção de uma nova sociedade industrial vem sendo fundamental na criação das condições materiais para superar aquele passivo, embora inicialmente tenha contribuído para agravá-lo.
 
No caso do Brasil, cujo passivo ambiental também é enorme, apesar da história relativamente curta de sua civilização, será difícil acertar as contas com aquele passivo se o país não desenvolver uma forte sociedade industrial. Nesse sentido, as pessoas que continuam separando meio ambiente de economia e bem-estar social não entenderam nada. O Brasil precisa buscar a sustentabilidade ambiental ao mesmo tempo em que deve alcançar a sustentabilidade social e política e ser industrialmente competitivo, num mundo globalizado.
 
Essa equação, na sociedade de classes em que vivemos, na qual os interesses do capital ainda são hegemônicos e dominantes, não é fácil de elaborar nem solucionar, mesmo estando no governo. O exemplo do Pré-Sal é significativo. Trata-se de um recurso mineral altamente poluente, mas cuja exploração pode contribuir para elevar a riqueza social do país a um novo patamar, assim como para avançar em muitos dos problemas relacionados ao meio ambiente.
 
Diante disso, o governo Lula tenta colocar em prática um novo marco regulatório, no qual o sistema de partilha predomine nas parcerias do Estado com a iniciativa privada na exploração dos recursos. A Petrobras será a parceira estatal exclusiva e a Petrosal a estatal reguladora. Além disso, o governo se empenhou para que todos os estados brasileiros partilhassem dos royalties gerados pela exploração, e para que fosse criado um fundo social, a ser aplicado em educação, ciência e tecnologia e redução da pobreza.
 
Alguns setores políticos consideram insuficientes as medidas propostas pelo governo. Defendem o total controle do Estado sobre o Pré-sal, embora tal controle esteja assegurado. Na verdade, o que eles defendem é a proibição da participação privada, nacional e estrangeira, na exploração e produção. Porém, não sugerem de onde o governo brasileiro deve tirar os recursos necessários para desenvolver essa exploração e produção a curto e médio prazos.
 
Por outro lado, como não poderia deixar de ser, o tema envolve ainda a contradição de se desenvolver uma fonte energética suja e finita, num momento em que o mundo e o Brasil se esforçam para ampliar o uso de fontes limpas e renováveis. Essa contradição só pode ser resolvida satisfatoriamente se o pré-sal, como Lula tem dito, for um passaporte para o futuro. Ou seja, se as demandas e os recursos utilizados para sua exploração resultarem no adensamento das cadeias industriais brasileiras, no resgate do débito social (maior redistribuição de renda, educação, saúde e melhores condições de moradia, saneamento e transportes), na proteção e recuperação do meio ambiente e no desenvolvimento científico e tecnológico.
 
Do mesmo modo que o pré-sal, a sociedade industrial da qual fará parte contém contradição idêntica. Sua equação e solução dependem do desenvolvimento e do direcionamento que forem dados às riquezas geradas. O que, por sua vez, dependerá da correlação das forças políticas e do desenvolvimento da luta de classes no interior da sociedade capitalista. É principalmente aí que economia e questões sociais e ambientais e políticas se encontram.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Nando Reis & Os Infernais – Sim e Não (2006)


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fevereiro




Créditos: UmQueTenha

"Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia"

Carlos Nelson Coutinho: "Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia"


Caros Amigos   

Carlos Nelson Coutinho
Carlos Nelson Coutinho
Carlos Nelson Coutinho, um dos intelectuais marxistas mais respeitados do Brasil, recebeu a Caros Amigos em seu apartamento no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da esquerda brasileira, sua decepção com o governo Lula e as possibilidades de superação do capitalismo.
Estudioso de Antonio Gramsci, Coutinho defende a atualidade de Marx e reafirma o que disse em seu polêmico artigo "Democracia como valor universal", publicado há 30 anos: "Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia"

Hamilton Octávio de Souza- Queremos saber da sua história. Onde nasceu, onde foi criado, como optou por esta carreira ..
Carlos Nelson Coutinho - Nasci na Bahia, em uma cidade do interior chamada Itabuna, mas fui para Salvador muito pequenininho, com uns 3 ou 4 anos. Me formei em Salvador, e as opções que eu fiz, fiz em Salvador. Eu nasci em 1943, glorioso ano da batalha de Stalingrado. Me formei em filosofia na Universidade Federal da Bahia, um péssimo curso, e com meus 18 ou 19 anos sabia mais do que a maioria dos professores. Meus pais eram baianos também. Meu pai era advogado e foi deputado estadual durante três legislaturas da UDN. Publicamente ele não era de esquerda, mas dentro de casa ele tinha uma posição mais aberta. Eu me tomei comunista lendo o Manifesto Comunista que o meu pai tinha na biblioteca. Ele era um homem culto, tinha livros de poesia. Minha irmã, que é mais velha, disse que eu precisava ler o Manifesto Comunista. Foi um deslumbramento. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos. Aí fiz faculdade de Direito por dois anos porque era a faculdade onde se fazia política, e eu estava interessado em fazer política. Me dei conta que uma maneira boa de fazer política era me tomando intelectual. Aos 17 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro, que naquela época tinha presença. O primeiro ano da faculdade foi até interessante porque tinha teoria geral do Estado, economia política, mas quando entrou o negócio de direito penal, direito civil, ai eu vi que não era a minha e fui fazer filosofia.
Renato Pompeu - Mas quais eram as suas referências intelectuais?
Carlos Nelson Coutinho - Em primeiro lugar, Marx, evidentemente, mas também foram muito fortes na minha formação intelectual o filósofo húngaro George Lukács e Gramsci. Eu tenho a vaidade de ter sido um dos primeiros a citar Gramsci no Brasil, porque aos 18 anos eu publiquei um artigo sobre ele na revista da faculdade de Direito. Aí eu vim para o Rio e fui trabalhar no Tribunal de Contas. Me apresentei ao João Vieira Filho para trabalhar e ele me falou: "meu filho, vá pra casa e o que você precisar de mim me telefone", Eu fiquei dois ou três anos aqui sem trabalhar, mas a situação ficou inviável. Pedi demissão e fui, durante Um bom tempo, tradutor. Eu ganhava a vida como tradutor, traduzi cerca de 80 ou 90 livros. Em 76, eu fui para a Europa. Passei 3 anos fora, não fui preso, mas senti que ia ser, foi pouco depois da morte do Vlado. Então morei na Europa por três anos, onde acho que aprendi muita política. Morei na Itália na época do florescimento do eurocomunismo, que me marcou muito. O primeiro texto que publiquei é exatamente este artigo da "Democracia como valor universal" que causou, sem modéstia, um certo auê na esquerda brasileira na época. Até hoje há citações de que é um texto reformista, revisionista. Enfim, voltei do exílio e entrei na universidade, na UFRJ, onde eu estou há quase 28 anos. Passei por três partidos políticos na vida. Entrei no PCB, como disse antes, aos 17 anos, onde fiquei até 1982, quando me dei conta que era uma forma política que tinha se esgotado. Nesse momento, surge evidentemente uma coisa que o PC não esperava e não queria, que é um partido realmente operário, no sentido de ter uma base operária. O mal-estar do PCB contra o PT no primeiro momento foi enorme. Eu saí do PCB, mas não entrei logo no PT. Só entrei no PT no final da década de 80, entrei junto com o [Milton] Temer e o Leandro Konder. Fizemos uma longa discussão para ver se entrávamos ou não, e ficamos no PT até o governo Lula, quando nos demos conta que o PT não era mais o PT. Saí e fui um dos fundadores do PSOL, que ainda é um partido em formação. Ele surge num momento bem diferente do momento de formação do PT, de ascensão do movimento social articulado com a ascensão do movimento operário. E o PSOL surge exatamente em um momento de refluxo. Nessa medida, ele é ainda um partido pequeno, cheio de correntes. Eu sou independente, não tenho corrente. Podemos dizer o seguinte: eu tinha um casamento monogâmico com o PCB, com o PT já me permitia traições e no PSOL é uma amizade colorida.
Tatiana Merlino - Em uma entrevista recente o senhor falou sobre o avanço e o triunfo da pequena política sobre a grande política dentro do governo lula. Você pode falar um pouco sobre isso?
Carlos Nelson Coutinho - Gramsci faz uma distinção entre o que chama de grande política e pequena política. A grande política toma em questão as estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las. A pequena política, para ele, Gramsci, é a política da intriga, do corredor, a intriga parlamentar, não coloca em discussão as grandes questões. Durante algum tempo, o Brasil passou por uma fase de grande política. Se a gente lembrar, por exemplo, a campanha presidencial de 89, sobretudo o segundo turno, tinha duas alternativas claras de sociedade. Não sei se, caso o PT ganhasse, ia cumpri-la, mas, do ponto de vista do discurso, tinha uma alternativa democrático-popular e uma alternativa claramente neoliberal. Até certo momento, no Brasil, nós tivemos uma disputa que Gramsci chamaria de grande política. A partir, porém, sobretudo, da vitória eleitoral de Lula, eu acho que a redução da arena política acaba na pequena política, ou seja, que no fundo não põe em discussão nada estrutural. Eu diria que é a política tipo americana. Obviamente o Obama não é o Bush, mas ninguém tem ilusão de que o Obama vai mudar as estruturas capitalistas dos Estados Unidos, ou propor uma alternativa global de sociedade. Então, o que está acontecendo no Brasil é um pouco isso, dando Dilma ou dando Serra não vai mudar muita coisa não. Até às vezes desconfio que o Serra pode fazer uma política menos conservadora, mas depois vão me acusar de ter aderido a ele. Eu até faço uma brincadeira, dizendo que a política brasileira "americanalhou", virou essa coisa ... Então, neste sentido eu entrei no PSOL até com essa ideia de criar uma proposta realmente alternativa. Infelizmente o PSOL não tem força suficiente para fazer essa proposta chegar ao grande público, mas é uma tentativa modesta de ir contra a pequena política.
Renato Pompeu - Você não acha que esse americanalhamento aconteceu na própria pátria do Gramsci?
Carlos Nelson Coutinho - Ah, sem dúvida. A predominância da pequena política é uma tendência mundial. Me lembro que logo depois da abertura eu escrevi uns dois ou três artigos em que dizia que o Brasil se tornou uma sociedade complexa. O Gramsci a chamaria de ocidental, que é uma sociedade civil desenvolvida, forte e tal. Mas há dois modelos de sociedade ocidental.  Há um modelo que eu chamava de americano, que é este onde há sindicalismo, mas o sindicalismo não se opõe às estruturas, há um bipartidarismo, mas os partidos são muito parecidos, e o que eu chamava de modelo europeu, onde há disputa de hegemonia. Ou seja, se alguém votava no partido comunista na Itália, sabia que estava votando em uma proposta de outra ordem social. Se alguém votava no Labour Party na Inglaterra, durante um bom tempo, pelo menos o programa deles era socialista, de socialização dos meios de produção. E quem votava no partido conservador queria conservar a ordem. O Brasil tinha como alternativa escolher um ou outro modelo. Por exemplo, havia partidos que são do tipo americano, como o PMDB, mas havia partidos que são do tipo europeu, como o PT. Havia um sindicalismo de resultado e um sindicalismo combativo (CUT, por exemplo), mas tudo isso era naquela época. Depois a hegemonia neoliberal, em grande parte, americanalhou a política mundial. A Europa hoje é exatamente isso, são partidos que diferem muito pouco entre si. Há um "americanalhamento". É um fenômeno universal e é uma prova da hegemonia forte do neoliberalismo.
Tatiana Merlino - Então o avanço da pequena sobre a grande política está sendo mundial?
Carlos Nelson Coutinho - É um fenômeno mundial, não é um fenômeno brasileiro. Mas, veja só, começam a surgir na América Latina formas que tentam romper com este modelo da pequena política. Estou falando claramente de Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, ainda que eu não seja um chavista, até porque eu acho que o modelo que o Chávez tenta aplicar na Venezuela não é válido para o Brasil, que é uma sociedade mais complexa, mais articulada. Mas certamente é uma proposta que rompe com a pequena política. Quando o Chávez fala em socialismo, ele recoloca na ordem do dia, na agenda política, uma questão de estrutura.
Tatiana Merlino - Então é um socialismo novo, do século 21. Que socialismo é esse?
Carlos Nelson Coutinho - Eu não sei, aí tem que perguntar para o Chávez. Olha, eu não gosto dessa expressão "socialismo do século 21", eu diria "socialismo no século 21".
Renato Pompeu - E como seria o socialismo no século 21?
Carlos Nelson Coutinho - Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, se expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tomaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem .. Será que esse cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos esses segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?
Renato Pompeu - Aí tem o problema dos excluídos ...
Carlos Nelson Coutinho - Eu tenho sempre dito que as condições objetivas do socialismo nunca estiveram tão presentes. Prestem atenção, o Marx, no livro 3 do "Capital", diz o seguinte: O comunismo implica na ampliação do reino da liberdade e o reino da liberdade é aquele que se situa para além da esfera do trabalho, é o reino do trabalho necessário, é o reino onde os homens explicitarão suas potencialidades, é o reino da práxis criadora. Até meio romanticamente ele chega a dizer no livro "A Ideologia Alemã" que o socialismo é o lugar onde o homem de manhã caça, de tarde pesca e de noite faz critica literária, está liberto da escravidão da divisão do trabalho. E ele diz que isso só pode ser obtido com a redução da jornada de trabalho. O capitalismo desenvolveu suas forças produtivas a tal ponto que isso se tornou uma possibilidade, a redução da jornada de trabalho, o que eliminaria o problema do desemprego. O cara trabalharia 4 horas por dia, teria emprego pata todos os outros. E por que isso não acontece? Porque as relações sociais de produção capitalista não estão interessadas nisso, não estão interessadas em manter o trabalhador com o mesmo salário e uma jornada de trabalho muito menor. Então, eu acho que as condições para que a jornada de trabalho se reduza e, portanto, se crie espaços de liberdade para a ação, para a práxis criadora dos homens, são um fenômeno objetivo real hoje no capitalismo. Mas as condições subjetivas são muito desfavoráveis. A morfologia do mundo do trabalho se modificou muito .. Muita gente vive do trabalho com condições muito diferenciadas, o que dificulta a percepção de que eles são membros de uma mesma classe social. Então, esse é um desafio que o socialismo no século 21 deve enfrentar. Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado "socialismo real" fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção - nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização - mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia. Meu texto, "Democracia como valor universal", não é um abandono do socialismo. Era apenas uma maneira de repensar o vinculo entre socialismo e democracia. Era um artigo ao mesmo tempo contra a ditadura que ainda existia e contra uma visão "marxista-leninista", o pseudônimo do stalinismo, que o partido ainda tinha da democracia. Acho que este foi o limite central da renovação do partido.
Marcelo Salles - E nesse "Democracia como valor universal", você disse recentemente que defende uma coisa que não foi muito bem entendida: socialismo como condição da plena realização da democracia ...
Carlos Nelson Coutinho - Uma alteração que eu faria no velho artigo era colocar não democracia como valor universal, mas democratização como valor universal. Para mim a democracia é um processo, ela não se identifica com as formas institucionais que ela assume em determinados contextos históricos. A democratização é o processo de crescente socialização da política com maior participação na política, e, sobretudo, a socialização do poder político. Então, eu acredito que a plena socialização do poder político, ou seja, da democracia, só pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre há déficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exercício deles é limitado pela condição classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realização da democracia, o autogoverno da sociedade só pode ser realizado no socialismo. Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual ênfase.
Hamilton Octávio de Souza - Nós saímos de um período de 21 anos de ditadura militar, essa chamada democracia que nós vivemos, qual é o limite? O que impende o avanço mesmo que não se construa uma nova sociedade?
Carlos Nelson Coutinho - Eu acho que temos uma tendência, que me parece equivocada, de tratar os 21 anos da ditadura como se não houvesse diferenças de etapas. Eu acho, e quem viveu lembra, que, de 64 ao AI-5, era ditadura, era indiscutível, mas ainda havia uma série de possibilidades de luta. Do AI-5 até o final do governo Geisel, foi um período abertamente ditatorial. No governo Figueiredo, há um processo de abertura, um processo de democratização que vai muito além do projeto de abertura da ditadura. Tem um momento que os intelectuais mais orgânicos da ditadura, como o Golbery, por exemplo, percebem que "ou abre ou pipoca". O projeto de abertura foi então atravessado pelo que eu chamo de processo de abertura da sociedade real. Eu não concordo com o Florestan Fernandes quando ele chama a transição de conservadora. Eu acho que ocorreu ali a interferência de dois processos: um pelo alto, porque é tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto, o que resultou na eleição de Tancredo. Mas também houve a pressão de baixo. A luta pelas "Diretas" foi uma coisa fundamental, também condicionou o que veio depois. Esta contradição se expressa muito claramente na Constituição de 88, que tem partes extremamente avançadas. Todo o capítulo social é extremamente avançado, embora a ordem econômica tenha sido mais ou menos mantida. Mas a Constituição é tanto uma contradição que o que nós vimos foi a ação dos políticos neoliberais, dos governos neoliberais de tentar mudá-la, de extirpar dela aquelas conquistas que nós podemos chamar de democráticas. Eu acho que o Brasil hoje é uma sociedade liberal-democrática no sentido de que tem instituições, voto, partidos e tal. Mas, evidentemente, é uma democracia limitada, sobretudo no sentido substantivo. A desigualdade permanece.
Hamilton Octávio de Souza - Mas hoje o que está mais estrangulado para o avanço na democracia ainda no marco de uma sociedade capitalista?
Carlos Nelson Coutinho - Eu acho que a ditadura reprimiu a esquerda, nos torturou, assassinou muitos de nós, nos obrigou ao exílio, mas não nos desmoralizou. Eu acho que a chegada do Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda. Ninguém esperava que o governo Lula fosse empreender por decreto o socialismo, mas pelo menos um reformismo forte, né? Eu acho que a decepção que isso provocou, mais toda a história do mensalão e tal, é um dos fatores que limitam o processo de aprofundamento da democracia no Brasil. Entre outras coisas porque o governo Lula, que é um governo de centro, cooptou os movimentos sociais. Temos a honrosa exceção do MST que não é assim tão exceção porque eles são obrigados ... tem cesta básica nos assentamentos e tal, eles são obrigados também a fazer algumas concessões, mas a CUT ... Qual a diferença da CUT e da Força Sindical? Eu acho que essa transformação da política brasileira em pequena política, que se materializou com o governo Lula, que não é diferente do governo Fernando Henrique, foi o fator que bloqueou o avanço democrático. Até 2002, havia um acúmulo de forças da sociedade brasileira que apontava para o aprofundamento da democratização, e O sujeito deste processo era o PT, o movimento social. Na medida em que isso se frustrou, eu acho que houve um bloqueio no avanço democrático na época. O neoliberalismo enraizou-se muito mais fortemente na Argentina do que no Brasil porque aqui havia uma resistência do PT e dos movimentos sociais. Com a chegada ao governo, essa resistência desapareceu. Então, de certo modo, é mais fácil a classe dominante hoje fazer passar sua política em um governo petista do que em um governo onde o PT era oposição.
Tatiana Merlino - Então a conjuntura seria um pouco menos adversa se estivesse o José Serra no poder e o PT como oposição?
Carlos Nelson Coutinho - Eu não gostaria de dizer isso, mas eu acho que sim. Mas isso coloca uma questão: e se demorasse mais quatro anos para o PT chegar ao governo, ia modificar estruturalmente o que aconteceu com o PT? Até um certo momento, é clara no partido uma concepção socialista da política. A partir de um certo momento, porém, antes de Lula ir ao governo, o PT abandonou posturas mais combativas. Ele fez isso para chegar ao governo. Mas se demorasse mais quatro anos, ou oito anos, não aconteceria o mesmo? Não sei. Não quero ser pessimista também, não era fatal o que aconteceu com o PT.
Renato Pompeu - Você é professor de qual disciplina?
Carlos Nelson Coutinho - De teoria política.
Renato Pompeu - Você é um cientista político ou um filósofo da política?
Carlos Nelson Coutinho - Não, não. Filósofo tudo bem, mas cientista político não. Porque ciência política para mim; aquela coisa que os americanos fazem, ou seja, pesquisa dc opinião, sistema partidário, a ciência política é a teoria da pequena política. Eu sou professor da Escola de Serviço Social.
Hamilton Octávio de Souza - Que projeto que você identifica hoje no panorama brasileiro: a burguesia nacional tem um projeto? As correntes de esquerda têm um projeto? Existe um projeto de nação hoje?
Carlos Nelson Coutinho - Isso é um conceito interessante, porque este é um conceito criado em grande parte pela Internacional Comunista e pelo PCB, de que haveria uma burguesia nacional oposta ao imperialismo. Eu me lembro quando eu entrei no partido, eu era meio esquerdista e vivia perguntando ao secretário-geral do partido na Bahia: Quem são os membros da burguesia nacional? E um dia ele me respondeu: "José Ermírio de Moraes e Fernando Gasparian". Olha, duas pessoas não fazem uma classe. Do ponto de vista nosso, da esquerda, uma das razões da crise do socialismo, das dificuldades que vive o socialismo hoje, é a falta de um projeto. A social-democracia já abandonou o socialismo há muito tempo, e nos partidos de esquerda antagonistas ao capitalismo há uma dificuldade de formulação de um projeto exequível de socialismo. Na maioria dos casos, esses partidos defendem a permanência do Estado do bem-estar social que está sendo desconstruído pelo liberalismo. É uma estratégia defensivista. Essa é outra condição subjetiva que falta, a formulação clara de um projeto socialista. Do ponto de vista das classes dominantes, eu acho que eles têm um projeto que estava claro até o momento da crise do neoliberalismo. Foi o que marcou o governo Collor e o governo Fernando Henrique e o que está marcando também o governo Lula, com variações. Evidentemente, há diferenças, embora a meu ver, não estruturais. Esse é o projeto da burguesia. Com a crise, eu acho que algumas coisas foram alteradas, então, uma certa dose de keynesianismo se tomou inevitável, mas sempre em favor do capital e nunca em favor da classe trabalhadora. Tenho um amigo que diz. "Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital". No fundo, é essa a proposta do neoliberalismo: desconstrução de direitos, concessão total de todas as relações sociais ao mercado, subordinação do público ao privado, ao capital internacional. Não há burguesia anti-imperialista no Brasil, definitivamente. Pode haver um burguês que briga com o seu concorrente e o seu concorrente é um estrangeiro, mas nem assim ele vai ser anti-imperialista.
Hamilton Octávio de Souza - Você vê alguma alteração a curto prazo?
Carlos Nelson Coutinho - O que poderia mudar isso seria um fortalecimento dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada sob a hegemonia da esquerda. E pressionar para que reformas fossem feitas e se retomasse uma política econômica mais voltada para as classes populares, Tem um mote de Gramsci que eu acho muito válido, que é: "pessimismo da inteligência e otimismo da vontade". A esquerda não pode ser otimista numa análise do que está acontecendo no mundo porque a esquerda tem perdido sucessivas batalhas. Então ser otimista frente a um quadro desses é difícil. Quanto mais nós somos pessimistas, mais otimismo da vontade temos de ter, mais a gente deve ter clareza que só atuando, só dedicando todo o nosso empenho à mudança disso é que essa coisa pode ser mudada. Então, a esperança de mudança seguramente há, há potencialidades escondidas na atual sociedade que permitem ver e pensar a superação do capitalismo. O capital não pode perdurar. A alternativa ao socialismo, como dizia a Rosa Luxemburgo, é a barbárie. Se o capitalismo continuar, teremos cada vez mais uma barbarização da sociedade que nós já estamos assistindo,
Hamilton Octávio de Souza - Por conta do neoliberalismo, tivemos um aumento do desemprego estrutural, a informalidade do trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista, estamos numa condição de perdas de conquistas, direitos. Como é que se explica a fraqueza do movimento social diante disso?
Carlos Nelson Coutinho - À certeza que nós temos de que o capitalismo não vai resolver os problemas nem do mundo nem do Brasil nos faz acreditar que, primeiro, a história não acabou, e, portanto, ela está se movendo no sentido de contestar a independência barbarizante do capital. Onde eu vejo focos, no Brasil de hoje, é no MST. Uma coisa que funciona muito bem no MST é a preocupação deles com a formação dos quadros. Eu fui de um partido, o PCB, que tinha curso, mas as pessoas iam para Moscou, faziam a escola do partido. O PT nunca se preocupou com formação de quadros, não; tinham escolas, e o MST tem. Eu acho que o MST tem uma ambiguidade de fundo que é complicada. Ele é um movimento social e, como todo movimento social, ele é particularista, defende o interesse dos trabalhadores que querem terra. Essa não pode ser uma demanda generalizada da sociedade. Eu não quero um pequeno pedaço de terra, nem você. O partido político é quem universaliza as demandas, formula uma proposta de sociedade que engloba as demandas dos camponeses, proletários, das mulheres ... O MST tem uma ambiguidade porque ele é um movimento que frequentemente atua como partido. Eu acho que isso às vezes limita a ação do MST.
Marcelo Salles - O termo "Ditadura do Proletariado" que vez ou outra algum liberal usa...
Carlos Nelson Coutinho - Na época de Marx, ditadura não tinha o sentido de despotismo que passou a ter depois. Ditadura é um instituto do direito romano clássico que estabelecia que, quando havia uma crise social, o Senado nomeava um ditador, que era um sujeito que tinha poderes ilimitados durante um curto período de tempo. Resolvida a crise social, voltava a forma não ditatorial de governo. Então, quando o Marx fala isso, ele insiste muito que é um período transitório: a ditadura vai levar ao comunismo, que para ele é uma sociedade sem Estado. Ele se refere a um regime que tem parlamento, que o parlamento é periodicamente reeleito, e que há a revogabilidade de mandato. Então, essa expressão foi muito utilizada impropriamente tanto por marxistas quanto por antimarxistas. Apesar de que em Lênin eu acho que a ditadura do proletariado assume alguns traços meio preocupantes. Em uma polêmica com o Kautsky, ele diz: ditadura é o regime acima de qualquer lei. Lênin não era Stálin, mas uma afirmação desta abriu caminho para que Stálin exercesse o poder autocrático, fora de qualquer regra do jogo, acima da lei. Tinha lei, tinha uma Constituição que era extremamente democrática, só que não valia nada.
Marcelo Salles - Estão sempre dizendo que não teria liberdade de expressão no socialismo, porque o Estado seria muito forte, e teria o partido único ...
Carlos Nelson Coutinho - Em primeiro lugar, não é necessário que no socialismo haja partido único, e não é desejável, até porque, poucas pessoas sabem, mas no início da revolução bolchevique o primeiro governo era bipartidário. Era o partido bolchevique e o partido social-revolucionário de esquerda. Depois, eles brigaram e ficou um partido só. Mas não é necessário que haja monopartidarismo. Segundo, Rosa Luxemburgo, marxista, comunista, que apoiou a revolução bolchevique, dizia o seguinte: liberdade de pensamento é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Então, não há na tradição marxista a ideia de que não haja liberdade de expressão, mas uma coisa é liberdade de expressão e outra coisa é o monopólio da expressão. Liberdade de expressão sim, contanto que não seja uma falsa liberdade de expressão. Eu acho que o socialismo é condição de uma assertiva liberdade de expressão.
Fonte: Caros Amigos de dezembro de 2009

lingua espanhola em nossas escolas.....

A importância do ensino da língua espanhola para nossos jovens

Por Maria Izabel Azevedo Noronha

Lamentável a decisão do Governo José Serra (PSDB) de não oferecer neste primeiro semestre a língua espanhola como disciplina obrigatória no ensino médio nas escolas estaduais, como prevê a lei 11161/05, a qual estabelece que, em 2010, a língua espanhola deve ser de oferta obrigatória no ensino médio em todo o país. Na verdade, o governo estadual não tomou nenhuma medida nos cinco anos de vigência da lei.

Tal decisão ignora por completo a importância da língua espanhola no atual contexto do Brasil no cenário latino americano e mundial. Hoje, o oferecimento da língua espanhola na formação de nossos jovens vai muito além do seu eventual desejo de dominar esta língua, mas é um instrumento que poderá permitir a abertura de novas perspectivas profissionais para milhares de estudantes da rede estadual de ensino.

Apenas para citar alguns exemplos, é preciso lembrar que o Brasil retomou e intensificou relações com dezenas de países de língua da espanhola na América Latina; que o Mercosul se consolidou e vem se ampliando; que teremos, nos próximos anos, no Brasil, dois eventos de grande magnitude: a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. A demanda, portanto, por tradutores/intérpretes de língua espanhola tende a se ampliar, e muito.

Além destes exemplos, há que se perceber que está ocorrendo uma profunda alteração na inserção brasileira no contexto internacional, o que torna o ensino da língua espanhola nas escolas públicas não um elemento isolado, mas parte integrante de um projeto de nação. Se, antes, apenas um bloco de nações ricas (o chamado G 8) determinava os rumos da política e da economia em todo o planeta, o Brasil teve um papel preponderante na criação de um novo bloco de nações, o G 20, que tem grande influência nas decisões mundiais (sobretudo após a eclosão da crise financeira internacional) e deve crescer ainda mais no próximo período.

O governo de São Paulo comete grave erro ao adiar a implementação da Lei 11161/05. Mais uma vez, “empurra com a barriga” uma decisão importante e não se coloca à altura da responsabilidade de comandar o maior estado da federação, que deveria dar o exemplo em questão como esta. Não procede a alegação de que não há professores em número suficiente. É preciso abrir a demanda para que os professores se apresentem e para que se possam formar novos professores, de forma a suprir as necessidades da rede estadual.

A política curricular da Secretaria de Estado da Educação, como já denunciamos em muitas oportunidades, está muito longe de atender às necessidades e interesses de nossas crianças e jovens. No momento em que uma medida federal altera o currículo do ensino médio, oferece uma nova perspectiva para estes jovens, o governo de São Paulo cria obstáculos para que isto se torne realidade. Com que direito o faz? Com que objetivo?

Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel) é presidenta da Apeoesp e membro do Conselho Nacional de Educação.

Agropecuária e a resistência da UDR....

A polêmica sobre a atualização dos índices de produtividade da agropecuária

Se a agropecuária brasileira é, como tem sido alardeado amplamente pelos porta-vozes do agronegócio, um exemplo de modernização tecnológica, transformando solos antes considerados inférteis em áreas de altíssima produtividade, porque tantos protestos contra a atualização dos índices?

Em agosto de 2009, chegou à mídia mais uma rodada de discussões sobre a necessidade atualizar os índices de produtividade da agricultura brasileira. O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, com o apoio do chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luis Dulci, anunciou que a medida seria tomada em breve. Na ocasião, o ministro declarou que os novos índices eram “confortáveis para quem produzia na média regional” e deu alguns exemplos de áreas, reconhecidas como de domínio do agronegócio, que estariam abaixo dos valores efetivamente atingidos em safras anteriores. O ano findou, mas os índices não foram atualizados.

O tema não é novo. Os índices atualmente vigentes, calculados a partir do grau de utilização e de exploração econômica da terra, baseiam-se em números fornecidos pelo Censo Agropecuário de 1975, quando a modernização da agricultura e da pecuária brasileira dava seus primeiros passos. De lá para cá, essas atividades incorporaram muita tecnologia, tanto mecânica quanto química, além de avançarem no terreno das biotecnologias. No entanto, os índices nunca foram recalculados.

Em 2003, o MDA iniciou estudos para que fosse possível essa atualização. Para que os novos valores passem a vigorar, é necessária a oficialização, feita por meio de uma portaria interministerial, que deve ser assinada tanto pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário quanto pelo da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Quando o estudo feito pelo MDA foi enviado para análise do Ministério da Agricultura, então dirigido por Roberto Rodrigues, este argumentou sobre a necessidade de novos estudos técnicos. Às vésperas das eleições presidenciais, em 2006, o governo decidiu não tocar mais no assunto, uma vez que logo se evidenciou que a medida proposta tinha um enorme potencial de gerar tensões. Decorridos dois anos do segundo mandato do presidente Lula, cresceu a pressão dos movimentos sociais (principalmente MST, mas também Contag), novos estudos foram feitos, e o governo, mais uma vez, anunciou, em meados de 2009, que iria atualizar os índices.

Como era de se esperar, a necessidade e a pertinência da atualização foi imediatamente contestada pela Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como Bancada Ruralista, por meio de seu coordenador, deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR). Segundo ele, a atualização era um ato arbitrário, que contrariava os interesses do agronegócio brasileiro, notadamente daqueles que realmente produzem. O deputado afirmou ainda que, às vésperas do plantio de uma nova safra, o campo precisava de paz e tranquilidade. Faz parte dos argumentos sempre utilizados pela Frente a afirmação de que os produtores rurais vivem em dificuldades: pressão da legislação ambiental, dívidas, dificuldades de fechamento de contas em decorrência da política econômica e cambial, que penaliza o setor. Além disso, segundo o deputado Micheletto, o setor foi responsável, no primeiro semestre de 2009, por 26,46% do PIB nacional, 42% do total das exportações e 40,23% dos empregos gerados no país.

As declarações do deputado, na ocasião, foram marcadas por um tom de ameaça velada, típico dos discursos antirreformistas dos anos 1960, de meados dos anos 1980, por ocasião do debate sobre a Proposta do Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República e também das discussões sobre reforma agrária no início do governo Lula: “Caso essa inoportuna e perturbadora medida seja adotada, os agricultores não terão mais condições de continuar produzindo com tranquilidade neste país, surgindo daí um estado de calamidade. Tudo isso é lamentável, mas a FPA, esta bancada numerosa e articulada, formada por deputados e senadores de todas as correntes de opinião, não ficará jamais numa atitude apenas contemplativa diante dessa provocação e afronta aos produtores rurais” (www.noticiasagricolas.com.br/noticias.php?id=53358, 20/08/2009, grifos meus).

À mesma época, a senadora Kátia Abreu, presidente da influente Confederação Nacional da Agricultura, também saiu em defesa de suas bases, com algumas alegações interessantes para se pensar o significado político dos índices de produtividade. Além de considerar a medida um ataque à livre iniciativa, ela costurou argumentos que iam desde a pressão da política ambiental sobre os agricultores até a velha tese de que o governo tem muita terra pública que poderia ser direcionada para a reforma agrária. Trouxe ainda de volta argumentos em torno da importância do uso do Banco da Terra e da legislação que permite a compra de terras para fazer reforma agrária (www.agrosoft.org.br, 22/08/2009).

Desde então foram realizadas algumas audiências públicas no Senado, nas quais os que defendem a revisão afirmam que, em várias regiões do país, a produção atual está bem acima dos índices a serem fixados. Por outro lado, os que são contra alegam que a atualização geraria uma enorme insegurança e uma inédita crise de produção.

O debate se intensificou ao longo do segundo semestre de 2009 e o Ministro Stephanes disse publicamente que não assinaria a portaria. De fato, o ano findou e ela não foi assinada, mostrando a força e grande poder de veto do Ministério da Agricultura. Como o ano de 2010 é eleitoral, dificilmente uma medida tão polêmica entraria em pauta (como já não entrara em 2006).

Cabe perguntar: afinal o que está em jogo numa portaria interministerial, ou seja, um documento que sequer tem o estatuto de lei, não passa pelo Congresso Nacional e tem sustentação legal (a lei nº 8.629 de 1993, conhecida como Lei Agrária, prevê a atualização)? Por que essa portaria atrai tanta oposição e ira?

Um primeiro passo para entender essa polêmica é revisitar a discussão que vem marcando o cenário político brasileiro (e latino-americano) desde há muito: a ligação entre uso da terra/desenvolvimento/reforma agrária. Nos anos 1950, generalizou-se o uso da categoria latifúndio, termo que ganhou várias conotações, principalmente a de improdutividade da terra e de atraso tecnológico, mas também de exploração do trabalho e violência. Todo a polêmica sobre a necessidade de modernização da agricultura ou sobre a necessidade de redistribuição de terras fundava-se na crítica ao latifúndio. O próprio Estatuto da Terra, de 1964, tem seu suporte básico nessa visão, propondo a empresa rural (inclusive a de caráter familiar) como o alvo a ser atingido no processo de modernização das atividades agropecuárias.

Como todos sabemos, a modernização tecnológica se fez no Brasil sem alteração da estrutura fundiária, uma das mais concentradas do mundo, e com uma extraordinária capacidade de permanência e reprodução em áreas de ocupação mais recente, como nos mostram os recém divulgados resultados do último Censo Agropecuário, realizado em 2006.

A vitalidade e a visibilidade que as lutas por terra assumiram no início dos anos 1980 recolocaram o tema da reforma agrária na pauta política, mas num contexto em que o latifúndio, no seu sentido de atraso tecnológico, estava cada vez mais perdendo relevância em favor de uma crescente empresarialização das atividades agropecuárias. Uma transformação veloz, mas que não foi capaz de modernizar essas atividades para além do uso das tecnologias de ponta e da integração sistêmica com as indústrias à montante (máquinas, insumos, sementes) e à jusante (processamento e venda), já que se manteve, por um lado, a relação predatória com o meio ambiente, a qual caracterizou por séculos nossa agricultura, e, por outro lado, a utilização também predatória da força de trabalho, como o demonstram as sucessivas denúncias que chegam à mídia sobre trabalhadores encontrados em situações extremamente precárias, análogas à da escravidão. Nesse contexto, ganha novas cores o debate sobre a relação entre reforma agrária e desenvolvimento: não se trata somente de tecnologias, mas de acesso a direitos, tanto humanos como ambientais, fundamentais.

Os debates em torno do novo ordenamento legal do país, que se realizaram após o fim do regime militar e que resultaram na Constituição de 1988, trouxeram para a nossa Carta Magna um preceito já incorporado por diversas constituições do mundo: o de que a propriedade da terra deve cumprir uma função social, uma vez que não se trata de uma mercadoria como qualquer outra. O conceito de função social adotado não continha grandes novidades: foi apropriado do Estatuto da Terra e remetia tanto à dimensão econômica da exploração, como aos aspectos trabalhista e ambiental. O seu não cumprimento implicaria numa punição: a desapropriação por interesse social. Naquele momento, no entanto, a Bancada Ruralista conseguiu incluir no texto constitucional uma cláusula que instaurou uma contradição com o conceito de função social: terras produtivas não podem ser desapropriadas. Ora, uma propriedade pode ser altamente produtiva, mas não cumprir sua função social, quando se consideram as condições de seus trabalhadores e os custos ambientais envolvidos na atividade desenvolvida. São raros até agora os casos de desapropriação de um imóvel a partir da função social. O critério da produtividade tem se sobreposto, inclusive nos processos judiciais.

No que se refere aos aspectos fundiários, a regulamentação da Constituição de 1988 foi feita por meio da Lei Agrária de 1993, que considera propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. Segundo essa lei, os índices precisam ser atualizados periodicamente.

Se a agropecuária brasileira é, como tem sido alardeado amplamente pelos porta-vozes do agronegócio, um exemplo de modernização tecnológica, transformando solos antes considerados inférteis em áreas de altíssima produtividade, porque tantos protestos contra a atualização dos índices? À primeira vista parece uma contradição. Certamente, trata-se de um tema para uma pesquisa criteriosa, em diferentes regiões do país.

Todavia, há alguns argumentos dos setores empresariais rurais e seus representantes que podem fornecer pistas interessantes para entender tal oposição ao cumprimento do que estabelece a Lei Agrária. Um deles é a tese de que as próprias leis de mercado têm se encarregado de expropriar os produtores ineficientes e, portanto, a presença reguladora do Estado seria supérflua. Esse argumento aparece, por exemplo, numa carta de 22 de setembro de 2009, assinada por Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e Presidente do Conselho Superior do Agronegócio dessa importante entidade empresarial paulista.

Segundo eles, “o assunto tornou-se anacrônico, porque foi conceitualmente superado pela história e pela importância dos fatos, que aí estão para condenar a pretendida revisão dos índices de produtividade da agropecuária brasileira” (www.sindiracoes.org.br/index.php).

A medida é condenada também por ser considerada autoritária e atentatória contra o direito de propriedade e liberdade empresarial. Para os que assim argumentam, a definição constitucional de que a terra tem função social é um equívoco. Não faltam os que dizem que ninguém desapropria uma fábrica porque ela não é produtiva.

Compreender as alegações do setor, indo um pouco além dos argumentos que aparecem na imprensa, implica em incorporar à análise a própria lógica da expansão dessa agricultura moderna e empresarial.

A dinâmica da expansão da agropecuária brasileira, cerne do agronegócio, se faz num movimento complexo que tem, de um lado, as terras em produção com, ao que tudo indica, altos índices de produtividade. De outro, terras que estão sendo adquiridas, quer de produtores em crise que vendem sua propriedade para comprar terras mais baratas adiante, quer terras de pecuária, já deflorestadas, “limpas” e prontas para a reconversão produtiva. Trata-se um movimento constante, que envolve tanto a recorrente fracasso de alguns, quanto a prosperidade de outros. Esse movimento tem como um elemento de sua dinâmica a busca de novas áreas para serem incorporadas, mas que não necessariamente são colocadas de imediato em produção. Daí deriva a pressão sobre áreas de florestas, a luta por um afrouxamento nas regras de desmatamento, a crítica à delimitação de reservas indígenas e a oposição à atualização dos índices.

Atentando para essa dinâmica e não para esta ou aquela propriedade, observando os movimentos do mercado de terras em todo o país (que vêm atraindo investimentos de capitais nacionais e estrangeiros), talvez se possa entender melhor por que uma atualização de índices de produtividade, que parece tão simples, é capaz de despertar tanta celeuma. Terras improdutivas ou produzindo pouco fazem parte das necessidades criadas pela expansão das atividades empresariais. Transformá-las em áreas passíveis de desapropriação, com a possibilidade de se transformarem em assentamentos, significa subtraí-las do mercado e excluí-las do cerne desse circuito de reprodução.

Leonilde Ribeiro é Professora do CPDA/UFRRJ, pesquisadora do CNPq, da Faperj e do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA).

Internet Segura....

Dia da Internet Segura alerta usuários para uso ético da rede

 
Pense bem: você distribuiria fotos para pessoas desconhecidas na rua? E na internet? É justamente para alertar sobre os riscos e promover o uso seguro e de qualidade na internet que amanhã (9), celebra-se, em mais de 60 países, o Dia da Internet Segura. Neste ano, as discussões se concentrarão em torno do tema "Pense antes de postar". De acordo com Rodrigo Rejm, diretor de prevenção da SaferNet, a iniciativa está presente no Brasil desde o ano passado sob a responsabilidade da SaferNet Brasil, do Ministério Público Federal e do Comitê Gestor da Internet. "A proposta é promover dicas de como navegar na internet com segurança e qualidade", explica.
Para ele, a ideia é alertar e conscientizar as pessoas para os perigos do uso irresponsável da rede. E não é para menos. Apesar de facilitar a comunicação e a troca de informação entre pessoas de várias partes do mundo, a internet, se não utilizada de forma responsável, pode trazer sérias consequências ao usuário. Problemas que podem ir da perda de convívio social a dados roubados e aliciamento de crianças e adolescentes.
Neste ano, o tema central do Dia da Internet Segura é "Pense antes de postar". Para Rejm, mesmo sendo uma proposta abrangente, a ideia é trabalhar principalmente com adolescentes que divulgam fotos íntimas e sensuais na rede. Ele alerta, por exemplo, para o "Sexting", fenômeno no qual adolescentes e jovens produzem e enviam fotos e textos sensuais e insinuantes para amigos e namorados pela internet ou pelo celular. Um dos problemas desse fenômeno é que tais fotos e mensagens colocadas online não são disponibilizadas apenas para amigos e conhecidos. Muitas, de acordo com o diretor de prevenção da SaferNet, acabam nas mãos de redes de pornografia infantil. Além da facilidade de aliciamento sexual, os usuários da rede mais descuidados também estão expostos a outros tipos de crimes, como fraudes, roubos de dados, invasões, vírus e clonagens.
Outro grave problema é a violação aos direitos humanos. Prova disso são os dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, disponibilizados pela SaferNet. Somente no mês de janeiro de 2010, a Central recebeu 5.541 denúncias de práticas contrárias aos direitos humanos realizadas na rede, como: intolerância religiosa, racismo, homofobia, neonazismo, pornografia infantil, xenofobia, maus tratos contra animais e apologia e incitação a crimes contra a vida.
Dicas de segurança
Para alertar as pessoas sobre os crimes realizados na internet e ajudar os pais a trabalhar o assunto com os filhos, a SaferNet disponibiliza gratuitamente uma cartilha com informações para garantir o uso ético e seguro da rede. Algumas dicas simples, como não disponibilizar dados pessoais, fotos e senhas na internet, trocar periodicamente senhas de e-mails e tomar cuidado ao baixar arquivos, são capazes de prevenir problemas futuros.
De acordo com Rodrigo Rejm, diretor de prevenção da SaferNet, as cartilhas e as dicas de segurança estão disponibilizadas no site: www.denuncie.org.br. No endereço, qualquer pessoa também pode denunciar, anonimamente, crimes contra os direitos humanos na internet.
Rejm lembra que o Dia da Internet Segura é amanhã, mas a organização realizará ações durante todo o mês em várias cidades do País. Para saber mais informações sobre o Dia da Internet Segura e a agenda das atividades, acesse: http://www.diadainternetsegura.org.br

Cinema Nacional na Escola...

Projeto propõe inclusão de filmes nacionais no currículo escolar

Devem os estudantes brasileiros, de 4 a 18 anos, assistirem no período de um mês, nas escolas públicas e privadas, a pelo menos duas horas de filmes nacionais? É essa a polêmica iniciada na Comissão de Educação do Senado pelo projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que está prestes a ser examinado.

A medida, de caráter obrigatório, recebeu do mesmo relator, a senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), dois pareceres totalmente diferentes. Em maio, ela defendeu a rejeição do projeto. Alegou que "esse tipo de norma, por sua rigidez, conquanto possa servir a interesses diversos e
estranhos à escola, pouco ou nada contribui para a melhoria do ensino". Ao contrário, afirmou a senadora, pode diminuir a margem de autonomia e de flexibilidade dos estabelecimentos de ensino."

Já em novembro, coincidindo com o lançamento do filme Lula, o Filho do Brasil, Rosalba só teve
elogios para a proposta, sob a alegação de que a obrigatoriedade das escolas exibirem filmes nacionais "será benéfica para ambos, estudantes e indústria cinematográfica". E vai além, ao dizer que a produção nacional, "com raras exceções, tem qualidade plástica e conteudista irretorquível, diversidade temática e de público-alvo".

"E isso é verdade tanto em relação à produção nacional mais recente, quanto em relação aos nossos clássicos, de valor inestimável na retratação de realidades e personagens da nossa cultura", afirma.

A senadora diz que mudou de opinião, "convencida" pelo autor da proposta. "Não tem sentido pensar que o filme de Lula teve alguma influência", afirma. "Fui procurada pelo autor do projeto e ele me convenceu que era algo bom, pois também serão exibidos documentários e filmes
históricos."

Cristovam Buarque apresentou o projeto em maio de 2008. O texto altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para incluir nos currículos do ensino fundamental e médio - de 4 a 18 anos - a obrigatoriedade de exibir para os alunos, por no mínimo duas horas mensais, "filmes de produção nacional".

O texto não especifica como os filmes serão selecionados ou quem vai custear sua aquisição. A justificativa anexa à proposta ressalta, sobretudo, a necessidade de apoiar a indústria cinematográfica nacional. 

Cristovam explica que "a única forma de dar liberdade à indústria cinematográfica é criar uma massa de cinéfilos que invadam nossos cinemas, dando uma economia de escala à manutenção da indústria cinematográfica".

Em entrevista ao Estado, Cristovam Buarque foi enfático em defender não a indústria de filmes, como está na justificativa, mas sim os efeitos benéficos para os alunos. Ele afirma que optou pela reserva de mercado de filmes feitos no País porque caso contrário os mesmo seriam preteridos por produções internacionais requintadas.

"Se a gente fosse escolher o único problema das escolas brasileiras, sabe qual seria? Elas são chatas, não mudaram nos últimos 50 anos", argumenta. O senador lembra que a música já faz parte da grade escolar obrigatória. E que caberá aos professores escolherem os filmes.

Quanto à hipótese de serem exibidos filmes violentos ou com cenas apimentadas de sexo,
impróprios para a faixa etária dos alunos, afirma que a probabilidade é a mesma disso ocorrer na indicação de livros. "O professor que fizer isso está sujeito a ser preso, porque não estará cumprindo com a sua obrigação", prevê.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Rosa Costa, no vermelho

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os Estados Unidos lêem erradamente a política mundial do Brasil


Artigo de Immanuel Wallerstein na Agência de notícias Nova Colômbia

“O Grupo de Trabalho recomenda que os Estados Unidos construam sua colaboração existente com o Brasil no que diz respeito ao etanol para desenvolver uma sociedade mais consistente, coordenada e ampla que incorpore um amplo leque de assuntos bilaterais, regionais e globais”, escreve Immanuel Wallerstein em artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, 06-02-2010. A tradução é do Cepat.

Quando, por volta de 1970, os Estados Unidos se aperceberam pela primeira vez de que sua dominação hegemônica estava ameaçada pela crescente força econômica (e, consequentemente, política) da Europa ocidental e do Japão, mudou sua postura, buscando evitar que assumissem uma posição muito independente nos assuntos mundiais.

Os Estados Unidos disseram, com efeito, mesmo que não com palavras: até agora os tratamos como satélites, pedimos que nos seguissem sem questionamentos no cenário mundial. Mas agora vocês são mais fortes. Assim que os convidamos para serem sócios, sócios menores, que tomarão parte conosco na tomada de decisões coletivas, sempre e quando não se afastarem muito por conta própria. Esta nova política norte-americana se institucionalizou de múltiplas maneiras – especialmente na criação do G-7, no estabelecimento da Comissão Trilateral e na criação do Fórum Econômico Mundial de Davos como espaço de encontro da amigável elite mundial.

O objetivo principal dos Estados Unidos era desacelerar a decadência de seu poder geopolítico. A nova política funcionou talvez durante 20 anos. Finalmente, os acontecimentos posteriores a desfizeram. O primeiro foi a desintegração da União Soviética em 1989-1991, que desmantelou o argumento principal que os Estados Unidos usaram com seus sócios, de que não deviam ser muito independentes no cenário mundial. E o segundo evento foi o militarismo macho unilateral e autoderrotado do regime de Bush. Em vez de restaurar a hegemonia norte-americana, resultou no devastador fracasso dos Estados Unidos em 2003, quando não conseguiu o respaldo do Conselho de Segurança da ONU para a sua invasão do Iraque. As políticas neoconservadoras de Bush foram um rotundo tiro pela culatra e converteram o lento declinar do poder geopolítico norte-americano em uma queda precipitada. Hoje, quase todos reconhecem que os Estados Unidos já não têm a influência que alguma vez tiveram.

Alguém poderia pensar que os Estados Unidos poderiam ter aprendido algumas lições com os erros do regime de Bush. Mas, parece que hoje estão tentando repetir o mesmo cenário com o Brasil. Não demoraram 20 anos para que esta tentativa se enfraquecesse.

A principal jogada geopolítica que Obama empreendeu foi converter a reunião do G-8 em uma reunião do G-20. O grupo crucial que foi acrescentado à reunião são os chamados países do BRIC, que outros chamaram de países emergentes. O BRIC é a sigla para Brasil, Rússia (já incluída no G-8), Índia e China.

O que os Estados Unidos estão oferecendo ao Brasil é associar-se. Isto está muito claro em um recente relatório de um Grupo de Trabalho do Conselho de Relações Exteriores intitulado US-Latin America Relations: A New Direction for a New Reality [As relações Estados Unidos-América Latina: uma nova direção para uma nova realidade]. O Conselho de Relações Exteriores é a voz do establishment centrista, e este relatório provavelmente reflete o pensamento da Casa Branca.

Há duas frases cruciais neste relatório no que diz respeito ao Brasil. A primeira diz: o Grupo de Trabalho considera que aprofundar as relações estratégicas com o Brasil e o México e reformular os esforços diplomáticos com a Venezuela e Cuba, não apenas estabelecerão uma maior interação frutífera com estes países, mas que também transformará positivamente as relações Estados Unidos-América Latina.

E a segunda frase do documento aborda diretamente o Brasil: o Grupo de Trabalho recomenda que os Estados Unidos construam sua colaboração existente com o Brasil no que diz respeito ao etanol para desenvolver uma sociedade mais consistente, coordenada e ampla que incorpore um amplo leque de assuntos bilaterais, regionais e globais.

Este relatório foi publicado em 2009. Em dezembro, o Centro de Relações Exteriores organizou, junto com a Fundação Getúlio Vargas, um seminário sobre o Brasil emergente. Por coincidência, o Seminário foi realizado exatamente no momento em que ocorria a crise política hondurenha e a visita do presidente Mahmud Ahmadinejad ao Brasil. Os participantes norte-americanos no Seminário não falavam a mesma linguagem que os brasileiros.

Os norte-americanos consideravam que o Brasil deveria agir como uma potência regional, ou seja, como um poder subimperial. Os participantes norte-americanos não podiam entender a desaprovação do Brasil para os nexos militares e econômicos da Colômbia com os Estados Unidos. Pensavam também que o Brasil deveria assumir algumas responsabilidades na manutenção da ordem mundial, o que significava unir-se aos Estados Unidos em sua pressão sobre as políticas nucleares do Irã, enquanto os brasileiros sentiam que a posição norte-americana em relação ao Irã era hipócrita.

Finalmente, mesmo que os participantes dos Estados Unidos olhassem para a Venezuela de Chávez como longe de ser democrática, os brasileiros faziam eco à caracterização da Venezuela feita pelo presidente Lula ao dizer que sofre de um excesso de democracia.

Em janeiro de 2010, Susan Purcell, uma analista norte-americana conservadora, publicou no Miami Herald uma crítica à política de seu país sobre o Brasil, e o chamou de pensamento ilusório. Bem, ela pode ter razão. Do seu ponto de vista, Washington necessita repensar suas suposições acerca do grau em que pode depender do Brasil para enfrentar problemas políticos e de segurança na América Latina em modos que sejam compatíveis com os interesses norte-americanos.

Também em janeiro, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, o partido de Lula, disse que a intenção norte-americana de constituir um G-20 era “uma tentativa de absorver e controlar os pólos alternativos de poder... uma tentativa de manter a multipolaridade sob controle”. Ele insistiu em que, diante do conflito entre respaldar os interesses capitalistas no mundo como poder subimperial e respaldar os interesses democrático-populares, o Brasil terminaria assumindo esta segunda postura.

Dada a maior força da Europa ocidental e do Japão no começo dos anos 1970, os Estados Unidos lhes ofereceram promovê-los ao status de sócios menores. França e Alemanha optaram por continuar ainda mais em um papel independente no mundo em 2003. E o Japão, em suas eleições nacionais de 2009 e sua eleição de prefeitos em Okinawa em 2010, parece optar pelo mesmo caminho.

Dado seu crescimento em força, oferecerão ao Brasil ser sócio menor apenas em 2009. Parece que insistirá em um papel independente no mundo, quase de imediato.

Japão, entre a estagnação e a deflação – Um retrato do sistema capitalista mundial


Do blog da Marcia, da revista o militante


Durante os anos 70 e 80 do século passado era habitual ouvir-se falar do «milagre» japonês.
A economia japonesa crescia a uma taxa média anual de quase 5% (1) , a taxa de desemprego rondava os 2% e as exportações cresciam quase 8% ao ano.
«Milagre» que causava admiração nas fileiras governantes do sistema capitalista mundial, mas também receios, sobretudo nos EUA, para onde se dirigia o grosso das exportações nipónicas, do aço ao automóvel passando pela electrónica de consumo. Receios que levaram à tomada pela Administração Reagan de medidas comerciais de restrição à entrada de produtos japoneses no mercado dos EUA e à imposição dos denominados Acordos de Plaza (1985) aos seus principais concorrentes da Tríade (Alemanha e Japão), impondo uma desvalorização concertada do dólar, com vista a melhorar os termos de troca e as condições de rentabilidade das suas empresas multinacionais.Mas no início dos anos 90, após o rebentar da bolha financeira gerada nos mercados financeiro e sobretudo imobiliário (1992), o Japão entrou num período de estagnação e deflação (Gráfico 1), com uma taxa média de crescimento anual inferior a 1%, pontuado com recessões (1998-1999 e 2008-2009) e por um forte aumento do desemprego – com a taxa de desemprego média a aumentar cinco vezes face aos anos 60, ou seja, mais de 2,5 milhões de desempregados (Gráfico 2). Período no qual ainda se encontra e cujas previsões económicas apontam para que permaneça.

 

Um caso de estudo
O Japão tornou-se um caso de estudo para os economistas e comentadores da praça, tornando-se para muitos, como Paul Krugman, um exemplo de uma economia que caiu na «armadilha da liquidez» (2) , exemplo que podemos encontrar se recuarmos para a economia dos EUA nos anos 30, na altura da Grande Depressão. Apesar de taxas de juro reais muito baixas (quer de curto, quer de longo prazo), mesmo em alguns anos próximas do zero, o motor do crédito não «arrancou», o investimento continuou a regredir (-1,4% ao ano em média nos últimos 20 anos) e o crescimento do consumo continuou quase estagnado (1,1% ao ano em média nos últimos 20 anos).
Mas como no actual episódio de crise, já nos anos 90, o Japão utilizou o investimento público para tentar relançar a economia, entre 1992 a 1996, passou de um superavit para um défice orçamental de 5,1% do PIB, com a dívida pública a aumentar 45% e o seu valor a representar 100% do PIB em 1996. E apesar disso, o crescimento económico médio anual cifrou-se em apenas 1,3% e na primeira tentativa de controlo do défice por parte do governo nipónico, a economia paulatinamente mergulhou na recessão.
Em 1998, tal como agora em 2008, o Japão voltou a tentar relançar a economia por via do investimento público e pela injecção directa de dinheiro na recapitalização do sistema bancário (cerca de 500 mil milhões de dólares, o equivalente face ao PIB a 2 milhões de milhões de dólares de injecção nos EUA), o défice atingiu um valor histórico de 11,2% do PIB, mas a economia cresceu de forma anémica, apesar do estímulo interno.
O estímulo externo, por via do crescimento das exportações para os EUA e a China, entre 2004 e 2007, o período que mediou a bolha financeira do «dot.com» (2000-2003) e a acumulação da bolha financeira do «subprime» (2007-?) voltou a trazer taxas de crescimento na ordem dos 2% ano. Contudo, acabado o estímulo, a recessão voltou, com o recuo estimado do produto de 5,8% em 2009, uma das recessões mais severas da Tríade e a maior contracção do produto desde os anos 50. Com a dívida pública a atingir 190% do PIB em 2009 e o défice orçamental os 8%.
É por isso que o exemplo japonês carece de reflexão particular, não só no contexto da análise da resposta do sistema capitalista à crise que atravessa, mas pelo retrato que tece sobre a profundidade dessa mesma crise e da sua natureza sistémica. Retrato da crise que teve o seu regresso visível no final nos anos 60, mas sobretudo com o denominado «primeiro choque petrolífero» (1974-1975), mas que se encontrava em gestação com o dissipar das condições que permitiram relativamente elevadas taxas de acumulação de capital no centro do sistema capitalista mundial, sobretudo nos anos 50 e 60.
Da expansão à estagnação
Finda a ocupação pelos EUA em 1952, o Japão encetou uma rápida industrialização, com uma forte restauração monopolista apoiada pelo Governo, a par de um investimento na reconstrução de infra-estruturas de base. Taxas de câmbio favoráveis e elevadas taxas de produtividade do trabalho potenciaram as exportações e o aprofundamento do mercado interno, com a indústria do aço e depois a automóvel a terem rápido crescimento, apesar da forte dependência do Japão de alimentos, matérias-primas e energia.
Nos anos 60, a economia crescia em média mais de 10% ao ano, a produtividade do trabalho quase 9%, o que, mesmo com o crescimento dos salários reais de mais de 7%, permitia a transferência de ganhos de produtividade do trabalho para o capital, que se reflectia na redução dos custos salariais unitários reais em média de 1,2% ao ano e o crescimento do volume de lucros em média de 26,7% ao ano.
O exemplo do Japão nos anos 60 poderia ser em grande medida transposto, para a Coreia do Sul nos anos 80, ou para a China desde os anos 90, que tem mantido uma taxa média anual de crescimento do produto superior a 10%.
 O caso da Coreia do Sul é interessante, pois tendo atingido uma taxa média anual de crescimento do produto de quase 9% nos anos 80, desde então as taxas de crescimento médias tem vindo a desacelerar de década para década, seguindo um padrão equivalente aos países capitalistas mais avançados.
Contudo, no final dos anos 60 o crescimento económico começou a não ser suficiente para cobrir o crescimento da capacidade produtiva. A pressão para a baixa das taxas de lucro crescia na medida do ritmo de elevação da composição orgânica do capital, devida ao aumento da eficiência e escala da produção, a par de um crescimento médio de 4,8% ao ano do stock de capital líquido por pessoa empregada. A rápida industrialização da Alemanha contribuía também para o excesso de capacidade produtiva, tornando mais visível a sobreprodução de amplos segmentos industriais do sistema capitalista mundial. A pressão para a queda das taxas de lucro acentuava a crescente concorrência intercapitalista pela obtenção de quotas de mercado, fontes de matérias-primas e «stocks» de força de trabalho barata a nível mundial.
O retorno visível da crise dos anos 70 é, assim, precedido por um declínio da rentabilidade das empresas capitalistas nas potências do centro do sistema capitalista mundial, particularmente no Japão, acentuado depois pelo forte aumento do preço das matérias-primas e da energia, nomeadamente do preço do petróleo. Crise de rentabilidade da qual ainda não houve recuperação cabal, apesar da intensificação da exploração do trabalho, da crescente internacionalização da produção, da expansão das relações sociais de produção capitalistas a quase todos os pontos do globo e da progressiva financeirização do capital, que permitiu o crescimento exponencial do crédito e do capital fictício, nos últimos 30 anos.
Sendo a taxa de lucro o orientador do processo de acumulação, a não obtenção de taxas de lucro esperadas por parte do capitalista provoca um declínio no investimento (logo do ritmo de acumulação) e consequentemente do consumo (logo da realização da mais-valia), provocando a prazo a interrupção do processo de valorização de capital. Por outras palavras, existe um esgotamento progressivo das oportunidades de investimento rentáveis para a aplicação da massa de mais-valias extraída e acumulada, o que se manifesta pela tendência para a queda das taxas médias de lucro no longo prazo. Entre 1950-1970 e 1970-1993, as taxas médias de lucro líquida na indústria transformadora no Japão reduziram-se quase 50%, continuando mesmo assim a ser mais elevadas que no resto da Tríade (3) .
Na altura em que a ocidente se falava do «milagre japonês», já a economia japonesa crescia a uma taxa média anual que era menos de metade da dos anos 60, inferior a 5%, para depois confirmar a tendência para estagnação verificada, não só nos outros pólos da Tríade, mas no sistema capitalista mundial, com a desaceleração das taxas de crescimento do produto de década para década, demonstrativas do abrandamento do «motor» de acumulação de capital.
O excesso de capacidade fazia-se notar, não só com o aumento estrutural do desemprego de década para década (Gráfico 2), mas por uma evolução do produto abaixo do produto potencial, com excepção dos períodos de bolha financeira, de inflação artificial do preços dos activos mobiliários e imobiliários assentes no crédito (como 1969-1973, 1988-1992 e 2004-2007). Excesso de capacidade e esgotamento de oportunidades de investimento que também se traduziram na contracção acumulada do investimento em quase 26% nos últimos 20 anos.
Com uma tendência inversa ao desemprego, as taxas de crescimento dos salários reais desaceleram fortemente, para um crescimento médio anual de 0,5%, mas inferior ao crescimento médio anual da produtividade do trabalho. Facto que mostra a pressão do crescimento do exército industrial de reserva na baixa dos salários. Esta transferência de ganhos de produtividade do trabalho para o capital permitiu continuar a redução dos custos unitários do trabalho e é um indicador do aumento da taxa de exploração do Japão, com o peso médio dos salários no produto a reduzir-se de década para década. Em termos médios, desde os anos 70, o peso médio dos salários reduziu quase 12 pontos percentuais (Gráfico 3).
Isto num quadro de estímulos externos, com a manutenção de excedentes comerciais nas trocas com os EUA, e internos, com o défice orçamental e a dívida pública a aumentarem sistematicamente de década para década. Esta substituição de dívida privada por dívida pública, levou a que o peso da dívida pública passasse, em termos médios, de cerca de 28% nos anos 70 para mais de 178% na última década. A questão que se coloca é da sustentabilidade desta política de «estímulos», quando têm sido estes «défices» a sustentar, mesmo assim, o parco crescimento económico.

O «espelho» da crise
O Japão constitui assim o cenário que os «governantes» do centro do sistema capitalista mundial pretendem a todo custo evitar. Hoje, quando se afirma que a crise bateu no fundo, apontando uma lenta e insípida «retoma económica», a verdade é que o exemplo do Japão vem sempre à memória. Apesar dos meios que o sistema possui para responder à crise, nomeadamente por via do peso e papel do Estado na economia, apesar de 20 anos de consenso de Washington, a verdade é que depois da maior operação de «salvamento» do sistema concertada a nível mundial, com a descida para níveis históricos das taxas de juros, com a injecção de milhões de milhões de dólares no sistema financeiro (também para sustentar o consumo) e com o forte aumento do investimento e consumo público, não só a recessão mundial não foi «evitada», como o crescimento económico previsto para os próximos anos será anémico, confirmando a tendência para a desaceleração das taxas médias de crescimento do produto mundial de década para década.
O Japão demonstra também que o sistema poderá sobreviver mesmo num estado letárgico de crescimento, com crescente desemprego e renovada violência na exploração da força de trabalho. O sistema não cairá por si. O capitalismo já deu mostras da sua capacidade de adaptação e de sobrevivência, nomeadamente com a alteração dos seus paradigmas produtivos, tecnológicos e energéticos.O Japão, não negando as condições objectivas próprias que caracterizam o desenvolvimento do capitalismo neste país, torna-se assim um «espelho» da evolução desta crise de rentabilidade desde os anos 70, mas também da ineficácia das respostas política e económica do sistema à crise, sejam elas de índole keynesiana ou neoclássica/neoliberal, num quadro de sobre-acumulação de capital sobre todas as formas, de sobre-extensão do sistema a nível planetário, com o esgotamento progressivo de recursos naturais não renováveis.
A questão central continua por isso a ser qual o grau de destruição de capital sobre todas as formas necessário para garantir as condições de valorização do capital, para garantir um novo ciclo de expansão da acumulação capitalista. A «saída» da Grande Depressão dos anos 30 só se verificou com o eclodir da II Guerra Mundial, entre respostas políticas que conduziram ao surgimento do fascismo e do nazismo. O desenvolvimento do militarismo a nível mundial e o progressivo rearmamento da Alemanha e do Japão têm que ser enquadrados neste contexto, como também das «arrumações» geopolíticas a nível mundial, com a afirmação de «novas» potências económicas e militares, como a China, o Brasil, a Índia e a Rússia, num quadro de declínio económico da potência hegemónica central – os EUA.
Contudo, hoje, a delapidação dos recursos naturais atingiu um tal nível, em consequência da irracionalidade e anarquia do modo de produção capitalista, assente no pressuposto da acumulação ilimitada de capital, que a superação do sistema se torna uma condição sin qua non para a Humanidade.
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A centralidade da lei do valor escapa às ferramentas dos economistas convencionais, presos a um modelo de equilíbrio de longo prazo e de racionalidade perfeita, que só existe nos manuais de economia. Lei da qual decorre a tendência para a queda das taxas de lucro demonstrativa do limite do sistema e da sua principal contradição, entre uma crescente socialização da produção e apropriação privada das condições de produção. Esta é a causa da crise sistémica em que nos encontramos.
Para pôr a satisfação das necessidades humanas como a principal prioridade da organização económica, do trabalho social de uma sociedade, a questão da propriedade e da apropriação privada das condições de produção tem de ser posta em causa, ou seja, pôr em causa a relação social (de exploração) que o capital corporiza. Qualquer outro caminho será sempre uma «fuga para a frente», que conjunturalmente poderá apresentar uma «saída», mas não resolverá os limites e as contradições internas no sistema. Este é o limite do reformismo.
O Japão encontra-se há vinte anos mergulhado numa depressão de crescimento da qual não encontra saída, preso entre a estagnação e a deflação. Este microcosmos do sistema capitalista dá-nos uma imagem de um sistema preso numa crise de rentabilidade para qual ainda não encontrou resposta, mas entre os riscos de derivas destrutivas do sistema e a certeza do aprofundamento da ofensiva de classe contra o trabalho torna-se cada vez mais urgente a tomada de consciência dos trabalhadores das causas profundas da crise e das desigualdades, da destruição ambiental e da barbárie que grassam a nível local e planetário. O sistema só será superado pela luta. Como sempre o resultado da história dependerá da luta de classes e na continuação da construção da alternativa que germina nos limites do sistema – o socialismo.
Notas
(1) Todos os valores apresentados no presente artigo correspondem a cálculos próprios efectuados a partir de valores extraídos da base de dados macroeconómicos AMECO da Comissão Europeia, que teve a última actualização em Novembro de 2009 com a publicação das previsões económicas de Outono.
(2) Krugman, Paul, «The return of depression economics and the crisis of 2008», Norton, 2009.
(3) Brenner, Robert, «The economics of global turbulence», Verso, 2006.