quarta-feira, 26 de maio de 2010

Farinha do mesmo saco???

Antonio Palocci agora escreve na Folha


O jornal da ditabranda -

Cristovão Feil - Diario Gauche

A Folha-ditabranda se reformulou graficamente. Mas o conteúdo continua o mesmo. Um jornal de direita. A serviço da direita brasileira. Agora faz a linha jornal-moderninho, mas durante a ditadura fornecia bens e serviços à repressão, como por exemplo veículos da sua frota de entrega para fazer serviço-sujo na Operação Bandeirantes (Oban), que prendeu, arrebentou, sequestrou, desapareceu, torturou e assassinou.

Quem está escrevendo na Folha, agora, é o ex-ministro Antonio Palocci (foto). A direita do PT. Um homem dos bancos no coração da República, junto com Henrique Meirelles. Quer ser ministro, caso Dilma Rousseff vença as eleições. Tem muita chance de ser ministro, de fato. Enquanto isso, é apresentado como garantidor (tácito) de que o futuro governo Dilma não vá resvalar para o chavismo.

A rigor, Palocci está lá para garantir que cerca de um terço do orçamento federal seja destinado ao pagamento de juros, ou seja, maneira indireta (e legal) de escoar dinheiro público para os bancos, rentistas, especuladores - os parasitas de sempre. Pior: dinheiro que falta na saúde, na educação, no transporte urbano, na agricultura familiar, na reforma agrária, no incentivo às novas tecnologias, no financiamento da casa própria (deficit de 8 milhões de moradias), etcetera.

A Folha concorda com isso, por isso convidou Antonio Palocci para escrever semanalmente. Eles se entendem.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Poesia revolucionária...

Não cultives a fraqueza

Vive o fraco na fraqueza
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.

Não cultives a fraqueza,
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.

Educa a tua vontade
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.

Se queres o mundo melhor
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.

Francisco Miguel Duarte,
Poeta popular nascido no Alentejo,
Operário sapateiro, filho de camponeses

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Belo exemplo de Administração Pública...

TV Pernambuco radicaliza conceito de TV Pública

Em Pernambuco escreve-se hoje uma página inédita da história da TV brasileira. Pela primeira vez no Brasil uma TV pública está sendo reconstruída de baixo para cima. Trata-se da TV Pernambuco entregue pelo governador Eduardo Campos ao movimento social, comprometido com a democratização da comunicação.

Atenção historiadores da TV brasileira: em Pernambuco escreve-se hoje uma página inédita dessa história. Pela primeira vez no Brasil uma TV pública está sendo reconstruída de baixo para cima. Trata-se da TV Pernambuco, criada pelo governo do Estado em 1984, tendo tornado-se durante os governos pós-ditadura de Miguel Arraes (1987-1990 e 1995-1999) um importante veículo de informação e entretenimento regional, com significativa audiência. Abandonada na gestão Jarbas Vasconcelos (1999-2006), foi entregue em março deste ano pelo governador Eduardo Campos ao movimento social, comprometido com a
democratização da comunicação, para conduzi-la.

Na tarde da quarta-feira, 19/5, cerca de 150 pessoas participaram de um encontro organizado pela nova direção da emissora para discutir a sua forma de gestão. Produtores, artistas, professores, estudantes, jornalistas e telespectadores em geral, reunidos no auditório do Porto Digital, no Recife Antigo, puderam dar livremente as suas opiniões de como a TV Pernambuco deve se organizar para se tornar efetivamente pública.

Dois encontros anteriores discutiram as finalidades de uma televisão pública e as novas tecnologias. O resultado desses debates será sintetizado em documento a ser entregue ao governador, no começo de junho, como proposta da sociedade para a reconstrução da TV. Nessa tarefa, a diretoria é assessorada por um grupo de trabalho composto por nomes reconhecidamente comprometidos com a comunicação democrática, como Ivan Moraes Filho e Eduardo Homem, por exemplo.

Mas a mudança já começou. O novo presidente da TV é o apresentador e produtor cultural Roger de Renor, que de burocrata não tem nada.

Brincando, mas revelando o tipo de gestão que começa a ser feita, diz que os primeiros novos departamentos por ele inaugurados foram os "do bom dia, boa tarde, boa noite; o do por favor e o do muito obrigado". Pode haver coisa melhor, num meio marcado pelo egocentrismo e pelo autoritarismo?

Na música Macô, o falecido Chico Science pergunta ?Cadê Roger,
Cadê Roger, Cadê Roger, Ô?? Se pudesse ouvir diríamos ao Chico que
agora ele está na TV Pernambuco e que até há alguns meses apresentava
um excelente musical na TV Brasil chamado "Som na Rural", com estúdio
móvel instalado numa antiga Rural Willys.

Mas além de pessoas como Roger e o seu competente diretor jurídico Adriano Araujo na direção da emissora, o governador colocou também dinheiro. Dois milhões e quatrocentos mil reais foram liberados para melhorar o sinal da TV, hoje precário em parte do Estado e principalmente no grande Recife. Na capital, nas regiões em que é possível sintonizá-la, a TV Pernambuco pode ser assistida no canal 46 (UHF). Até o governo Jarbas era possível ver a TV estatal em VHF, no canal 9, ao lado das grandes redes comerciais. Mas a concessão foi perdida e ocupada, rapidamente, pela Bandeirantes.

O desafio agora é afinar as propostas no sentido de que a
ousadia do governo atual não seja derrotada por governos futuros. Daí
a importância dos debates que estão sendo realizados no Recife. Deles
deve sair um projeto capaz de garantir o financiamento constante da
emissora, imune aos humores dos governos "do dia" e uma forma de
gestão que permita a maior independência possível em relação a esses
mesmos governos.

Que possibilite também a criação de barreiras para conter as investidas dos setores mais conservadores da sociedade, sempre prontos a detonar tudo aquilo que não conseguem controlar de forma privada. Por isso, o conselho gestor antes de ser um controlador da empresa, deve ser o seu defensor diante das ofensivas reacionárias.

No entanto, mesmo com tudo aprovado oficialmente, a prática efetiva só será possível se a sociedade tiver clareza de que a emissora lhe pertence. Para tanto são necessários canais amplos de participação na gestão, acompanhados de um programação na qual o telespectador perceba que está recebendo um serviço público de radiodifusão de alta qualidade que, de alguma forma, contribui para melhorar a sua vida.

Os passos dados até agora vão nessa direção. E mesmo sofrendo algum
percalço, já são suficientes para entrar na história da televisão brasileira. Daqui para frente servirão de modelo para qualquer outra construção participativa de um meio de comunicação de massa que vier a ser feita em nosso país.

*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

VEJA no esgoto.....

Mobilização contra a Veja e em defesa dos povos indígenas




ABA avalia se irá processar a Veja por ataques baixos contra povos indígenas e antropólogos/as

A recente matéria da revista Veja intitulada "Farra da Antropologia Oportunista" vem despertando reações veementes de condenação da prática de jornalismo descaradamente mentiroso, racista e atrelado ao lobbie dos capitalistas em conflito com povos indígenas. Em nota pública assinada pelo Prof. João Pacheco de Oliveira da UFRJ e coordenador Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia, a CAI-ABA demonstra com evidências documentais que o artigo da Veja não é um fato isolado, mas parte de uma prática sistemática de deslegitimação das reivindicações dos povos indígenas que estão em conflito com interesses corporativos e do agronegócio, valendo-se para tanto de mentiras, argumentos superficiais e caluniosos, difamação de lideranças indígenas, do CIMI e de antropólogos, e uso manipulado de frases às vezes fora de contexto e em outras claramente forjadas de profissionais. A Comissão de Assuntos Indígenas revela que o presidente da Associação Brasileira de Antropologia já acionou os seus assessores jurídicos para avaliar a possibilidade de responsabilizar juridicamente os responsáveis.
"Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para, através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."


A Igreja Católica em defesa dos grandes empresários.....

Igreja afasta Frei Gilvander por enfrentar a Vale e interesses empresariais
 
Conhecido na região do Planalto, em Belo Horizonte (MG), pelo apoio aos movimentos que lutam por reforma agrária, o Frei Gilvander Luis Moreira assumirá a Reitoria de um seminário carmelita e deixará de ser Pároco da Igreja do Carmo. A transferência deverá ser oficializada na próxima semana. Segundo o Frei, seu afastamento está relacionado às criticas feitas por ele contra a mineradora MDR, comandada pela Vale.
 
O frei também revela que seu afastamento é resultado do enfrentamento às multinacionais. Segundo informa, essa postura teve início em 1984, quando ele iniciou uma campanha para a construção de cisternas na região do semi-árido brasileiro. As ações se intensificaram em 2008, quando assumiu a direção paroquial.
 
"Assumimos a proposta concreta de lutar pela preservação dos mananciais de Capão Xavier e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Aí, tivemos que entrar duro numa luta contra a mineradora MDR, que atualmente pertence a Vale. A partir daí, surgiram perseguições e ameaças de morte. Incomodamos muita gente entre os poderosos."
 
Segundo Frei Gilvander, a Paróquia enfrentou problemas financeiros porque muitos deixaram de contribuir com o dízimo, devido à sua aproximação com os movimentos sociais.
 
"Começamos a perceber que pessoas de classe média alta e empresários que participam da Paróquia foram gradativamente demonstrando um descontentamento em relação a nossa postura em defesa dos pobres como sujeitos e protagonistas de suas lutas. Foi então que recebemos a notícia de que o Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira, havia enviado uma carta ao Vaticano, exigindo mudanças na Paróquia."
 
De acordo com Frei Gilvander, caso seja confirmada a decisão do Conselho Provincial, a transferência se dará no dia 31 de maio.
 
Por Jorge Américo, Radioagência NP. www.correiocidadania.com.br

Serra e a eleição...

Serra e a morte de Deus: uma candidatura perdida nas adversidades

José Serra precisa de ajuda. Não basta aquela que lhe é oferecida por uma mídia favorável. É necessário que alguém reavive seu senso de oportunidade. Um dos males que costumava atacar com muita frequência o brasileiro, principalmente aquele que vivia de salário (a maioria, portanto) consistia na tendência de ser enganado com facilidade.


Por Gilson Caroni Filho, na Carta Maior

Faz cerca de oito anos que o PSDB deixou o governo e ainda não se deu conta de que a percepção da realidade mudou. Jogar palavras ao vento, com fez o pré-candidato tucano para uma plateia de militantes (?) do PPS, é um exercício arriscado, uma manifestação que mescla soberba e desespero em dosagem tão hilariante quanto assustadora. Mas nada disso nos permite duvidar de sua capacidade e argúcia analítica. Afinal, como diz o slogan de campanha dos tucanos: "O Brasil pode mais". Resta saber o quê. E para quem.

Ao afirmar, em uma tentativa de crítica à política econômica do governo Lula que "nós estamos voltando rapidamente a um modelo que não atende à demanda de emprego que o país possui", o ex-governador paulista aposta no total alheamento do eleitor brasileiro. Tamanha credulidade espanta, tendo em vista que o mundo do trabalho — a principal vítima do modelo neoliberal orquestrado pelo tucanato — aprendeu direitinho, na própria pele, o que significou o mercado desregulado como chave para o crescimento econômico e as virtudes do “Estado musculoso", elementos centrais no discurso serrista.

A afirmação sobre empregos não é piada, nem brincadeira de um notívago diletante, mas desespero de um candidato que, em face de uma conjuntura que lhe é totalmente adversa, tem que produzir discursos a todo e qualquer custo. E de Serra, pode-se afirmar várias coisas, menos a de não ser um ator político que sabe o que faz. Sua eventual perdição, entretanto, antes de ser festejada pelas forças progressistas, deve causar desconfiança e vigilância redobrada. Pois é inevitável que os ânimos se acirrem em seus dois principais pólos de apoio: a mídia corporativa e o Poder Judiciário.

Mas a comparação suscitada por suas declarações é inevitável. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o número de vagas criadas no mercado de trabalho bateu recorde no primeiro trimestre de 2010, com um saldo acumulado até março somando 657.259 empregos. Convém retornar no tempo e observar como se comportava a economia brasileira quando o pré-candidato tucano era ministro do Planejamento e Orçamento do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

O desemprego na indústria atingia 5,7% em 1997 em relação a 1996, resultado fortemente influenciado pela taxa de dezembro, quando a queda foi de 2,6% em relação a novembro, a pior desde dezembro de 1990, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para se ter uma ideia do tamanho da retração nos empregos, os dados do instituto mostravam uma queda anualizada de 7,3%. Quando Serra pôde mais, o trabalhador pôde menos.

Até então, o governo FHC registrava um desemprego industrial de 19,77%. Mas o “Brasil que não podia mais", aquele que os colunistas econômicos tanto enaltecem, vivia um amargo processo de ajuste, acentuado em 1996, com a atividade econômica represada e a queda no emprego apresentando taxas expressivas. Ao contrário do que afirma Serra foi sob a batuta tucana que “o Brasil adotou uma política econômica desastrosa."

Mas o discurso do tucano foi além, mirando também o campo da ética, com críticas a supostas práticas de corrupção no governo petista. Como fazem as vestais tucanas, destampou um poço de demônios para sentenciar: "Se aquele que era o guardião da moral, da ética, do antipatrimonialismo toma outro rumo, o rumo oposto, para muita gente Deus morreu". Que metafísica, o ex-governador paulista quer superar com essa alusão a Nietzsche?

Decerto não deve ser a do governo ao qual serviu em dois ministérios. Fernando Henrique não teve escrúpulos de usar métodos condenáveis para evitar investigação da banda podre da administração federal. A retirada de assinaturas para esvaziar a criação da CPI da Corrupção, em 2001, é um belo exemplo. O arrastão de favores para livrar o governo de qualquer constrangimento ficou como um dos mais baixos momentos de um presidente eleito e reeleito pela ansiedade ética na vida brasileira.

Fernando Henrique liberou por bravata os parlamentares de sua base política para subscrever a CPI e, na hora H, liberou verbas estocadas e fez nomeações para cargos públicos. Junto com ACM e José Roberto Arruda, FHC afrontou o sentimento ético da cidadania falando em “linchamento precipitado" quando sua posição anterior incentivava a punição exemplar e imediata. E onde estava José Serra em meio a tudo isso? No Ministério da Saúde, definindo a criação da CPI como uma “brincadeira”, "pretexto eleitoral", "instrumento para prejudicar a governabilidade”.

Em sua campanha, o tucano terá que se confrontar com questões sobre ética e economia. Mas com muita cautela, evitando o reaparecimento de fantasmas incômodos. Eles podem dizer que foi naquela época, e não hoje, que “para muita gente Deus morreu". Um deus imanente, amoral e, tal como os dirigentes aboletados no Estado, servil ao mercado que o pagou.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

domingo, 23 de maio de 2010

Israel fatura encima do genocidio em Gaza....

"Israel está fazendo muito dinheiro com a ocupação da Palestina", diz economista israelense

Os impactos de anos de ocupação israelense sobre a economia palestina na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e a nova onda de migração de trabalhadores da Ásia para substituir a mão-de-obra palestina, confinada nos territórios, são os principais temas abordados pelo economista israelense Shir Hever, membro do Alternative Information Center, nessa entrevista ao Opera Mundi.

Segundo o estudioso, mestre em História e Filosofia pelo Instituto Cohen, na Universidade de Tel Aviv, Israel tem controle inclusive sobre as doações internacionais. Independente da moeda que ingressa nos territórios (dólar, euro, libra etc), o montante precisa ser aplicado no Banco Central de Israel, e depois, convertido para o shekel, dando lucro para o Estado judeu.

Efe (11/05/2010)

Checkpoint em Ramallah: todas as manhãs, dezenas de palestinos buscam trabalho em
colônias judaicas na Cisjordânia

Shir, autor de uma série de estudos sobre os impactos da ocupação – todos disponíveis para download em www.alternativenews.org – vive na Jerusalém dividida não apenas pela ocupação militar e pela política, mas por ações sócio-econômicas que ampliam o abismo criado pelo desejo de fazer da cidade uma capital israelense. Jerusalém é hoje, sem dúvida, a capital da ocupação.

Ainda que estejam sob a autoridade palestina, na verdade vilas e cidades dependem de Israel. Como isso ocorre, a economia da ocupação alimentando Israel?
Na verdade, isso está  na raiz da ocupação, quando o governo israelense procurava pelas políticas corretas para lidar com esse novo território sob seu controle. Havia um debate de como tratá-lo. Basicamente havia aqueles que diziam que a ocupação seria temporária, que não poderíamos anexar o território com todas essas pessoas e perder uma maioria judaica. Assim, seria melhor não investir na economia palestina, pois iríamos perder tudo no momento em que devolvêssemos os territórios à Jordânia ou ao Egito. Esse era o grupo do sionismo pragmático. O grupo mais messiânico dizia que o sionismo é um movimento, em andamento, de redenção religiosa. Estávamos destinados a continuar crescendo. Então a ocupação era um momento de triunfo e, obviamente, jamais iríamos devolver a terra.

Leia também:
Israel face à sua história, por Eric Rouleau
Entrevista: pessimismo impera entre crianças de Gaza
Crise e falta de recursos comprometem ajuda da ONU a Gaza
Embargo de Israel impossibilita reconstrução de Gaza, afirma ONU

Esse debate político refletiu-se no projeto econômico. Eles estabeleceram um Comitê Econômico, chamado Comitê Bruno, que aconselhou a manutenção da separação entre o Estado de Israel e os Territórios Ocupados Palestinos. As recomendações foram imediatamente rejeitadas e o governo instalou um Comitê Ministerial, que aconselhou uma maior liberdade nas ações para que ganhássemos mais tempo. Isso previa permissão a palestinos para que trabalhassem em Israel, que israelenses pudessem ir aos tPos, em número restrito, e deixar que produtos fossem importados e exportados. Na realidade, a política realmente adotada nem foi essa, foi muito mais livre, quase não havia restrições. Israelenses que quisessem ir a Belém ou Ramallah primeiro precisavam de permissão, mas com o tempo nem isso mais era exigido. Mas havia uma política, que não estava escrita em nenhum lugar, mas todos sabiam a seu respeito, e que foi imposta de uma forma muito coerente: não permitir a palestinos desenvolver qualquer negócio local que pudesse concorrer com um setor israelense. Isso é importante destacar porque não se acha em documentos oficiais.

Isso ocorre até hoje ou após Oslo as coisas mudaram?
Não, depois de Oslo a situação tomou uma direção um pouco diferente. [Os acordos de paz Oslo foram mantidos entre Israel e o presidente da OLP, Yasser Arafat e mediados pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton]

Podemos dizer então que os palestinos estavam sob essa situação de não-desenvolvimento até Oslo?
Sim, pelo menos de uma forma direta. Hoje há muitas limitações em relação ao desenvolvimento, mas feitas de uma forma diferente. Até Oslo, a preocupação era limitar aos palestinos o uso de seus próprios fundos para criar desenvolvimento. O que acontecia era que se alguém quisesse investir numa empresa local, permissões para que trouxesse maquinários ou material bruto, ou ainda, para que tivesse acesso a instituições financeiras, eram negados.

Quais os termos, hoje, dessa ligação entre Israel e os territórios?
Se for a um mercado hoje nos territórios, quase todos os produtos estão em hebraico. Isso porque o caminhão com a placa israelense passa pelo posto de controle de forma fácil. É mais fácil enviar um caminhão de Haifa a Belém (uma viagem que dura cerca de 2h30) do que de Ramallah a Belém (viagem que poderia durar 30min). Há, por exemplo, uma fábrica de leite e derivados em Ramallah. Muitos palestinos veem na prateleira os produtos de Ramallah e os produtos da Novah, uma companhia israelense, e escolhem a Novah. É o mesmo preço, mas o produto israelense é mais fresco. Os palestinos sabem que os produtos de Ramallah ficaram no posto de controle por pelo menos um dia. Não esperam que seja de boa qualidade. Isso dá uma grande vantagem para as companhias israelenses. 
Efe (14/05/2010)

Ativistas de diretos humanos tentam evitar prisão de garoto palestino que havia jogado pedras contra
veículos militares de Israel, em Hebron


Outra questão importante é a grande quantidade de subsídios que os assentamentos ganham do governo israelense. Pagam menos taxas, conseguem grandes empréstimos de capital, terra barata e muitos serviços públicos que não podem ter dentro de Israel. Se um israelense quiser começar uma indústria dentro de uma área industrial de um assentamento, como Ma´ale Adumin ou Atarot, terá condições muito mais favoráveis do que se o fizesse em uma cidade industrial, como Ashdod.

Uma questão que parece de grande importância é o controle que Israel exerce pelo fato de os territórios usarem o shekel israelense, um controle de políticas monetárias...
Isso é muito importante. Se você é do Brasil, então entende que caso controle a moeda, isso te dá muito poder, sobre quando criar inflação ou quando combater a inflação. Mas o que é ainda mais importante é que todo o dinheiro de ajuda humanitária que chega aos palestinos vem em forma de moeda estrangeira, euros, dólares ou ienes. No entanto, para que possam ser usados na economia palestina, devem ser convertidos em shekels, que por sua vez são usados para pagar salários, produtos, impostos e taxas. Então o que acontece é que esses fundos de fora que vêm aos palestinos ficam no Banco Central israelense. Isso significa, em termos práticos, que Israel está fazendo muito dinheiro com a ocupação da Palestina.

Como exportando a ocupação?
De acordo com a lei humanitária internacional, como poder ocupante, o poder soberano dentro dos territórios é Israel. Se uma criança não tem o que comer ou se há um doente que precisa de atenção médica, é responsabilidade israelense como poder soberano ocupante. Mas agora temos uma situação em que a comunidade internacional está disposta a tomar o papel de Israel. Em Gaza, de 70% a 80% da população recebe a maioria de suas calorias através de ajuda. E mesmo os 20% restantes suplementam a alimentação com a ajuda humanitária. Gaza é a região mais dependente do mundo hoje.

Jerusalém era o centro de cultura, política e economia, junto com Jaffa antes de 1948. Projetos recentes, como o Muro, desligaram esse centro do resto da Cisjordânia. Que impacto isso tem na economia e vida dos palestinos?
Jerusalém ainda é a cidade com a maior renda per capita e com a maior receita entre as cidades palestinas, inclusive Ramallah. Pessoas vivendo em Jerusalém que acham emprego em Israel, e muitas delas trabalham em Jerusalém Oeste e servem israelenses no seu trabalho, ganham a média de renda israelense, que é muito maior do que o valor na Cisjordânia. Eles têm, portanto, uma renda per capita alta, mas quando fazem suas compras, pagam preços israelenses. Ainda que Jerusalém tenha média de valores de salário maior do que qualquer lugar em Gaza ou na Cisjordânia, de acordo com os padrões israelenses, mais de 70% dos palestinos estão abaixo da linha de pobreza. Então é a cidade mais rica se você a olha como uma cidade palestina, mas é a cidade mais pobre se você a olha como uma cidade israelense.

A única forma que as pessoas de Jerusalém Leste têm de sobreviver é o fato de poderem usar a habilidade de estar na fronteira, de ter um cartão de identidade azul especial, que os trata como residentes, mas não cidadãos israelenses. Isso lhes dá a possibilidade de se moverem dentro de Israel. Podem andar também dentro da Cisjordânia. Por causa disso, podem ir a Ramallah ou a Belém, comprar por preços mais baratos e depois ir a Jerusalém Oeste para ganhar algum dinheiro. E se eles precisam de um hospital, vão ao Augusta Victoria, um hospital dentro de Jerusalém Leste que lhes dá um tratamento mais barato. Se precisam de serviços de bem-estar social, vão à Jerusalém Oeste, pois estão dentro do sistema israelense de assistência social. Que fique claro: esse não é um sistema oficial. E não quer dizer que são ricos ou que sua média de qualidade de vida seja melhor do que a da elite de Ramallah.

Como o Muro afeta a vida dos palestinos em Jerusalém?
O que o Muro está fazendo é tornar difícil aos palestinos de Jerusalém Leste fazer esse jogo de sobrevivência. Agora, se quiserem ir fazer compras em Ramallah, têm que esperar no posto de controle por horas. Mesmo que passem, esperam por horas. Se quiserem ir ao hospital, têm que esperar. Se quiserem mandar os filhos à escola, há um problema dependendo de que lado do Muro estão. Eles tentam superar as dificuldades que o Muro traz, mas é possível ver como ele está destruindo o padrão de vida. Por exemplo, muitos palestinos estão mudando-se para o lado oeste do Muro para que continuem a ter acesso a seus trabalhos, escolas, à assistência social. Eu fiz um estudo sobre os impactos econômicos do Muro na vida dos palestinos de Jerusalém Leste especificamente e estimei os custos, por danos, em 200 milhões de dólares por ano. 
Efe (14/05/2010)

Manifestação em Ramallah pelo aniversário de fundação de Israel, data denominada "Nakba" - o desastre - pelos palestinos

Uma outra questão  é a substituição da mão-de-obra palestina dentro de Israel. Como isso ocorreu e as consequências até  hoje?
Em 1991, tivemos o primeiro fechamento da Cisjordânia por causa da guerra do Iraque. Muitos palestinos apoiavam Saddam Hussein, então Israel os puniu por sua posição política. Oslo começa logo em seguida, em 1994, e (Shimon) Peres, na equipe de negociação, pensava que podia usar os palestinos como trabalho barato, usá-los em um modelo neocolonial de exploração. Mas no meio das negociações, (Ytzhak) Rabin, o primeiro-ministro, interveio e disse ‘não gosto nem um pouco dessa direção. Quero separação’. E ele substituiu o negociador do lado israelense, removeu o homem de negócios e trouxe generais para centrar em questões de segurança. Então falavam de fechamento o tempo todo, o que é uma violação dos Acordos de Paris (1973), assinados entre Israel e os palestinos. Isso provocou uma grande separação entre o mercado israelense e a mão-de-obra palestina.

É importante entender que o setor de construção israelense veio a ficar extremamente dependente da mão-de-obra barata palestina. Em Israel, pensavam ‘por que comprar máquinas quando gasto menos com mão-de-obra?’. Havia um sistema de trabalho barato na construção e na agricultura. Quando o fechamento veio, empresas começaram a fazer lobby no governo, dizendo ‘precisamos de mais trabalhadores baratos, o que vocês vão fazer?’. O governo então deu permissões para que importassem trabalhadores migrantes de países não-árabes e não-muçulmanos. Mas o problema é que nem o governo e nem os chefes das empresas queriam pagar o custo da vinda desses trabalhadores das Filipinas ou da Tailândia. O que eles fazem é deduzir do salário do trabalhador o valor gasto com a vinda. Isso acontece até hoje. Esses trabalhadores chegam a Israel e em um primeiro momento, que pode levar meses, trabalham para o dono e não ganham qualquer dinheiro.

Não há  qualquer direito para eles?
Não, muito poucos. O que aconteceu em certo momento é que a prefeitura de Tel Aviv organizou um sistema de assistência social de emergência. Fizeram isso porque de outra forma haveria uma crise. Na verdade, oficialmente, eles têm direitos. Mas ninguém os informa deles, muito menos seus empregadores. Pode até ser que depois de algum tempo ele tome contato com organizações de direitos humanos ou de trabalhadores, mas depois desse ponto, em que ele já pagou o que “devia” a seu empregador pelo custo de sua vinda, ele é despedido. O dono da empresa traz um outro trabalhador com a mesma permissão dada pelo governo de Israel. Aquele que foi demitido permanece em Israel ilegalmente, pois quer ganhar dinheiro, ajudar suas famílias. Então temos a seguinte situação: o máximo de trabalhadores palestinos permitidos dentro de Israel é de 120 mil. Agora, por esse sistema, temos cerca de 300 mil trabalhadores imigrantes de fora. Hoje, são menos, pois a polícia os deporta. Mas o auge foi em 2002.

Quando Sharon virou o primeiro-ministro e Netanyahu o ministro das Finanças, começaram a se livrar deles. O que a polícia está fazendo é ir a lojas durante o Natal. Se vê que há uma pessoa comprando enfeites, pede documentos ou se vê alguém negro ou pessoa com aparência asiática do leste, também. É triste ir ao sul de Tel Aviv e ver que durante no final do ano as pessoas ficam com medo de entrar nas lojas e celebrar o Natal, pois vão se expor.


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O Brasil e a crise na Grecia....

Governo Lula e banqueiros brasileiros contribuem para a espoliação do povo grego

por Renato Nucci Junior [*]
O 'Pacto de estabilidade grego'. Cartoon de Latuff. O povo grego tem protagonizado, nas últimas semanas, uma luta heróica contra as medidas aprovadas a toque de caixa por seu parlamento, dirigido pelos social-democratas do PASOK, para receber ajuda financeira internacional que retire o país da crise. As exigências impostas pela União Européia e o FMI para que a Grécia tenha acesso ao pacote de "ajuda" da ordem de 110 mil milhões de euros são duríssimas e quem pagará a conta é o povo grego. Elas incluem a redução dos salários, corte nas aposentadorias, ataque aos serviços públicos, aumento dos impostos e a retirada de direitos sociais e trabalhistas.

Esse imenso volume de recursos servirá para que o governo grego faça frente ao pagamento de sua dívida, de mais de 270 mil milhões de euros, cerca de 115% do seu PIB. O dinheiro que se pretende emprestar à Grécia servirá para a mesma cumprir suas obrigações com os especuladores e credores de títulos de sua dívida pública, que levaram o país à falência. Em suma, sacrifica-se o povo grego, com um corte de 30 mil milhões de euros em seus gastos públicos até 2012, para que meia dúzia de ricaços tenham os seus lucros garantidos. É contra essa tentativa de fazê-los pagar pela crise que os trabalhadores gregos, com destacado papel dos comunistas, tem se mobilizado. Só nesse ano foram sete greves gerais com ampla adesão de massa.

O temor de que a crise grega se alastre e torne ainda mais demorada a recuperação econômica mundial, tem mobilizado os esforços das principais potências capitalistas. A União Européia aprovou um pacote de ajuda de 750 mil milhões de euros, o equivalente à metade do PIB brasileiro. O próprio FMI disponibilizará cerca de 250 mil milhões. Tudo em nome da manutenção de um modelo econômico cuja fatura, em termos de ajuste das contas públicas, implicará em novos ataques aos direitos dos trabalhadores em todo o mundo.

O Brasil também participa desse esforço mundial para conter a crise grega. O governo Lula anunciou na última sexta-feira, 7 de maio, que fará um aporte de 286 milhões de dólares ao FMI para ajudar a debelar a crise. Esse volume de recursos não representa sequer 1% do total de recursos do Fundo destinados à Grécia, de 30 mil milhões de euros. Trata-se de um aporte pequeno se comparado ao volume total. Porém, o que mais importa não é o tamanho da contribuição, mas o gesto em si.

O aporte ao FMI mais uma vez sinaliza o compromisso do governo Lula com a manutenção de um modelo econômico, baseado na lógica financista e especulativa. Motivado por essa lógica, a intenção do governo nesse aporte de recursos serve tanto para manter o bom funcionamento do capitalismo, como também salvar os interesses dos bancos privados brasileiros. Questionado se o Brasil teria títulos da dívida grega, o ministro da Fazenda, Guido Mantega declarou "que alguns bancos privados brasileiros podem ter esses papéis, mas em um percentual baixo" ( Folha de São Paulo, 08/05/2010).

Independente do percentual que os bancos brasileiros possuem de títulos da dívida grega, reafirmamos que o mais importante é o gesto em si. E novamente, com tal gesto, o governo Lula, como faz desde o seu primeiro mandato, não confronta os interesses dos banqueiros brasileiros, cujos lucros em 2009, mesmo com a crise econômica, foram de R$ 23 mil milhões, 26% a mais do que no ano anterior. Um lucro obtido na base de juros extorsivos, de taxas de serviços abusivas e de uma exploração brutal sobre os bancários. Como a espoliação do povo brasileiro não é suficiente para ampliar a acumulação de capital, os banqueiros tupiniquins alçam vôos maiores e se lançam ao mundo, explorando oportunidades abertas em outros países. Contam nessa empreitada com o apoio do governo Lula, cujo aporte de recursos ao FMI no caso da crise grega, destina-se a salvar os seus preciosos lucros. E como sempre ocorre, o recurso para esse aporte virá dos cofres públicos, mais uma vez usados para atender grandes interesses privados nacionais. É assim que os banqueiros brasileiros e o governo Lula, não satisfeitos em explorar o povo brasileiro, agora contribuem na espoliação do povo grego.

[*] Do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sábado, 22 de maio de 2010

O Irã...

O Irã que eu conheci
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Por Sonia Bonzi* no NOVAE

Depois de ter morado no Irã, minha maneira de ver o mundo mudou bastante. Não acredito em mais nada do que diz a grande mídia.
Quando soube que ia morar em Teerã senti um certo medo, mas aceitei o desafio. Comecei uma busca voraz por informações sobre o país, a cidade, a história, o povo. Depois de tudo que li, decidi que viveria em casa, reclusa, lendo, escrevendo, fazendo crochet, inventando moda...
Parti de Londres pronta para o sacrifício. Teria que conviver com os xiitas radicais, terroristas cruéis, apedrejadores de mulheres, exterminadores de homossexuais, homens-bomba, mulheres oprimidas, cobertas com véus...
Eu estava submetida às leis locais e me seria vedado mostrar cabelos, pernas e braços. Ficar em casa era o que mais me atraia. Vestir um chador para sair me parecia um pouco demais. A caminho de Teerã eu depositava o sucesso da minha estadia nos jardins da casa onde fui morar. Ter aquele espaço me bastaria.
Logo ao sair do aeroporto comecei a ter uma imagem diferente de tudo aquilo que eu tinha lido. Tudo tão bonito, belas estradas, muita luz, viadutos com mosaicos, jardins bem cuidados, gente vendendo flores nos sinais, um engarrafamento sem buzinas, pedestres poderosos cruzando entre os carros, rapaziada de cabelo espetado, mocinhos com camisetas apertadinhas, moças lindas, super produzidas e também muitas mulheres de chador. Parques cheios de gente. Muita criança. Muito pic nic.
Dizem que a primeira impressão é a que vale. Gostei da chegada. Não tive medo. Não vi tanques, cadafalsos, escoltas armadas... Gostei das caras, das montanhas, das casas, das árvores, dos muros, do alfabeto que me tornava analfabeta.
Logo no segundo dia eu já tinha entendido que minha leitura sobre o cotidiano não tinha nada de realidade. Eu não precisava usar chador. Podia sair vestida com uma calça comprida, um camisão de mangas compridas e um lenço na cabeça. Senti-me nos anos 70, quando eu não dispensava um lencinho.
Deixei o jardim de casa e fui conhecer Teerã.
A imprensa e os meios de comunicação do ocidente me deixavam confusa. O que eu lia e ouvia não correspondi ao que eu vivia e via.
Encontro um povo é acolhedor, educado, culto, simpático, que gosta de fazer amigos, que abre as portas de casa para os estrangeiros, gosta de música, de dança, de declamar poesia... Não encontrei os problemas de abastecimento que me informaram haveria. Comprava-se de tudo, inclusive uísque e vodka. Bastava um telefonema.
Os temíveis homens-bomba nunca passaram por lá. Ninguém se explodia. Foi horrível constatar que enforcamentos aconteciam de vez em quando. Apedrejamento de mulher adúltera já não acontecia há 14 anos.
Fiquei amiga de muitos gays, fiz e fui a festas espetaculares, tomei vinho feito em casa, viajei sem escoltas pelo país, visitei amigos em suas casas de campo, de praia, de montanha...
Apaixonei-me pela culinária refinadíssima, morro de saudades das nozes, pistaches, castanhas, avelãs, frutas secas. Não me esqueço dos pães, do iogurte, do suco de romã puro ou com vodka...
Conheci a Pérsia profunda: lagos salgados, desertos salgados, as antigas capitais, segui a "rota da seda", dormi em caravanserais... Sempre assessorada por amigos locais.
Não conheci um iraniano, de nenhuma classe social, que fosse favorável ao regime teocrático instalado no país. Só uma coisa aproxima o povo do governo: o direito à tecnologia nuclear.
A pressão do ocidente fortalece e radicaliza os aiatolás. O povo do Irã não aceita esta interferência mundial. Quem são os ocidentais para dizer a eles o que fazer? Eles não vem o ocidente como um modelo a ser seguido. Eles não acreditam nos governos que já apoiaram Sadam Hussein numa guerra contra eles. Eles não tem razão para acreditar nas grandes potências. Isto incomoda. Melhor demonizá-los. Eles são acusados de não cumprirem acordos. Quem os acusa também não cumpre.
O domínio da tecnologia nuclear é considerado pelo povo do Irã como um direito deles, que sempre tiveram grandes cientistas, que sempre valorizaram o conhecimento, a medicina de ponta, que querem vender energia nuclear..
O povo iraniano não começa uma guerra há mais de 200 anos. Eles não são belicosos. São diferentes de seus vizinhos. A instabilidade no Oriente Médio não é causada pelo Irã. Apesar da força que a imprensa, os governos, as corporações fazem para denegrir a imagem do Irã, eu confesso que o Irã que eu conheci não é o que é descrito pela mídia ocidental.
Não há favelas em Teerã, não há miseráveis pelas ruas. Minorias tem seus representantes no Congresso, judeus tem seus negócios, suas sinagogas, zoroastrianos tem acesa a chama em seus templos. A família é uma instituição valorizada. Refugiados palestinos e iraquianos são mantidos pelo governo e pelo povo iraniano, que lhes oferece abrigo, alimento e escolas...
Não acredito que ameaças e o uso da força possam melhorar a situação na região. Os iranianos não são os iraquianos. Ser mártir para defender a religião ou a pátria é motivo de júbilo até para as mães.
A negociação, o respeito, a falta de arrogância, as informações corretas são as armas para defender a estabilidade no mundo. Pena que muitos interesses financeiros estejam acima dos sonhos de bem-estar e paz.

*A escritora Sonia Bonzi é uma das mais antigas colaboradoras da NovaE, escrevendo do Irã e de vários países do mundo

Lula e a politica externa brasileira....

De como exercer a ousadia moral

Por Mauro Santayana no JB on line

Velha teoria explica as guerras generalizadas como inevitável irritação da História: as situações envelhecem e se tornam insuportáveis, para estourar nos conflitos sangrentos. Alguns as veem como autorregeneração do mundo, ao contribuir para o equilíbrio demográfico. Outros a atribuem à centelha diabólica que dorme no coração dos homens e incendeia o ódio coletivo. O mundo finará sem que entendamos a fisiologia do absurdo. Para os humanistas, são repugnantes os massacres coletivos tanto como os assassinatos singulares.

De qualquer forma, a História tem como eixo a tensão permanente entre guerra e paz; entre a competição e o entendimento; entre o egoísmo que se multiplica no racismo e a solidariedade internacional. Uma coisa é inegável: quando os mais fortes querem, não lhes faltam argumentos trôpegos para justificar a agressão. La Fontaine soube reduzir esse comportamento no diálogo entre o lobo e o cordeiro. Quando o lobo quer, os filhos são responsáveis por falsas culpas dos pais e as águas sobem os rios.

É interessante registrar, no episódio da questão do Irã, algumas dúvidas que assaltam o homem comum. A primeira delas – e devo essa observação a um amigo – é a do direito de os possuidores das armas atômicas decidirem quem pode e quem não pode desenvolver a tecnologia nuclear. Mais ainda, quando o árbitro maior é o governo do país que a usou criminosamente, ao arrasar, sem nenhuma razão tática ou estratégica, duas cidades inteiras e indefesas do Japão. Reduzidas as dimensões do absurdo, podemos aceitar como lícitas as associações criminosas, como as dos narcotraficantes dos morros. Possuidores de bom armamento, impõem sua lei às comunidades e constroem sua própria legislação, cobram tributos e exigem obediência, sob a ameaça dos fuzis e da tortura. Chegaremos assim a uma sociologia política, abonada indiretamente por Weber e outros, que admite todo poder de facto, sem discutir sua legitimidade ética.

O momento histórico é de grande oportunidade para a Humanidade – e de grande perigo, também. A República dos Estados Unidos é um lobo ferido em suas entranhas. Por mais disfarcem o choque, a eleição de Barack Hussein Obama lanhou as glândulas da tradição conservadora da Nova Inglaterra. A águia encolheu suas asas. A maioria dos estados e, neles, a maioria dos eleitores, decidiu por um homem mestiço, filho de pai negro e mãe branca, nascido em uma colônia dissimulada em estado, o Havaí; e que passou o período mais importante da formação, o da adolescência, na Ásia: na Indonésia muçulmana e no arquipélago em que nasceu.

No inconsciente coletivo, os Estados Unidos já sentem a decadência, que se acelerou com o neoliberalismo. Eles poderão administrá-la com inteligência, integrando-se em uma Humanidade que necessita, com urgência, de novos parâmetros e de nova tecnologia, capazes de preservar a natureza, hoje em acelerada erosão, ou entrar em desespero. Se entrarem em desespero, conduzirão o mundo a nova guerra, mas isso não parece provável, diante da crescente consciência antibélica de seu povo.

Por enquanto os falcões parecem contar com a Europa e com a China, no caso do Irã. Mas não há, nos horizontes movediços de hoje, país suficientemente forte, capaz de impor-se aos demais. A Europa desce a ladeira, com sua bolsa de euros de barro, e a União Europeia se encontra ameaçada de fragmentação. A China é uma nebulosa impenetrável. O capitalismo financeiro descolou-se de qualquer compromisso ético, se é que o teve um dia. O sistema se torna mais selvagem quando se vale dos instrumentos tecnológicos de operação universal e instantânea.

É nesse momento que a presença do Brasil começa a impor-se no cenário internacional. Não temos armas atômicas, não dispomos de exércitos numerosos e bem equipados, mas somos chamados a manter o bom-senso, e manter o bom-senso é exercer a ousadia moral.

Digam o que disserem os quislings domésticos, o Brasil ganhou o respeito do mundo ao buscar a paz no Oriente Médio. Se contribuirmos para evitar o conflito, nosso será o mérito; se não houver o êxito, fica, na História, o testemunho de um esforço destemido e honrado – e não menos meritório.