sexta-feira, 28 de maio de 2010

O candidato certo para a direita entreguista brasileira...

A direita, enfim, achou o seu candidato


Depois do Mercosul, o novo alvo de Serra é a Bolívia. Para azar do pré-candidato tucano e sorte do Brasil e do mundo, a era Bush chegou ao fim. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisá-lo das mudanças que estão em curso no mundo. Mas se o ex-governador de São Paulo decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido ele lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.

Editorial – Carta Maior

“A questão”, ponderou Alice, “é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas diferentes”.
“A questão”, replicou Humpty Dumpty, “é saber quem é que manda. É só isso”.
Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas (cap.6).

As declarações do ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, acusando o governo boliviano de ser “cúmplice de traficantes”, além de levianas e irresponsáveis, podem acabar se voltando contra o próprio autor. Pela lógica da argumentação de Serra, não seria possível a exportação de cocaína a partir da Bolívia sem a conivência e/ou participação das autoridades daquele país. Bem, se é assim, alguém poderia dizer também que Serra é cúmplice do PCC (Primeiro Comando da Capital), da violência e do tráfico de drogas em São Paulo. “Você acha que toda violência e tráfico de drogas em São Paulo seria possível se o governo de lá não fosse cúmplice?” – poderia perguntar alguém, parafraseando Serra.
Neste mesmo contexto, cabe lembrar ainda as declarações do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, preso em 2007 no Brasil, que, em um depoimento à Justiça Federal em São Paulo, disse: “Para acabar com o tráfico de drogas em São Paulo, basta fechar o Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos)”. As denúncias de um traficante valem o que ele vale. Neste caso valeram, ao menos, o interesse da Justiça Federal em investigar a possibilidade de ligação entre o tráfico de drogas e a corrupção policial, possibilidade esta que parece não habitar o horizonte de Serra. O pré-candidato foi governador de São Paulo, mas afirma não ter nada a ver com isso. A culpa é da Bolívia.
Há método na aparente loucura do pré-candidato do PSDB. O fato de ter repetido as acusações levianas contra o governo de um país vizinho – e amigo, sim – do Brasil mostra que Serra acredita que pode ganhar votos com elas. Trata-se de um comportamento que revela traços interessantes da personalidade do pré-candidato e da estratégia de sua candidatura. Em primeiro lugar, mostra uma curiosa seletividade geográfica: em sua diatribe contra governos latino-americanos, Serra esqueceu de acusar a Colômbia como “cúmplice do narcotráfico”. Esquecimento, na verdade, que expõe mais ainda o caráter leviano da estratégia. Trata-se, simplesmente, de atacar governos considerados “amigos” do governo brasileiro.
Em segundo lugar, mostra uma postura irresponsável do pré-candidato, tomando a palavra aí em seu sentido literal, a saber, aquele que não responde por seus atos. Antes de apontar o dedo acusador para o governo de um país vizinho, Serra poderia visitar algumas ruas localizadas no centro velho de São Paulo que foram tomadas por traficantes e dependentes de drogas. Serra já ouviu falar da Cracolândia? Junto com a administração Kassab, um governo amigo como gosta de dizer, fez alguma coisa para resolver o problema? Imagine, Sr. Serra, 200 pessoas sob o efeito do crack gritando sob a sua janela, numa madrugada interminável … Surreal? Na Cracolância é normal. E isso ocorre na sua cidade, não na Bolívia. Ocorre na capital do Estado onde o senhor foi eleito para governar e trabalhar para resolver, entre outros, esse tipo de problema. Mas é mais fácil, claro, acusar outro país pelo problema, ainda mais se esse outro país for governado por um índio.
E aí aparece o terceiro e mais perverso traço da estratégia de Serra: um racismo mal dissimulado. Quem decide apostar na estratégia do vale-tudo para ganhar um voto não hesita em dialogar com toda sorte de preconceito existente em nossa sociedade. Acusar o governo de Evo Morales de ser cúmplice do tráfico, além de ignorar criminosamente os esforços feitos atualmente pelo governo boliviano para combater o tráfico, aposta na força do preconceito contra Evo Morales, que já se manifestou várias vezes na imprensa brasileira por ocasião das disputas envolvendo o gás boliviano. Apostando neste imaginário perverso, acusar um índio boliviano de ser cúmplice do tráfico de drogas parece ser “mais negócio” do que acusar um branco de classe média que sabe usar boas gravatas. Alguém com Álvaro Uribe, por exemplo…
E, em quarto, mas não menos importante lugar, as declarações do pré-candidato tucano indicam um retrocesso de proporções gigantescas na política externa brasileira, caso fosse eleito presidente da República. Mais uma vez aqui, há método na loucura tucana. Não é por acaso que essas declarações surgem no exato momento em que o Brasil desponta como um ator de peso na política global, defendendo o caminho do diálogo e da negociação ao invés da via das armas, da destruição e da morte. Como assinala José Luís Fiori em artigo publicado nesta página:
A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França (…) O jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever – com perfeita lucidez – na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.
As últimas linhas do texto de Fiori resumem o que está por trás da estratégia de Serra de chamar o Mercosul de “farsa”, de acusar o governo da Bolívia de cumplicidade com o tráfico, de criticar a iniciativa do governo brasileiro em ajudar a evitar uma nova guerra no Oriente Médio. Curiosa e tristemente, essa estratégia, entre outros lamentáveis problemas, sofre de um atraso histórico dramático. Para azar de Serra e sorte do Brasil e do mundo, a doutrina Bush chegou ao fim. No dia 27 de maio, o governo dos EUA anunciou sua nova doutrina de segurança nacional que abandonou o conceito de “guerra preventiva” como elemento definidor da estratégia da política externa norte-americana. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisar ao pré-candidato tucano das
mudanças que estão em curso no mundo, especialmente do final da era Bush. Mas se ele decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.

Crise na industria dos USA...

A fúria nas zonas industriais dos EUA


 Noam Chomsky, em Opera Mundi


Em 18 de fevereiro, Joe Stack, um engenheiro de computação de 53 anos de idade, suicidou-se chocando seu pequeno avião contra um edifício em Austin, Texas, destruindo um escritório do Serviço de Arrecadação Fiscal (IRS, na sua sigla em inglês), matando outra pessoa e ferindo várias mais no ato.
Stack deixou um manifesto contra o governo que explicava suas ações. A história começa quando ele era um adolescente que vivia na penúria em Harrisburg, Pensilvânia, próximo ao coração do que alguma vez foi um grande centro industrial.
Sua vizinha, uma octogenária que sobrevivia com alimento para gatos, era a viúva de um operário metalúrgico aposentado. Seu esposo trabalhara toda a sua vida nas fundições do centro da Pensilvânia, confiante nas promessas das grandes empresas e do sindicato de que, por seus 30 anos de serviço, teria uma pensão e assistência médica durante sua aposentadoria.
“Em vez disso, foi um dos milhares que não receberam nada porque a incompetente administração das fundições e o sindicato corrupto (para não mencionar o governo) incursionaram em seus fundos de pensões e roubaram sua aposentadoria. O único que ela tinha para viver era a seguridade social”.
Poderia haver acrescentado que os muito ricos e seus aliados políticos prosseguem tratando de acabar com a seguridade social.
Stack decidiu que não poderia confiar nas grandes empresas e que empreenderia seu próprio caminho, só para descobrir que tampouco poderia confiar num governo ao qual não lhe interessava as pessoas como ele, mas só os ricos e privilegiados; ou em um sistema legal no qual “há duas ‘interpretações’ de cada lei, uma para os muito ricos e outra para todos nós”.
O governo nos deixa com “a piada que chamamos de sistema de saúde estadunidense, incluídas as companhias farmacêuticas e de seguros (que) estão assassinando dezenas de milhares de pessoas ao ano”, pois racionam a assistência, em grande medida, com base na riqueza e não na necessidade.
Stack remonta a origem destes males a uma ordem social na qual “um punhado de rufiões e saqueadores podem cometer atrocidades impensáveis… e quando é a hora de que sua fonte de dinheiro fácil se esgote sob o peso de sua cobiça e de sua estupidez opressora, a força de todo o governo federal não tem dificuldade de acudir em sua ajuda em questão de dias, se não é de horas”.
O manifesto de Stack termina com duas frases evocadoras: “O credo comunista: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade. O credo capitalista: que cada um dê segundo sua ingenuidade, que cada um receba segundo sua cobiça”.
Estudos comovedores das zonas industriais abandonadas dos Estados Unidos revelam uma indignação comparável entre os indivíduos que foram deslocados à medida que os programas corporativo-estatais fecham fábricas e destroem famílias e comunidades.
Uma aguda sensação de traição se percebe nas pessoas que aceditavam que haviam cumprido seu dever com a sociedade num pacto moral com as empresas e o governo, só para descobrirem que foram instrumentos do lucro e do poder.
Existem semelhanças assombrosas na China, a segunda maior economia do mundo, investigada pela especialista da UCLA Ching Kwan Lee.
Lee comparou a indignação e o desespero da classe operária nos descartados setores industriais dos Estados Unidos com o que ela chama de a zona industrial da China: o centro industrial socialista estatal no nordeste, agora abandonado pelo desenvolvimento da zona de rápido crescimento no sudeste.
Em ambas as regiões, Lee encontrou protestos laborais maciços, mas de diferentes características. Na zona industrial abandonada, os operários expressam a mesma sensação de traição que suas contrapartes nos EUA; em seu caso, a traição dos princípios maoístas de solidariedade e dedicação ao desenvolvimento da sociedade que eles consideravam um pacto social, só para descobrir que, fosse o que fosse, agora é uma amarga fraude.
Em todo o país, vintenas de milhões de milhões de trabalhadores separados de suas unidades de trabalho “estão embargados por uma profunda sensação de insegurança” que engendra “fúria e desespero”, escreve Lee.
O trabalho de Lee e estudos da zona industrial abandonada dos Estados Unidos deixam claro que não deveríamos subestimar a profundidade da indignação moral que radica por trás da amargura furiosa, a miúdo autodestrutiva, em relação ao governo e ao poder empresarial.
Nos Estados Unidos, o movimento populista chamado Tea Party – e mais ainda nos círculos mais amplos a que chega – reflete o espírito da desilusão. O extremismo antifiscal do Tea Party não é tão imediatamente suicida como o protesto de Joe Stack, mas não obstante é suicida.
Atualmente, a Califórnia é um exemplo dramático. O maior sistema público de educação superior do mundo está sendo desmantelado.
O governador Arnold Schwarzenegger diz que terá que eliminar os programas estatais de saúde e de assistência social, a menos que o governo federal aporte uns 7.000 milhões de dólares. Outros governadores estão se unindo a ele.
Enquanto isso, um poderoso movimento recente pelos direitos dos estados está demandando que o governo federal não se meta em nossos assuntos, um bom exemplo do que Orwell chamou “duplo pensar”: a capacidade de ter em mente duas ideias contraditórias quando se acredita em ambas, praticamente um lema de nossos tempos.
A situação da Califórnia é o resultado, em grande parte, de um fanatismo antifiscal. É muito similar em outras partes, inclusive em subúrbios ricos.
Alentar o sentimento antifiscal tem caracterizado a propaganda empresarial. As pessoas devem ser doutrinadas para odiar e temer o governo por boas razões: dos sistemas de poder existentes, o governo é o único que, a princípio e ocasionalmente de fato, responde ao público e pode restringir as depredações do poder privado.
Entretanto, a propaganda antigovernamental deve ser matizada. As empresas, por suposto, favorecem um Estado poderoso que trabalhe para as instituições multinacionais e financeiras, e inclusive as resgate quando destroem a economia.
Mas, num exercício brilhante de duplo pensamento, as pessoas são levadas a odiar e temer o déficit. Dessa forma, os sócios das empresas em Washington poderiam acordar a redução de benefícios sociais e direitos como a seguridade social (mas não os resgates).
Ao mesmo tempo, as pessoas não deveriam opor-se ao que, em grande medida, está criando o déficit: o crescente orçamento militar e o sistema de assistência médica privatizado completamente ineficiente.
É fácil ridiculizar como Joe Stack e outros como ele expressam suas inquietações, mas é muito mais apropriado compreender o que está por trás de suas percepções e ações numa época em que as pessoas com verdadeiros motivos de queixa estão sendo mobilizadas em formas que representam um grande perigo para elas mesmas e para os outros.

*Noam Chomsky é professor emérito de linguística e filosofia no Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Cambridge, Massachusetts.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A religião chamada mercado....

A teologia do livre mercado dos Chicago Boys


Recentemente vários acadêmicos receberam uma petição assinada por 111 membros da Universidade de Chicago, explicando que “sem qualquer comunicado a sua própria comunidade, (a Universidade) contratou uma firma de Boston, a Ann Beha Architects, para reformar o prédio do Seminário Teológico Chicago, transformando-o no espaço para o Instituto Milton Friedman de Pesquisa em Economia (MFIRE) e levantou uma agressiva campanha de arrecadação de fundos para o controverso instituto. Seria difícil encontrar uma metáfora mais apropriada para falar do neoliberalismo. O artigo é de Michael Hudson.

Recentemente vários acadêmicos receberam uma petição assinada por 111 membros da Universidade de Chicago, explicando que “sem qualquer comunicado a sua própria comunidade, [a Universidade] contratou uma firma de Boston, a Ann Beha Architects, para reformar o prédio do Seminário Teológico Chicago, transformando-o no espaço para o Instituto Milton Friedman de Pesquisa em Economia (MFIRE) e levantou uma agressiva campanha de arrecadação de fundos para o controverso instituto”.

Seria difícil encontrar uma metáfora mais adequada do que aquilo que o comunicado à imprensa caracteriza como “conversão do prédio do Seminário num templo do neoliberalismo econômico”. Até o acrônimo MFIRE parece simbolicamente apropriado. O M pode bem servir para Money, na equação do Prof. Friedman MV =PT (Money x Velocity = Price x Transactions). E o setor Fire compreenderia finanças, seguros e investimentos imobiliários – o setor do “almoço grátis” cuja acumulação os monetaristas de Chicago celebram.

Economistas clássicos caracterizaram a renda e o acúmulo de lucros no setor FIRE como “renda não recebida”, liderada pelos ganhos de capital, que John Stuart Mill descreveu como o que os senhores da terra fazem “quando estão dormindo”. Milton Friedman, por outro lado, insistiu que “não existe almoço grátis” - como se a economia não dissesse afinal respeito ao almoço grátis e a como obtê-lo. E a principal maneira de ganhá-lo é desmantelando o papel do governo e vendendo o patrimônio público a crédito.

Como disse ironicamente Charles Baudelaire, o demônio vence no ponto em que convence o mundo de que ele não existe. Parafraseando isso podemos dizer que a vitória econômica dos rendimentos do almoço grátis obtém-se no ponto em que os reguladores governamentais e os economistas acreditam que seu retorno não existe – e então, não precisam ser taxados, regulados ou subjugados.

Com “livre mercado” os Chicago Boys querem dizer conceder livre trânsito ao setor financeiro – na direção oposta à idéia dos economistas clássicos de libertar os mercados do rentismo e dos juros. Enquanto a religião tradicional buscou estabelecer preceitos de regulação, o Instituto Friedman vai promover a desregulação. Substituir fisicamente a escola de teologia por um “templo do neoliberalismo econômico” é irônico se se considera que, em princípio, aquilo que todas as grandes religiões têm em comum em um ponto ou no outro for a oposição à cobrança de juros. O judaismo chamou a isso de “começar do zero” (Levítico, 25) e o Cristianismo baniu completamente o juro, citando as leis do Êxodo e do Deuteronômio.

Os Chicago Boys então inverteram a teologia tradicional, embora a economia tenha começado a ser ensinada enquanto disciplina acadêmica em cursos de filosofia moral nos séculos 18 e 19. As mais importantes universidades do mundo foram fundadas para formar estudantes para o clero. O curso de filosofia moral envolvia política econômica e lidava vastamente com as noções de reforma econômica e taxação da acumulação de capital financeiro em nome do interesse público como uma prerrogativa legal. A disciplina era jogada no rol da “economia” em boa medida para excluir dela as análises políticas, e as distinções entre investimento produtivo e improdutivo, bens de capital e reais, valor e preço.

Os economistas clássicos viam o rentismo e os juros como remanescentes da conquista da Europa feudal da terra. E viam a privatização do dinheiro e da finança como uma dívida institucionalmente baseada e monopolizada. Os economistas clássicos procuraram taxar essa “renda não recebida” para regular os monopólios naturais ou para torná-la de domínio público.

Desnecessário dizer que essa história do pensamento econômico não será ensinada no Centro Friedman. A primeira coisa que os Chicago Boys fizeram no Chile quando lhes foi dado o poder depois do golpe militar de 1973 foi fechar todos os departamentos de economia do país – e de fato, todo departamento de ciência social fora da Universidade Católica, onde eles mandavam. Eles entenderam que “livre mercado” para o capital exigia controle total do currículo educacional e da mídia cultural como um todo.

O que os livres mercados entendem é que sem uma autoridade Inquisitorial você não pode ter um livre mercado “estável” - quer dizer, um livre mercado para os predadores financistas que presumivelmente são os maiores financiadores do Centro Friedman da Universidade de Chicago. Os monetaristas da Escola de Chicago detiveram poder de censura sobre os maiores jornais de referência em economia, e publicar neles se tornou pré-condição para o progresso na carreira de economistas acadêmicos. O resultado tem sido limitar o escopo dos economistas para a celebração da escolha racional do “livre mercado” e da mente estreita da ideologia do “direito e da economia” oposta às idéias da justiça moral e da regulação econômica que formaram a base de tantas religiões do Ocidente.

Eu experimentei esse espírito inquisitorial quando trabalhava no Laboratório da Escola da Universidade de Chicago. Lembro do grande cartaz dependurado acima do quadro negro da sala Mr. Edgett de ciência social, em 1953: “Dê a todos eles o que os Rosenberg receberam”. Depois que o Ato da Liberdade de Informação tornou os arquivos do FBI públicos, meus colegas de classe tiveram acesso aos relatórios sobre eles e suas orientações políticas, escritos por professores da Universidade de Chicago e seus associados no Shimer College.

Quem teria antecipado que a economia iria terminar sendo mais de direita e autoritária, mais explicitamente oposta à idéia mesma de direitos humanos e justiça distributiva do que a teologia? Ou esta última disciplina teria sido então invertida? Os economistas clássicos eram reformistas, afinal de contas, lutando pelo mercado livre contra a “renda não recebida” - o “almoço grátis” da renda da terra das aristocracias herdeiras da Europa e contra o monopólio rentista administrado pelas corporações de comércio real criadas por governos europeus a fim de pagar por suas dívidas de guerra. Mas os monetaristas de Chicago buscam desregular os monopólios e as leis de usura, favorecendo o rentismo em vez da economia “real” do trabalho e do capital. Seu foco é na defesa do lucro da propriedade e da finança e no compromisso com os dispositivos de garantia: empréstimos bancários, ações e títulos, para os quais exigem corte de taxação. E para fomentar o mercado de alavancamento de ações, os Chicago Boys defenderam a privatização do patrimônio público, começando no Chile, depois de 1973.

Assim, o que foi invertido não é apenas a idéia clássica de mercados livres, mas o coração econômico dos primórdios da religião. Hoje, os Chicago Boys consideram que quem mais precisa de salvação são a alta finança, o investimento imobiliário e os monopólios, na sua luta para reverter os sete séculos passados de reforma econômica clássica desde que o Papa debateu como definir um Preço Justo (custos socialmente necessários da produção) com que os bancos deveriam arcar, no século XIII.

Essa medida parece tratar-se largamente do levantamento de fundos, mas essa não é a verdade da maior parte das religiões em nossos dias? A Universidade de Chicago foi financiada por John D. Rockefeller, dando a deixa para Upton Sinclair chamá-lo de “O Standard Oil da Universidade” no The Goose Step. Quando eu trabalhei lá, nos anos 50, Lawrence Kimpton tinha substituído Robert Hutchins como Chanceler, e em 1961 se tornou gerente geral de planejamento (e subsequentemente, diretor) da Standard Oil de Indiana. Seu ato mais famoso (fora a supervisão do projeto da bomba atômica Manhattan) foi suprimir a The Chicago Review, que publicava excertos do Almoço Nu de William Burroughs. Significativamente, a razão que ele deu era que a publicação poderia desencorajar a doação de fundos para a Universidade.

O senhor Rockefeller, ao menos, pôs devidamente sua suspeita sobre “aqueles que necessitam”. Num espírito contrastante, a esposa de Herman Kahn me disse que certa vez, numa festa, Milton Friedman respondeu a sua sugestão de melhorias no bem estar público e na assistência em saúde, assim: “Por que você quer subsidiar a produção de órfãos e pessoas doentes?”. Esse não é exatamente o espírito religioso clássico.

O problema com o Instituto Friedman é que sua doutrina econômica obteve notoriedade no período Pinochet, na onda dos Chicago Boys no Chile. Privatizar empresas públicas, “libertar” mercados de leis abusivas e induzir a desregulação são a antítese de quase todas as religiões, cujas diretrizes propostas, afinal, eram socializar seus membros e criar um estado moral.

O monetarismo friedmanista tem caracterizado a ideologia pós-moderna que, como a religião, tem suas próprias vacas sagradas e ídolos – e uma Inquisição. Em vez de suspeitar dos descrentes, como no Islã, temos a transferência da cobrança de impostos da religião do capital financeiro para o trabalho que está do lado de fora do templo. Como disse o comunicado de imprensa: “Grande protesto...focou-se no ataque ao forte viés ideológico do Instituto, orientado para o fundamentalismo de mercado, na tradição de Friedman. Dessa maneira ou de outras, sua natureza vai de encontro à tradição da Universidade da livre investigação e do livre debate”.

Bem, eu não estou muito certo quanto a como essa tradição recente de livre debate foi. Mas o comunicado conclui com uma nota, dizendo que “PARA MAIORES INFORMAÇÕES, CONTATAR: Robert Kendrick, Professor de Música (rkendric@uchicago.edu, 773-702-8500) ou Bruce Lincoln, Caroline E. Haskell, Professores de História das Religiões (blincoln@uchicago.edu, 773-702-5083)”.

(*) Michael Hudson é ex-economista de Wall Street e atualmente um Pesquisador destacado na Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), e presidente do Instituto para o estudo das tendências de longo prazo da economia (Institute for the Study of Long-Term Economic Trends ISLET). É autor de vários livros, incluindo Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) [Super Imperialismo: A Estratégia Econômica do Império Ameicano] e Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. [Comércio, Desenvolvimento e Dívida Exerna: Uma História das Teorias da Polarização versus Convergência na Economia Mundial

Tradução: Katarina Peixoto

Música da nossa terra....

Christianne Neves – Refúgio (2000)


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Alzira Espíndola – Alzira Espíndola (1987)


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Lis de Carvalho – MPBaby Bossa Nova (2004)


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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Farinha do mesmo saco???

Antonio Palocci agora escreve na Folha


O jornal da ditabranda -

Cristovão Feil - Diario Gauche

A Folha-ditabranda se reformulou graficamente. Mas o conteúdo continua o mesmo. Um jornal de direita. A serviço da direita brasileira. Agora faz a linha jornal-moderninho, mas durante a ditadura fornecia bens e serviços à repressão, como por exemplo veículos da sua frota de entrega para fazer serviço-sujo na Operação Bandeirantes (Oban), que prendeu, arrebentou, sequestrou, desapareceu, torturou e assassinou.

Quem está escrevendo na Folha, agora, é o ex-ministro Antonio Palocci (foto). A direita do PT. Um homem dos bancos no coração da República, junto com Henrique Meirelles. Quer ser ministro, caso Dilma Rousseff vença as eleições. Tem muita chance de ser ministro, de fato. Enquanto isso, é apresentado como garantidor (tácito) de que o futuro governo Dilma não vá resvalar para o chavismo.

A rigor, Palocci está lá para garantir que cerca de um terço do orçamento federal seja destinado ao pagamento de juros, ou seja, maneira indireta (e legal) de escoar dinheiro público para os bancos, rentistas, especuladores - os parasitas de sempre. Pior: dinheiro que falta na saúde, na educação, no transporte urbano, na agricultura familiar, na reforma agrária, no incentivo às novas tecnologias, no financiamento da casa própria (deficit de 8 milhões de moradias), etcetera.

A Folha concorda com isso, por isso convidou Antonio Palocci para escrever semanalmente. Eles se entendem.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Poesia revolucionária...

Não cultives a fraqueza

Vive o fraco na fraqueza
o bom na sua bondade
vive o firme na firmeza
lutando por liberdade.

Não cultives a fraqueza,
procura sempre ser forte,
que o homem que tem firmeza
não se rende nem à morte.

Educa a tua vontade
faz-te firme: em decisões,
que não terá liberdade
quem não fizer revoluções.

Se queres o mundo melhor
vem cá pôr a tua pedra,
quem da luta fica fora
neste jogo nunca medra.

Francisco Miguel Duarte,
Poeta popular nascido no Alentejo,
Operário sapateiro, filho de camponeses

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Belo exemplo de Administração Pública...

TV Pernambuco radicaliza conceito de TV Pública

Em Pernambuco escreve-se hoje uma página inédita da história da TV brasileira. Pela primeira vez no Brasil uma TV pública está sendo reconstruída de baixo para cima. Trata-se da TV Pernambuco entregue pelo governador Eduardo Campos ao movimento social, comprometido com a democratização da comunicação.

Atenção historiadores da TV brasileira: em Pernambuco escreve-se hoje uma página inédita dessa história. Pela primeira vez no Brasil uma TV pública está sendo reconstruída de baixo para cima. Trata-se da TV Pernambuco, criada pelo governo do Estado em 1984, tendo tornado-se durante os governos pós-ditadura de Miguel Arraes (1987-1990 e 1995-1999) um importante veículo de informação e entretenimento regional, com significativa audiência. Abandonada na gestão Jarbas Vasconcelos (1999-2006), foi entregue em março deste ano pelo governador Eduardo Campos ao movimento social, comprometido com a
democratização da comunicação, para conduzi-la.

Na tarde da quarta-feira, 19/5, cerca de 150 pessoas participaram de um encontro organizado pela nova direção da emissora para discutir a sua forma de gestão. Produtores, artistas, professores, estudantes, jornalistas e telespectadores em geral, reunidos no auditório do Porto Digital, no Recife Antigo, puderam dar livremente as suas opiniões de como a TV Pernambuco deve se organizar para se tornar efetivamente pública.

Dois encontros anteriores discutiram as finalidades de uma televisão pública e as novas tecnologias. O resultado desses debates será sintetizado em documento a ser entregue ao governador, no começo de junho, como proposta da sociedade para a reconstrução da TV. Nessa tarefa, a diretoria é assessorada por um grupo de trabalho composto por nomes reconhecidamente comprometidos com a comunicação democrática, como Ivan Moraes Filho e Eduardo Homem, por exemplo.

Mas a mudança já começou. O novo presidente da TV é o apresentador e produtor cultural Roger de Renor, que de burocrata não tem nada.

Brincando, mas revelando o tipo de gestão que começa a ser feita, diz que os primeiros novos departamentos por ele inaugurados foram os "do bom dia, boa tarde, boa noite; o do por favor e o do muito obrigado". Pode haver coisa melhor, num meio marcado pelo egocentrismo e pelo autoritarismo?

Na música Macô, o falecido Chico Science pergunta ?Cadê Roger,
Cadê Roger, Cadê Roger, Ô?? Se pudesse ouvir diríamos ao Chico que
agora ele está na TV Pernambuco e que até há alguns meses apresentava
um excelente musical na TV Brasil chamado "Som na Rural", com estúdio
móvel instalado numa antiga Rural Willys.

Mas além de pessoas como Roger e o seu competente diretor jurídico Adriano Araujo na direção da emissora, o governador colocou também dinheiro. Dois milhões e quatrocentos mil reais foram liberados para melhorar o sinal da TV, hoje precário em parte do Estado e principalmente no grande Recife. Na capital, nas regiões em que é possível sintonizá-la, a TV Pernambuco pode ser assistida no canal 46 (UHF). Até o governo Jarbas era possível ver a TV estatal em VHF, no canal 9, ao lado das grandes redes comerciais. Mas a concessão foi perdida e ocupada, rapidamente, pela Bandeirantes.

O desafio agora é afinar as propostas no sentido de que a
ousadia do governo atual não seja derrotada por governos futuros. Daí
a importância dos debates que estão sendo realizados no Recife. Deles
deve sair um projeto capaz de garantir o financiamento constante da
emissora, imune aos humores dos governos "do dia" e uma forma de
gestão que permita a maior independência possível em relação a esses
mesmos governos.

Que possibilite também a criação de barreiras para conter as investidas dos setores mais conservadores da sociedade, sempre prontos a detonar tudo aquilo que não conseguem controlar de forma privada. Por isso, o conselho gestor antes de ser um controlador da empresa, deve ser o seu defensor diante das ofensivas reacionárias.

No entanto, mesmo com tudo aprovado oficialmente, a prática efetiva só será possível se a sociedade tiver clareza de que a emissora lhe pertence. Para tanto são necessários canais amplos de participação na gestão, acompanhados de um programação na qual o telespectador perceba que está recebendo um serviço público de radiodifusão de alta qualidade que, de alguma forma, contribui para melhorar a sua vida.

Os passos dados até agora vão nessa direção. E mesmo sofrendo algum
percalço, já são suficientes para entrar na história da televisão brasileira. Daqui para frente servirão de modelo para qualquer outra construção participativa de um meio de comunicação de massa que vier a ser feita em nosso país.

*Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

VEJA no esgoto.....

Mobilização contra a Veja e em defesa dos povos indígenas




ABA avalia se irá processar a Veja por ataques baixos contra povos indígenas e antropólogos/as

A recente matéria da revista Veja intitulada "Farra da Antropologia Oportunista" vem despertando reações veementes de condenação da prática de jornalismo descaradamente mentiroso, racista e atrelado ao lobbie dos capitalistas em conflito com povos indígenas. Em nota pública assinada pelo Prof. João Pacheco de Oliveira da UFRJ e coordenador Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia, a CAI-ABA demonstra com evidências documentais que o artigo da Veja não é um fato isolado, mas parte de uma prática sistemática de deslegitimação das reivindicações dos povos indígenas que estão em conflito com interesses corporativos e do agronegócio, valendo-se para tanto de mentiras, argumentos superficiais e caluniosos, difamação de lideranças indígenas, do CIMI e de antropólogos, e uso manipulado de frases às vezes fora de contexto e em outras claramente forjadas de profissionais. A Comissão de Assuntos Indígenas revela que o presidente da Associação Brasileira de Antropologia já acionou os seus assessores jurídicos para avaliar a possibilidade de responsabilizar juridicamente os responsáveis.
"Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para, através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."


A Igreja Católica em defesa dos grandes empresários.....

Igreja afasta Frei Gilvander por enfrentar a Vale e interesses empresariais
 
Conhecido na região do Planalto, em Belo Horizonte (MG), pelo apoio aos movimentos que lutam por reforma agrária, o Frei Gilvander Luis Moreira assumirá a Reitoria de um seminário carmelita e deixará de ser Pároco da Igreja do Carmo. A transferência deverá ser oficializada na próxima semana. Segundo o Frei, seu afastamento está relacionado às criticas feitas por ele contra a mineradora MDR, comandada pela Vale.
 
O frei também revela que seu afastamento é resultado do enfrentamento às multinacionais. Segundo informa, essa postura teve início em 1984, quando ele iniciou uma campanha para a construção de cisternas na região do semi-árido brasileiro. As ações se intensificaram em 2008, quando assumiu a direção paroquial.
 
"Assumimos a proposta concreta de lutar pela preservação dos mananciais de Capão Xavier e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Aí, tivemos que entrar duro numa luta contra a mineradora MDR, que atualmente pertence a Vale. A partir daí, surgiram perseguições e ameaças de morte. Incomodamos muita gente entre os poderosos."
 
Segundo Frei Gilvander, a Paróquia enfrentou problemas financeiros porque muitos deixaram de contribuir com o dízimo, devido à sua aproximação com os movimentos sociais.
 
"Começamos a perceber que pessoas de classe média alta e empresários que participam da Paróquia foram gradativamente demonstrando um descontentamento em relação a nossa postura em defesa dos pobres como sujeitos e protagonistas de suas lutas. Foi então que recebemos a notícia de que o Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira, havia enviado uma carta ao Vaticano, exigindo mudanças na Paróquia."
 
De acordo com Frei Gilvander, caso seja confirmada a decisão do Conselho Provincial, a transferência se dará no dia 31 de maio.
 
Por Jorge Américo, Radioagência NP. www.correiocidadania.com.br

Serra e a eleição...

Serra e a morte de Deus: uma candidatura perdida nas adversidades

José Serra precisa de ajuda. Não basta aquela que lhe é oferecida por uma mídia favorável. É necessário que alguém reavive seu senso de oportunidade. Um dos males que costumava atacar com muita frequência o brasileiro, principalmente aquele que vivia de salário (a maioria, portanto) consistia na tendência de ser enganado com facilidade.


Por Gilson Caroni Filho, na Carta Maior

Faz cerca de oito anos que o PSDB deixou o governo e ainda não se deu conta de que a percepção da realidade mudou. Jogar palavras ao vento, com fez o pré-candidato tucano para uma plateia de militantes (?) do PPS, é um exercício arriscado, uma manifestação que mescla soberba e desespero em dosagem tão hilariante quanto assustadora. Mas nada disso nos permite duvidar de sua capacidade e argúcia analítica. Afinal, como diz o slogan de campanha dos tucanos: "O Brasil pode mais". Resta saber o quê. E para quem.

Ao afirmar, em uma tentativa de crítica à política econômica do governo Lula que "nós estamos voltando rapidamente a um modelo que não atende à demanda de emprego que o país possui", o ex-governador paulista aposta no total alheamento do eleitor brasileiro. Tamanha credulidade espanta, tendo em vista que o mundo do trabalho — a principal vítima do modelo neoliberal orquestrado pelo tucanato — aprendeu direitinho, na própria pele, o que significou o mercado desregulado como chave para o crescimento econômico e as virtudes do “Estado musculoso", elementos centrais no discurso serrista.

A afirmação sobre empregos não é piada, nem brincadeira de um notívago diletante, mas desespero de um candidato que, em face de uma conjuntura que lhe é totalmente adversa, tem que produzir discursos a todo e qualquer custo. E de Serra, pode-se afirmar várias coisas, menos a de não ser um ator político que sabe o que faz. Sua eventual perdição, entretanto, antes de ser festejada pelas forças progressistas, deve causar desconfiança e vigilância redobrada. Pois é inevitável que os ânimos se acirrem em seus dois principais pólos de apoio: a mídia corporativa e o Poder Judiciário.

Mas a comparação suscitada por suas declarações é inevitável. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o número de vagas criadas no mercado de trabalho bateu recorde no primeiro trimestre de 2010, com um saldo acumulado até março somando 657.259 empregos. Convém retornar no tempo e observar como se comportava a economia brasileira quando o pré-candidato tucano era ministro do Planejamento e Orçamento do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

O desemprego na indústria atingia 5,7% em 1997 em relação a 1996, resultado fortemente influenciado pela taxa de dezembro, quando a queda foi de 2,6% em relação a novembro, a pior desde dezembro de 1990, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para se ter uma ideia do tamanho da retração nos empregos, os dados do instituto mostravam uma queda anualizada de 7,3%. Quando Serra pôde mais, o trabalhador pôde menos.

Até então, o governo FHC registrava um desemprego industrial de 19,77%. Mas o “Brasil que não podia mais", aquele que os colunistas econômicos tanto enaltecem, vivia um amargo processo de ajuste, acentuado em 1996, com a atividade econômica represada e a queda no emprego apresentando taxas expressivas. Ao contrário do que afirma Serra foi sob a batuta tucana que “o Brasil adotou uma política econômica desastrosa."

Mas o discurso do tucano foi além, mirando também o campo da ética, com críticas a supostas práticas de corrupção no governo petista. Como fazem as vestais tucanas, destampou um poço de demônios para sentenciar: "Se aquele que era o guardião da moral, da ética, do antipatrimonialismo toma outro rumo, o rumo oposto, para muita gente Deus morreu". Que metafísica, o ex-governador paulista quer superar com essa alusão a Nietzsche?

Decerto não deve ser a do governo ao qual serviu em dois ministérios. Fernando Henrique não teve escrúpulos de usar métodos condenáveis para evitar investigação da banda podre da administração federal. A retirada de assinaturas para esvaziar a criação da CPI da Corrupção, em 2001, é um belo exemplo. O arrastão de favores para livrar o governo de qualquer constrangimento ficou como um dos mais baixos momentos de um presidente eleito e reeleito pela ansiedade ética na vida brasileira.

Fernando Henrique liberou por bravata os parlamentares de sua base política para subscrever a CPI e, na hora H, liberou verbas estocadas e fez nomeações para cargos públicos. Junto com ACM e José Roberto Arruda, FHC afrontou o sentimento ético da cidadania falando em “linchamento precipitado" quando sua posição anterior incentivava a punição exemplar e imediata. E onde estava José Serra em meio a tudo isso? No Ministério da Saúde, definindo a criação da CPI como uma “brincadeira”, "pretexto eleitoral", "instrumento para prejudicar a governabilidade”.

Em sua campanha, o tucano terá que se confrontar com questões sobre ética e economia. Mas com muita cautela, evitando o reaparecimento de fantasmas incômodos. Eles podem dizer que foi naquela época, e não hoje, que “para muita gente Deus morreu". Um deus imanente, amoral e, tal como os dirigentes aboletados no Estado, servil ao mercado que o pagou.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil