segunda-feira, 12 de julho de 2010

A água é um direito humano inalienável

A guerra da água na Bolívia, em 2000, foi um exemplo para a humanidade

Brizola Neto em seu blog tijolaço

O presidente boliviano Evo Morales, com sua sensibilidade indígena e profundo sentido dos elementos da natureza,  deu um xeque-mate na ONU ao apresentar um projeto para que o acesso à água seja declarado um direito humano. O argumento irrespondível foi simples como a jogada mortal do xadrez: Se um dos Objetivos do Milênio para 2015 é a dotação de água potável e saneamento em todo o mundo, como atingi-lo sem declarar a água como um direito humano inalienável.
Evo usou não apenas sua habilidade de enxadrista, que enfrentou mês passado o ex-campeão mundial Anatoly Karpov, como a prórpia experiência boliviana. Em 1999, a empresa norte-americana Bechtel assinou contrato com então governo boliviano do general Hugo Banzer para privatizar a água em Cochabamba, a terceira cidade da Bolívia. Com a privatização, veio o aumento do preço da água que chegou a quase 180%. A conta de água chegou a 20 dólares por mês num local em que o salário mínimo era inferior a 100 dólares mensais.
Os camponeses se levantaram, cercaram a cidade e após idas e vindas, com prisões, assassinatos e censura, a Bechtel foi expulsa do país e o controle da água retomado pela população. Um dos lemas dos bolivianos à época era “a água é um presente de Deus e não uma mercadoria.”
Estima-se que mais de um bilhão de pessoas, principalmente no mundo em desenvolvimento, não têm acesso à água, e o Banco Mundial prevê que dois terços da população mundial sofrerá com a falta de água em 2025. A privatização da água agrava este quadro de exclusão.
Evo Morales, o índio que a elite boliviana e sul-americana tenta apresentar como incapaz, revela sua grandeza ao estender sua precupação para o mundo. “Em alguns países, infelizmente, a água está como um direito e negócio privado, quando deveria ser de serviço público… Sem água não podemos viver”, disse Evo quando apresentou seu projeto hoje, em La Paz.
A proposta de Evo merece se tornar bandeira de todos nós que estamos comprometidos com o ser humano e o bem estar social. A privatização dos recursos hidricos é um crime que não podemos tolerar.

JORNAL ELETRÔNICO GANHA NA FRANÇA

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O jornal eletrônico online Mediapart provoca crise no governo francês e tem mais credibilidade que a mídia impressa convencional. [...] Talvez mal comparando, o Eu Acuso, de Émile Zola, foi o reconhecimento da força e importância na imprensa política escrita...
Rui Martins*  via Assaz Atroz
Muita coisa se tem escrito sobre a transição da mídia papel para a eletrônica e as indagações mais comuns são se o jornal virtual ou portal eletrônico na Internet consegue ter assinantes e se poderá provocar o mesmo impacto do jornal impresso.

A atualidade francesa nos permite uma resposta clara e precisa – o portal ou jornal eletrônico online Mediapart provocou com suas revelações uma séria crise no governo do presidente francês Sarkozy e, em apenas dois anos de existência, reúne 30 mil assinaturas pagas. Toda atualidade política francesa destes últimos dias – rádios, tevês e jornais impressos – se baseia, cita ou se refere ao portal Mediapart.

Mediapart não tem versão impressa, emprega 25 jornalistas de investigação e se destina, como afirma na primeira página, a uma clientela insatisfeita com os jornais impressos e as informações na telinha, geralmente as versões online da mídia impressa francesa, dominada pelo presidente Sarkozy.

Um fato a destacar: o governo francês tenta minimizar a importância das acusações ao governo por terem como origem um site eletrônico, mas não consegue êxito nesse objetivo. Mediapart goza do mesmo peso e influência da mídia impressa e mostra a verdadeira dimensão da mídia do futuro, sem um suporte material e tátil, porém com a mesma credibilidade.

Se, nos próximos dias, cair o ministro do Trabalho da França, Eric Woerth, responsável pelo projeto de reforma das aposentadorias, não haverá nenhuma dúvida, será o resultado do fogo cerrado do jornal online Mediapart. Paralelamente ao lado político, constituirá a prova concreta de que a mídia eletrônica assumiu sua maioridade.

Talvez mal comparando, o Eu Acuso, de Émile Zola, foi o reconhecimento da força e importância na imprensa política escrita, enquanto a cobertura e denúncias da Mediapart no Caso Bettencourt, sobre fraude fiscal e financiamento do partido governamental na França, confirma o surgimento da informação política online paga pelo leitor e do portal eletrônico ou informação imediata online como a nova manifestação da imprensa de combate e de investigação.

Os esforços da China para controlar Google já têm mostrado que a Internet é um terreno difícil de censurar ou grampear. O advento do celular com chip prépago já havia posto em polvorosa os países totalitários e os serviços de inteligência, por permitir a circulação anônima do material contestatário e tornar quase impossível a identificação dos opositores e o controle total da população.

No Brasil, por exemplo, todos sabem da enorme influência das mensagens e-mail na desmoralização do governo FHC pelo PT, assegurando a primeira vitória de Lula. Nos dias de hoje, embora o uso das mensagens desmoralizantes tenham a mesma penetração e uso, entre lulistas e anti-lulistas, é a mídia convencional que se vê ultrapassada pelos blogs e pelos sites alternativos.

Não existe ainda um Mediapart do jornalismo investigativo brasileiro, pago por assinantes, porém será a próxima etapa. O alto custo de manutenção de um jornal impresso com circulação assegurada tem impedido a criação de um grande órgão diário de atualidades e informações independente pela esquerda, mas a Internet poderá permitir se superar essa lacuna.

Um exemplo atual de jornal híbrido com a parte mais forte eletrônica e uma parte impressa é o Correio do Brasil , que acaba de passar por uma reforma em sua diagramação online, e cuja política é de investir mais no eletrônico que no papel. Porém, é um jornal gratuito vivendo de publicidade, mesmo porque no Brasil não são todos que podem acessar a Internet.

Edwy Plenel, criador e dirigente de Mediapart tem um currículum vitae de prestígio, pois foi chefe da Redação do Le Monde, tendo se destacado por reportagens investigativas durante o governo Mitterrand, que lhe valeram telefone e vida grampeados pelo serviço secreto francês.

Provocador, acha que a missão do jornalismo é a de permanecer alerta e de exercer um contra-poder com relação ao governo. Citando a Corte Internacional de Estrasburgo, Plenel afirma que o jornalista é o cão de guarda de democracia. Se o jornalismo é feito de maneira independente, sem compromissos com o governo ou com o poder econômico, o público se interessa, porém, hoje, na França (mas achamos que no Brasil também por razão diversa) o jornalismo está em crise, os jornais perdem leitores por não observarem mais essa independência.

Mediapart conseguiu sacudir a França - um verdadeiro eletrochoque provocado por um pioneiro jornal online eletrônico num país onde toda a imprensa está praticamente controlada pelo presidente Sarkozy.

No Brasil, acontece praticamente a mesma coisa embora de maneira oposta – toda a grande imprensa convencional se desprestigia diante do povo por se submeter aos interesses de grupos econômicos, alguns estrangeiros, contra o presidente Lula, enquanto a mídia alternativa se afirma como informação de referência.

BP: Operação Bota ainda em marcha



Não é possível contar toda a história de canalhices da British Petroleum em poucas páginas, nem as conseqüências de seus negócios na geopolítica, na balança da guerra e da paz, na economia, no meio ambiente e no mundo em geral, envolvendo desde a política do Oriente Médio até pessoas sem posses, às vezes assassinadas em comunidades remotas. Este artigo oferece apenas um vislumbre da enormidade de crimes cometidos por essa empresa. A BP não representa nenhuma exceção entre as empresas petroleiras nem entre as grandes corporações. Sua história, além do vazamento de petróleo no Golfo do México, constitui um exemplo de enorme poder e impunidade. O artigo é de Julie Wark, do SinPermiso.

O primeiro golpe de estado da British Petroleum, na ocasião chamada Anglo-Iranian Oil Company, foi executado com a ajuda da CIA em 1953. Cento e cinqüenta e sete anos mais tarde, seus golpes de estado consistem em usurpar, comprar ou driblar as funções do Estado. Hoje o Mineral Management Service (Serviço de Administração de Minerais), do Departamento do Interior dos Estados Unidos parece estar sob seu mando. Apenas onze dias antes da catástrofe do Golfo do México, a BP conseguiu para esta operação a “exclusão categórica” do estudo de impacto ambiental da National Environment Policy (Política Nacional Ambiental) (1).

Com sede em Londres e escritório central nos EUA localizado em Houston, a BP é a maior corporação do Reino Unido e uma das maiores do mundo. Os negócios da primeira empresa a explorar petróleo no Oriente Médio remontam a 1901 e a um “bon vivant” londrino, William Knox D’Arcy, que negociou direitos de exploração com Mozzafar al-Din Xá Qajar, da Pérsia (Irã). O negócio passou por vários nomes: Anglo-Persian Oil Company (1908), Anglo-Iranian OilCompany (1935), British Petroleum (1954), BP Amoco (1998) e, em 2000, BP. Em 1913, o governo britânico adquiriu a participação majoritária, mas com a campanha privatista de Margaret Thatcher, a totalidade de seus ativos foi vendida entre 1979 e 1987.

O delírio de riqueza do “bon vivant” de Londres transformou-se em pesadelo para milhões de pessoas em todo o mundo, começando pelo Irã. Nas cláusulas contratuais da primeira exploração, além das condições de trabalho dos operários iranianos roçando a escravidão, descartou-se desde o início a soberania do país. Em agosto de 1941, a Grã Bretanha e a União Soviética ocuparam o Irã e rapidamente forçaram o repressor Xá Reza a abdicar em nome de seu filho Mohammed Reza Pahlevi, inaugurando assim um novo regime de repressão, corrupção, brutalidade e luxo extremo. Em 1951, o Majlis (parlamento) votou unanimemente pela nacionalização e, pouco depois, tomou posse no cargo de primeiro ministro o respeitado estadista Mohammed Mossadegh. A reação dos ingleses foi draconiana e, hoje em dia, fartamente familiar: bloqueio militar, fim da exportação de bens vitais, congelamento de contas bancárias na Inglaterra, e articulações nas Nações Unidas para aprovar resoluções contra o Irã. Mossadegh buscava uma solução negociada, mas os ingleses já tinham optado pela força e, em 1952, alegando o perigo do comunismo no debilitado Estado, obtiveram o respaldo do presidente Eisenhower. Em 1953, com políticos, militares, criminosos, prostitutas e jornalistas bem comprados, e informada pela embaixada britânica e seus espiões, a CIA conseguiu executar seu primeiro golpe de Estado, pro meio do qual reinstalou no poder o Xá Reza Pahlevi.

A tirania do Xá preparou o terreno para a revolução islâmica de 1979. Com o endurecimento do regime do Irã formou-se uma rede global anti-ocidental cada vê mais dependente das táticas do terror. O que os ingleses batizaram como Operation Boot (Operação Bota) e os estadunidenses “Operation Ajax” “(...)ensinou aos tiranos e aos déspotas que os governos mais poderosos do mundo estavam dispostos a tolerar a opressão sem limites sempre e quando os regimes opressivos tratassem bem o Ocidente e suas empresas petroleiras. Isso ajudou a mudar o equilíbrio político contra a liberdade e a favor da ditadura” (2).

Há poucos lugares no mundo a salvo da espoliação da BP. Na Colômbia, a empresa é acusada de beneficiar-se do regime de terror dos paramilitares que protegiam os 730 quilômetros do oledoduto Ocensa, e foi obrigada a pagar uma indenização multimilionária a um grupo de camponeses. O oleoduto causou desmatamento, deslizamento de terras, contaminação do solo e diminuição do lençol freático. Colheitas foram perdidas, criações de peixes foram arruinadas e muito gado morreu. Em 1992, a BP firmou um contrato com a empresa inglesa Defence Systems Ltda (DSL) que estabeleceu a Defence Systems Colômbia (DSC) (3) para suas operações colombianas. Três anos mais tarde, a BP firmou acordos com o Ministério da Defesa da Colômbia segundo os quais a BP pagaria ao governo US$ 2,2 milhões que seriam utilizados em sua maior parte para a Brigada XVI do exército proteger as instalações da BP.

A Brigada introduziu na zona de Casanare a guerra suja ou, como diz o povo, a tática de deixar o peixe fora d’água. A DSC ensinava estratégias militares e de contrainsurgência à polícia encarregada de proteger o perímetro das instalações. A população aterrorizada a considerava com razão mais uma força militar na zona. Além disso, um empregado da DSC revelou a jornalistas ingleses que havia trabalhado para coordenar uma rede de espiões nos povoados da zona do oleoduto para controlar os líderes sindicais e comunitários. O departamento de Segurança da empresa Ocensa pagava delatores e compartilhava informações com o Ministério da Defesa e com a brigada local do exército (4). Em resumo, a BP criou uma zona de exceção na Colômbia.

Na Ásia Central, a BP é um membro destacado do consórcio Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) que controla o oleoduto que passa pelo Azerbaijão, Geórgia e Turquia, o qual, fortemente financiado pelo Banco Mundial e por outras agências estatais, foi inaugurado em junho de 2005. Demandas judiciais contra o governo da Turquia relativas a abusos de direitos humanos foram apresentadas no Tribunal de Justiça da União Européia e no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Não obstante, o governo turco concedeu a BTC poderes sobre o corredor do oleodouto que anulam as leis de direitos humanos, ambientais e sociais, e despojam os povos da região de seus direitos civis. BTC tem acesso limitado à água e está isento de responsabilidade no caso de um derramamento de petróleo. O oleoduto requer um corredor militarizado que põe em perigo o frágil acordo de trégua de hostilidades entre Turquia e grupos curdos. Mesmo antes de ser concluído, o oleoduto BTC já influía na geopolítica petroleira. Ele é de enorme importância estratégica na Transcaucasiana e, graças a BTC, os EUA e outros poderes ocidentais podem intervir muito mais nos assuntos da região.

Nem os Estados Unidos estão imunes. Os dados do inventário de emissões tóxicas da Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental) identificam a BP como a empresa mais contaminadora do país. Em 1999, uma filial, a BP Exploration Alaska, teve que pagar US$ 22 milhões por danos provocados pelo vazamento de resíduos tóxicos em Endicott Island. Em agosto de 2006, foi obrigada a fechar as instalações da Bahia Prudhoe em conseqüência de um derramamento de petróleo e diesel. Na Califórnia, a BP é um dos patrocinadores mais generosos de uma iniciativa legislativa para eliminar a lei de Unfair Business Competition (Lei de Competição Desleal) usada por grupos ambientalistas para processar empresas petroleiras pela contaminação de água potável por éter-metil-tert-butílico (MTBE). No Canadá, a BP extrai petróleo de areias de alcatrão, um processo que consume enormes quantidades de água e produz quatro vezes mais emissões de dióxido de carbono do que a perfuração convencional. O povo indígena Cree denuncia que a empresa está destruindo o velhíssimo bosque boreal, degradando o território com suas minas a céu aberto, contaminando tanto a água como a cadeia alimentar e pondo em perigo a fauna silvestre e sua forma de vida (5).

Os tentáculos da BP se estendem também no ensino superior. Em fevereiro de 2007, em meio a uma forte oposição de professores e alunos, a administração da Universidade da Califórnia, em Berkeley (UCB), anunciou um convênio entre a UCB e a BP, pelo qual a empresa financiaria com US$ 500 milhões durante dez anos o Instituto de Biociências da Energia, dedicado à investigação de biocombustíveis e biologia sintética. Com essa demonstração de poder em uma universidade pública, com esta vontade de privatizar o trabalho intelectual e de comercializar os resultados da investigação, a BP faz com que “(...) os trabalhadores dos países desenvolvidos mais influentes subvencionem a exploração de mais bens ecológicos do mundo em vias de desenvolvimento para servir às elites, aqueles que não se importam em tirar a comida da boca do povo para encher seus bolsos de ouro. Socializar os gastos para benefício privado não é nada novo no sistema capitalista. Não obstante, esse caso dá outra volta no parafuso com a combinação de ciência desacreditada, imperialismo ecológico e o sofisma do desenvolvimento sustentável” (6). Com este golpe, a BP consegue o controle de cientistas universitários, de alunos e de laboratórios além de dotar seus projetos supostamente sustentáveis de um verniz acadêmico.

A BP tem um negócio de bilhões de dólares com o governo dos EUA na forma de contratos de defesa anuais e como fornecedor principal de combustível ao maior consumidor mundial de gás e petróleo: o Pentágono. Segundo o Center for Responsive Politics, a BP ocupa o centésimo lugar entre os doadores mais importantes das campanhas políticas: mais de US$ 5 milhões desde 1990 repartidos entre republicanos e democratas, com os percentuais de 72% e 28%, respectivamente. O Centro aponta o presidente Obama como o destinatário que mais se beneficiou durante os últimos 20 anos das doações do comitê de “ação política” da BP ($77.051) (7). A BP, seus comitês de “ação política” e seus empregados contribuíram com mais de US$ 3,5 milhões aos candidatos federais durante os últimos cinco anos, fora o dinheiro destinado ao lobby. Em 2009, liberou US$ 15,9 milhões em seus esforços por influir na política energética nacional (8). Desta maneira, com uma gestão bem azeitada, consegue-se a “exclusão categórica” da política ambiental.

Evidentemente, a BP não trabalha sozinha. Um rápido olhar sobre algumas de suas conexões corporativas e governamentais é educativo, para não dizer alucinante. O presidente do Goldman Sachs Internacional, Peter Sutherland – que, com oito outros gerentes do Goldman Sachs, recebeu mais de US$ 12 milhões em honorários em 2009 – (9) e presidente da BP até que muito astutamente demitiu-se em dezembro de 2009, tem um currículo fascinante na página da Comissão Trilateral (10): “(...) É também presidente do Goldman Sachs International (1995 – até agora). Nomeou-se presidente da London School of Economics em 2008. Atualmente é representante especial da ONU para a Migração e o Desenvolvimento. Anteriormente era diretor-geral fundador da Organização Mundial do Comércio (OMC) e diretor-geral do Acordo Geral Sobre Comércio e Tarifas (GATT) desde julho de 1993, além de desempenhar um papel decisivo nos acordos da Rodada Uruguai, do GATT. É membro do comitê diretor do grupo Bilderberg e também assessor financeiro do Vaticano”.

Igualmente astuta foi sua empresa Goldman Sachs quando vendeu 44% de suas ações da BP no primeiro trimestre de 2010, embolsando cerca de US$ 266 milhões e economizando US$ 96 milhões a preços atuais (11). As cifras apontadas pelo Center for Responsive Politics demonstram que o comitê de “ação política” do Goldman Sachs e empregados individuais doaram US$ 994.795 durante 2007 e 2008 para a campanha de Obama. Outro homem da BP com agudo senso de oportunidade é o chefe executivo Tony Hayward – anteriormente membro da junta consultiva do Citibank – que vendeu ações da BP avaliadas em US$ 2.130.000, um terço de sua participação, somente algumas semanas antes do desastre do Golfo do México (12). Já os aproximadamente 18 milhões de acionistas ingleses não foram tão bem informados, especialmente muitos pensionistas, já que os fundos de aposentadoria britânicos dependem de lucros na Bolsa que pagam 1 libra de cada 7 que recebem anualmente. A queda livre do preço das ações de “rentabilidade segura” da BP até mais de 50% de seu valor em abril e o fato de que a empresa terá que pagar cerca de US$ 13,5 bilhões para um fundo de compensação significam que o pagamento de dividendos ficará suspenso até, no mínimo, 2011.

Demandada juntamente com a BP na maioria das 150 ações judiciais provocadas pelo desastre do Golfo do México, está a Halliburton Energy Services, a empresa contratada para a parte técnica da operação, encarregada da injeção de cimento no subsolo. Esta equipe foi forjada há anos durante o planejamento da invasão do Iraque. A BP foi encarregada, então, pelo Ministério do petróleo inglês de realizar estudos técnicos e de fornecer assessoria, análise e formação para o campo petrolífero de Rumaila. Nas palavras de Ethical Consumer:

“(...) antes da invasão, a BP treinava as tropas inglesas para manter e dirigir os campos petrolíferos que tinham sido apoderados no sul do Iraque. A gigante estadunidense Halliburton, que fornece serviços às empresas para a exploração, o desenvolvimento e a produção de petróleo e gás, foi encarregada de restaurar e reconstruir a infraestrutura petroleira e, nesta condição, acompanhava as tropas aos campos petrolíferos” (13).

Há alguns dias, um consórcio dirigido pela BP conseguiu o contrato para desenvolver o maior campo petrolífero do Iraque, Rumaila.

Não é possível contar toda a história de canalhices da BP em poucas páginas, nem as conseqüências de seus negócios na geopolítica, na balança da guerra e da paz, na economia, no meio ambiente e no mundo em geral, envolvendo desde a política do Oriente Médio até pessoas sem posses, às vezes assassinadas em comunidades remotas. Essas notas oferecem apenas um vislumbre da enormidade de crimes cometidos por essa empresa. A BP não representa nenhuma exceção entre as empresas petroleiras nem entre as grandes corporações. Sua história, além do vazamento de petróleo no Golfo do México, constitui um exemplo mais de seu enorme poder e impunidade. E não há nada reconfortante na notícia da semana anterior que nos informa que o novo governo de coalizão britânico considera conveniente nomear o antigo chefe executivo da BP (1995-2007), também antigo diretor não executivo de Goldman Sachs e “O Rei Sol”, Lord Browne, como o novo superdiretor de Whitehall, encarregado de difundir, no coração do governo, o espírito de valores comerciais” (14). Enquanto isso, a linguagem dos impunes delata bastante a continuada presença da bota. Em junho, um porta-voz da Casa Branca afirmou que a tarefa do presidente Obama é apertar a bota no pescoço da BP, enquanto que o jornal inglês The Telegraph (15) diz que a bota de Obama aperta o pescoço dos pensionistas ingleses. Na verdade, os impunes diretores e funcionários fabulosamente bem remunerados da BP estão calçando as mesmíssimas botas e pisoteiam gente indefesa.

Notas:

1. Juliet Eilperin, 2010 “U.S. Exempted BP’s Gulf of Mexico Drilling from Environmental Impact Study”, The Washington Post, 5 de mayo.

2. Stephen Kinser, 2003, All the Shah’s Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror, John Wiley and Sons, p.204.

3. Con respecto a DSC, véase http:www.sourcewatch.org/index.php?title=Defence Systems Limited#Colombia.

4. Véase el informe de la ONG Platform, Greg Muttitt and James Marriott, 2002, “Line of Fire: BP and Rights Abuses in Colombia”, http://www.platformlondon.org/carbonweb/documents/chapter11.pdf.

5. Terry Macalister, “Cree Aboriginal Group to Join London Climate Camp Protest over Tar Sands”, The Guardian, 23 de agosto de 2010.

6. Hannah Holleman y Rebecca Clausen, 2008, “Biofuels, BP-Berkeley and the New Ecological Imperialism”, http://mrzine.monthlyreview.org/2008/hc160108.html.

7. John Byrne, 2010 “Obama Is Biggest Recipient of BP’s Politicap Action Cash in the Last Twenty Years”, The Raw Story, 5 de mayo, http://rawstory.com/rs/2010/0505/obama-biggest-recipient-bp-political-action-money-20-years/.

8. Erica Lovley, 2010, “Obama Biggest Recipient of Bp Cash”, Politico, 5 de mayo, http:www.politico.com/news/stories/0510/36783.html.

9. Nick Webb, 2010, “Goldman Directors Reap Fees of €9.5m”, Sunday Independent, 23 de mayo de 2010.

10. Véase http://www.trilateral.org/membship/bios/ps.htm

11. Véase http://rawstory.com/rs/2010/0602/month-oil-spill-goldman-sachs-sold-250-million-bp-stock/.

12. John Swaine and Robert Winnett, 2010, “BP Chief Tony Hayward Sold Shares Weeks Before Oil Spill”, The Telegraph, 5 de junio.

13. Véase http://www.ethicalconsumer.org/CommentAnalysis/CorporateWatch/IraqWarProfits.aspx.

14. Polly Curtis y Terry Macalister, “Former BP Chief John Browne Gets Whitehall Role”, The Guardian, 30 de junio de 2010.

15. Louise Armitstead y Myra Butterworth, 2010, “Barack Obama’s Attacks on BP Hurting British Pensioners”, The Daily Telegraph, 9 June http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/northamerica/usa/barackobama/7815713/Barack-Obamas-attacks-on-BP-hurting-British-pensioners.html.

(*) Julie Wark é integrante do Conselho Editorial de SinPermiso.

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 11 de julho de 2010

A lei da selva

Juremir Machado no Correio do Povo de 09/07/2010

Edgar Morin, o pensador da complexidade, completou 89 anos de idade ontem. Nos últimos anos, ele tem pensado prioritariamente a necessidade de conciliar economia e ecologia, produção de alimentos e defesa do meio ambiente, geração de riqueza e proteção do patrimônio ambiental. A aprovação na Comissão Especial da Câmara de Deputados do projeto que altera o Código Florestal brasileiro mostra que estamos muito longe de alcançar o equilíbrio sonhado por Morin. A poderosa bancada ruralista, que só pensa em seus ganhos, sob o pretexto de garantir segurança alimentar, conseguiu uma anistia para todos os estragos feitos no passado. Ficam suspensas as multas para quem cometeu crime ambiental até 2008. Uau! Pode-se utilizar as áreas de reserva legal nos próximos cinco anos. As Áreas de Proteção Permanente à beira de pequenos rios são reduzidas de 30 para 15 metros. A turma da motosserra fica liberada para continuar desmatando em casos que a licença já tenha sido expedida ou em troca de um vaga promessa de reflorestamento futuro. Espaços agrícolas que estavam na ilegalidade são regularizados. Em bom português, a bancada ruralista quer mesmo é acabar com as Áreas de Proteção Permanente ou reduzi-las ao insignificante. Contra o “radicalismo” do ecologistas, os ruralistas apostam num fundamentalismo agropecuário economicista. APPs são como patrimônios tombados. Se dependesse dos ruralistas, pelo jeito, prédios históricos seriam derrubados para dar espaço à produção. Que tal fábricas no lugar de “improdutivas” construções preservadas? Os ruralistas são campeões do fato consumado. Primeiro, estrategicamente, desobedecem a lei. Depois, trabalham para que ela seja alterada. E ainda se queixam do MST e pedem segurança jurídica. Esse novo Código Florestal, defendido pelo relator do projeto, o parlamentar ruralista Aldo Rebelo, se aprovado, será um extraordinário retrocesso. Tem muito água para rolar antes de isso acontecer: aprovação pelo plenário da Câmara, Senado e sanção do presidente. Por enquanto, é uma manobra eleitoral, politicagem pura e assustadora. A legislação atual precisa ser melhorada? Certamente. A proposta aprovada pela tal Comissão Especial traz melhorias? Pouquíssimas. A malandragem é muito grande. Antes, os ruralistas combatiam a divisão entre agricultura familiar e agronegócio. Diziam que é tudo igual. Agora, espertamente, argumentam que a mudança é boa para a agricultura familiar. Nem isso é totalmente verdadeiro. Ela é boa mesmo para os grandes proprietários, que ficarão mais à vontade para destruir a Amazônia. A mensagem que se extrai do projeto é simples e direta: destruam, desmatem, derrubam essa tralha, que depois a gente consegue uma anistia e fica tudo numa boa. Afinal, este é o país da impunidade, inclusive para crimes ambientais. É a lei da selva. Contra a selva. Os agrochatos tem um latifúndio de cadeiras no parlamento. Caros ruralistas, leiam Morin. Vocês continuam atrasados.

Multidão sem precedentes de catalães e catalãs manifesta-se pela autodeterminação em Barcelona



100710_catalu DL - A palavra de ordem foi "Nós somos uma nação. Nós decidimos", os participantes – cifrados em um milhão pela polícia – protestaram na noite de hoje contra a sentença do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto da Catalunha.
Barcelona. Centenas de milhares de catalães manifestaram-se hoje em Barcelona pela autodeterminação, com participação do chefe de governo da Catalunha, José Montilla, do PSC (partido associado ao PSOE espanhol), e de todos os presidentes anteriores da Autonomia atual.
Com a manifestação cuja palavra de ordem foi "Nós somos uma nação. Nós decidimos", os participantes – cifrados em um milhão pela polícia – protestaram na noite de hoje contra a falha do Tribunal Constitucional espanhol sobre o Estatuto da Catalunha.
Há quase duas semanas, além de declarar inconstitucionais 14 pontos de seus mais de 200 artigos, o Tribunal reinterpretou ou matizou outros 27.
Com bandeiras catalãs, os manifestantes recorreram hoje o centro da metrópole meditarrânea e entoaram lemas de independência. "Adéu Espanya" ("Adeus Espanha") foi uma das consígnas nos panfletos.
Entretanto, nem todos os manifestantes pediam a autodeterminação para essa nação sem Estado, bem como o levantamento da falha do Tribunal Constitucional.
Entre outras coisas, os juízes do tribunal haviam repudiado a criação de um sistema de justiça catalão, algo previsto no estatuto. E qualificaram de inconstitucional que o idioma catalão tenha preferência frente ao castellano, tanto nas escolas como na administração.
A corte falhou, além disto, que a definição de Catalunha como nação no preâmbulo do Estatuto carece de eficácia jurídica.
Baseado na crônica de La Jornada (México).
Tradução: Lucas Morais (E-mail/Blog/Twitter)

Segunda fonte: Vilaweb
100710_catSucesso incontestável de uma jornada histórica
O independentismo colapsa Barcelona numa manifestação sem precedentes. Todo o passeio de Graça e a Grã Via, cheios de manifestantes. A cabeceira teve de se dissolver porque não podia adiantar dada a participação em massa.
Centenas de milhares de cidadãos de todo o país colapsaram hoje o centro de Barcelona numa manifestação sem precedentes contra a sentença do Tribunal Constitucional (TC) sobre o estatuto. A um quarto para as sete começou muito lentamente a manifestação, coordenada por Òmnium Cultural com o apoio de mil e quinhentas entidades e partidos, e bem cedo ficou todo o percurso previsto (Passeio de Graça de Diagonal a Grã Via e Grã Via de Passeio de Graça até praça Tetuan) completamente colapsada ao ponto que a cabeça, com milhares de cidadãos diante e detrás, quase não pode adiantar e teve de  se dissolver. À cabeça foram os seis presidentes e ex-presidentes da Generalitat e do parlamento: José Montilla, Ernest Benach, Pasqual Maragall, Jordi Colina, Joan Rigol e Heribert Barreira.
A manifestação é multitudinària e participam entidades e partidos de todo o País. A Obra Cultural Balear, juntamente com uma plataforma formada pela maioria de partidos de de as Ilhas (PSIB-PSOE, UM, PSM, ERC, EAV, Iniciativa de Esquerdas, os Verdes e Entesa por Maiorca), também participa, depois da concentração de ontem na praça de Corte de Palma, que já reuniu centenas de pessoas. Acció Cultural do País Valenciá organizou autocarros desde a maioria de comarcas do País Valenciá. Uma dezena de autocarros foram a Barcelona desde a Catalunha Norte, promovidos pelo Casal Catalão Jaume I de Perpinyà e por partidos políticos.
Sentença num dia dantes
Precisamente ontem o Tribunal Constitucional espanhol fez pública a sentença íntegra contra o estatuto de autonomia de Cataluña, uma sentença que ataca as bases da autonomia e da normalização linguística: defesa a primacia da língua espanhola, diz que a constituição só reconhece a nação espanhola e corta as competências da Generalitat em aspectos chave como a divisão territorial, a arrecadação de impostos, a legislação sobre as caixas, a convocação de referendos e o poder judicial. A publicação fez-se horas antes da grande manifestação contra a sentença, fato que tem inflamado as horas prévias.
Tradução: DL.

sábado, 10 de julho de 2010

A CASA SINISTRA - 1932 - JAMES WHALE

A CASA SINISTRA
1932
JAMES WHALE




SINOPSE
Em busca de abrigo para fugir de uma tempestade, um casal de viajantes é acolhido na velha mansão da estranha família Femm.









JAMES WHALE



O cinema clássico de horror deve muito a James Whale. O britânico entregou alguns dos mais fantásticos filmes da Universal; sem ele não teríamos a imagem que aprendemos a admirar de Boris Karloff como o monstro de Frankenstein, nem a visão diabólica do Dr. Pretorius em A NOIVA DE FRANKENSTEIN ou mesmo a primazia na técnica de O HOMEM INVISÍVEL.

Dono de um requintado estilo a frente de seu tempo e de um trabalho de câmera fluído e único - pesadamente influenciado pelo impressionismo alemão - sua polêmica vida particular é tão interessante como sua vida profissional, portanto, Whale merece um olhar mais profundo que você terá a oportunidade de conferir nesta grande jornada por sua fugaz e brilhante carreira.LEIA A CRITICA NA ÍNTEGRA NESSE SITIO





ELENCO
Boris Karloff
Melvyn Douglas
Charles Laughton
Lilian Bond
Ernest Thesiger
Eva Moore
Raymond Massey
Gloria Stuart
Elspeth Dudgeon
Brember Wills

FICHA:

Título Original: The Old Dark House
País De Origem: EUA
Ano De Lançamento: 1932
Gênero: Terror
Duração: 1h 12Min
Idioma: Inglês

DADOS DO ARQUIVO:

Qualidade: DVDRip
Formato: AVI
Tamanho: 698 MB
Legenda: Português/BR (Separadas)
Servidor: Megaupload

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Israel fecha acordo para impedir que navio com ajuda da Líbia chegue a Gaza

Do sitio OperaMundi


Fontes do Ministério de Assuntos Exteriores de Israel informaram neste sábado (10/7) à imprensa local que o país chegou a um acordo com Grécia e Moldávia para impedir que um navio com ajuda humanitária fretado pela Líbia chegue à Faixa de Gaza.
Segundo as fontes, o ministro de Assuntos Exteriores israelense, Avigdor Lieberman, conseguiu o acordo com colegas da Grécia, Dimitris Droutsas, e da Moldávia, Lurie Leanca.Os dois países se comprometeram com Lieberman a realizar esforços para impedir que o navio, de bandeira moldávia, abandone o porto grego no qual se encontra, de acordo com os sites dos jornais israelenses Ha'aretz e Yedioth Ahronoth.O acordo prevê que o navio deve se comprometer a seguir para o porto egípcio de El Arish, próximo a Gaza, caso deixe a Grécia.
Na sexta-feira (10/7), a imprensa grega noticiou que um navio cargueiro fretado por uma organização islâmica presidida por Saif Gadafi, filho do líder líbio Muammar Kadafi, estava para zarpar de um porto grego para tentar romper o bloqueio israelense à Faixa de Gaza.

Leia mais:
Nova embarcação para tentar furar bloqueio da Faixa de Gaza parte da Grécia
Irã enviará embarcação com ajuda humanitária a Gaza
Sob ameaça israelense, Líbano se prepara para enviar ajuda humanitária a Gaza
Israel também pediu à ONU para que impeça que o navio tente romper o bloqueio, alegando que já satisfez as exigências internacionais de abrir a faixa à livre entrada de produtos de consumo.
Em carta ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a embaixadora israelense na entidade, Gabriela Shalev, pressiona a comunidade internacional "a exercer sua influência sobre o governo da Líbia para que demonstre responsabilidade e impeça a saída do navio".
"Sob o direito internacional, Israel se reserva o direito de impedir que o navio viole o bloqueio naval imposto à Faixa de Gaza", escreve Shalev.
Israel impôs um bloqueio à Faixa de Gaza em 2007, quando o movimento islamita Hamas assumiu o controle desse território e expulsou os moderados aliados ao presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas. Um ano antes, após a captura do soldado Gilad Shalit por três milícias palestinas, Israel já tinha imposto medidas restritivas à livre passagem de pessoas e mercadorias procedentes ou com destino à Faixa.
No mês passado, o país suspendeu boa parte das restrições por conta das pressões internacionais pela morte de nove ativistas turcos na abordagem israelense a um grupo de seis navios que se dirigiam a Gaza com ajuda humanitária. No entanto, o bloqueio terrestre, marítimo e aéreo continua, para impedir que armas cheguem às mãos das milícias palestinas.
Desde os fatos do ataque à frota de seis navios, no último dia 31 de maio, várias organizações islamitas no Líbano e no Irã anunciaram que enviarão navios com ajuda humanitária para o território.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Como operar a transição do velho para o novo paradigma




Leonardo Boff *Adital 
 

Damos por já realizada a demolição crítica do sistema de consumo e de produção capitalista com a cultura materialista que o acompanha. Ou o superamos historicamente ou porá em grande risco a espécie humana.
A solução para a crise não pode vir do próprio sistema que a provocou. Como dizia Einstein:"o pensamento que criou o problema não pode ser o mesmo que o solucionará". Somos obrigados a pensar diferente se quisermos ter futuro para nós e para a biosfera. Por mais que se agravem as crises, como na zona do Euro, a voracidade especulativa não arrefece.
O dramático de nossa situação reside no fato de que não possuímos nenhuma alternativa suficientemente vigorosa e elaborada que venha substituir o atual sistema. Nem por isso, devemos desistir do sonho de um outro mundo possível e necessário. A sensação que vivenciamos foi bem expressa pelo pensador italiano Antônio Gramsci: "o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer".
Mas por todas as partes no mundo há uma vasta semeadura de alternativas, de estilos novos de convivência, de formas diferentes de produção e de consumo. Projetam-se sonhos de outro tipo de geosociedade, mobilizando muitos grupos e movimentos, com a esperança de que algo de novo poderá eclodir no bojo do velho sistema em erosão. Esse movimento mundial ganha visibilidade nos Fóruns Sociais Mundiais e recentemente na Cúpula dos Povos pelos direitos da Mãe Terra, realizada em abril de 2010 em Cochabamba na Bolívia.
A história não é linear. Ela se faz por rupturas provocadas pela acumulação de energias, de idéias e de projetos que num dado momento introduzem uma ruptura e então o novo irrompe com vigor a ponto de ganhar a hegemonia sobre todas as outras forças. Instaura-se então outro tempo e começa nova história.
Enquanto isso não ocorrer, temos que ser realistas. Por um lado, devemos buscar alternativas para não ficarmos reféns do velho sistema e, por outro, somos obrigados a estar dentro dele, continuar a produzir, não obstante as contradições, para atender as demandas humanas. Caso contrário, não evitaríamos um colapso coletivo com efeitos dramáticos.
Devemos, portanto, andar sobre as duas pernas: uma no chão do velho sistema e a outra no novo chão, dando ênfase a este último. O grande desafio é como processar a transição entre um sistema consumista que estressa a natureza e sacrifica as pessoas e um sistema de sustentação de toda vida em harmonia com a Mãe Terra, com respeito aos limites de cada ecossistema e com uma distribuição equitativa dos bens naturais e industriais que tivermos produzido. Trocando idéias em Cochabamba com o conhecido sociólogo belga François Houtart, um dos bons observadores das atuais transformações, convergimos nestes pontos para a transição do velho para o novo.
Nossos países do Sul devem em primeiro lugar, lutar, ainda dentro do sistema vigente, por normas ecológicas e regulações que preservem o mais possível os bens e os serviços naturais ou trate sua utilização de forma socialmente responsável.
Em segundo lugar, que os países do grande Sul, especialmente o Brasil, não sejam reduzidos a meros exportadores de matérias primas, mas que incorporem tecnologias que dêem valor agregado a seus produtos, criem inovações tecnologias e orientem a economia para o mercado interno.
Em terceiro lugar, que exijam dos países importadores que poluam o menos possível e que contribuam financeiramente para a preservação e regeneração ecológica dos bens naturais que importam.
Em quarto lugar, que cobrem uma legislação ambiental internacional mais rigorosa para aqueles que menos respeitam os preceitos de uma produção ecologicamente sustentável, socialmente justa, aqueles que relaxam na adaptação e na mitigação dos efeitos do aquecimento global e que introduzem medidas protecionistas em suas economias.
O mais importante de tudo, no entanto, é formar uma coalizão de forças a partir de governos, instituições, igrejas, centros de pesquisa e pensamento, movimentos sociais, ONGs e todo tipo de pessoas ao redor de valores e princípios coletivamente partilhados, bem expressos na Carta da Terra, na Declaração dos Direitos da Mãe Terra ou na Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade (texto básico do incipiente projeto da reinvenção da ONU) e no Bem Viver das culturas originárias das Américas.
Destes valores e princípios se espera a criação de instituições globais e, quem sabe, se organize a governança planetária que tenha como propósito preservar a integridade e vitalidade da Mãe Terra, garantir as condições do sistema-vida, erradicar a fome, as doenças letais e forjar as condições para uma paz duradoura entre os povos e com a Mãe Terra.

* Teólogo, filósofo e escritor

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Movimentos sociais precisam criar um novo partido contra o Estado


Em entrevista, o jornalista José Arbex Jr. incita os movimentos sociais brasileiros a criar um instrumento político que se organize contra o Estado, galvanizando os excluídos do sistema capitalista e com um programa construído nas bases 



Nilton Viana
da Redação
do Brasil de Fato


Em meio à crescente exclusão promovida pelo avanço do capitalismo liberal nas últimas décadas, o jornalista José Arbex Jr. defende que os movimentos sociais formem um novo partido no Brasil. Para ele, essas organizações são as únicas da esquerda que conseguem dialogar com os setores alijados da economia capitalista, como os sem terra e sem teto. Esses grupos tendem ser mais e mais massacrados, uma vez que o neoliberalismo é incapaz de incorporá-los – pelo contrário – na sua dinâmica. Assim, o Estado assume um caráter cada vez mais repressor e segregacionista para poder manter uma certa estabilidade social. O que Arbex propõe, então, é que os movimentos sociais impulsionem um instrumento político que, aglutinando os excluídos, parta do pressuposto de que o Estado brasileiro foi construído contra a nação, e coloque a questão do poder, dando um salto qualitativo em relação à sua condição atual.


Brasil de Fato – No Brasil, negros, pobres e as comunidades carentes, principalmente dos grandes centros  urbanos, têm sido vítimas de todas as formas de violência, principalmente da violência policial, do Estado. Como você avalia esse caos social que o Brasil vive hoje?

José Arbex Jr. – Se você comparar a situação de hoje com a de outubro de 1992, quando ocorreu o massacre do Carandiru [em São Paulo-SP], você vai ver uma diferença muito grande. Naquela ocasião, foram mortos 111 presos e isso provocou uma grande polêmica nacional, um escândalo que a sociedade tratou como um acontecimento inaceitável. Em comparação, hoje, o governador do Rio de Janeiro [Sérgio Cabral – PMDB] exibe  triunfalmente a estatística de que a polícia está matando mais de 1.500 pessoas por ano nos morros cariocas – um Carandiru por mês. E isso não provoca nenhuma indignação na sociedade, é como se fosse normal. A polícia, tanto no Rio como em São Paulo, vem usando um expediente que é inconstitucional, que é o mandado de busca coletivo. Ou seja, ela tem o direito de entrar na sua casa não porque você seja suspeito de ter cometido um crime, não porque você seja suspeito de ter ligação com o crime organizado ou algo do tipo, mas simplesmente porque você mora naquele lugar. Seria possível um mandado de busca coletivo no Jardins? Eu não digo nem no bairro, digo em um quarteirão do Jardins, aliás, nem em um quarteirão, um mandado coletivo em um prédio da rua Oscar Freire? Acha que isso seria possível, todos os moradores serem passíveis de ter a polícia dentro de seus apartamentos somente porque moram ali? É óbvio que não. Então temos um Estado que trata alguns brasileiros como portadores de direitos e outros como portadores de direito nenhum. Estamos num processo de terror que atinge especificamente um setor mais numeroso da população, que são os trabalhadores.


A ONU tem divulgado dados que apontam o Brasil com uma das maiores taxas de homicídios do mundo...

A ONU considera que o Brasil tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo, com algo em torno de 50 mil mortes por ano, e que a polícia e esquadrões da morte são os maiores responsáveis por essa façanha. Morre muito mais gente baleada no Brasil do que no Iraque, na Palestina e em outras áreas conflituosas do planeta. Só para efeito de comparação: os 30 anos de guerra civil entre protestantes e católicos na Irlanda, iniciada em 1968 e considerada de extrema violência, produziram menos de 3 mil mortes, isto é o equivalente a três semanas normais no Brasil. Isso é uma situação permanente, que a mídia acoberta e que está se tornando algo natural. É muito perigoso. Nós sabemos no que dá quando você naturaliza a matança, a segregação do Estado, o terror sobre populações indefesas... Basta olhar a história recente da Alemanha. Isso é muito preocupante e é o traço mais terrível da conjuntura nacional hoje.

E quem são os principais responsáveis por essa situação?

Em primeiro lugar é o Estado. É o Estado que abriu mão de universalizar as leis. As leis são válidas para todos os cidadãos, independentemente de sua religião, cor, raça, de sua conta bancária. Elas são universais e é para isso que o Estado serve – mesmo o burguês –, para tornar as leis universais e não para beneficiar determinados grupos da sociedade. Em segundo lugar, a responsabilidade é de um governo – tanto federal como local – que privilegia o pagamento anual de R$ 200 bilhões de juros para os bancos ao invés de criar uma infraestrutura básica – de educação, saúde, transportes e saneamento básico... – que tornaria decente a vida das pessoas, assegurando-lhes aquilo que a burguesia garantiu, por exemplo, na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra. Não estou falando de socialismo, mas de direitos burgueses. Hoje, você tem um governo que destrói cada vez mais o Estado em nome do superávit primário e faz com que a vida de milhões de pessoas que habitam nas periferias seja um inferno total. Os grandes grupos interessados na especulação imobiliária, as empreiteiras e os agentes do capital financeiro e os grupos que controlam o Estado no Brasil fazem configurar esse tipo de política social. Os responsáveis estão muito bem estabelecidos. Com isso, não estou desculpando a bandidagem, não estou dizendo que a periferia tem muito bandido porque não tem a presença do Estado e que a bandidagem se justifica pela ausência do Estado. O que estou dizendo é que evidentemente é muito mais propício o desenvolvimento do crime organizado e da bandidagem numa situação de degradação moral de uma população do que numa situação na qual as pessoas tenham vida digna. As pessoas, numa situação desesperada, veem como saída o narcotráfico, a organização em gangues, porque elas não encontram outra saída; é óbvio. O terror do Estado alimenta o crime e o crime alimenta o terror de Estado.

E a principal vítima desse sistema é a juventude.

Principalmente. Se você pegar os índices de homicídios que o próprio Estado brasileiro divulga, você vai ver que a imensa maioria é de homens entre 16 e 28 anos. Negros, pobres, claro a imensa maioria pobres, morando nestes setores considerados malditos, a chamada periferia. Eu nem gosto de usar o nome periferia porque periferia acabou adquirindo uma conotação pejorativa como se houvesse uma homogeneidade no modo de vida e interesses culturais etc., em todo o Brasil. Quando você fala em periferia, parece que a periferia em São Paulo é igual a do Rio, que é igual a do Recife, de Salvador, de Belém... E não é verdade, cada um desses lugares tem os seus dilemas sociais, culturais, morais, econômicos. São distintos. Mesmo aqui em São Paulo você não pode comparar Jardim Ângela, por exemplo, com Heliópolis. Quer dizer, a periferia é um todo, cinzento, inventado pela mídia para designar uma mancha, que ameaça a estabilidade social, a vida dos cidadãos decentes, que somos nós da classe média, os que vivem no centro urbano, como se houvesse um cordão de ameaça àqueles que são os “bons cristãos”. Mesmo esse termo periferia já é um rótulo que acoberta o assassinato da juventude. Logo, se o cara é assassinado pela polícia, aí você fala: “mas ele é da periferia”... pronto, já está justificado.
Aliás nós temos um movimento muito importante hoje no Brasil que são as Mães de Maio, que são as mães daquelas 600 pessoas (mais ou menos) assassinadas em maio de 2006, que a polícia matou como represália aos ataques do PCC. Entre os assassinados tinham uns jovens entregadores de pizza cujo único crime foi – eles estavam ouvindo música naqueles walkman – não ouvir a sirene da polícia e não parar a moto. Os jovens são assassinados sob o rótulo da periferia, que tornam todos suspeitos. É como na Alemanha nazista, você falava “é judeu”, pronto, estava justificado.

O governo do Rio de Janeiro está construindo muros para isolar os pobres. Como você vê isso?

É o muro da segregação. Os muros agora estão se multiplicando pelo mundo inteiro e são uma decorrência do próprio sistema capitalista, que já não encontra saída para integrar bilhões de seres humanos na economia. Eles não têm como integrá-los. A única forma que encontram para preservar a ordem é criar muros. Mas então você vai me dizer: mas não é um exagero falar em bilhões? Não. Basta analisar as estatísticas recentes da FAO, que é o órgão da ONU para a agricultura, que você vai ver que, pela primeira vez na história da humanidade, o sistema econômico conseguiu produzir a fantástica cifra de 1 bilhão de famintos. Se associar esse 1 bilhão de famintos àqueles chamados subnutridos – que são os que não são famintos porque conseguem o mínimo de calorias necessárias para se manter vivos nas próximas 24 horas –, já são 2 bilhões. E se associar isso à rede extra-econômica para conseguir comida – os subnutridos que roubam para conseguir 1 litro de leite para dar ao fi lho –, teremos metade da humanidade. Bilhões de seres humanos que não são e não serão integrados à economia. A única saída para o sistema é considerá-los descartáveis. E, para isolar os descartáveis, cria muros.

Esse cenário coloca para a esquerda, que tem se mostrado incapaz de organizar essa imensa maioria da população, um desafio muito grande. Como você vê a esquerda brasileira diante desse quadro?

Tenho uma visão muito particular sobre isso. Considero que o MST encontrou historicamente uma maneira de integrar os setores mais excluídos e miseráveis da sociedade brasileira num movimento organizado, que confere aos seus participantes dignidade, consciência política e a oportunidade de assumir os seus próprios destinos como cidadãos. Isso faz do MST o movimento mais importante da história do Brasil, com certeza da história republicana. O MST e boa parte desses movimentos espelhados na sua experiência, como o MTST [sem teto], o MAB [atingidos por barragens] e tantos outros, encontraram uma fórmula de organizar suas bases e, se fizermos uma radiografia daquilo que acontece hoje nos morros urbanos, no campo, em todos os setores que sofrem discriminação, nós vamos descobrir que existe uma boa base de organização. Não acho que existe uma dispersão total.

Agora, o problema é que esses movimentos sociais no seu conjunto precisam dar um salto de qualidade e criar um movimento que aponte concretamente a questão do poder. O momento que vivemos no Brasil provou o esgotamento da fórmula do partido eleitoral do tipo PT para resolver os problemas dos grandes setores de massa no Brasil. O PT não resolveu esse problema, ele chegou ao poder e não fez reforma agrária; conduziu a macroeconomia ao agrado do capital financeiro mundial; e, hoje, uma revista como a Veja e jornais como O Estado de São Paulo afirmam claramente que tanto faz Dilma Rousseff ou José Serra porque os dois vão aplicar a mesma macro-política. Pode ter diferença cosmética, no sentido de que talvez a Dilma seja menos repressiva e prossiga com alguns programas que dão migalhas sociais. Mas isso não resolve os problemas anteriormente apontados. Portanto, acho que os movimentos sociais precisam dar um salto de qualidade e criar uma organização que aponte uma alternativa estratégica, que coloque a questão do poder. É necessário um instrumento político que reúna esses movimentos sociais e aponte uma alternativa de poder. Está na hora de um novo partido no Brasil. Ou de uma frente plural de partidos – partidos ou movimentos sociais. Teria de se pensar uma forma criativa de realizar essa organização, mas que dê um salto qualitativo. Nesses anos todos, os movimentos criaram e construíram direções que são conhecidas nacionalmente e internacionalmente, identificadas com transformações da sociedade, que não se deixaram cooptar por esse processo de participação lucrativa na economia neoliberal, que não aceitaram participar do esquema, direções identificadas com as lutas cotidianas dos trabalhadores brasileiros na cidade e no campo. Essas direções existem, são reconhecidas e elas têm a responsabilidade, na minha opinião, de assumir esse novo momento da história brasileira.

Você está defendendo a criação de um novo instrumento político. Isso significa que os atuais partidos e organizações da esquerda não têm conseguido dar respostas às necessidades da imensa maioria da população e não conseguem enfrentar essa nova realidade brasileira como um instrumento de transformação?

Sem dúvida nenhuma. Historicamente, os partidos brasileiros – incluindo o PT, do qual eu também fazia parte, portanto não estou me excluindo dessa história – foram capazes de atingir uma massa de trabalhadores com carteira assinada, funcionários públicos, operários da grandes metalurgias, da indústria de automóveis etc. e até uma faixa de pequenos comerciantes, uma classe média pauperizada. Até aí esses partidos chegaram. Mas isso constitui uma minoria da população. A grande maioria está hoje na periferia, no campo, no Brasil profundo. E esses setores nunca foram organizados pelos partidos. Eles foram muito mais organizados pela Rede Globo, que chega em qualquer lugar, no ponto extremo da Amazônia, os caras têm uma antena parabólica e vão assistir a novela Viver a Vida. Logo, quem atingiu esses setores? O MST, o MAB, o MTST atingiram. Hoje, temos uma situação na qual os partidos que dizem representar a população não dialogam com esses setores. Ou melhor, dialogam na forma da porrada, do terrorismo de Estado. E, por outro lado, os movimentos sociais que organizam esses setores estão excluídos da esfera do poder. Isso configura uma situação absolutamente intolerável, porque significa que o Estado brasileiro existe para um determinado setor da sociedade e para outro não. Então, os partidos historicamente fracassaram nessa missão e os movimentos sociais foram bem sucedidos em organizar esses setores. Quando eu digo bem sucedidos não significa que o serviço já está feito. Ainda há muita coisa para fazer. E o MST mostrou que o caminho existe. Ou seja, é possível organizar esses setores. Assim, ou os movimentos sociais assumem essa tarefa de dar um salto político e conduzir esses setores que nunca fi zeram parte da vida política brasileira para uma outra saída estratégica na qual eles passem a fazer parte – e devem fazer isso já, urgente – ou o que nós vamos ver é cada vez mais esses setores pagando o preço terrível de não terem uma voz política e serem segregados por muros.

E a ofensiva permanente das elites para criminalizar os movimentos sociais e as lutas, você acha que um instrumento político, tal qual você coloca, ajudaria as organizações nessa batalha? Você acha que um partido político legalizado seria um suporte fundamental frente a esse cenário?

Isso me parece óbvio porque quando a direita faz sua ofensiva ela usa o aparelho de Estado. Por exemplo, montam uma CPI para paralisar o MST, que é obrigado a drenar toda a sua energia para se defender. Assim, o aparelho de Estado monta a ofensiva, conta com o braço armado que é a polícia e o exército, e vem para cima dos movimentos sociais. E cria um consenso social na classe média por meio da mídia. O aparelho de Estado não é neutro, como disse antes ele não universaliza as leis, e é lógico que, se os movimentos sociais não tiverem um instrumento político que coloque concretamente a questão do Estado, essa situação vai se eternizar e conduzirá os movimentos sociais a um desastre absoluto, porque hoje estão numa situação de impotência. Por exemplo, no caso de Belo Monte. Populações inteiras serão expulsas de suas localidades por causa de uma usina, um empreendimento que interessa a meia dúzia de empreiteiras, e estão sem defesa. Eles estão dispostos ao auto-sacrifício para preservar aquelas terras, dizem que irão para as áreas que serão inundadas. Esse pessoal está sem a defesa de um instrumento político, porque não tem um partido que os defenda de uma forma decisiva, que  mobilize a população, que seja capaz de articular todos os movimentos sociais em sua defesa. Isso não existe. O PT não é esse partido. Então, se não houver esse salto qualitativo, é óbvio que o neoliberalismo, tendo como instrumento o Estado, vai produzir uma matança, uma criminalização cada vez maior dos movimentos sociais. Aliás, as últimas declarações, tanto do Serra quanto da Dilma, apontam para esse caminho. O tucano multiplica diariamente acusações contra o MST. E a petista, quando visitou os vários agrishow Brasil afora, disse claramente que não apoia invasão de terra, e usou o termo invasão, que é significativo, porque ela sabe que não se trata de ocupação.

Quais elementos políticos centrais devem nortear um novo instrumento dessa natureza, inclusive para não se incorrer em equívocos de tantos outros partidos brasileiros?

Hoje, qualquer articulação política séria no país tem que partir de um pressuposto, tem que ter uma discussão muito séria de que no Brasil a nação se organizou contra o Estado. Isto é uma formulação do professor Istvan Iancson – que faz parte da antiga geração de professores universitários que eram de fato professores universitários. Ele mostra que, no Brasil, durante 400 anos de escravidão houve uma política de Estado destinada a reprimir a imensa maioria da população, composta de povos originários e de escravos trazidos da África. Paralelamente, nunca houve no Brasil nenhum setor da burguesia disposto a produzir um movimento revolucionário semelhante ao que houve na França e outros países, que tinham como objetivos integrar a população trabalhadora ao processo produtivo.  Mesmo na história republicana, nos 30 primeiros anos da oligarquia do café com leite; no Estado Novo de Getúlio Vargas, que embora tivesse um projeto nacional, comandou esse projeto na base da outorga de uma estrutura sindical atrelada ao Estado, na qual os trabalhadores jamais foram independentes para construir a sua autonomia do Estado; e na ditadura militar que durou vinte e tantos anos. Quer dizer, temos uma longa história de sucessivas catástrofes que demonstram que, no Brasil, o Estado sempre foi considerado pelas elites como um órgão privado delas. O surgimento do PT e da CUT produziu uma espécie de abalo nessa história, porque, pela primeira vez, você teve a formação de uma central independente, que foi a CUT, e a formação de um partido político que não era um impulsionado a partir das elites e que conseguiu produzir abalos na estrutura do Estado que os partidos tradicionais de trabalhadores como o PC e outros nunca conseguiram produzir. Assim, é inegável que o surgimento do PT e da CUT produziram esse abalo, algo extremamente importante na história do brasileira. Porém, acho que tanto o PT quanto a CUT não levaram até o fi m essa dimensão de que o Estado foi construído contra a nação. E que, simplesmente, participar da atual estrutura do Estado não resolve o problema, porque é um Estado construído contra a nação brasileira.

As estruturas do Estado permanecem inalteradas.

É, continuam inalteradas. Por exemplo, para tornar bem visível o que estou falando, acho equivocado dizer que no Brasil não funciona o sistema de saúde. Ou não funciona o sistema de educação pública. Funciona perfeitamente. Ou alguém acha que em algum momento desse país as elites, que mandam no Estado, pretenderam construir um sistema realmente eficaz e que garantisse saúde e educação de qualidade para a maioria do povo brasileiro? Alguém acha isso? Só se for louco! Então, eu acho que esses sistemas funcionam perfeitamente bem à luz do que é o Estado brasileiro, à luz dos jagunços que mandam nesse país há 500 anos. Assim, se você construir um partido que não coloque na ordem do dia essa questão de que é preciso haver uma revolução que transforme o Estado brasileiro e que crie as condições para que haja uma integração entre Estado e nação, ele vai fracassar como todos os outros partidos. Eu acho que o único partido que teria condições de fazer isso é um partido que nasça das bases – e aí bases eu quero dizer os setores mais excluídos, mais pobres, mais miseráveis da população brasileira, que são os movimentos sociais, os camponeses, os trabalhadores desempregados, os sem teto, os que têm que se virar todo dia para conseguir comida para as próximas 24 horas, os povos originários. Todos eles constituem essa camada social que jamais foi integrada pelo Estado brasileiro e que sabem exatamente o que significa o Estado brasileiro. Então, na minha opinião, embora a experiência do PT e da CUT tenha sido extremamente positiva porque produziu abalos nessa relação do Estado e nação, eles não foram até o fi m. O PT nunca se constituiu de fato como um partido anticapitalista. Nunca se colocou com a tarefa de destruir o capitalismo.

O objetivo desse novo partido contra o Estado brasileiro vai ser o quê? Vai ser um partido socialista, social desenvolvimentista, vai querer desenvolver o capital interno?

Não sei. Não sou a Mãe Diná. Acho que não cabe a uma direção iluminada dizer o que esse partido vai ser. Nesse momento, o que se coloca em primeiro lugar é uma formulação que consiga agregar esse conjunto de movimentos sociais. Isso estabelece uma primeira base de discussão, ou seja, como é que vamos agregar esses movimentos sociais e, a partir das discussões feitas por esses movimentos sociais, dos núcleos de base. Uma discussão programática vai surgir da base. E que tenha necessariamente o seguinte: nós não queremos um partido que se integre ao Estado brasileiro tal como ele existe hoje. Esse é o ponto. O resto a gente discute. Não podemos colocar uma série de pré-condições que funcionariam como obstáculos à formação de um grande partido de base, realmente popular.

Você, como intelectual, imagino que estaria neste partido. Você acredita que outros intelectuais, a universidade, estariam também num partido com esses objetivos? Temos reserva moral na esquerda brasileira que seja capaz de impulsionar um partido dessa natureza?

Claro que temos reserva moral... e prefiro não citar nomes para não cometer injustiças... Mas, se realmente o MST é um movimento de importância histórica no Brasil, logo, é claro que, desse ponto de vista, os dirigentes e porta-vozes do MST estão entre aqueles que podem e devem impulsionar o processo. Acho que o João Pedro Stedile tem um papel particular nisso, por sua visibilidade nacional e internacional. Mas há muita gente boa nos movimentos sociais, nos partidos de esquerda e mesmo dentro do PT que se empolgaria por uma proposta de construção de um poderoso partido anticapitalista no Brasil.

Agora, ao mesmo tempo, acho que esse partido provocaria um susto em um vasto setor da classe média brasileira. Imagina o que vai acontecer no momento em que um partido conseguir juntar o MST, os movimentos que se organizam na periferia, hip hop, as Mães de Maio etc. e começa a dar visibilidade para o Brasil de cara feia. Ou seja, não é o Brasil que vai fazer compra em shopping center. Mesmo dentro da universidade, pessoas que hoje se dizem a favor de uma transformação social fi cariam assustadas quando elas vissem a cara da transformação social. Mas, ao mesmo tempo, isso geraria um efeito fantástico de produzir um senso de auto-estima e de dignidade em dezenas de milhões de brasileiros que hoje estão em baixa porque acham que não têm futuro. Você imagina o que significa para um trabalhador que trabalha 15 horas por dia para ganhar um salário-mínimo e que se afoga na cachaça, de repente, perceber que pode participar de algo desse porte? Isso daria um impulso tremendo à organização política brasileira. Seria algo muito superior ao que está acontecendo hoje na Venezuela com o Hugo Chávez. Superior dado o porte da economia brasileira, o número de habitantes e o poder que teriam esses milhões de trabalhadores organizados, que tem uma tradição de luta negada pela elites, o que é um completo absurdo. Se você pensar desde os Quilombos dos Palmares até o MST, passando pelas Ligas Camponesas, por Canudos, pela Revolta dos Malês e pelo século 19 inteiro de revoltas regionais, esse povo não parou de lutar uma década. Portanto, nós temos uma experiência de combate, uma história de luta. E um partido desse porte teria um poder enorme de galvanizar a nação brasileira. Desde que esse partido não caia no conto de se integrar ao Estado brasileiro tal como ele existe hoje. É um partido que tem que ter o compromisso de ruptura. Sem esse compromisso não conseguiria galvanizar ninguém. E acho que, nesse processo, toda a gente acabaria formulando aquilo que todo mundo diz e anseia, que é um programa para o Brasil feito com base na realidade brasileira e não nas formulações europeias. Não que eu esteja aqui negando Karl Marx ou outro pensador europeu, seria uma estupidez. O que estou dizendo é que justamente a ausência do povão na política é produzir um tipo de pensamento que é muito intelectualizado, muito antenado com concepções de vanguarda que existem na Europa e que foram formuladas na Europa, mas que se ressentem do diálogo com o povão mesmo, que tem sua própria história e que não é a história europeia. É uma outra história. Acho que isso produziria uma transformação na própria universidade. Quer dizer, os intelectuais teriam que responder ao desafio para eles mesmos como intelectuais com um partido desse tipo.


Quem é

José Arbex Jr. é editor especial da revista Caros Amigos, é doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), professor de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), autor de Showrnalismo – A Notícia Como Espetáculo e O Jornalismo Canalha (editora Casa Amarela). Durante os anos de 1980 e 1990, trabalhou no jornal Folha de S. Paulo e, em 2003, foi editor-chefe do Brasil de Fato.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O time multi-culti da Alemanha


Herr Cacau, brasileiro naturalizado alemão, é apenas um dos 11 atletas com ascendência estrangeira (Foto: Ina FassBender/Reuters)

Por Flavio Aguiar

Num país em crise, com a economia sendo “passada a ferro” pelas regras do FMI num clima recessivo, em que os direitos sociais estão passando por uma poda sem precedentes, em que o presidente renunciou recentemente e a eleição indireta do novo foi um pesadelo para o governo, em que a popularidade do governo e dos seus partidos está lá embaixo, de repente o futebol, a seleção nacional e a Copa do Mundo passaram a ser uma milagrosa tábua de salvação.
Estamos falando, como estávamos acostumados, do Brasil? Não, da Alemanha.
Mas há mais nisso do que pensa a nossa vã filosofia. É que a seleção germânica passou por uma mudança de caráter das mais significativas.
O futebol alemão – o da sua seleção em particular – sempre foi associado a um blindado de artilharia – um Panzer, para ser mais exato. Troncudo, carrancoso, eficiente como um capitalista protestante e conservador como um bispo católico do partido de Bento XVI e, sobretudo, germânico, profundamente germânico: assim era o retrato do time alemão tradicional.
De repente, o que se vê? O time alemão jogando aberto, bonito, rápido, um time jovem de gente bonita. E sem o ex-capitão Ballack, o que, no meu entender deu-lhe mais mobilidade e jinga. Jinga? É, jinga. Não estou com aqueles que querem crucificar Dunga e o nosso time. Mas que faltou jinga, faltou, sobretudo naquele segundo tempo contra os holandeses em que fomos derrotados por uma laranja... mecânica. É um time que jogou certinho, só certinho. Só que o nosso, no segundo tempo, fez tudo errado. Desmanchou-se em campo.
Enquanto isso os lépidos e faceiros germânicos deram uma lição ímpar “a los hermanos de más Allá Del Plata”.
Pois vejam só: lépidos, faceiros e... coloridos! Não só o futebol deles é colorido: o time é colorido. Foi isso que mudou no time alemão: antes ele era um filme em louro e branco; no máximo havia uma cabeleira (sempre curta) morena que vinha lá dos fundos da Baviera. Agora, te tudo quanto é cor. Tem até uma cor que se chama Cacau – Herr Cacau – e que veio do Brasil. Tudo começou em 2004 quando, depois de um desempenho fraco no campeonato europeu, a Federação Alemã de Futebol decidiu "abrir" o time para os seus "oriundi".
11 dos 23 jogadores que a Alemanha despachou para a África do Sul têm ascendência próxima ou nasceram em terra estrangeira. Além do Claudemir Jerônimo Barreto – o Cacau, veja só:
Miroslav Klose, Lukas Podolski e Piotr Trochowski vieram da Polônia.
Mesut Özil, do Werder Bremen, é de ascendência turca, é muçulmano e recita o Corão antes de cada jogo.
Serdar Tasci também é de ascendência turca.
Mario Gómez tem o pai espanhol.
Sami Khedira tem o pai da Tunísia.
Dennis Aogo tem o pai nigeriano.
Jerome Boateng nasceu em Gana, filho de pai ganes e mãe alemã. Jogou contra o irmão, que era da seleção de Gana.
Marko Manin é sérvio de origem.
O time alemão está sendo descrito como o “retrato de uma nova Alemanha”.
Mas nem tudo são flores para o sucesso desse time que, vença ou perca a Copa, já marcou um gol pela integração.
É verdade que os bairros turcos de Berlim estão cobertos por bandeiras alemãs e da Turquia. O comerciante Youssef Bassal (relato do Berliner Zeitung), no bairro de Neukölln, resolveu pendurar um bandeirão alemão de 20 metros na fachada do prédio onde tem sua loja de telefonia celular. A bandeira já foi rasgada (duas vezes) por anônimos – mas que se dizem de esquerda, deixando mensagens alegando que aquilo é “nacionalismo” alemão. De esquerda? Sinceramente, para mim isso é racismo disfarçado.
Em compensação, há grupos neonazis que, pela internet, têm repudiado a seleção alemã. Outros dizem pejorativamente que ela é uma seleção da ONU, não da Alemanha. Mas o caso mais curioso é o daqueles que dizem que só torcem pela Alemanha quando os jogadores alemães puro-sangue tocam na bola...
Mas enquanto isso a maioria dos alemães, venham de onde vierem, se divertem a mil com os jogos – pelo menos até aqui, numa trajetória que foi empanada mas não cortada pela derrota para a Sérvia.
Dentre os mais velhos, há quem não goste desse embandeiramento geral das cidades, pois isso lhes traz recordações desagradáveis do passado.
Mas para os mais jovens, em geral, é uma festa.
A gente vê que de fato há uma nova Alemanha nascendo. Não das cinzas, mas entre as cinzas, sejam as eventuais do vulcão islandês, sejam as ameaçadoras da crise econômica e do pacote depre/regre/ssivo que sobre ela se abate.