quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Outro escândalo no Vaticano

Banco do Vaticano tenta transferir 23 milhões de euros para contas numeradas. Suspeita de Lavagem. Calvi e Sindona, fizeram escola. Por Wálter Maierovitch. Foto: AFP

1. Para quem acredita em milagres, pode começar a genuflexão e agradecer. Afinal, por mais que o diabo tente, é sempre vencido.
Mas, como alertava o pranteado padre Vicente, da igreja de Santo Antonio do bairro da Barra Funda, em São Paulo, o diabo é trabalhador, “labuta 24 horas”. Para todos os meninos da época, a fala do padre Vicente impressionava, até porque não conseguíamos ver o diabo e só se ouvia sobre as “infernais roubalheiras” do então governador Adhemar de Barros.
De repente, em menos de um mês, três fatos vêm à luz e revelam mistérios escondidos dos cidadãos comuns. Milagres!!!.
Vamos a eles, para entender melhor sobre os 23 milhões de euros,
pertencentes ao banco do Vaticano, apreendidos ontem por ordem da Justiça italiana.
Primeiro fato – Roberto Calvi, apelidado Banqueiro de Deus por operar as finanças do Estado do Vaticano nos anos 60 e 70, não morreu enforcado pendurado na ponte londrina onde o seu corpo foi encontrado pela polícia, em 17 de junho de 1982.
A Justiça italiana concluiu, definitivamente, neste mês de setembro, pelo envenenamento de Calvi. Calvi foi envenenado, assim como o banqueiro Michele Sindona.
Sindona era o banqueiro da Máfia. Quando simulou o seu sequestro, permaneceu hóspede da Máfia, que se encarregava de enviar mensagens com exigências, de vários pontos do planeta. As mensagens eram elaboradas e datilografadas pelo próprio Sindona. Do seu esconderijo, chamado de cativeiro nos bilhetes da falsa vítima.
Além de banqueiro da Máfia, Sindona era o mentor do cardeal Paul Marcinkus, diretor do Banco do Vaticano, conhecido pela sigla IOR — Instituto para as Obras Religiosas.
Foi Sindona que ordenou a Marcinkus a colocação de Roberto Calvi à frente das finanças do Vaticano. Aí, o Banco Ambrosiano, operado por Sindona, passou a usar a IOR para lavar dinheiro sujo e reciclar capitais.
Sindona era membro da Loja Maçônica P2 de Licio Gelli, uma holding no sistema de lavagem de dinheiro elaborado pelo chamado Banqueiro da Máfia, que mandava em Calvi, o Banqueiro de Deus.
Para Giulio Andreotti, o banqueiro Sindona era o herói que havia salvado a lira italiana e mantido em pé o meio circulante italiano.
Andreotti, atual senador vitalício, de 92 anos, foi sete vezes primeiro-ministro da Itália. Por decisão da Suprema Corte italiana de Justiça (Corte de Cassação) foi condenado por associação à Máfia e teve a punibilidade extinta por prescrição.
Sindona morreu envenenado em 3 de março de 1986, em cela individual do cárcere de Voghera. Recebeu do carcereiro uma xícara de café.
Para o leitor que quiser se aprofundar, recomendo o livro intitulado Il Caffè di Sindona, dos magistrados Giuliano Turone e Gianni Simoni.
Segundo fato – Duas semanas atrás, o presidente da Itália, o respeitado Giorgio Napolitano, promoveu uma tocante homenagem ao corajoso e dedicado advogado Giorgio Ambrosoli.
Ambrosoli era o responsável pela liquidação da Banca Privata Italiana, quebrada por Sindona.
As apurações financeiras conduzidas por Ambrosoli, por evidente, incomodavam Sindona, que resolveu mandar matá-lo e restou definitivamente condenado por isso.
Como Sindona lavava dinheiro para a Cosa Nostra norte-americana, ficou facial a contratação nos EUA, por intermédio da famiglia Gambino, de um killer para assassinar Ambrosoli.
William Arrico, killer norte-americano, foi enviado à Itália e, no dia 12 de julho de 1979, em Milão, matou a tiros Ambrosoli. Ele estava saído da sua casa e o governo italiano nunca lhe forneceu escolta, embora pedida.
Para Giulio Androtti, em declarações ao jornal Corriere della Sera da semana passada, Ambrosoli “estava procurando encrenca”.
Só para lembrar e destacou o jornalista italiano Paolo Manzo, –em matéria sobre a fala de Andreotti e que está publicada na revista CartaCapital desta semana–, o senador Andreotti, homem do Vaticano na política italiana (mandava no Partido da Democracia Cristã, extinto depois do escândalo da Operação Mãos Limpas.), comparece diariamente às missas e recebe a comunhão. Na Itália, sabe-se que já consumiu “quantidades industrias” de hóstias consagradas.
Como se percebeu, e os protestos na Itália foram pesados, Andreotti demonstrou como a influência mafiosa ainda domina o seu pensamento, ou seja, quem procura acaba mesmo por merecer a morte.
Terceiro fato – Ontem, a juíza Maria Teresa Covatta, por provocação de Stefano Rocco Fava, da magistratura do Ministério Público, determinou o seqüestro de 23 milhões de euros e deu sinal verde a processo apuratório contra a cúpula que dirige o IOR: o IOR é dirigido por três gestores laicos (Ettore Gotti Tedeschi, Paolo Cipriani e Massimo Tuli) e sob fiscalização de um colégio de cardeais, cujos membros nomeados pelo papa têm mandato por cinco anos.
A comissão de cardeais é presidida por Tarcisio Bertone, secretário de estado, e segundo na hierarquia da Igreja. O cardeal Bertone é o homem da confiança do papa Ratzinger. Pelo New York Times, o cardeal Bertone, quando com Ratzinger no antigo Tribunal da Inquisição, acobertou casos de pedofilia.
O sequestro de valores do IOR levantou suspeitas em face de duas ordens de transferências eletrônicas: 20 milhões ao banco JP Morgan, agência de Frankfurt, e 3 milhões para o banco italiano Fucino.
As transferências não obedeciam as regras internacionais. Regras baixadas para evitar a lavagem de dinheiro, em especial por organizações terroristas.
O IOR tentava realizar a transferência para contas-correntes identificadas apenas por números: contas sem identificar o nome do beneficiário.
No âmbito da União Européia, desde 2007, é proibido a remessa de capitais só com número codificado do destinatário da transferência. São exigidas informações completas sobre o beneficiário.
–2. Em nota, a secretaria de estado do Vaticano, cujo secretário é Bertoni, comunica ter a máxima confiança nos atuais gestores do IOR, que apoiará as investigações, mas que as contas de remessa eram para instituições religiosas e de caridade.
O estatuto do IOR estabelece ser sua missão “ promover a custódia e a administração dos bens móveis e imóveis transferidos ou sob guarda do IOR e destinados às obras religiosas e de caridade”.
–3. PANO RÁPIDO. O dinheiro sequestrado estava depositado em conta do “Credito artigiano”, que ficaria com um saldo, depois das transferências, de 5 milhões de euros.
É a primeira vez que ocorre esse tipo de intervenção e sequestro de capitais da Santa Sé.
A Corte de Cassação Italiana, equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal, firmou jurisprudência no sentido de a Justiça italiana ter competência para apurar sobre transações, com circulação na Itália, do banco da Santa Fé. Em outras palavras, não há imunidade e, assim, lavar ficou mais difícil para quem usava o banco Vaticano.

Wálter Maierovitch

Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

O Globo e o ato contra o golpismo midiático

Altamiro Borges
 

Jornalista, blogueiro e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

O ato “contra o golpismo midiático e em defesa da democracia”, que ocorrerá nesta quinta-feira, dia 23, às 19 horas, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, parece que incomodou o poderoso monopólio da família Marinho. O site do jornal O Globo deu manchete: “Após ataques de Lula, MST e centrais sindicais se juntam contra a imprensa”. Já o jornal impresso publicou a matéria “centrais fazem ato contra a imprensa”. Como se nota, o império global sentiu o tranco!
Diante desta reação amedrontada, é preciso prestar alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, o ato do dia 23 não está sendo convocado pelas centrais sindicais, MST ou partidos. Ele é organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, entidade fundada em 14 de maio último, que reúne em seu conselho consultivo 54 jornalistas, blogueiros, acadêmicos, veículos progressistas e movimentos sociais ligados à luta pela democratização da comunicação. A entidade é ampla e plural, e tem todo o direito de questionar as baixarias da mídia golpista.

As mentiras sobre o protesto

As manchetes e a “reporcagem” do jornal O Globo tentam confundir os leitores. Insinuam que o protesto é “chapa-branca” e serve aos intentos do presidente Lula, que “acusa a imprensa de agir como partido político”. A matéria sequer menciona o Centro de Estudos Barão de Itararé e tenta transmitir a idéia de que o ato é articulado pelo PT, “siglas aliadas”, MST e centrais. A repórter Leila Suwwan, autora do texto editorializado, cometeu grave erro, que fere a ética jornalística.
Em segundo lugar, é preciso explicitar os verdadeiros objetivos do protesto. Ele não é “contra a imprensa”, como afirma O Globo, jornal conhecido por suas técnicas grosseiras de manipulação. É contra o “golpismo midiático”, contra a onda denuncista que desrespeita a Constituição - que fixa a “presunção da inocência” - e insiste na “presunção da culpa” que destrói reputações e não segue os padrões mínimos do rigor jornalístico - até quem saiu da cadeia é usado como “fonte”.

Falso defensor da liberdade de imprensa

O Globo insiste em se travestir como defensor da “liberdade de imprensa”. Mas este império não tem moral para falar em democracia. Ele clamou pelo golpe de 1964, construiu o seu monopólio com as benesses da ditadura e tem a sua história manchada pelo piores episódios da história do país - como quando escondeu a campanha das Diretas-Já, fabricou a candidatura do “caçador de marajás”, defendeu o modelo destrutivo do neoliberalismo ou criminaliza os movimentos sociais.
Quem defende a verdadeira liberdade de expressão, contrapondo-se à ditadura midiática, estará presente ao ato desta quinta-feira. Seu objetivo é dar um basta ao golpismo da mídia, defender a soberania do voto popular e a democracia. Ele não é contra a imprensa, mas contra as distorções grosseiras dos donos da mídia. Não proporá qualquer tipo de censura, mas servirá para denunciar as manipulações dos impérios midiáticos, inclusive dos que são concessionárias públicas.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Reflexões de Fidel



O inverno nuclear e a paz

(Extraído do CubaDebate)

MAIS de vinte mil armas nucleares estão nas mãos de oito países: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido, China, Israel, Índia e Paquistão; vários deles com profundas diferenças econômicas, políticas e religiosas.
O novo tratado START, assinado em Praga no mês de abril entre as maiores potências nucleares, não implica mais do que ilusões a respeito do problema que ameaça a humanidade.
A teoria do "inverno nuclear", desenvolvida e colocada no nível atual pelo eminente pesquisador e professor da Universidade de Rutgers, Nova Jersey, Dr. Alan Robock ─ cientista modesto que gosta mais de reconhecer os méritos de seus colegas do que os seus próprios ─, demonstrou sua veracidade.
Para eles, a única forma de evitar o uso das armas nucleares é eliminando-as. O povo norte-americano, situado num lugar privilegiado do planeta, que lhe permite desfrutar dos mais altos níveis de vida e riquezas no mundo, apesar dos incríveis esbanjamentos de recursos não renováveis, deveria ser o maior interessado na informação que lhe oferecem os cientistas. Quanto espaço dedicam a essa tarefa os meios de comunicação social?
A teoria do "inverno nuclear" ensinou-nos ―disse Robock― que: "Se tais armas não existissem, não poderiam ser utilizadas.  E neste momento não existe um argumento racional para usá-las absolutamente. Se não podem ser usadas, é necessária sua destruição e dessa forma nos protegeríamos dos acidentes, dos erros de cálculo ou de qualquer atitude demencial".
"…os computadores que funcionavam com modelos ultramodernos se tornaram o único laboratório de escolha, e os acontecimentos históricos – inclusive as cidades arrasadas pelo fogo depois dos terremotos e dos bombardeamentos em tempos de guerra, as colunas de fumaça dos incêndios florestais e as nuvens criadas pelas erupções vulcânicas- tornaram-se pedras de toque das avaliações científicas."
A proliferação das armas nucleares ─ na qual o Israel, a Índia e o Paquistão se integraram ao clube nuclear, e outros países, ao que parece, aspiram a ser membros do mesmo─, obrigou Robock e seus colegas a reverem as primeiras investigações. Os resultados desses estudos modernos, como foi pormenorizado em uma série de artigos recém-publicados, foram surpreendentes.
Quanto aos Estados Unidos e à Rússia, apesar de que cada um deles se comprometeu, no mês de abril de 2010 em Praga, a reduzir seu arsenal nuclear operativo até aproximadamente 2000 armas, a única forma real de evitar uma catástrofe climática global seria eliminando as armas nucleares.
"…qualquer país que neste momento esteja considerando a via nuclear precisa reconhecer que estaria colocando em perigo não só suas próprias populações, mas também o resto do mundo, ao adoptar essa via.  É hora de que o mundo pense mais uma vez nos perigos das armas nucleares, e que desta vez adote o caminho rumo à paz e elimine a possibilidade de uma catástrofe climática global induzida pela energia nuclear, pela primeira vez desde meados do século passado."
"…o uso das armas nucleares no caso de um ataque total contra um inimigo, seria uma ação suicida devido ao frio e à escuridão anômalos provocados pela fumaça proveniente dos fogos gerados pela bomba.  De fato, evidenciou-se que, enquanto mais armas nucleares tiver um país, terá menor segurançã."
Albert Einstein disse: "O poder desencadeado do átomo tem mudado tudo salvo nossas formas de pensar, e é por isso que avançamos sem rumo para uma catástrofe sem precedentes".  Carl Sagan tinha dito que nossa política de armas nucleares era "um caminho onde nenhum homem pensava."
No final da conferência magistral, perguntei ao professor Alan Robock: "Quantas pessoas no mundo têm conhecimento desses dados?" Respondeu-me que "muito poucas". Acrescentei: E no seu país, quantas?" "Igual ―respondeu-me― não se conhecem."
Não duvidava que essa fosse a triste realidade e acrescentei: "Não fazemos nada apenas nós sabendo. É preciso que o mundo saiba disso. Talvez seja necessário buscar psicólogos para que expliquem por que as massas não entendem".
"Eu tenho uma resposta ― exclamou o cientista―: Isto se chama negação. É uma coisa horrível que as pessoas não queiram pensar nisso. É mais simples fingir que isto não existe."
Suas palavras — durante quase uma hora que empregou na conferência, auxiliado por gráficos, dados e fotos projetados numa tela —, foram claras, precisas e eloquentes. Por isso expressei: "O que é fazer consciência, da qual tanto falamos? O que é criar cultura? E quanto desanima a vocês, os cientistas, que a gente nem saiba do que vocês estão a fazer, quantas horas investem?"
Eu lhe disse que, quando não existiam nem rádio, nem televisão, nem internet, era impossível difundir uma conferência como essa em Cuba ou no mundo. Ainda menos, quando muitas pessoas não sabiam nem ler nem escrever.
Prometemos ao professor divulgar a informação que nos ofereceu sobre a teoria do "inverno nuclear", com uma linguagem que até as crianças cubanas de oito anos podem compreender, da qual só conhecíamos um pouco, a partir de nossa preocupação quanto ao estouro de uma guerra global nuclear, o que nos levou a escutar sua palestra.
Nenhuma outra época da história humana é tão parecida com esta. Com certeza, se esses riscos não são compreendidos por aqueles que adoptam as decisões das alturas do imenso poder que a ciência e a tecnologia colocaram nas suas mãos, a próxima contenda mundial será a última, e talvez decorressem dezenas de milhões de anos antes que novos seres inteligentes tentem escrever sua história.
Quis o azar que, ontem segunda-feira dia 20, recebesse a notícia de que com, atraso de várias horas, por causa dos furacões, no amanhecer do dia 21n chegaria ao porto de Havana, procedente das Ilhas Canárias, o cruzeiro "Peace Boat", a Organização Não-Governamental Internacional com Estatuto Consultivo Especial perante a ONU que, desde 1983, organiza viagens globais para a promoção da paz, os direitos humanos, o desenvolvimento justo e sustentável e o respeito pelo meio ambiente. A Organização, em 2009, foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz pela sua campanha global para prevenir a guerra.
Na carta que me endereçou o fundador e diretor do "Peace Boat", Yoshioka Tatsuya, através do chefe do coletivo de visitantes Nao Inoue, expressa: "Nossa organização trabalhou durante anos, recentemente em paceria com países da ALBA. […] que expressam claramente o compromisso com a abolição nuclear, a proibição de bases militares estrangeiras e a resolução pacífica de controvérsias internacionais […]  O Japão, como você sabe, único país que sofreu um bombardeamento atômico, ainda hoje mantém uma Constituição pacifista que, através do seu artigo 9, renuncia formalmente à guerra e proíbe o uso da força nas disputas internacionais.
"…tema de especial interesse em nosso ativismo é a remoção de bases militares estrangeiras, uma situação presente no Japão e em diversas partes do mundo, considerando que bases estrangeiras como as existentes em Guantánamo e Okinawa causam prejuízos ambientais irreversíveis e fomentam a guerra, em vez da paz mundial."
"Peace Boat" organizou, incluindo esta, 70 viagens ao redor do mundo desde 1983, com a participação de não menos de 40 mil pessoas que visitaram mais de 100 países. Seu slogan é: "Aprende com as Guerras Passadas para Construir um Futuro de Paz".
Em 20 anos, seu navio visitou 14 vezes nosso país, ultrapassando obstáculos e empecilhos impostos pelos Estados Unidos, promove campanhas de doações significativas para os sectores da educação e da saúde fundamentalmente.
Estão presentes nos numerosos fóruns internacionais e encontros de solidariedade a Cuba. São amigos verdadeiramente provados de nossa Pátria. Em maio de 2009, a organização foi condecorada com a Ordem da Solidariedade que outorga o Conselho de Estado da República de Cuba, por proposta do ICAP.
Foi para mim uma grande honra receber o convite para me reunir com uma representação dos visitantes, e lhes propus fazê-lo, com o máximo possível, no Palácio das Convenções. Falaram o senhor Nao Inoue, e a sobrevivente, Sra. Junko Watanabe, que tinha apenas dois anos de idade quando a primeira bomba atômica foi lançada sobre a cidade de Hiroshima. A menina se encontrava com um irmão mais novo no quintal de uma casa a 18 quilómetros do ponto em que foi lançada a bomba, que fez desaparecer a maior parte da cidade, matou instantaneamente mais de 100 mil pessoas e ocasionou sérios danos no resto dos habitantes.
Ela narrou suas dramáticas lembranças quando, anos mais tarde, foi conhecendo as imagens e pormenores daquele acontecimento que tantos sofrimentos ocasionou em tantas pessoas inocentes que nada tinham a ver com aquele ataque brutal.  Foi um acto deliberado para aterrorizar o mundo com o uso desnecessário de uma arma de extermínio maciço, quando o império japonês havia sido já derrotado. Foi lançada, não sobre uma instalação militar, mas sobre um alvo civil indefeso. As imagens divulgadas sobre aquele crime horrível não expressam o que a voz de Junko Watanabe nos contou sobre os fatos. A ocasião foi propícia para expor nossos pontos de vista, e contar aos nossos amistosos visitantes japoneses, lutadores pela abolição das armas nucleares, das bases militares e da guerra, a respeito do esforço que nossa Pátria leva a cabo para evitar um conflito nuclear que possa pôr termo à existência de nossa espécie.
Fidel Castro Ruz

MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA E CONTRA O GOLPE


 Gilmar Crestani 
Respeito é bom e eu gosto!
Respeito é bom e eu gosto!
Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.
Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.
Acima dos barões da imprensa estão as instituições, pilares do regime democrático.
Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa, que não conseguem vencer eleições no voto, se organizam na imprensa e em entidades golpistas para-políticas, para solapar o regime democrático.
É intolerável assistir ao uso de órgãos da imprensa como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.
É inaceitável que a organização partidária tenha convertido os órgãos da imprensa, empresas concessionárias de radio e TV e do poder econômico em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.
É lamentável que governadores demo-tucanos escondam na imprensa que vemos, seus governos que não vemos; no qual as relações de corrupção, compadrio, fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do estado, negando-se a qualquer controle, abafando CPI’s e engavetando denúncias.
É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo golpista hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.
É constrangedor que a oposição e sua imprensa não reconheçam os direitos políticos e constitucionais do cidadão brasileiro, na presidência da República, e conclame a voltar aos tempos da ditadura para censurar e cassar, como no AI-5, a palavra e opinião de lideranças políticas, estejam ou não no exercício de mandatos.
É constrangedor também que a oposição não tenha a compostura de separar sua imprensa do partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro, numa manifestação escancarada de abuso de poder econômico e político e de uso da máquina de concessões públicas de rádio e TV em favor de uma candidatura.
A oposição e sua imprensa não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia, pelo voto popular nas urnas, mas um inimigo que tem de ser eliminado pela vontade do poder econômico das oligarquias políticas e midiáticas.
É aviltante que a oposição e governadores demo-tucanos estimulem e financiem a ação de oligarquias de donos da imprensa golpista que pedem abertamente restrições à liberdade de expressão de blogueiros e à livre concorrência da imprensa alternativa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas unicamente ao controle de patrões barões da mídia, que seguem às determinações de um partido político e de seus interesses.
É repugnante que essa mesma máquina de publicidade demo-tucana tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da economia soberana, livre da intervenção do FMI, rumo a se tornar a 5ª economia do mundo, resgatando a riqueza do pré-sal para os brasileiros, com crescimento que deverá passar de 7% neste ano, que gerou 14 milhões de empregos, que democratizou o crédito, a expansão da classe média e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.
É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como refém da imprensa lobista, sob ameaças de chantagens com dossiês e assassinatos de reputações a quem contraria os interesses econômicos e políticos dos barões da imprensa corrupta e lobista.
É um insulto não aceitar a decisão soberana popular, do cidadão votar em quem quiser, conforme sua consciência e suas convicções, para a composição do Senado.
É um escárnio que a imprensa lobista e corrupta se submeta à esquemas de corrupção para fazer lobby para criminosos do colarinho branco se safarem, e exercer pressão nas decisões do Poder Judiciário.
Cumpre-nos, pois, combater essa visão elitista do processo político da imprensa demo-tucana, que quer vencer no golpe, rasgando a Constituição e as leis, negando o poder popular legítimo que emana das urnas, duramente conquistado em campanhas como as Diretas Já, boicotada por setores dessa mesma imprensa demo-tucana.
Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o golpismo autoritário.
Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.
Não precisamos de donos da imprensa com pretensões golpistas e que querem ser donos do voto dos eleitores como se leitores e telespectadores fossem um curral eleitoral demo-tucano.
Precisamos de democratas convictos, que respeitem o resultado soberano das urnas e da vontade popular.

Solidariedade latinoamericana...

Presidente Mujica nega porto a navios ingleses


Governo uruguaio atende pedido dos argentinos

Por Cristóvão Feil no Diario Gauche
O governo uruguaio negou ontem a entrada no porto de Montevideo de uma fragata da marinha britânica. O barco é parte da frota que custodia e transporta vìveres e combustíveis às ilhas no sul do Oceano Atlântico, atualmente com soberania inglesa, mas reclamada pela Argentina como seu território nacional.

As Malvinas, chamadas de Falklands pela Inglaterra, foram motivo de guerra entre a Argentina e a Inglaterra, no ano de 1983. A primeira-ministra Margaret Thatcher endureceu posição com a ditadura militar argentina então sob o comando do general Leopoldo Galtieri. Houve guerra de algumas semanas, a Argentina sofreu derrota humilhante e a ditadura caiu meses depois.

O barco HMS Gloucester D-96 havia solicitado há uma semana a autorização para aportar em Montevideo. O pedido foi rechaçado pelo Ministério de Relações Exteriores do Uruguai, alegando concordância com a política de apoio à soberania argentina sobre as ilhas Malvinas.

Em 2006, a chancelaria argentina pediu aos países vizinhos do Cone Sul que não facilitem o acesso a portos e aeroportos de barcos e aviões britânicos com destino às Malvinas (foto ao lado). Em 2007, o presidente Tabaré Vázquez também já havia negado porto aos ingleses em trânsito para o sul do Atlântico.

O tema volta à pauta política porque a Inglaterra está começando a explorar o petróleo na plataforma marítima das Malvinas.

Globo foi o maior dedo duro de 1964



Amigo navegante enviou ao Conversa Afiada (Paulo Henrique Amorim)essas duas páginas do Globo de 7 de abril de 1964.

É um documento histórico.

Atribuído a um grupo de democratas, o Globo publicou no dia 7 de abril de 1964, poucos dias depois da intervenção militar, a lista dos que tinham assinado um manifesto do Comando dos Trabalhadores Intelectuais.

Como hoje, o Globo do Dr Roberto colaborava com o Golpe: “chamamos a atenção de alto-comando militar para os nomes que o assinaram”.

É o dedo duro na sua manifestação mais cristalina.

Repare, amigo navegante, alguns dos nomes que o Globo queria mandar para a câmara de torturas:

Ferreira Gullar, Carlos Diegues, Arnaldo Jabour, Chico Anísio, Paulo Francis, Tereza Rachel, Jorge Zahar.

Que horror !

É a “Lista de Schindler” de sinal trocado: é a “Lista do Globo”, dos que deveriam ser cremados.

Viva o Brasil !


Paulo Henrique Amorim


Confira os documentos:



Uma elite preconceituosa


Laerte Braga

O preconceito não chega às claras. É politicamente correto disfarçá-lo. Vem embutido na ira e na forma sórdida como é distribuído pelos mais diversos canais de comunicação, até o boca a boca.
 
Falo da eleição de uma presidente e não de um presidente.
 
A campanha contra Dilma Roussef traz explícito o rancor e o preconceito dos porões onde se escondem os torturadores da ditadura militar e disfarçado no noticiário de jornais como a Folha de São Paulo, ou revistas como Veja (não tão disfarçado assim). O Jornal Nacional se imagina uma espécie de porta voz divino e acredita que o trono de Deus esteja no PROJAC. Os anúncios se materializam pelo anjo William Bonner e arcanjos são os Marinho.
 
Deus, o deles, de fato, está em Wall Street e espalhado pelas várias agências de propaganda que transformam esse cheiro fétido de ódio em sabão em pó que tira todas as manchas. Ou perfume que perfuma como nenhum outro o seu banheiro, acrescido do fato de ter vida inteligente.
 
No início da campanha eleitoral o jornal Folha de São Paulo, um dos braços da ditadura militar (Operações Bandeirantes e Condor), montou um currículo de Dilma Roussef insinuando assaltos a bancos, assassinatos de inocentes e ações terroristas.
 
A primeira reação veio de dentro do próprio jornal. O Onbudsman, um jornalista eleito para fazer a análise crítica dos fatos noticiados e corrigir distorções, levantou uma série de incorreções no tal currículo.
 
Ao contrário do que apregoa a FOLHA DE SÃO PAULO – UM JORNAL DE RABO PRESO COM O LEITOR –, o rabo está preso na FIESP e no esquema corrupto que tenta transformar o Brasil em colônia de um mundo gerido pelo terror nuclear com sede em Washington. Não foram feitas as retificações, ou correções. Prevaleceu a mentira dos donos.
 
Que Dilma Roussef foi integrante de um grupo de resistência à ditadura militar o País inteiro já sabe. Junto com ela milhares de mulheres e homens enfrentaram o golpe de 1964 e toda a barbárie que caracterizava o movimento.
 
Que Dilma Roussef foi presa e torturada, submetida a vexames diversos nem ela própria nega, nem jamais tentou negar e isso ficou claro na resposta que deu a um senador numa das muitas CPIs fajutas que os tucanos armaram para tentar atingi-la, só não sabe quem não quer.
 
Um dos filmes brasileiros que mais comoveu a opinião pública foi o que mostrou a saga de Zuzu Angel, a célebre figurinista, assassinada pela ditadura militar por exercer com bravura e dignidade o ofício de mãe, na busca de seu filho morto nos cárceres da ditadura. Pelos bravos “patriotas” que apregoavam a tal “democracia a brasileira”.
 
Bem mais que o ofício de mãe. O exemplo de dignidade da mulher como um todo, revestida do caráter que único, de ser humano em seu sentido pleno. Isso significa coragem, porque coragem aí não é bem um ato de heroísmo, mas bravura indômita de quem não se curva ao tacão dos poderosos.
 
Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo e um dos protagonistas do golpe militar de 1964 (protagonista de segunda categoria) foi uma espécie de precursor do malufismo. Chegou a fugir do País quando a justiça quis prendê-lo pelas mais variadas formas de corrupção possíveis. Surgiu com Ademar o slogan “rouba mas faz”.
 
A Dilma se imputa uma ação onde um cofre do ex-governador teria sido roubado. No cofre, um milhão de dólares, guardado na casa de uma amante, resultado de propina.
 
Na prática, quando abjetos torturadores tentam desqualificar Dilma Roussef (e nem estou entrando no mérito de sua candidatura) estão tentando desqualificar também centenas de mulheres anônimas que foram vítimas da ditadura e todas as mulheres em todo o País.
 
É o preconceito odioso da supremacia da barbárie.
 
 Há anos nos tribunais brasileiros maridos que se julgavam vítimas de traição e executavam a mulher e o suposto amante, eram absolvidos com um argumento solerte de “legítima defesa da honra” e adultério era crime. A própria palavra adultério, em si, é uma aberração.
 
 Saiam aplaudidos ao final de seus julgamentos.
 
 Há uma verdade em qualquer canto do mundo sobre mulheres submetidas a sevicias, quaisquer que sejam elas. A cara machista da sociedade se apieda num primeiro momento e rotula como mulher vulgar num segundo momento.
 
Está no assédio, na vulgarização, nas práticas deliberadas de transformar coragem em terrorismo, loucura, histerismo, um monte de ismos. 
 
Numa cidade do interior mineiro, anos atrás, um comprador de cabelos para a indústria de perucas (era comum as mulheres não cortarem seus cabelos), assustou-se ao chegar a uma determinada residência onde compraria os cabelos das filhas de um lavrador com um detalhe que nunca poderia imaginar.
 
Eram três filhas e o pai iria vender o cabelo de apenas duas. Segundo ele, a terceira “já foi usada por um sem vergonha, o cabelo não presta”.
 
Não sei quantas mulheres tombaram na luta contra a ditadura. Aqui no Brasil, no Chile, na Argentina, nas Filipinas, na Indonésia, mas sei que muitas mulheres emprestaram dignidade e determinação à luta contra tiranos.
 
 
 
Entre nós a anistia na verdade não beneficiou a exilados, presos políticos e que tais. Como concebida e determinada em lei garantiu a impunidade de torturadores, estupradores, assassinos. Permanecem sob as sombras de sua covardia a destilar veneno. Foi conseqüência da percepção simples que os governos militares não iriam se sustentar por mais tempo, estavam sendo surrados nas urnas desde 1974 e para evitar derrotas maiores recorriam ao casuísmo da legislação autoritária que lhes garantia a maioria que não tinha.
 
 
 
Uma espécie de saída não tão devagar que pareça provocação, nem tão depressa que pareça medo. Mas saída. E aí, louve-se a capacidade de enxergar esse óbvio do presidente/ditador Ernesto Geisel. Mas registre-se o preço pago junto às hordas de assassinos dos DOI/CODI, a impunidade.
 
Dilma Roussef foi uma dessas resistentes. Como o seu adversário José Arruda Serra.
 
 Ao contrário de Arruda Serra foi presa, torturada, submetida a humilhações, cumpriu pena. Arruda Serra trocou de lado ao primeiro aceno do dinheiro. Veio pelas mãos de seu mentor FHC (entre os traidores, dedos duros, havia um esquema de patente também. Anselmo era cabo, FHC general).
 
É mulher, é mãe, é avó, como milhões de mulheres no País e sobreviveu e superou toda essa caminhada, suportou todas essas provações, manteve-se e mantém-se incólume, preservada em seu caráter, em sua dignidade de ser humano e ser humano mulher.
 
A despeito dos avanços e conquistas da mulher na chamada sociedade civil organizada (trem também que é de lascar, sociedade civil organizada, parece clube de aleluia, aleluia), o preconceito ainda é imenso e se manifesta das mais variadas formas.
 
Neste momento a candidata Dilma Roussef simboliza essa luta que no dizer de Celso Furtado “a revolução feminista foi a mais importante revolução do século XX”.
 
 A dela, de lutar pela presidência da República, a primeira a chegar ao cargo, a de mulheres que saem de suas casas ainda pela madrugada para jornadas de trabalho e se obrigam a lutar ombro a ombro numa tal sociedade que ainda se lhes vê como melancia, ou melão, ou pera.
 
Uma vez uma professora perguntou ao então deputado César Maia se ele sabia o preço do pão de sal. Ele respondeu que não. Ou da condução, do ônibus, ele respondeu que não.
 
A moça, perto de trinta anos de magistério, em sala de aula, salário miserável, mas caráter exemplar, dedicação absoluta, respondeu apenas o seguinte. “Pois deveria saber, afinal você é deputado, que não se vive sem pão e nem se vai ao trabalho sem ônibus”. “Será que você sabe o que é trabalho?”
 
Cada uma dessas afirmações recheadas da polidez do politicamente correto sobre Dilma e mulheres que não estão preocupadas em ser miss laje para aparecer no Faustão, traz em si, além do preconceito contra a mulher como ser humano, a arrogância das elites políticas e econômicas que enxergam apenas pernas, seios e bundas e acham que os cabelos de uma “mulher usada” já não servem.
 
O que a mídia privada tenta imputar a Dilma e deve reforçar esse tipo de canalhice no final da campanha é o que pensam da mulher brasileira. Objeto.
 
Mais que isso. Escondem, ou tentam disfarçar a prepotência na suposição que a tarefa de cada mulher é achar o desodorante certo para o banheiro.
 
São primatas na prática e na essência.

Guerra aberta

Escrito por Wladimir Pomar no Correio da Cidadania  
 
Se antes poderia haver alguma dúvida, entre alguns setores da campanha Dilma, de que a guerra contra a candidata petista se tornaria aberta, suja e sem qualquer limite, talvez a última semana tenha sido a demonstração clara de que tais dúvidas não passavam de ilusões infantis.
 
Veja, Globo, Folha de S. Paulo, Estadão e outros órgãos da famosa grande imprensa, o chamado quarto poder, não demonstram qualquer preocupação em serem vistos como a artilharia pesada dessa guerra. Suas manchetes diárias e semanais são sempre, inexoravelmente, a pirita garimpada em investigações cuja credibilidade dificilmente pode ser comprovada. Para quem criou o escândalo da Escola Base e outros, forjados nas cozinhas das redações, que diferença faz criar estes, em que se joga o destino da política que essa grande imprensa defende?
 
"Cartas abertas", assinadas por "personalidades" que talvez não saibam que seus nomes estão sendo utilizados, repetem pela Internet os antigos e surrados argumentos anti-Lula e anti-PT, que pareciam enterrados desde 2002. Bolsões reacionários de militares da reserva saem a público para ameaçar golpes. FHC compara Lula a Mussolini e apela a forças ocultas para barrar a caminhada do petismo. E, em drops da imprensa, repetem-se os comentários que sustentam as possíveis semelhanças do governo Lula com Vargas e seu fim.
 
Se a campanha Dilma e a direção do PT continuarem ignorando esse conjunto de sinais de desespero de uma direita reacionária que tinha como certa sua volta ao governo, o caminho para o segundo turno e até para uma derrota podem estar traçados. Essa direita não vai se contentar com a saída de Erenice da Casa Civil e quase certamente jogará novos pacotes podres sobre a mesa, na expectativa de que o governo, o PT e a campanha Dilma continuem cometendo erros, e ignorando a natureza da atual ofensiva oposicionista.
 
Os dados do Instituto Datafolha, divulgados no dia 16/9, parecem moldados de forma que o PT e a campanha Dilma continuem acreditando que vencerão no primeiro turno, sem necessidade de qualquer reação maior. Dilma marcou 51% das preferências eleitorais, enquanto Serra se manteve com 27% das intenções de voto, e Marina seguiu com 11%. Aparentemente, o melhor dos mundos.
 
No entanto, podem-se descobrir algumas surpresas nessa pesquisa, desde que se coloque de lado a euforia e se busquem as tendências reais. Entre os eleitores bem informados, a intenção de votos em Dilma desceu para 46%, enquanto em Serra subiu para 33%, e em Marina para 14%. Com isso compreende-se por que a grande imprensa vem martelando incessantemente para ‘informar’ o eleitorado sobre os ‘fatos’ que tem criado nos bastidores, mesmo que tais ‘fatos’ não passem de falsificações. Se conseguir que o conjunto do eleitorado se deixe convencer por essas informações falsas, o segundo turno estará configurado.
 
É significativo que Dilma tenha caído na preferência do eleitorado, em caso de segundo turno, em estados como Rio Grande do Sul e Paraná, assim como em Brasília. E que sua subida em outros estados e cidades importantes tenha se mantido dentro da margem de erro. Este pode ser um sinal de que o ritmo de crescimento da candidatura Dilma foi afetado pelas denúncias e escândalos criados pela aliança do tucano-pefelismo com a grande imprensa, embora ainda não de forma avassaladora.
 
Nos próximos quinze dias antes das eleições, se a campanha Dilma e o PT não forem suficientemente ágeis para criar mobilizações massivas, passar ao contra-ataque na diferenciação entre seu projeto político e o projeto de Serra e Marina, e gerar fatos políticos de repercussão, a corrosão da candidatura Dilma pode chegar àquele nível procurado pelo quarto poder.
 
Feito isso, a grande imprensa continuará convencida de que é capaz de moldar a opinião pública com mentiras e falsificações, da mesma forma que Goebbels e outros gurus da comunicação de massa acreditavam. E, certamente, configurado o segundo turno, virá com armas ainda mais letais. Se a meta da campanha Dilma é evitar que isso aconteça, esta é a semana decisiva para revirar o jogo.
 
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Por que a mídia e a oposição resolveram jogar sujo



Por Vinicius Wu
Revisitemos as declarações de Serra e de diversos articulistas da grande mídia simpáticos à sua candidatura ao longo de 2009 e início deste ano. Sem esforço, perceberemos que sua estratégia eleitoral baseava-se na tese do “contraste de biografias”. Inebriado por sua vaidade, Serra alimentou a certeza de que a comparação de sua trajetória política com a de Dilma seria a senha para a vitória. Ocorre que o povo brasileiro rejeitou a fulanização do debate. Optou por contrastar os projetos de Brasil disponíveis e sepultou as pretensões tucanas nestas eleições.
Mas o drama da oposição não termina aí. Afinal, estamos diante de um processo ainda mais complexo, que está na origem da impotência política da oposição hoje. Diante do atual cenário, tiveram de optar entre a resignação diante da derrota e o surto golpista que assistimos nos últimos dias. Compreender os motivos que desencadearam este processo é o que buscaremos nas próximas linhas.
Crise do neoliberalismo e mudança do léxico político brasileiro
As eleições de 2010 encerram a profunda alteração do léxico político brasileiro em curso desde o embate eleitoral de 2002. A crise do paradigma neoliberal possibilitou uma mudança radical dos termos e dos conceitos através dos quais se organiza a luta política no país. Se nas eleições de 1994 e 1998 o debate eleitoral orbitava em torno do tema da “estabilidade”, desde 2002 vivemos um profundo deslocamento do debate em direção aos temas do desenvolvimento, da inclusão social e distribuição de renda. Ou seja, a disputa política passou a se desenvolver a partir de temas estranhos ao receituário neoliberal. Esta foi a grande derrota política do bloco conservador proporcionada pela vitória de Lula em 2002.

Portanto, o debate político nacional nos últimos anos passou por uma verdadeira metamorfose que desencadeou: 1. Uma mudança de problemática: da manutenção da estabilidade econômica e do ajuste fiscal para a busca do desenvolvimento e da justiça social; 2. uma alteração da lógica argumentativa: a defesa das privatizações e do enxugamento do Estado cedeu lugar ao combate às desigualdades e ampliação do alcance das políticas públicas e; 3. uma mudança de conceitos: crescimento econômico, papel indutor do Estado, distribuição de renda, cidadania etc. passam a integrar, progressivamente, o discurso de todas as correntes políticas do país.
Este é o grande legado político da “Era Lula” e diante do qual as respostas da direita brasileira foram absolutamente insuficientes até aqui.
O novo protagonismo dos pobres
Paralelamente ao processo supramencionado, foi sendo desenvolvida uma nova consciência das camadas populares no país, que identificaram em Lula a expressão viva de seu novo protagonismo. O operário do ABC paulista alçado à condição de Presidente mais popular da história da República é a síntese perfeita da nova condição política dos “de baixo”. Ao afirmar recentemente que “nós” somos a opinião pública, o Presidente Lula não está cedendo a nenhuma tentação autoritária, como desejam alguns mal intencionados articulistas da grande mídia. O que está em jogo é o fim da tutela dos “formadores de opinião” sobre a formação da opinião nacional. Este é o motivo do desespero crescente da mídia monopolista do centro-sul do país.

Há uma revolução democrática em curso no Brasil e ela altera profundamente a forma como os pobres se relacionam com a política. O país vivencia uma inédita e profunda reestruturação de seu sistema de classes. As implicações deste processo para o futuro da nação ainda não são mensuráveis. A grande mídia e a oposição não compreenderam que o país entrou em um novo período histórico e, desta forma, correm o risco de ficarem falando sozinhas por um bom tempo.
As pessoas não estão votando em personalidades, como supunham os próceres da campanha Serra. Estão votando no futuro – no seu futuro e no futuro do país. A disputa eleitoral de 2010 não ficará marcada pelo “confronto de biografias”. Esta é a eleição da aposta no “Devir-Brasil” no mundo, como sugere Giuseppe Cocco. O país recompôs a esperança em seu futuro e deseja ser grande. Os brasileiros querem continuar mudando e, principalmente, melhorando suas vidas.
E o eleitor brasileiro não está “inebriado pelo consumo” como afirmou, revoltado, um dos mais preconceituosos articulistas da grande mídia. Os seres humanos fazem planos, sonham, imaginam uma vida melhor para si e para seus filhos. As pessoas estão sim – e é absolutamente legitimo que o façam – votando com a cabeça no seu próximo emprego; no seu próximo carro ou eletrodoméstico; no seu próximo empreendimento; na faculdade dos seus filhos; em seus filhos… É uma opção consciente. Não querem retroagir, preferem a continuidade da mudança conduzida por Lula, por mais que esperneiem os articulistas sempre bem pagos da grande mídia.
A “Conservação” da mudança
Talvez, nem o próprio Presidente Lula tenha se dado conta de uma outra – e também decisiva – derrota imposta ao bloco conservador. Trata-se da apropriação e ressignificação de um dos conceitos mais caros ao neoliberalismo. Lula tomou para si a primazia da estabilidade. A defesa da estabilidade (quem diria?!) passa ser tarefa da esquerda brasileira. Mas não a estabilidade neoliberal, e sim uma nova estabilidade; a da continuidade da mudança.

O slogan da campanha Dilma não poderia ter sido mais adequado: “Para o Brasil seguir mudando”. Esta é a perfeita síntese da opinião popular no atual período; continuar mudando para que permaneçam abertas – e se ampliem – as possibilidades de mobilidade social, de emancipação e prosperidade econômica. A mensagem é simples e foi acolhida pela maioria do povo brasileiro: “conservar” a mudança e não retroagir.
A “venezuelização” do comportamento da grande mídia
Derrotados em seus próprios conceitos; perplexos diante de uma ampla maioria que lhes vira as costas (só 4% da população rejeitam Lula); impotentes diante de uma nova realidade, que se impõe diante de seus olhos, só lhes resta o golpe, que não tem força pra dar. E se não podem “restaurar a democracia” à força, resta-lhes, então, trabalhar para que a disputa política no próximo período se dê em outros termos. Como imaginam que estarão livres da força de Lula a partir de Janeiro de 2011, iniciam uma virulenta campanha de difamação, deslegitimação e questionamento da autoridade daquela que deverá ser a primeira Presidenta do país.

Desejam fazer do Brasil uma nova Venezuela, onde posições irreconciliáveis travam uma luta sem tréguas, instaurando um clima de instabilidade e insegurança generalizado. Querem que oposição e governo não dialoguem. Preferem a radicalização ao entendimento. Concluíram que esta é a única maneira de derrotar as forças populares no futuro. Precisam retirar de nossas mãos o primado da estabilidade. Querem, de fato, venezuelizar o Brasil.
Mal se deram conta de que quase ninguém sairá vencedor em Outubro confrontando-se com Lula. Em todas as regiões do país, candidatos oposicionistas bem sucedidos resolveram absorver Lula e o sucesso de seu governo. Raros serão os candidatos oposicionistas que vencerão com discurso de oposição. A “venezuelização” que pretendem esbarrará na força política que se assenta na emergência de um novo Brasil, que estamos a construir, e na fé de nosso povo em um futuro diferente daquele que imaginaram as oligarquias deste país.
Twitter: @vinicius_wu / Blog: www.leituraglobal.com

O Legado que mantém Florestan Fernandes vivo


Florestan FernandesFlorestan Fernandes construiu uma obra que o transcende como pessoa e que contém contribuições teóricas e metodológicas de grande relevância para as Ciências Sociais. Sua obra não faz dele apenas um grande sociólogo no Brasil, mas o inscreve entre os grandes sociólogos das Ciências Sociais em nível internacional.
Há quinze anos, a morte tirou Florestan do nosso convívio. Já faz tanto tempo, e Florestan continua fazendo tanta falta, com sua lucidez, sua coragem, sua inteligência e sua integridade, buscando sempre encontrar a raiz dos grandes problemas postos no seu tempo, tentando problematizá-los de maneira mais consistente tanto teórica quanto politicamente, apontando assim novos caminhos para enfrentá-los, tendo sempre como norte as possibilidades da construção de uma sociedade nova, socialista. Florestan fala de “utopias igualitárias e libertárias, de fraternidade e felicidade entre os seres humanos”.
Guardamos dele sua lembrança e seu exemplo. Acima de tudo, porém, podemos mantê-lo presente (a nós e, principalmente, às nossas lutas) por meio do legado que nos deixou com os seus escritos. Aí suas idéias, suas formulações e seus embates – teóricos e políticos – continuam vivos, atuais, presentes, motivadores. Aí podemos continuar a falar de Florestan no tempo presente, e assim recolher seu ensinamento para enriquecer o pensamento e para clarificar o encaminhamento das lutas que o presente requer.
Florestan Fernandes construiu uma obra que o transcende como pessoa e que contém contribuições teóricas e metodológicas de grande relevância para as Ciências Sociais. Sua obra não faz dele apenas um grande sociólogo no Brasil, mas o inscreve entre os grandes sociólogos das Ciências Sociais em nível internacional.
Transformou em profundidade o padrão do trabalho científico da Sociologia no Brasil, configurando o que para ele constituía a Sociologia crítica. De acordo com Florestan, a produção desta Sociologia resulta da conjugação de dois esforços simultâneos. Por um lado, requer trabalho rigoroso e metódico de pesquisa balizada por padrões propriamente científicos. Por outro lado, ciente de que a neutralidade científica é um mito, requer que o próprio trabalho científico assuma compromisso ético e político com a transformação social em favor dos oprimidos e humilhados. Assim, para Florestan Fernandes, a Sociologia crítica é ciência que, no movimento mesmo de fazer-se como ciência, é engajada.
A obra de Florestan Fernandes é vasta e complexa. Há, porém, uma linha de investigação, que atravessa toda a sua produção madura, que confere conteúdo histórico, sociológico e político à ótica dos dominados e à perspectiva de transformação social, das quais Florestan jamais se afastou. É a investigação que o leva à formulação do seu conceito de capitalismo dependente como uma forma específica do desenvolvimento capitalista. Este conceito e sua teorização constituem uma contribuição teórica e metodológica importantíssima de Florestan Fernandes para a teoria do desenvolvimento capitalista. E abriga conseqüências políticas da maior relevância. Levá-las em consideração pode afetar significativamente o posicionamento quanto a políticas voltadas para a transformação social mais efetiva e mais profunda. Trata-se, portanto, de questões que permanecem importantes no cenário político.
O grande problema posto era o chamado “desenvolvimento”. Era apresentado como um problema econômico a demandar equacionamento político. Tal como estava posto, esse problema continha também um quadro supostamente teórico, a oferecer sentido às políticas supostamente necessárias para “resolver” o problema que desse modo era proposto: as chamadas “teorias” da modernização ou do desenvolvimento.
À época, essas “teorias” eram bastante discutidas e criticadas no âmbito acadêmico, mas Florestan foi dos primeiros a questioná-las mais a fundo, em pesquisa que o levou a teorizar o capitalismo dependente. Ao tempo em que Florestan finalizava a sua concepção do capitalismo dependente como um conceito, e logo depois que ele tornou pública a sua formulação, a chamada “escola da dependência” ensaiava seus primeiros passos, mas estancava a meio caminho entre as “teorias” do desenvolvimento/ modernização e a teorização de Florestan sobre o capitalismo dependente. Na verdade, os dependentistas se aproximavam de uma parte das descobertas/construções teóricas e metodológicas de Florestan, mas as despiam de alguns de seus atributos essenciais, exatamente aqueles que colocavam em questão o desenvolvimento desigual e combinado da expansão do capitalismo naquele momento.
Para teorizar o capitalismo dependente, Florestan se opõe às noções de desenvolvimento e de subdesenvolvimento oriundas das concepções evolucionistas e deterministas das chamadas “teorias” da modernização. Nega essas duas noções e, para analisar, compreender e ser capaz de explicar a condição da nossa sociedade (e das sociedades que Florestan identificava na sua teorização como sendo do mesmo tipo que a nossa), recorre às formulações sobre o imperialismo.
Ao entender o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo da perspectiva dos povos e das regiões que a expansão capitalista mundial incorpora, Florestan consegue dar conta de que esse processo mesmo de incorporação implica necessariamente submeter esses povos e essas regiões, sob formas historicamente diferenciadas, aos desígnios e aos interesses maiores do capital que deste modo se realiza e se amplia.
A compreensão do capitalismo dependente como especificidade da expansão do capitalismo em sua fase monopolista permite entender que o “desenvolvimento” que essa expansão propõe para as regiões para as quais se dirige é desenvolvimento desse capitalismo monopolista e que significa incorporar essas regiões submetendo-as. Esta concepção do capitalismo dependente em Florestan Fernandes contém ainda dois desdobramentos muito importantes. Primeiro, que os setores dominantes locais das regiões tornadas capitalistas dependentes têm participação ativa e decisiva para a concretização da política que visa aquele “desenvolvimento”. Para Florestan, eles são parceiros, menores e subordinados, mas parceiros, do grande capital em expansão pelo mundo. São intermediários, mas enquanto intermediários são imprescindíveis, e contam com um retorno para si dos ganhos desse modo obtidos pelo capital em expansão. Esta lógica implica uma super-exploração dos trabalhadores e da massa da população das regiões capitalistas dependentes.
Segundo, que a democracia possível sob o capitalismo dependente é sempre uma democracia restrita, a tal ponto que é mais correto designá-la como uma autocracia, na qual a grande maioria do povo fica excluída dos direitos, direitos que supostamente uma democracia deveria estender a todos os cidadãos. Desse modo, a super-exploração implica também como conseqüência uma super-dominação do conjunto dos setores subalternizados da população nessas regiões.
Algumas vezes se tenta separar o Florestan Fernandes cientista e o Florestan Fernandes político. É preciso considerar, porém, que a descoberta da verdade da dominação, da submissão, da subalternização ou da exploração, é, como tal, profundamente questionadora da realidade social estruturada sobre esses processos de dominação, de submissão, de subalternização ou de exploração. De tal modo que a exposição desses processos é em si mesma profundamente política, e tanto mais eficaz na crítica que contém quanto mais clara e sistematicamente fundamentada.
Estas são análises estruturais, nas quais, no entanto, é possível encontrar a profundidade das raízes das tendências e dos comportamentos políticos das classes dominantes das regiões capitalistas dependentes. Florestan, no entanto, está sempre atento também às conjunturas e sabe perfeitamente que para ser concreta uma análise precisa conjugar os determinantes estruturais com os condicionantes conjunturais. Era desse modo que ele procurava trabalhar.
Esse tipo de pesquisa científica, abrangente e crítica, bem como o magistério que o acompanhava de perto, onde mais poderiam ser realizados a não ser na universidade pública? Em 25 de abril de 1969, com base no Ato Institucional nº 5, a ditadura imposta no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964 excluiu Florestan Fernandes do serviço público em todo o território nacional. Cortava assim irremediavelmente a continuidade de pesquisa científica importante, conduzida por ele e por seus assistentes e colaboradores mais próximos, pesquisa que era resultado de trabalho longamente acumulado em instituição acadêmica superior que, enquanto instituição pública de ensino superior, se supunha resguardada em sua autonomia pedagógica, didática e de pesquisa. Mas tal suposição o arbítrio da ditadura revelou ser equivocada.
Com essa exclusão, Florestan perdeu o locus próprio para exercer o seu ofício como cientista. Precisou redimensionar suas atividades. Continuou suas pesquisas, mas desde então sem a interlocução permanente e sistemática de seus colegas e colaboradores e de seus estudantes, e sem apoio institucional, portanto de forma mais dispersa e descontinuada. Mesmo assim, retomou o seu trabalho individualmente, seguiu pesquisando e publicando os resultados de seus estudos, produzindo análises sempre lúcidas, perspicazes e iluminadoras.
Um dos traços marcantes da vida e da trajetória de Florestan foi sempre a defesa da educação pública, gratuita, laica, de qualidade, para todos. Na primeira Campanha em Defesa da Escola Pública, Florestan foi muito atuante e combativo e sua liderança foi reconhecida como fator importante da ampliação e da consistência da Campanha. Mas não apenas em momentos de grande mobilização como aquele, Florestan Fernandes esteve sempre presente com seu apoio claro, público e firme a todas as reivindicações e lutas dos movimentos dos professores, dos educadores e dos estudantes, de todos os níveis, em defesa da educação pública e gratuita, da elevação da sua qualidade e da sua democratização.
Como Deputado Federal Constituinte, Florestan foi o interlocutor privilegiado que o Forum Nacional em Defesa do Ensino Público e Gratuito na Constituinte teve na Subcomissão e na Comissão de Educação do Congresso Constituinte. Sua atuação para a melhor acolhida às propostas do Fórum foi importantíssima. Mas Florestan dialogava diretamente com o Forum e com os movimentos que o constituíam e chegava mesmo a ajudar, com sua análise sempre atenta e perspicaz, a nossa gestão das dificuldades criadas pelos inevitáveis atritos iniciais e conflitos eventuais entre os encaminhamentos de tantos movimentos de setores diferenciados no interior do Forum. Sem o Deputado Federal Constituinte Florestan Fernandes as lutas pela defesa da educação pública na Constituinte certamente teriam sido ainda muito mais difíceis do que foram.
A educação foi sempre um tema muito caro a Florestan, tema sobre o qual ele elaborou uma extensa e fecunda produção. Se há um fundo comum a essa produção, ele se forma em torno da educação pública gratuita de alta qualidade e altamente democratizada. Afinal, a escola pública e as bibliotecas públicas foram fundamentais para a vida de Florestan, aquele jovem de origem lumpen que se viu obrigado pelas necessidades de sobrevivência a trabalhar desde os seis anos de idade e que vislumbrou na educação a perspectiva de, por meio de seu próprio esforço, determinação e disciplina, poder transformar a sua condição social para, como ele dizia, “tornar-se gente” e ser reconhecido “como gente”. Leitor voraz, com sua inteligência e sua aplicação permanente à busca de saber, Florestan perseguiu, com determinação obstinada os seus objetivos através da educação e a partir do campo da educação tornou-se Florestan Fernandes, reconhecido nacional e internacionalmente como grande cientista, como grande professor e como destacado intelectual defensor das grandes causas dos dominados e subalternizados, dos oprimidos e humilhados.

* Mirim Limoeiro Cardoso é professora aposentada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.