segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Contra a corrupção política, só uma outra política


O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos
Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
A democracia liberal de massas é bem mais jovem do que o capitalismo. Até a virada do século XVIII para o XIX, a maioria dos que se dedicavam à política, bem como dos que refletiam sobre ela, era liberal e visceralmente antidemocrática. Já os que defendiam a democracia consideravam-na incompatível com uma sociedade dividida em classes. E os terrenos adequados ao poder do povo eram a sociedade sem classes ou, então, para usar a expressão de Crawford B. Macpherson, uma "sociedade de classe única", ou seja, de pequenos proprietários. Pode-se sintetizar essa última posição com a célebre passagem de Rousseau, em O contrato social: uma sociedade onde ninguém seja tão rico para poder comprar alguém, nem tão pobre que seja obrigado a se vender. Trocando em miúdos, uma sociedade de pequenos proprietários (granjeiros, comerciantes, artesãos), sem a conhecida desigualdade entre os ricaços e os que pouco ou nada têm.
No interior dessa polaridade, não é de se estranhar a aversão - ou mesmo o temor - dos liberais ao sufrágio universal. Já durante a Revolução Francesa, os moderados admitiam a generalização dos direitos civis, mas consideravam que ampliar os direitos políticos a todos os homens (as mulheres ficavam de fora) não era razoável. O maior medo era de que a maioria abolisse, por meio do voto, a propriedade privada.

Monstrengo inesperado

Duras lutas levaram ao parto do monstrengo inesperado: a mistura de democracia com sociedade de classes.
Vários fatores contribuíram para esse processo de constituição da democracia liberal de massas. Do ponto de vista dos dominantes, foi decisiva a descoberta de que um aparelho estatal fortemente burocratizado, até porque protegido das intempéries eleitorais, estaria apto a recorrer à violência para "manter a ordem" (leia-se a propriedade privada dos meios de produção ou, como atualmente juram os principais candidatos, "o respeito aos contratos"). Outra descoberta fascinante: as próprias eleições poderiam se integrar ao, aparentemente inesgotável, repertório ideológico de que o capitalismo dispõe para se legitimar junto aos dominados.
Agora, sim: com o núcleo do aparelho estatal garantindo a ordem, ou seja, "fora disso", porque voltado para o interesse público e dotado dos recursos de violência necessários para defendê-lo; e as eleições girando em torno da disputa sobre quem melhor gerencia os conflitos no interior da "ordem", mesmo que simulando contestá-la, os dominantes poderiam ir à luta pelo voto dos dominados, sem os quais, enquanto minoria, não poderiam se eleger para também cuidar da "coisa pública", inclusive, a boa elaboração das leis.
Político sagaz e sem papas na língua, o truculento Bismarck sentenciou que, se o povo soubesse de que eram feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo. De outro ponto de vista, Eric Hobsbawm, o grande historiador da sociedade burguesa, observou que a era da democratização é gêmea da hipocrisia política em larga escala.
Como se vê, não é fácil definir corrupção política.
Se a considerarmos como apropriação indébita da coisa pública por interesses privados, os problemas, ao invés de resolvidos, mal começam. Até pela difícil distinção entre público e privado no capitalismo. Pois, apesar de todo o imenso e criativo esforço intelectual despendido, resta a dura realidade de que os interesses fundamentais dos dominantes são consagrados, inclusive no plano jurídico, como públicos no mesmo processo em que os interesses dos dominados são constituídos como particulares.
No interior dessa moldura estrutural, existem, por exemplo, mil e um modos de arrancar recursos do BNDES para estimular o agronegócio. Nem vamos perder tempo com o que sobra para a caminhonete do ano, o consumismo afetado, tipo assim. Ainda restam a superexploração de homens e mulheres (crianças e adultos), a degradação ambiental, as boas relações com os centros decisórios. Foram até chamados de heróis pelo presidente da República (da coisa pública). Pois, graças ao seu empreendedorismo, a balança comercial segura as pontas de uma política econômica que remunera, com juros elevadíssimos, uma casta de sanguessugas planetários. E pobres de nós que precisamos desses heróis.  Quando a grana (deles) encurta, empreendem uma série de ações, inclusive entupindo rodovias (coisa pública) com "seus" tratores, fazem lobbies em dezenas de agências governamentais, mobilizam sua bancada parlamentar e terminam por conseguir alongamento das dívidas. E mais empréstimos. Sempre, é claro, em nome do interesse maior, em nome da coisa pública.
Compare essa situação corriqueira com o tratamento que os grandes meios de comunicação dispensaram a um grupo de sem-terras que ocupou uma área explorada pela Cutrale, o maior conglomerado sucroalcooleiro do mundo: foram chamados de invasores, inimigos do país, destruidores do meio ambiente, em suma, criminalizados sob todas as formas. Tive a oportunidade de participar de um debate na Globo News e ouvir do presidente da Sociedade Ruralista Brasileira (uma pessoa muito agradável), que a ação dos sem-terra foi "guerrilheira"; de um procurador do ministério público, que o MST recebia, de modo indevido, verbas estatais e que a privatização da Vale foi um grande bem para o Brasil; e, como tentei abordar o tema da coisa pública, a coordenadora do programa foi taxativa ao determinar que a coisa pública era muito grande para caber naquele debate. Não deixa de ser um modo de simplificar as coisas.

Corrupção na mídia

Passemos aos alvos preferidos das conversas sobre corrupção, até porque são insistentemente pautadas pelos grandes meios de comunicação.
Um simples exame superficial revela que a evolução do patrimônio privado de grande parte dos políticos brasileiros é incompatível com os rendimentos que legalmente auferem do exercício de suas funções públicas. Somente por esse critério, a ficha limpa seria supérflua.
Diante da permanente avalanche de denúncias, o curioso é que os grandes denunciados não costumam se hospedar nas infectas prisões que eles mesmos mandaram construir. Ainda mais curioso: geralmente, os grandes denunciados de corrupção controlam, em seus redutos políticos, as sucursais dos mesmíssimos grandes meios de comunicação (repetidoras de TV inclusas) que os denunciam. E alguns - oh, mundo cruel! - são ou foram colunistas de jornalões que se apresentam como arautos da moralidade política. É bastante comum que esse mesmo político seja denunciado e tratado com reverência em diferentes espaços ou momentos do mesmo jornal.
Esse é um dos motivos para a grande imprensa, sempre contra o "radicalismo", insistir no discurso de que a luta contra a corrupção leva tempo, que Deus não fez o mundo em um só dia e que, com o tempo, as instituições se aperfeiçoam, os partidos se tornarão programáticos e ideológicos e, enfim, melhoraremos a "qualidade da democracia".
O problema é que esse evolucionismo meia-boca não resiste a qualquer exame do passado. Não vamos muito longe. Basta lembrar que, nos anos 20, os levantes tenentistas tinham como um de seus principais alvos "os políticos" profissionais, todos considerados corruptos. Na década seguinte, idos de 1937, o lema de José Américo de Almeida, um quase candidato à presidência da República (Getúlio deu o golpe antes das eleições), era "Eu sei onde está o dinheiro". Nos anos 40, com a "redemocratização", fundou-se a UDN (União Democrática Nacional), um partido que se celebrizou pelo moralismo, pelo golpismo, inclusive o apoio ativo ao golpe de 1964, que, sempre em nome da luta contra a corrupção e a subversão, abriu caminho para 21 anos de ditadura militar. Em tempo, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney eram da UDN.
Essa contação de caso não leva mesmo muito longe, mas talvez ajude a desconfiar não apenas do evolucionismo tipo "me engana que eu gosto", mas também das propostas de reforma política de fachada. Como insiste o bom senso, uma corda tem duas pontas. Não adianta focar no corrupto e ocultar o corruptor.

Financiamento de campanha

Voltemos aos nossos heróis e similares, pois é aí que o bicho pega.
Para recomeçar, observe este fantástico processo ideológico: a insistência na denúncia da corrupção "ilegal" é um extraordinário meio de legitimação da exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. É como se desejássemos uma sociedade onde o capitalismo funciona em estado quimicamente puro, com os capitalistas se apropriando "apenas" do sobretrabalho produzido pelos proletários e o Estado "bem longe" dessa encrenca, limitando-se a zelar pelo interesse público. Só que vendo bem de perto, essa é justamente a mais poderosa ideologia -  o liberalismo -, que cimenta, ocultando, as relações sociais capitalistas.
O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos. Mais tarde, será muito mais fácil tapar o buraco de operações financeiras desastradas recebendo o generoso socorro do Banco do Brasil e do BNDES. Sem perder a pose de defensor do bom uso da coisa pública.
Nesse processo, a grande imprensa presta contribuição inestimável. Até porque ela condensa maravilhosamente as duas funções: de empresário e de agente político-ideológico, sempre alardeando que é independente, ou seja, não tem rabo preso com ninguém (antigo slogan do principal jornal de um grupo que emprestava seus veículos para torturadores e assassinos de presos políticos). Não por acaso, a grande imprensa, que passa quase todo o tempo denunciando a corrupção das instituições políticas, pressiona movimentos sociais para que se transformem em partidos políticos e restrinjam sua atuação ao mesmíssimo campo institucional que ela denuncia. Não se trata de uma contradição, mas de uma luta político-ideológica para domesticar esses movimentos. Quer dizer que não adianta reclamar da corrupção?
De fato, como se vê, não adianta muito e é pouquíssimo provável que o ficha limpa altere as relações de opressão política e exploração econômica vigentes na sociedade brasileira. Isso é o fundamental. Em um plano mais secundário, só os incompetentes, os descartáveis ou as eventuais vítimas de acidentes de trabalho (no geral, em feroz confronto com seus colegas de profissão) serão pegos. Quer dizer que não adianta lutar contra a corrupção? Êpa! Não foi o que escrevi.
Uma coisa é reclamar e reproduzir bovinamente aquilo de que se reclama. Outra coisa é lutar contra a corrupção de modo consequente, o que implica atacar suas causas. Aí, mais do que reclamar dos "políticos", cabe levar adiante uma luta política. Mas, para isso, é preciso fazer política de outro modo, com outro tipo de gente e, fundamentalmente, contra o sistema que, ao mercantilizar cada vez mais todas as relações humanas, não deixaria de fora exatamente a atividade política. Sobre isso aí temos assunto para diversos artigos.

Lucio Flávio Rodrigues de Almeida é cientista político e professor da PUC-SP.
Fonte: Caros Amigos

Plínio e os udenistas da direita

Reproduzo postagem do sitio oleo do diabo que faz uma crítica ao PSOL e seu representante ao governo federal nas eleições desse ano Plinio de Arruda Sampaio, no debate de ontem na rede Record de televisão...

Tenho amigos que votarão no Plínio, mas não posso deixar de criticar o udenismo vulgar que o candidato do PSOL usou no debate de domingo, na Record, e que, pela repetição sistemática de clichês moralistas em todo certame, deve ser a estratégia do partido nessa eleição.
A afirmação que "Psol não tolera corrupção" me parece extremamente arrogante, como se o partido pudesse de controlar os vícios humanos. Gaba-se de que o partido não tem casos de corrupção, o que é fácil para um partido minúsculo e criado há poucos anos. A corrupção é um problema vinculado ao poder e ao dinheiro. É claro que os casos aumentam na proporção que um partido ganha poder. Mas como seria ingenuidade pedir que os partidos não ambicionem mais poder, a única solução para o problema é fortalecer as instâncias que investigam a corrupção no país.

Além disso, Plínio foi injusto, porque ele sabe que durante o governo Lula houve um grande aumento na quantidade de operações da Polícia Federal no combate à corrupção. Plnio surfa no antilulismo desinformador da mídia, para vender uma ilusão moralista que ainda engana muita gente.

Após protestar tanto contra a falta de tempo, Plinio tem disperdiçado blocos inteiros nos debates por pura confusão mental. Chamou Dilma de Marina sem sequer corrigir-se depois. Inventou um sofismo tolo e também udenista ao dizer que o aumento do número de investigações significa aumento da roubalheira. Ora, como Plínio pode afirmar que seu governo "não tolera corrupção" e depois zombar, levianamente, do aumento das investitações? Como ele pretende combater "a roubalheira"?

Dou parabéns a Plínio por apontado a concentração dos meios de comunicação, mas achei egoísmo de sua parte criticar apenas a omissão que, segundo ele, a imprensa faz de sua candidatura, e se negar a comentar sobre a acusação dos movimentos sociais, sindicatos, diversos partidos de esquerda, blogueiros e um importante segmento da população contra o papel da imprensa nestas eleições, publicando calúnias contra Dilma Rousseff e fazendo acusações à Serra.

Com todo o respeito que tenho pelo candidato do Psol, não posso deixar de observar que a participação de Plínio no debate mostrou um indivíduo com muita dificuldade de coordenar os pensamentos ou mesmo entender exatamente o que estava acontecendo.

Outro ponto que me incomoda em Plínio é que ele tem partido, sistematicamente, durante os debates, para os ataques pessoais, ad hominem, ou melhor, ad feminam. Os ataques que fez à Marina Silva foram de baixo nível. À Dilma, idem. Ele se acha melhor que os outros?

As centenas de milhares de estudantes que se beneficiaram do Prouni e Reuni também devem ter se sentido bastante ofendidos com as referências jocosas do candidato a esses programas. Suas críticas foram deselegantes, ainda mais por atingir jovens que vivenciam momentos muito emocionantes em suas vidas. Sua desqualificação magom esses estudantes. Plínio, um homem muito rico, esnoba da ascensão social de milhões de brasileiros pobres que ganharam acesso a universidade.

Ao mencionar a educação em São Paulo, num debate com Serra, Plínio cometeu outra grosseria, ao se referir a todos os jovens paulistas como "analfabetos". Esse tipo de afirmação, se é vista como "gracinha" pelos segmentos cultos da sociedade, constituem uma agressão imperdoável aos brasileiros pobres e com pouco acesso à cultura.

Mas eu não voto no Plínio apenas por essas grosserias, típicas de um paulista ricaço e pedante. Eu não aprovo suas propostas. Grande parte de seus eleitores encantam-se apenas com o charme socialista e independente do PSOL, mas poucos atentam para o caráter sectário de suas propostas.

Após o pagamento da dívida externa e a redução da dívida pública, a defesa do calote desta última, por exemplo, é algo simplesmente irresponsável. O Brasil hoje tem condições de ser um importante emissor de títulos públicos no mercado internacional, a juros baixos e a longo prazo. Seria uma estupidez infantil, seria jogar dinheiro fora, decretar um calote que afetaria essa credibilidade conquistada a duras penas. Alem disso, os títulos que formam a dívida pública estão hoje capilarizados junto à população, de maneira que um calote prejudicaria uma quantidade imensa de famílias de classe média.

Quanto ao limite da propriedade, trata-se de uma medida arbitrária e truculenta. Com base em que estudo, o PSOL decreta que mil hectares é o limite? É óbvio que o partido optou por um número "redondo" por uma questão de criar um símbolo. Mas você poderia concluir da mesma forma que o limite é de 2 mil hectares, ou de 3 mil ha, ou de 800 hectares. Ora, está claro que o latifúndio deve ser combatido no país, mas essa medida é tola. Por exemplo, um homem poderia ter até 20 mil hectares improdutivos sob seu controle, mas em nome de familiares. O Brasil precisa de uma reforma fundiaria sim, o que é diferente de uma reforma agrária (embora os temas sejam vinculados), mas não se pode criar uma lei dessas para um país tão desigual. Em áreas próximas a centros urbanos, por exemplo, o Estado poderia dificultar, ou ao menos não incentivar, a concentração fundiária. Mas o mesmo cuidado não seria necessário, não no mesmo grau, em áreas extremamente despovoadas do Centro-Oeste.

O PSOL engaja-se com demasiada facilidade em qualquer campanha contra o governo, o que significa dizer que se engaja sistematicamente contra qualquer ação governamental, aliando-se à mídia nesse tipo de oposição radicalizada e sectária. Desvio do São Francisco, Belo Monte, Angra III, presal? O PSOL parece ser contra tudo, e quando se pedem propostas ao partido, ele responde apenas com abstrações e generalidades.

Jà observei que Plínio tem dois grupos de eleitores. Um é formado pelo jovem idealista, ainda um pouco ingênuo em sua visão de mundo, e confundindo um pouco o fato do PSOL ser um partido muito pequeno e estar a milhas de distância do poder com uma espécie de pureza ideológica e moral.

Outro grupo é formado pelo eleitor meio desorientado com os ataques pesados que a petista sofre na imprensa e nos estratos altos da sociedade. Os ambientes empresariais costumam ser extremamente agressivos no quesito político, com uma disseminação grande de um antipetismo rancoroso. Votar em Plinio ou Marina é como levantar uma bandeirinha branca de paz. Ser eleitor da Dilma é comprar uma guerra constante e nem todo mundo está disposto a isso. Não tanto entre os pobres, onde quase não há o fenômeno do antipetismo, mas sobretudo da classe média para cima. Declarando-se eleitor de Plínio ou Marina, o eleitor é tratado como "civil", e não como "militante" e pode assistir ao combate do lado de fora, sem risco.

Mas a maioria dos eleitores de Plinio, e grande parte dos de Marina, devem ir de Dilma - se houver - no segundo turno.Acesse oleododiabo.blogspot.com

domingo, 26 de setembro de 2010

Reflexões de um eleitor indignado

 

Frei Betto via Sul21

Miro a propaganda eleitoral na TV, ouço-a no rádio. E me pergunto: em que galáxia habito? Fico a me perguntar se o desfile mórbido de candidatos difere muito da apresentação dos gladiadores prestes a disputar o direito à vida no Coliseu de Roma.
São tantas besteiras, tantas promessas inconsistentes, tantas ofensas à língua pátria, que chego a preferir um passeio pelo zoológico, onde se pode apreciar, de jaula em jaula, a variedade do animais, sem o incômodo de escutar tanta bobagem.
Claro que incontáveis aparelhos de TV e rádio desligados no horário eleitoral significam um recado óbvio: reforma política já! Como não virá imediatamente, tudo indica que, de novo, a partir de 2011 veremos a nossa representação política – nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado – integrada por figuras respeitáveis, competentes, éticas, ombro a ombro com o besteirol: políticos eleitos, não pelo que representam como promotores do bem comum, e sim pela fama na mídia, no esporte, na esbórnia, na exuberância das nádegas e no escracho geral.
Pobre Brasil! A culpa é de quem? Do eleitor? Discordo. A culpa é dos partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legenda de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Não importa se o eleito não fala lé com cré. Importa é ter amealhado votos em quantidade.
Isso revela algo muito grave: os partidos cada vez menos representam uma parte ou segmento da sociedade. Representam a si mesmos. Viraram clubes políticos destinados a beneficiar seus sócios. Vivem descolados da base social, gabam-se de não ter ideologia, apenas interesses e, em tudo que fazem, buscam, em primeiro lugar, reforçar o próprio poder. E funcionam na base da ação entre amigos, pois quem se elege trata de nomear quem não se elegeu para um cargo público bem remunerado.
O Brasil precisa, sim, urgentemente, de uma reforma de seu sistema político. Não basta mudar as regras do jogo. Faz-se necessário modificar a atual cultura política, fundada no compadrio e nepotismo (como pode uma ministra incorporar familiares na máquina do governo?), no tráfico de influências, no uso dos recursos do Estado para benefício próprio.
Quem se faz representar em nosso poder legislativo? A elite, o agronegócio, os lobbies de armas e bebidas alcoólicas, da devastação da Amazônia e da abertura irresponsável do país ao capital estrangeiro. Esta é a minoria da população, poderosa, mas minoria.
Quem representa os sem terra e os sem teto? Quem representa os que padecem a falta de saúde e educação? Quem representa os povos indígenas, as pessoas com necessidades especiais, os jovens e idosos? Quem representa os movimentos populares?
Introduzir uma nova cultura política é criar mecanismos de controle civil do poder público, de modo a inibir a corrupção, punir os que agem ao arrepio das leis e combater tudo isso que, na estrutura socioeconômica brasileira, favorece e fortalece diferentes formas de desigualdades.
A revogabilidade de mandatos, mormente em casos de corrupção comprovada, deveria figurar como princípio pétreo em nosso sistema político. Por que permitir que uma mesma pessoa possa, indefinidamente, candidatar-se, perpetuando-se na política? Ninguém deveria ter o direito a mais de dois mandatos sucessivos na mesma função.
Para avançar rumo à democracia participativa, o Brasil precisa reformular seu sistema de comunicação, de modo a possibilitar o acesso dos setores populares à livre expressão; promover plebiscitos e consultas populares; adotar o financiamento público de campanhas eleitorais; criar mecanismos de controle social das políticas econômicas e do orçamento. Por que não há representação sindical na direção do Banco Central?
Como falar em democracia se, em plena campanha presidencial, apenas quatro candidatos têm direito a participar dos debates na TV? E os demais? Foram legal e legitimamente indicados por seus partidos. Não importa que sejam partidos nanicos. Uma democracia não se faz sem isonomia. O eleitor tem o direito de conhecer as propostas de todos que são oficialmente candidatos a funções executivas.
Desde o fim da ditadura, em 1985, a democracia se aprimorou muito no Brasil. Contudo, não se julga um país pela perfeição de suas leis, e sim pela aplicação dessas mesmas leis. A aprovação da Ficha Limpa demonstra que a sociedade civil organizada e mobilizada pode mais do que ela mesma crê. É hora de não apenas ouvir o que têm a propor os candidatos, mas de os movimentos sociais e congêneres apresentarem a eles suas propostas e sugestões.
Autoridade é o povo, de quem os políticos são meros servidores.
*Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto.

Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br

Agrotóxico, transgênicos e o novo agronegócio



Por Débora Prado
Da Caros Amigos

A concentração no campo é conhecida inimiga na luta pela justiça social no Brasil. No País do agronegócio – em que usineiro é herói e a reforma agrária é divida histórica centenária – 2,8% das propriedades rurais são latifúndios que dominam mais da metade de extensão territorial agricultável do país (56,7%), segundo os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em 2006.
Mas, a concentração no campo não se limita às propriedades. O oligopólio das fabricantes de sementes transgênicas e agrotóxicos se fortaleceu no Brasil nas últimas décadas, imprimindo um novo modelo de dominação que vai do campo para a cidade, rendendo cifras bilionárias para poucos e prejuízos à saúde de muitos.
Detentoras de grande capital, patentes, poderosos lobbies políticos e com um exército técnico e jurídico a sua disposição, essas companhias não conheceram a crise econômica.
As vendas mundiais de agrotóxicos atingiram cerca de US$ 48 bilhões em 2009, o que significa que o faturamento das empresas deste setor é maior que o PIB de grande parte dos países no mundo.
Entre 2000 e 2009, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94%, ao passo que o brasileiro subiu 172%.
Somente no ano passado, foram registrados 2195 agrotóxicos no mercado brasileiro, que movimentou US$ 6,8 bilhões, de acordo com dados da Sindag, o sindicato das empresas.
Os dados foram apresentados pela integrante da Gerência Geral de Toxicologia da Anvisa, Leticia Rodrigues da Silva, em um seminário nacional contra o uso dos agrotóxicos promovido pela Via Campesina, em parceria com a Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST.
Apesar das altas cifras, este é um mercado caracterizado pelo oligopólio e por um elevado grau de concentração – 13 empresas multinacionais respondem por 90% do mercado, sendo as 6 maiores (Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto, Dow Quemical e DuPont) - responsáveis por 68%.
Já poderosas no setor de agrotóxicos, estas multinacionais investiram ainda na compra de inúmeras fabricantes de sementes no Brasil a partir da década de 1990 e, recentemente, criaram o crédito direto ao produtor, ampliando seus braços de controle sobre a produção de nacional.
Para Leticia, isto significa que “a relação do agronegócio e da indústria de agrotóxico não é só de compra e venda, mas de subordinação”.
Além dos impactos econômicos e sociais desta dominação, a disseminação em escala industrial dos produtos fabricados por estas empresas é uma questão ambiental e de saúde pública.
"No ano passado, por exemplo, a Anvisa começou a fiscalizar as empresas produtoras e encontrou irregularidades em todas, como adulteração de produtos que estavam com formulação diferente da registrada e comercialização de vencidos", relata Letícia.
Somente na Dow Chemical, em junho deste ano, foram interditados mais de 500 mil litros de agrotóxicos e um funcionário foi conduzido à polícia por tentativa de omissão de produto.
A Anvisa colocou ainda 14 agentes ativos usados em agrotóxicos que se espalham pelas lavouras brasileiras em reavaliação – muitos deles inclusive proibidos em outros países como os EUA e alguns Europeus – sob suspeita de prejuízos à saúde. As empresas do setor entraram na justiça para impedir a revisão e até o momento quatro elementos foram banidos.
"O problema é que o prazo entre a entrada de um produto novo no mercado, a constatação dos seus efeitos e a retirada, no caso de ele ser prejudicial, é muito grande. E os danos à saúde ou mortes causadas pelos agrotóxicos geralmente são em longo prazo, então fica difícil provar o nexos de causalidade. Claro que há produtos em que se pode afirmar isto e é estes que queremos banir”, ressalta Letícia, complementando que “não há estudos em nenhum lugar do mundo sobre os efeitos da exposição à mistura de agrotóxicos, mesmo que seja em lavouras sucessivas”.
Para ela, o que está em cheque é a possibilidade da população decidir se quer ou não consumir agrotóxico. "Hoje é praticamente impossível comprar um alimento sem agrotóxico, porque mesmo aqueles que são produzidos sem mostram índices de contaminação, que está em toda cadeia alimentar, na água e até no ar”.
Com isso, em 2009, mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindag. O Brasil ocupa o posto de liderança no consumo desses produtos e, segundo dados do Movimento de Pequenos agricultores, se dividida a quantidade total de agrotóxicos utilizados em 2009 pelo número de habitantes do País, cada pessoa consumiu em média 5,2 kg de agrotóxicos ao longo do ano.
Horacio Martins de Carvalho, engenheiro agrônomo, avalia que este é um um novo modelo produtivo econômico, político e cultural, em que a patente dos genes e os Organismos Geneticamente Modificados fazem parte das estratégias comerciais das empresas para vender pesticidas. “O consumo mundial de agrotóxicos determina e é determinado pela combinação do controle privado das patentes de OGM e das fusões das empresas da área da indústria química”, explica.
Os números corroboram com esta avaliação. A Monsanto, por exemplo, tem hoje 25% do mercado brasileiro de sementes de hortaliças, segundo dados levantados pelo professor.
Já um levantamento feito Sérgio Porto, da Conab, mostra que somente no cultivo de soja, um dos flancos dos transgênicos no Brasil, o uso de herbicidas passou de 142,16 mil toneladas, em 2005, para 226,82 mil toneladas no ano passado, um aumento de 60%.
O custeio agrícola seguiu a expansão do uso de herbicidas, passando de R$ 4,82 bilhões, em 2005, para R$ 8,24 bilhões no ano passado.
“Os dados comprovam que não se usa menos agrotóxicos, nem se gasta menos, com os transgênicos, como os produtores costumam dizer. Pelo contrário, o uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas só aumentou no Brasil”, conclui Porto.
O modelo é altamente concentrado: das 149 milhões de toneladas de grãos na colheita deste ano, 80% é de milho e soja e outros 10% de arroz. Ou seja, apenas 3 produtos dominam a produção brasileira de grãos. Isto gera uma insegurança alimentar que pode penalizar toda sociedade. “São Paulo é o Estado com maior insegurança alimentar em termos de demanda e oferta, uma vez que a opção pela cana-de-açúcar leva o Estado a trazer de fora grande parte dos alimentos”, complementa Porto.
A concentração em poucos produtos é acompanhada de uma concentração regional na produção. “A transição para um novo modelo é crucial e para isso a pressão social é necessária. O debate sobre a alimentação saudável e o modo com se produz deve ser um elemento central na união das lutas no campo e na cidade”, destaca Porto.

Sem panfleto, ato contra golpismo e baixaria do PiG vira onda

O auditório Vladmir Herzog, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ficou pequeno para as mais de 500 pessoas que participaram, na quinta (23), do ato "contra o golpismo e a baixaria midiática e pela liberdade de expressão", promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Em meio à muvuca, repórteres da Folha, do Estadão e do SBT, entre outros, acompanharam, sem nenhum tipo de restrição, o ato – que estes mesmos veículos haviam acusado de ser “contra a imprensa”.

Do sitio www.vermelho.org.br









Altamiro Borges (Miro), o presidente da Barão, leu o documento “Pela ampla liberdade de expressão” e convidados de movimentos sociais e partidos de esquerda deram o seu recado na atividade. O movimento, que começou na internet e não contou com panfletos de mobilização, se tornou uma onda que não para de crescer na rede.

Entre os golpes midiáticos já promovidos em campanhas eleitorais está o de 2006. Lula disputava a reeleição com folga e tudo indicava que ganharia a disputa já no primeiro turno.

Três dias antes da eleição, em 29 de setembro, o Jornal Nacional então decide omitir a queda do avião da Gol, ocorrida às três e meia da tarde por conta de uma colisão com o jato Legacy, para informar mais um de seus factoides fabricados, especialmente, para as eleições: imagens de uma montanha de dinheiro apreendido das mãos de “aloprados” petistas que pretendiam comprar um suposto dossiê anti-tucanos. Claro que até hoje absolutamente nada foi provado sobre esse factoide muito útil para levar a disputa de 2006 para o segundo turno.

O ato desta quinta alerta para esse tipo de movimentação golpista e baixa, ações já bem conhecidas da mídia, especialmente, em retas finais de eleições em que seu candidato não tem mais chances de vencer.

sábado, 25 de setembro de 2010

Cureau, a censora


Conta-se aqui uma história insolitamente verdadeira de uma tentativa de assalto à liberdade de imprensa. Vale insistir: esta é autêntica. Por Mino Carta

Permito-me sugerir à doutora Sandra Cureau, vice-procuradora-geral da Justiça Eleitoral, que volte a se debruçar sobre os alfarrábios do seu tempo de faculdade, livros e apostilas, sem esquecer de manter à mão os códigos, obras de juristas consagrados e, sobretudo, a Constituição da República. O erro que cometeu ao exigir de CartaCapital, no prazo de cinco dias, a entrega da documentação completa do nosso relacionamento publicitário com o governo federal nos leva a duvidar do acerto de quem a escolheu para cargo tão importante.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao erro, digamos assim, técnico. Aceitou uma denúncia anônima para proceder contra a revista e sua editora. Diz ela conhecer a identidade do denunciante, acoberta-o, porém, sob o manto do sigilo condenado pelo texto constitucional e por decisões do Supremo Tribunal Federal. Protege quem, pessoa física ou jurídica, condiciona a denúncia ao silêncio sobre seu nome. Ou seja, a vice-procuradora comete uma clamorosa ilegalidade.
Há outro erro, ideológico. Quem deveria zelar pela lisura do embate eleitoral endossa a caluniosa afronta que há tempo é cometida até por colegas jornalistas ardorosamente empenhados na campanha do candidato tucano à Presidência. A ilação desfraldada a partir do apoio declarado, e fartamente explicado por CartaCapital, à candidatura- de Dilma Rousseff revela a consistência moral e ética, democrática e republicana dos acusadores, ou por outra, a total inconsistência. A tigrada não concebe adesão a uma candidatura sem a contrapartida em florins, libras, dracmas. Reais justificados por abundante publicidade governista.
Sabemos ser inútil repetir que a publicidade governista premia mais fartamente outras publicações. Sabemos que José Serra, ainda governador, mas de mira posta na Presidência, assinou belos contratos de compra de assinaturas com todas as maiores empresas jornalísticas do País, com exceção, obviamente, da editora de CartaCapital. Sabemos que não é o caso de esperar pela solidariedade- dos patrões da mídia e dos seus empregados, bem como das chamadas entidades de classe, sem falar da patética Sociedade Interamericana de Imprensa. Estas, aliás, se apressam a apoiar a campanha midiática que aponta em Lula o perigo público número 1 para a democracia e a liberdade de imprensa.
Nem todos os casos denunciados pela mídia nativa merecem as manchetes de primeira página, um e outro nem mesmo um pálido registro. É inegável, contudo, que dentro do PT há uma lamentável margem de manobra para aloprados de extrações diversas. CartaCapital tem dado o devido destaque a crimes como a quebra de sigilo fiscal e a deploráveis fenômenos de nepotismo e clientelismo, embora não deixe de apontar a ausência das provas sofregamente buscadas pelos perdigueiros da informação, em vão até o momento, de ligações com a campanha de Dilma Rousseff.
Vale, porém, discutir as implicações da liberdade de imprensa, e de expressão em geral. É do conhecimento até do mundo mineral que a liberdade de informar encontra seus limites no Código Penal. Se o jornalista acusa, tem de provar a acusação. E informar significa relatar fatos. Corretamente. Quanto à opinião, cada um tem direito à sua.
Muito me agrada que o Estadão e o Globo em editoriais e, se não me engano,- um colunista tenham aproveitado a sugestão feita por mim na semana passada. Por que não comparar Lula a Luís XIV, além de Mussolini e Hitler? Compararam, para ampliar o espectro da evocação. De ditadores de extrema-direita a um monarca por direito divino, aprazível passeio pela história. Volto à carga: sinto a falta de Stalin, talvez fosse personagem mais afinada com a personalidade de Lula, aquele que ia transformar o Brasil em república socialista. Quem sabe, a tarefa fique para a guerrilheira terrorista, assassina de criancinhas.
Espero ter sido útil, com uma contribuição aos delírios de quem percebe o poder a lhe escorrer entre os dedos. A campanha midiática a favor do candidato tucano não é digna do país que o Brasil merece ser, e sim adequada ao manicômio. Aumenta o clamor de grupelhos de inconformados de uma velha-guarda que não dispensa militares de pijama, todos protagonistas de um espetáculo que fica entre a ópera-bufa e o antigo Pinel. Que tem a ver com liberdade de imprensa acusar Lula e Dilma de pretenderem “mexicanizar”, ou “venezuelizar” o Brasil? Ou enterrar a democracia?
Mesmo que o presidente não pronuncie sempre palavras irretocáveis, onde estão as provas desse terrificante projeto? Temos, isto sim, as provas em sentido contrário: os golpistas arvoram-se a paladinos de uma legalidade que eles somente ameaçam. A união da mídia já produziu alguns entre os piores momentos da história brasileira. A morte de Getúlio Vargas, presidente eleito, a resistência a Juscelino, o golpe de 1964 e suas consequências 21 anos a fio, sem contar com a oposição à campanha das Diretas Já. Ou com o apoio maciço à candidatura de Fernando Collor, à reeleição de Fernando Henrique, às privatizações vergonhosamente manipuladas.
É possível perceber agora que este congraçamento nunca foi tão compacto. Surpreende-me, por exemplo, o aproveitamento que o Estadão faz das reportagens de Veja, citada com todas as letras. Em outros tempos não seria assim, a família Mesquita tachava os Civita de “argentários” em editoriais da terceira página. As relações entre os mesmos Mesquita, os Frias e os Marinho não eram também das melhores. Hoje não, hoje estão mais unidos do que nunca. Pelo desespero, creio eu.
A união, apesar das divergências, sempre os trouxe à mesma frente quando o risco foi comum. Ameaça ardilosamente elevada à enésima potência para justificar o revide pronto e imediato. E exorbitante. A aliança destes dias tem uma peculiaridade porque o risco temido por eles é real, a figurar uma situação muito pior do que aquela imaginada até o começo de 2010. Desespero rima com conselheiro, mas como tal é péssimo. De sorte que estão a se mover para mais uma Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. A derradeira, esperamos. Não nos iludamos, no entanto. São capazes de coisas piores.
Otimista em relação ao futuro, na minha visão vivemos os estertores de um sistema, mudança essencial ao sabor de um confronto social em andamento, sem violência, sem sangue. Diria natural, gerado pelo desenvolvimento, pelo crescimento. Donde, por mais sombrios que sejam os propósitos dos verdadeiros inimigos da democracia, eles, desta vez, no pasaran. Eles próprios se expõem a risco até ontem inimaginável. Se houver chance para uma tentativa golpista, desta vez haverá reação popular, com consequências imprevisíveis.
Episódio representativo da situação, conquanto não o mais assombroso, longe disso, é a demanda da vice-procuradora da Justiça Eleitoral para averiguar se vendemos, ou não, a nossa alma. Falo em nome de uma pequena redação que não desiste há 16 anos na prática do jornalismo honesto, pasma por estar sob suspeita ao apoiar às claras a candidatura Dilma.
Sugiro à doutora Sandra que, de mão na massa, verifique também se a revista IstoÉ recebeu lauta compensação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema quando o acima assinado em companhia do repórter Bernardo Lerer, escreveu uma reveladora, ouso dizer, reportagem sobre Luiz Inácio da Silva, melhor conhecido como Lula, publicada em fevereiro de 1978. Ou se acomodou-se em uma espécie de mensalão ao publicar oito capas a respeito da ação de Lula à frente de uma sequência de greves entre 1978 e 1980. Ou se me locupletei pessoalmente por ter estado ao lado dele na noite de sua prisão, e da sua saída da cadeia, quando enquadrado pela ditadura na Lei de Segurança Nacional, bem como nas suas campanhas como candidato à Presidência da República. Desde o dia em que conheci o atual presidente da República, pensei: este é o cara.

Mino Carta

Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redação@cartacapital.com.br

Eleições na Venezuela colocam à prova revolução de Chávez

A popularidade do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e de seu projeto de revolução serão avaliados nas urnas neste domingo, quando mais de 17 milhões de venezuelanos são esperados nas urnas para definir a recomposição do Parlamento, governado durante cinco anos por uma maioria governista.
Há 11 anos no poder, o presidente  aposta em sua popularidade para conseguir votos. "Chávez sabe que estão em jogo as eleições de 2012, que junta a escolha simultânea para governadores, prefeitos e presidente", afirmou o analista político Javier Biardeau, professor da Universidade Central da Venezuela.
Foto: AP

O presidente Hugo Chávez pediu aos eleitores "uma vitória por nocaute" para defender o "socialismo bolivariano"

Durante a campanha, o presidente percorreu vários Estados do país em caravanas que foram seguidas por milhares de simpatizantes, convertendo essa eleição parlamentar, mais uma vez, em um plebiscito sobre sua futura candidatura à reeleição, em 2012, e sobre o projeto de construção do chamado "socialismo do século 21".
"Imagine se um esquálido (opositor) voltasse a governar em Miraflores (sede do governo)? Tomariam de volta tudo o que a revolução deu para vocês, coisa que não é nenhum favor do governo e sim um direito do povo, de viver com dignidade. Por isso, enquanto Chávez for presidente, continuarei trabalhando sem descanso com os deputados da revolução", afirmou o presidente.
Para esse domingo, Chávez pediu a seus simpatizantes "uma vitória por nocaute" para defender o "socialismo bolivariano". "Não menos de dois terços (do Parlamento), esse é o calibre da vitória", afirmou Chávez, na semana passada, durante um comício de campanha.

Pesquisas

De acordo com pesquisas de opinião, a base governista deverá conquistar a maioria das cadeiras do Parlamento. No entanto, o chavismo corre o risco de perder a maioria qualificada das 165 vagas em disputa, o que permitiria à oposição frear a aprovação de leis que permitam radicalizar o projeto da revolução bolivariana.
Foto: AFP

Eleições legislativas de domingo são cruciais para oposição retomar poder na assembleia

Se o governo conquistar a maioria simples, entre 99 e 109 das vagas no Parlamento, estará obrigado a negociar com a oposição para a aprovação de leis orgânicas e nomeação de representação das Cortes dos país. Com 110 parlamentares, o governo alcança a maioria qualificada e poderá aprovar leis estruturais sem o apoio dos opositores.
"A cifra mágica para a radicalização será 125 deputados. Se consegue isso tem luz verde para seguir", afirmou Javier Biardeau. Se obtiver essas 125 vagas - cenário quase improvável de acordo com as pesquisas -, o governo poderá interpretar este resultado como um sinal de que deve pisar o acelerador das reformas.

Oposição

A oposição, por sua vez, também vê o pleito legislativo como uma oportunidade para disputar o poder com o chavismo, na esteira do descontentamento de alguns setores que antes simpatizavam com o governo.
"Vamos conquistar o que o país está esperando: uma Assembleia Nacional multicolor, que governe para todos", afirmou o candidato opositor Julio Borges, membro da Mesa da Unidade Democrática, grupo que reúne as candidaturas dos partidos opositores.
Para o analista Edgardo Lander, a volta da oposição ao Parlamento fortalece o sistema democrático representativo do país e fragiliza o chamado "braço golpista" da oposição, que a seu ver, foi determinante para levar os legisladores anti-chavistas a se retirarem da disputa eleitoral de 2005, entregando o controle absoluto da Assembleia Nacional à maioria governista. "Este grupo descartava por completo a via eleitoral e o trabalho político. A lógica desse setor era que era preciso derrubar Chávez e buscar apoio do Departamento de Estado dos Estados Unidos", afirmou.



Para o analista político Javier Biardeau, o novo Parlamento passará a ser uma "caixa de ressonância" das diferentes correntes políticas do país. A seu ver, os parlamentares governistas, que legislaram durante cinco anos sem adversário político, "terão de reconhecer que há uma diversidade de forças além do chavismo no Parlamento, que terão voz política e que, além disso, estarão apoiados por todos os meios de comunicação privados", afirmou.
Edgardo Lander acredita que a oposição tende a se fortalecer nessas eleições, porém, considera "pouco provável" que consiga organizar uma candidatura unitária capaz de fazer frente à liderança do presidente venezuelano. Esse cenário, no entanto, pode ser alterado, caso a oposição conquiste uma maior quantidade de votos nas eleições legislativas em relação ao governo. "Se isso ocorre, pode haver maiores riscos para a candidatura à reeleição presidencial em 2012, mas ainda assim, é improvável uma derrota de Chávez", afirmou.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, 150 observadores internacionais e 60 convidados de partidos políticos estrangeiros acompanharão o pleito deste domingo. Mais de 12 mil centros de votação serão protegidos por cerca de 250 mil militares. O voto na Venezuela é facultativo.

Fonte: BBC - Brasil

Os Indiferentes...

Ótimo texto de Antonio Gramsci, enviado por email pela querida amiga Laura Helena, cuja postura de vida faz a diferença. Uma boa reflexão às vésperas de uma eleição inesquecivel...

Os Indiferentes
Antonio Gramsci
11 de Fevereiro de 1917


Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história*. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.



Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917
Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.
Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive
Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License




sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Manifesto pela liberdade de expressão: “a imprensa pode criticar, mas não quer ser criticada”



Centenas de pessoas lotaram auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo em ato contra golpismo midiático e em defesa da democracia e da liberdade de expressão. Manifesto afirma que, em nome da liberdade de imprensa, grande mídia comercial quer suprimir a liberdade de expressão. “A imprensa pode criticar, mas não quer ser criticada. É profundamente anti-democrático – totalitário mesmo – caracterizar qualquer crítica à imprensa como uma ameaça à liberdade de imprensa. Os meios de comunicação exerceram, nestes últimos oito anos, sua atividade sem nenhuma restrição por parte do Governo”, diz o documento.
Ao final do encontro foi divulgado um manifesto à nação, que estará recebendo assinaturas de adesão nos próximos dias. Para assinar o manifesto: http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/7080

À NAÇÃO – Manifesto de artistas e intelectuais pela democracia e pelo povo

Em uma democracia nenhum poder é soberano.
Soberano é o povo.
É esse povo – o povo brasileiro – que irá expressar sua vontade soberana no próximo dia 3 de outubro, elegendo seu novo Presidente e 27 Governadores, renovando toda a Câmara de Deputados, Assembléias Legislativas e dois terços do Senado Federal.
Antevendo um desastre eleitoral, setores da oposição têm buscado minimizar sua derrota, desqualificando a vitória que se anuncia dos candidatos da coalizão Para o Brasil Seguir Mudando, encabeçada por Dilma Rousseff.
Em suas manifestações ecoam as campanhas dos anos 50 contra Getúlio Vargas e os argumentos que prepararam o Golpe de 1964. Não faltam críticas ao “populismo”, aos movimentos sociais, que apresentam como “aparelhados pelo Estado”, ou à ameaça de uma “República Sindicalista”, tantas vezes repetida em décadas passadas para justificar aventuras autoritárias.
O Presidente Lula e seu Governo beneficiam-se de ampla aprovação da sociedade brasileira. Inconformados com esse apoio, uma minoria com acesso aos meios, busca desqualificar esse povo, apresentando-o como “ignorante”, “anestesiado” ou “comprado pelas esmolas” dos programas sociais.
Desacostumados com uma sociedade de direitos, confunde-na sempre com uma sociedade de favores e prebendas.
O manto da democracia e do Estado de Direito com o qual pretendem encobrir seu conservadorismo não é capaz de ocultar a plumagem de uma Casa Grande inconformada com a emergência da Senzala na vida social e política do país nos últimos anos. A velha e reacionária UDN reaparece “sob nova direção”.
Em nome da liberdade de imprensa querem suprimir a liberdade de expressão.
A imprensa pode criticar, mas não quer ser criticada.
É profundamente anti-democrático – totalitário mesmo – caracterizar qualquer crítica à imprensa como uma ameaça à liberdade de imprensa.
Os meios de comunicação exerceram, nestes últimos oito anos, sua atividade sem nenhuma restrição por parte do Governo.
Mesmo quando acusaram sem provas.
Ou quando enxovalharam homens e mulheres sem oferecer-lhes direito de resposta.
Ou, ainda, quando invadiram a privacidade e a família do próprio Presidente da República.
A oposição está colhendo o que plantou nestes últimos anos.
Sua inconformidade com o êxito do Governo Lula, levou-a à perplexidade.
Sua incapacidade de oferecer à sociedade brasileira um projeto alternativo de Nação, confinou-a no gueto de um conservadorismo ressentido e arrogante.
O Brasil passou por uma grande transformação.
Retomou o crescimento. Distribuiu renda. Conseguiu combinar esses dois processos com a estabilidade macroeconômica e com a redução da vulnerabilidade externa. E – o que é mais importante – fez tudo isso com expansão da democracia e com uma presença soberana no mundo.
Ninguém nos afastará desse caminho.

Viva o povo brasileiro.

Foto: Conceição Oliveira

Eleição 2010: entre o escândalo e o escárnio

  Wagner Iglecias no Correio da Cidadania   
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Estes dias têm sido de tiroteio, de blefes, de movimentos contraditórios. Fala-se muito em balas de prata, há inúmeros interesses em jogo, que ultrapassam inclusive a disputa partidária e eleitoral, como se sabe. Mas independentemente do que disserem as urnas na noite de 3 de outubro, uma das questões mais relevantes desta eleição, a ser analisada no futuro, é o enfraquecimento das duas principais legendas do país, em que pese a quantidade de votos que venham a obter e a quantidade de governadores e congressistas que venham a eleger.
 
A eleição presidencial deste ano é a sexta desde 1989, quando o Brasil voltou a eleger seus presidentes de forma direta. Uma eleição até aqui modorrenta, com pouca ou nenhuma discussão real de propostas para o país. Caminhamos para um pleito no qual, segundo as pesquisas, a maioria do eleitorado votará de maneira bem pragmática, conservadora, quase interesseira. A melhora das condições de vida dos brasileiros é notória nesta década, e o voto em Dilma Rousseff reflete, talvez mais do que o reconhecimento ao trabalho de Lula, o receio de que dar a vitória à oposição possa mudar, para pior, o rumo das coisas. Até aí, nenhuma novidade no front: a maioria dos brasileiros votou em Fernando Henrique em 1994 e o reelegeu em 1998 a partir da melhoria das condições de vida proporcionada pela estabilidade econômica do Plano Real e pela desconfiança de que uma mudança de rumos àquela altura pudesse representar mais perdas do que ganhos.
 
Por conta do sucesso econômico do governo Lula, a tarefa da oposição nesta eleição sempre foi tida como inglória, mesmo antes de a campanha começar. O brasileiro vota com o bolso, como de resto ocorre em muitas partes do mundo. Como então convencer o eleitorado a optar pela alternância, se o cálculo da maioria das pessoas as leva a constatar que suas vidas melhoraram em relação a dez anos atrás? Provavelmente daí resulte a trajetória errante da campanha de José Serra, que passou meses a fio sem saber se elogiava ou se criticava Lula, se resgatava o legado de Fernando Henrique ou se o escondia.
 
Estes dias têm sido de tiroteio, de blefes, de movimentos contraditórios. Fala-se muito em balas de prata, há inúmeros interesses em jogo, que ultrapassam inclusive a disputa partidária e eleitoral, como se sabe. Mas independentemente do que disserem as urnas na noite de 3 de outubro, uma das questões mais relevantes desta eleição, a ser analisada no futuro, é o enfraquecimento das duas principais legendas do país, em que pese a quantidade de votos que venham a obter e a quantidade de governadores e congressistas que venham a eleger.
 
Embora tenha surgido no ABC paulista, região onde se localizava, nos anos 1970, o que havia de mais avançado no capitalismo brasileiro, o PT carregava em sua origem duas bandeiras: a do socialismo e a da ética na política. A bandeira do socialismo o partido abandonou há tempos, talvez desde o congresso interno de 1995, ou antes. A bandeira da ética na política foi seriamente comprometida com o escândalo do mensalão, em 2005. E continua a sê-lo a cada nova denúncia de mau uso do dinheiro público que atinge o partido e suas administrações, em especial o governo federal. E a cada vez que é tratada com escárnio por parte daqueles que durante anos se apresentaram para a sociedade brasileira como diferentes dos velhos donos do poder e do sistema político tradicional e seus costumes daninhos. De 2005 para cá, boa parte do eleitorado passou a ter a impressão de que o petismo converteu-se à normalidade do jogo sujo, com o qual gente comum identifica a atividade política. E isso é extremamente grave, pois do petismo se esperava algo diferente, e isso esperavam muitos, até os que nunca votaram no PT. Daí a grande frustração que setores médios da sociedade tiveram com o partido nos últimos anos.
 
O PSDB, por sua vez, também se enfraquece muito neste pleito. E mais que o PT, obviamente, diante da provável derrota eleitoral. Quando no poder, no entanto, o partido construiu um legado extremamente importante para os dias de hoje, que foi o fim da inflação. Foram os tucanos, em grande medida, que reestruturaram, para o bem e para o mal, o Estado brasileiro, e as conseqüências daquela reestruturação estão aí, tanto para quem governou depois deles, quanto para a sociedade e para o mercado.
 
Mas o PSDB parece que envelheceu. Continuou a ser um partido de quadros, elitizado, comandado por uma geração já veterana, que ao que tudo indica perdeu a capacidade de compreender as transformações pelas quais o país tem passado. É de se lamentar que uma agremiação com alguns dos expoentes intelectuais que possui tenha entrado numa campanha presidencial quase que reduzida a um denuncismo moralista, muitas vezes requentado, diante do qual qualquer projeto de governo ou qualquer idéia para o país passam despercebidos, se é que existem. A aposta no escândalo, dirigida a uma sociedade que vive melhor hoje que há uma década e que, em grande medida, acha que "todos os políticos são iguais", só pode resultar no que está resultando, pelo menos até o momento: em nada. Como conseqüência só resta a alguns insinuar, entre a raiva e o muxoxo, que "o povo não sabe votar" e que estaríamos diante do ocaso da democracia brasileira, dois óbvios exageros.
 
PT e PSDB se enfraquecem nesta eleição, perdem um pouco mais a energia inovadora que, cada qual a seu modo, tiveram um dia, porque mimetizam as piores características de seus respectivos eleitorados. O PT tem hoje um eleitorado expandido, e sua pregação pragmática vai ao encontro e se alimenta das novas e crescentes parcelas de eleitores conquistadas pelo partido de 2002 para cá. Esse petismo pragmático e conservador dos dias de hoje não é muito diferente do eleitor que passou a apoiá-lo mais recentemente, e lembra muito pouco aquela interessante alternativa eleitoral surgida em 1982, a qual representava uma lufada de ar fresco na cena política brasileira da época. Já o PSDB, que vê hoje diminuído seu market share eleitoral, aferra seu discurso naqueles segmentos que, até a última conseqüência, lhes são e serão fiéis em voto. Modula sua pregação eleitoral a partir do que lhes sopram seus eleitores mais reacionários e elitistas, desde sempre indispostos a reconhecer qualquer mérito em Lula e no seu governo.
 
Neste sentido, a eleição de 2010 talvez seja a mais pobre, desde o pleito de 1989, em termos de idéias inovadoras para o país. Ficamos reduzidos ao embate do "mais do mesmo" contra o "pode mais". Entre o escândalo e o escárnio, ou, melhor dizendo, o contrário.
 
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.