quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O discurso ocultado do presidente iraniano


por Mahmoud Ahmadinejad [*]

Os media corporativos dominantes fartaram-se de criticar o último discurso do Presidente do Irão. No entanto, que se saiba, nenhum deles publicou o texto integral do referido discurso. Este episódio mostra como funciona a barreira de ocultação dos factos e a desinformação. O palavrório do sr. Obama a criticar o discurso de Ahmadinejad foi amplamente exibido nos noticiários da TV portuguesa — mas não o próprio discurso criticado. Isso mostra bem a manipulação dos media dominantes. Não publicam textos, como este, que contenham demasiadas verdades. Falar do 11/Set, da espoliação do povo palestino ou das armas nucleares da entidade sionista é assunto tabu.
Ao publicar o discurso resistir.info está a cumprir o papel que deveria caber aos media que gostam de apregoar-se como "referência".
'Cartoon de Langer. Senhor Presidente,
Excelências,
Senhoras e Senhores,


Sou grato a Deus Todo Poderoso que me concedeu a oportunidade de estar mais uma vez perante esta assembléia mundial. Quero começar homenageando aqueles que perderam suas vidas nas terríveis cheias do Paquistão e expressar minha profunda simpatia às famílias que perderam seus entes queridos, assim como às pessoas e ao governo do Paquistão. Solicito a todos que ajudem seus irmãos, homens e mulheres, como um dever humanitário.

Permitam-me que agradeça a S.E. o Sr. Ali Abdussalam Treki, o Presidente da 64ª. Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, por seus esforços durante seu mandato. Também quero cumprimentar S.E. o Sr. Joseph Deiss, Presidente da 65ª. Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e desejar-lhe êxito.

No passado, eu lhes falei acerca de algumas esperanças e preocupações, incluindo crises familiares, segurança, dignidade humana, economia mundial, mudanças climáticas assim como a aspiração por justiça e pela paz duradoura.

Depois de cerca de 100 anos de dominação, o sistema do capitalismo e da ordem mundial existente demonstrou-se incapaz de fornecer soluções apropriadas aos problemas das sociedades, chegando assim ao seu fim. Tentarei examinar as duas causas principais deste fracasso e delinear algumas características da ordem futura ideal.

A) Atitudes e Crenças

Como estão cientes, os profetas divinos tiveram por missão conclamar todos ao monoteísmo, amor e justiça e mostrar à humanidade o caminho da prosperidade. Eles convidaram os homens à contemplação e ao conhecimento a fim de melhor apreciarem a verdade e evitarem o ateísmo e o egoísmo. A verdadeira natureza da mensagem de todos os profetas é única. Cada mensageiro endossou o mensageiro que o antecedeu e transmitiu as boas novas sobre o profeta que viria e apresentaria uma versão mais completa da religião de acordo com a capacidade do homem a esta época. Isso continuou até o ultimo mensageiro de Deus, que apresentou a religião perfeita e abrangente.

Em oposição a isso, os egoístas e os avaros são contrários a este chamado claro, revoltando-se contra a mensagem.

Nimrod se opôs a Hazrat Abraham, o faraó se opôs a Hazrat Moses e os avarentos se opuseram a Hazrat Jesus Christ e Hazrat Maomé (a paz esteja com ele). Em séculos recentes, a ética e os valores humanos foram rejeitados como sendo a causa do atraso. Eles foram inclusive retratados como opositores do conhecimento e da ciência devido às antigas aflições impostas ao homem pelos proclamadores da religião nas épocas obscuras do Ocidente.

A desconexão do homem com o Paraíso afastou-o de si próprio.

O homem, com seu potencial de entendimento dos segredos do universo, seu instinto pela busca da verdade, suas aspirações por justiça e perfeição, sua busca pela beleza e pela pureza e sua capacidade de representar Deus na terra, foi reduzido a uma criatura limitada ao mundo material com a missão de maximizar os prazeres individualistas. O instinto humano, então, substituiu a verdadeira natureza humana.

Os seres humanos e as nações consideraram-se rivais e a felicidade de um indivíduo ou de uma nação foi definida como confronto, eliminação ou supressão das outras. A cooperação evolucionária construtiva foi substituída por uma luta destrutiva pela sobrevivência.

O desejo pelo capital e pela dominação substituiu o monoteísmo, que é a porta para o amor e para a unidade.

A luta generalizada do egoísta com os valores divinos abriu caminho para a escravidão e o colonialismo. Grande parte do mundo está sob o domínio de alguns Estados ocidentais. Dezenas de milhões de pessoas foram escravizadas e dezenas de milhões de famílias foram despedaçadas por causa disso. Todos os recursos, direitos e culturas das nações colonizadas foram saqueados. Terras foram ocupadas e o povo nativo foi humilhado e dizimado.

Mesmo assim, nações se levantaram, o colonialismo foi rejeitado e a independência das nações reconhecida. Assim, a esperança por respeito, prosperidade e segurança renasceu nessas nações. No começo do século passado, discursos bonitos sobre liberdade, direitos humanos e democracia criaram a esperança de cura das profundas feridas do passado. Hoje, entretanto, não apenas aqueles sonhos não foram realizados como lembranças muitas vezes piores que as anteriores foram registradas.

Como resultado das duas guerras mundiais, da ocupação da Palestina, das guerras da Coréia e do Vietnam, da Guerra do Iraque contra o Irã, da ocupação do Afeganistão e do Iraque, assim como de muitas guerras na África, centenas de milhões de pessoas foram mortas, feridas ou deslocadas.

O terrorismo, as drogas ilícitas, a pobreza e a desigualdade social aumentaram. Os governos ditatoriais e golpistas na América Latina cometeram crimes sem precedentes com apoio do Ocidente.

Ao invés do desarmamento, expandiu-se a proliferação e o estoque de armas nucleares, biológicas e químicas, colocando o mundo sobre uma ameaça maior. Como resultado, os mesmos velhos objetivos dos colonialistas e dos escravagistas foram, mais uma vez, perseguidos,sob novo disfarce.

B) A gerência global e as estruturas de domínio

A Liga das Nações e, depois, as Nações Unidas, foram estabelecidas com a promessa de promover a paz, a segurança e a realização dos direitos humanos, o que de fato significa uma gestão global.

A governação do mundo pode ser analisada examinando-se três eventos:

Primeiro, o evento de 11 de setembro de 2001, que afetou o mundo todo por quase uma década.

Rapidamente, as notícias do ataque às torres gêmeas foram televisionadas usando numerosas imagens do incidente.

Quase todos os governos e personalidades conhecidas condenaram fortemente este incidente.

Mas então a máquina de propaganda começou a funcionar a pleno vapor; ficou implícito que o mundo todo estava exposto a um grande perigo, chamado terrorismo, e que a única maneira de salvar o mundo seria enviar forças ao Afeganistão.

Finalmente o Afeganistão, e logo após o Iraque, foram ocupados.

Por favor, notem que:

Foi dito que cerca de 3000 pessoas foram mortas em 11 de setembro, pelas quais estamos todos muito entristecidos. Mas, até afora, no Afeganistão e no Iraque centenas de milhares de pessoas foram mortas, milhões feridos e desalojados e o conflito ainda continua a se expandir.

Na identificação dos responsáveis pelo ataque, há três pontos de vista:

1 – Que um grupo terrorista complexo e muito poderoso, capaz de passar com sucesso por todas as camadas de inteligência e segurança americanas, efetuou os ataques. Este é o principal ponto de vista defendido pelos funcionários do governo americano.

2 – Que alguns segmentos dentro do governo dos EUA orquestraram o ataque para reverter o declínio da economia Americana e seus agregados no Oriente Médio a fim de salvar o regime sionista. A maioria do povo americano, assim como outros países e políticos, concordam com esta opinião.

3 – Foi levado a cabo por um grupo terrorista mas o governo americano apoiou e se aproveitou da situação. Aparentemente, este ponto de vista tem poucos defensores.

A principal evidência ligada ao incidente foram alguns passaportes encontrados no imenso volume de detritos, e um vídeo mostrando uma pessoa cujo domicílio é desconhecido, mas anunciou-se que a mesma havia estado envolvida em negócios petrolíferos com alguns funcionários americanos. Isso também foi encoberto, e se disse que devido à explosão e ao fogo nenhum traço dos atacantes suicidas foi encontrado.

Restam, todavia, algumas perguntas a serem respondidas:

1 – Não teria sido sensato que logo no início uma investigação completa tivesse sido conduzida por grupos independentes para identificar sem margem de dúvidas os elementos envolvidos no ataque, delineando-se em seguida um plano racional para tomar medidas contra eles?

2 – Assumindo o ponto de vista do governo americano, é racional deflagrar uma guerra clássica com movimentação generalizada de tropas que levaram à morte de centenas de milhares de pessoas para combater um grupo terrorista?

3 – Não seria possível ter agido da forma que o Irã agiu no combate ao grupo terrorista Riggi, que matou e feriu 400 pessoas inocentes no Irã? Na operação iraniana, nenhum inocente foi ferido.

Propõe-se que as Nações Unidas estabeleçam um grupo independente de pesquisa dos fatos envolvidos no evento de 11 d e setembro, de modo que no futuro não seja proibido que se expressem opiniões sobre isso.

Eu gostaria de anunciar que no próximo ano a República Islâmica do Irã sediará uma conferência para estudar o terrorismo e os meios de combatê-lo. Eu convido funcionários, acadêmicos, pensadores, pesquisadores e institutos de pesquisa de todos os países a participar desta conferência.

Em segundo lugar, está a ocupação dos territórios palestinos

O povo oprimido da Palestina tem vivido sob o domínio de um regime de ocupação por 60 anos, tendo sido privados de liberdade, segurança e direito à auto-determinação, enquanto aos ocupantes é concedido o reconhecimento. Diariamente, as casas estão sendo destruídas sobre as cabeças de mulheres e crianças inocentes. Pessoas estão privadas de água, comida e remédios em sua terra natal. Os sionistas impuseram cinco guerras devastadoras sobre os países vizinhos e sobre o povo da Palestina.

Os sionistas cometeram os mais terríveis crimes de Guerra contra o povo indefeso nas guerras contra o Líbano e contra Gaza.

O regime sionista atacou uma flotilha humanitária em flagrante desacato a todas as normas internacionais, e assassinou civis.

Este regime, que goza do apoio absoluto de algumas nações ocidentais, ameaça regularmente os países da região e continua a anunciar publicamente o assassinato de personalidades palestinas e outros, enquanto os defensores palestinos e aqueles que se opõe a este regime são pressionados, rotulados como terroristas e anti-semitas. Todos os valores, mesmo o da liberdade de expressão, na Europa e nos estados Unidos, estão sendo sacrificados no altar do Sionismo.

As soluções estão fadadas as fracasso porque o direito do povo palestino não está sendo levado em conta.

Teríamos testemunhado esses crimes horrendos se ao invés de reconhecer a ocupação, o direito soberano do povo palestino houvesse sido reconhecido?

Nossa proposição inequívoca é o retorno dos refugiados palestinos à sua terra e a indicação para votação do povo palestino no exercício de sua soberania, decidindo qual o tipo de governo que desejam.

Em terceiro lugar, está a energia nuclear

A energia nuclear é limpa e barata e uma dádiva dos céus que está entre as alternativas mais adequadas para reduzir a poluição gerada pelos combustíveis fósseis.

O Tratado de Não–proliferação (TNP) permite que todos os Estados-membros utilizem energia nuclear sem limites, e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi constituída para fornecer apoio técnico e legal a todos os Estados-membros.

A bomba nuclear é a pior das armas desumanas e deve ser totalmente eliminada. O TNP proíbe seu desenvolvimento e armazenagem e defende o desarmamento nuclear. Não obstante, notem o que alguns membros permanentes do Conselho de Segurança, e detentores de bombas nucleares, têm feito:

Eles tem equiparado a energia nuclear à bomba nuclear, e distanciaram esta energia do alcance da maioria dos países ao estabelecer monopólios e pressionar a AIEA. Mas ao mesmo tempo eles continuaram a manter, expandir e aperfeiçoar os seus próprios arsenais nucleares.

Isso implicou no que se segue:

Não apenas o desarmamento nuclear não foi realizado mas também bombas nucleares têm proliferado em algumas regiões, inclusive no regime sionista ocupante e intimidador.

Eu gostaria de propor aqui que o ano de 2011 seja proclamado o ano do desarmamento nuclear e da "Energia Nuclear para Todos, Armas Nucleares para Ninguém". Em todos esses casos as Nações Unidas têm sido incapazes de tomar um curso efetivo de ação. Infelizmente, na década proclamada como "Década Internacional pela Cultura da Paz" centenas de milhares foram assassinados e feridos como resultado de Guerra, agressão e ocupação, e as hostilidades e o antagonismo crescem.

Senhoras e Senhores,

Bem recentemente o mundo testemunhou o ato feio e desumano da queima do Sacrado Corão. O Sagrado Corão é o Livro Divino e o eterno milagre do Profeta do Islã. Ele chama à adoração do único Deus, justiça, compaixão entre as pessoas, desenvolvimento e progresso, reflexão e meditação, defesa dos oprimidos e resistência contra os opressores: e nomeia respeitosamente os Mensageiros de Deus precedentes, como Noé, Abraão, Isaac, José, Moisés e Jesus Cristo (A Paz esteja com Eles) e os endossa. Eles queimaram o Corão para queimar todas essas verdades e boas opiniões. Todavia, a verdade não pode ser queimada. O Corão é Eterno porque Deus e a Verdade são eternos. Este ato e qualquer outro ato que aumente a divisão e as distâncias entre as nações são maus. Deveríamos sabiamente evitar brincar nas mãos de Satã. Em nome da nação iraniana eu presto respeito a todos os Livros Divinos e seus seguidores. Este é o Corão e esta é a Bíblia. Eu presto meu respeito a ambos.

Estimados Amigos,

Por anos a ineficiência do capitalismo e as estruturas e gestão atuais do mundo foram expostas, e a maioria dos Estados e nações tem estado em busca de mudanças fundamentais e da prevalência da justiça nas relações globais.

A causa na inaptidão das Nações Unidas é sua estrutura injusta. O principal poder está monopolizado no Conselho de Segurança devido ao privilégio de veto,e o principal pilar da Organização, ou seja, a Assembléia Geral, está marginalizada.

Nas décadas passadas, pelo menos um dos membros permanentes do Conselho de Segurança tem sido sempre parte nas disputas.

O privilégio do voto assegura impunidade à agressão e à ocupação. Como se poderia, assim, esperar competência quando tanto o juiz quanto o promoter são parte na disputa?

Se o Irã gozasse do privilégio do veto, o Conselho de Segurança e o Diretor-Geral da AIEA teriam tomada a mesma posição na questão nuclear?

Caros Amigos,

As Nações Unidas são cruciais para a coordenação da gestão global comum. Sua estrutura necessita reformas de modo que todos os Estados e nações independentes possam participar ativa e construtivamente na governança global.

O privilégio do veto deveria ser refogado, e a Assembléia Geral deveria ser o órgão supremo e o Secretário-Geral deveria ser o funcionário mais independente e todas as suas posições e atividades deveriam ser tomadas com aprovação da Assembléia Geral e deveriam ser direcionadas à promoção da justice e à eliminação das discriminações.

O Secretário-Geral não deveria poder ser pressionado por potências e/ou pelo país que sedia a Organização por sua defesa da verdade e administração da justiça.

Sugere-se que a Assembléia Geral deveria, dentro de um ano e no contexto de uma sessão extraordinária, finalizar a reforma da estrutura da Organização.

A República Islâmica do Irã tem sugestões claras a este respeito e está pronta a participar ativa e construtivamente deste processo.

Senhoras e Senhores,

Anuncio com clareza que a ocupação de outros países sob o pretexto de liberdade e democracia é um crime imperdoável.

O mundo precisa da lógica da compaixão e justiça e participação inclusiva, ao invés da lógica da força, dominação, unilateralismo, guerra e intimidação.

O mundo precisa ser governado por pessoas virtuosas como os Profetas Divinos.

Duas grandes esferas geográficas, ou seja, a África e a América Latina, têm passado por desenvolvimentos históricos nas últimas décadas. As novas abordagens nesses dois continentes, baseadas na elevação do nível de integração e unidade assim como na regionalização dos modelos de crescimento e desenvolvimento, têm trazido frutos consideráveis aos povos destas regiões. A consciência e a sabedoria dos líderes desses dois continentes tem vencido as crises e problemas regionais sem a interferência dominadora de potência não-regionais.

A República Islâmica do Irã tem expandido suas relações com a América Latina e a África em todos os aspectos, nos anos recentes.

E acerca do glorioso Irã,

A Declaração de Teerã foi um passo extremamente positivo nos esforços de construção da confiança que foi tornado possível através da admirável boa vontade dos governos do Brasil e da Turquia, juntamente com a sincera cooperação do governo iraniano. Apesar de ter a Declaração recebido de alguns reações impróprias, e ter sido seguida por uma resolução ilegal, ela é ainda válida.

Temos respeitado as regulamentações da AIEA até além de nosso comprometimento, mas nunca nos submetemos, nem jamais o faremos, a pressões ilegalmente impostas.

Tem sido dito que querem pressionar um diálogo com o Irã. Bem, em primeiro lugar, o Irã sempre esteve pronto para um diálogo baseado no respeito e na justiça. Em segundo lugar, métodos baseados no desrespeito a nações há muito tornaram-se ineficazes. Aqueles que usaram intimidação e sanções em resposta à lógica cristalina da nação iraniana estão na verdade destruindo o que resta de credibilidade do Conselho de Segurança e de confiança das nações neste organismo, provando uma vez mais o quanto é injusta a função do Conselho.

Quando ameaçam uma grande nação como o Irã, que é conhecida através da história por seus cientistas, poetas, artistas e filósofos, e cuja cultura e civilização são sinônimos de pureza, submissão a Deus e busca da justice, como poderão esperar que outras nações tenham neles confiança?

Nem é preciso dizer que métodos de dominação para gerir o mundo falharam. Não somente a era da escravidão e colonialismo e dominação do mundo passou, como o caminho para reviver antigos Impérios está fechado, também.

Anunciamos que estamos prontos para um debate sério e livre com os governantes americanos para expressão nossos pontos de vista transparentes em questões importantes para o mundo neste mesmo local.

Propomos aqui que, a fim de haver um diálogo construtivo, um debate livre anual seja organizado dentro da Assembléia Geral.

Em conclusão,

Amigos e Colegas,

A nação iraniana e a maioria dos governos e nações do mundo são contra a atual gestão discriminatória do mundo.

A natureza inumana desta gestão chegou a um beco sem saída e requer uma ampla revisão.

A reforma dos negócios humanos e a promoção da tranqüilidade e prosperidade requer a participação de todos, pensamentos puros e a a direção humana e divina.

Somos todos de opinião que:

A justiça é o elemento básico para a paz, segurança durável e difusão do amor entre pessoas e nações. É na justiça que a humanidade busca a realização de suas aspirações, direitos e dignidade, porque estaria se defendendo da opressão, humilhação e maus-tratos.

A verdadeira natureza da humanidade é manifestada no amor por outros seres humanos e amor por tudo o que é bom no mundo. O Amor é a melhor base para o estabelecimento de relações entre pessoas e entre nações.

Como disse Vahshi Bafqi, o grande poeta iraniano:
"Da fonte da juventude, beba mil goles,
Você morrerá da mesma forma se não se agarrar ao amor"
Na construção de um mundo pleno de pureza, segurança e prosperidade, os povos não são rivais mas companheiros.

Os que vêem sua felicidade apenas na infelicidade de outros e seu bem-estar e segurança apenas na insegurança alheia, aqueles que se consideram superiores a outros, estão fora do caminho da humanidade e no curso do mal.

Os recursos econômicos e materiais são apenas ferramentas para servir aos outros, para criar amizade e fortalecer as conexões humanas para a perfeição spiritual. Não são ferramentas de exibição ou meios para dominar outros.

Homens e mulheres complementam-se uns aos outros e a unidade familiar, com relações puras, amorosas e permanentes dos esposos no seu centro, é a garantia de continuidade e da formação das gerações, para prazeres verdadeiros, para espalhar o amor e para a reforma das sociedades.

A mulher é um reflexo da beleza de Deus e a fonte do amor e da afeição. Ela é a guardiã da pureza e do requinte da sociedade.

A tendência de endurecer as almas e o comportamento das mulheres as priva de seu direito verdadeiramente básico de ser uma mãe amorosa e uma esposa afetuosa. Isso resulta numa sociedade mais violenta com defeitos irreversíveis.

A liberdade é um direito divino que deveria servir à paz e à perfeição humana.

Pensamentos puros e a aspiração à retidão são as chaves para os portões de uma vida pura plena de esperança, alegria e beleza.

Esta é a promessa de Deus de que a Terra será herdada pelos puros e pelos justos, E as pessoas livres do egoísmo tomarão as rédeas do mundo. Então, não haverá nenhum traço de tristeza, discriminação, pobreza, insegurança e agressão. O tempo da verdadeira felicidade e do florescimento da verdadeira natureza da humanidade, do modo como Deus desejou, chegará.

Todos os que procuram justiça e todos os espíritos livres têm esperado por este momento e a eles foi prometido esta época gloriosa.

O homem completo, o verdadeiro servo de Deus e o verdadeiro amigo da humanidade cujo pai foi da geração do amado Profeta do Islã e cuja mãe vinha dos verdadeiros crentes em Jesus Cristo, esperará com Jesus, filho de Maria,e os outros justos para aparecer nessa época brilhante e auxiliar a humanidade.

Para recepcioná-los devemos unir fileiras e buscar a justiça.

Louvores ao Amor e adoração, louvor à justiça e à liberdade, louvor à verdadeira humanidade, o homem completo, o verdadeiro companheiro da humanidade, e a paz esteja com vocês e com os justos e os puros.

Obrigado.
Ver também:
  • Media Disinformation: The Facts About Ahmadinejad's UN Speech
  • 'We Will Not Accept the New Tone' from the IAEA
  • Le 11 septembre et "l’Inquisition américaine"
  • Ahmadinejad n’a jamais dit "Israël doit être rayé de la carte"
  • Négationnisme iranien
  • La campagne contre l’Iran et le droit international
  • Washington finit par reconnaître la vérité à propos du non existant programme d'armes nucléaire iranien
  • Ali Larijan: “Obama est un hors-la-loi international”

    [*] Presidente da República Islâmica do Irã. Discurso pronunciado perante a 65ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 23 de Setembro de 2010.


    O original encontra-se em gadebate.un.org/... . Tradução de RMP.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • terça-feira, 28 de setembro de 2010

    Gilmar Mauro: ‘MST não será refém do próximo governo’

      Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação do Correio da Cidadania  
     
    Às vésperas do pleito presidencial mais vazio de idéias desde tempos imemoriais, os movimentos sociais e a esquerda do país vão se deparar com um novo período de suas lutas. Necessitam fazer uma ampla reflexão sobre as derrotas acumuladas, que, ao contrário do que se esperava, foram aprofundadas no período Lula. Esse é o pensamento de Gilmar Mauro, dirigente do MST, em entrevista ao Correio da Cidadania, na qual também explicou a postura do movimento na eleição e a polêmica em torno de um possível apoio velado de suas lideranças à candidatura petista.

     
    Gilmar argumenta que o MST não declarou apoio a candidato algum no primeiro turno por conta do enfraquecimento político e social da esquerda. De modo que o movimento não é capaz de impedir que grande parte de suas bases opte por Dilma, ainda que o governo Lula, como também aponta, não tenha chegado sequer perto de promover a reforma agrária. Para ele, a única diferença de Lula com Serra é a menor intolerância ao diálogo com o movimento social (o que crer se aplicar também em São Paulo, na disputa entre Alckmin e Mercadante).
     
    Para Gilmar, é justamente essa retração da esquerda, imposta por falhas próprias e também pela vitória do lulismo, que deixou o movimento numa posição "complicada" para tomar partido de candidatos mais alinhados ao projeto de reforma agrária defendido pelo MST, como Plínio Arruda Sampaio (responsável pelo plano de reforma agrária de Lula em 2003, posteriormente engavetado) e outros da esquerda socialista. Além disso, lembra que os sem terra e a reforma agrária possuem apoios em diversos outros partidos.
     
    Até pela difícil posição em que se encontra o movimento nas eleições deste ano, Gilmar ressalta que o principal debate a ser feito na esquerda diz respeito à sua própria reconstrução, de forma mais unitária, antes de qualquer novo projeto ou programa a ser anunciado. Só após extensa autocrítica e a conjunção de todos esses fatores, conclui, as forças não privilegiadas pela ordem poderão voltar a encarar o capital em todas as suas variadas vertentes, inclusive para um dia alcançarem a reforma agrária.
     
    Correio da Cidadania: No atual momento histórico de completa supremacia do agronegócio no campo, com seus laços com grandes e poderosos setores das finanças, indústrias e política, que reforma agrária você considera possível e necessária?
     
    Gilmar Mauro: Eu acho que é preciso repensar a reforma agrária e hoje ela depende de um amplo debate na sociedade brasileira. E a sociedade terá de discutir que tipo de uso quer dar ao solo, aos recursos naturais, água, biodiversidade e todo o subsolo.
     
    Em segundo lugar, teremos de decidir que tipo de comida vamos querer daqui por diante. Se optarmos por manter o atual uso do solo brasileiro para produzir commodities e exportá-las, utilizando agroquímicos em grande escala, realmente não precisamos de reforma agrária.
     
    E o terceiro aspecto é o paradigma tecnológico que queremos para o futuro. Ninguém está falando em volta ao passado, movimento budista de acabar com as máquinas, mas a tecnologia precisa estar a serviço humanidade. É evidente que deve haver produção para atender às demandas, sejam de alimentação ou de matéria-prima, mas com tecnologias de impacto ambiental não tão grande quanto as que estão sendo usadas, ajudando a diminuir a penosidade do trabalho, do que ninguém discorda também.
     
    Evidentemente, vamos continuar ocupando terras, porque tem gente querendo ser assentada e trabalhar. No entanto, mais além do MST, tal debate precisa ser jogado à sociedade, pois, se ela não discutir e colocar sua opinião, não há reforma agrária viável dentro do modelo que está sendo aplicado no momento.
     
    Correio da Cidadania: Lula chegou perto de alcançar algum desses objetivos nos moldes defendidos pelos movimentos camponeses?
     
    Gilmar Mauro: Não, na verdade, o que temos hoje são políticas agrárias e de assentamentos. Não podemos falar de reforma agrária no país. Existem assentamentos, fruto de pressão, regularizações fundiárias, mas do ponto de vista da concentração fundiária está tudo intacto, ou seja, 1% dos proprietários detém 46% das terras. E do ponto de vista do modelo e da produção agrícola, exportação de commodities, ampliou-se o modelo historicamente construído no país.
     
    Temos pequenas melhorias na agricultura familiar, alguma coisinha em crédito, merenda escolar, que possibilitam à pequena agricultura algum tipo de renda, mas não podemos falar de reforma agrária. Embora tenham sido assentadas algumas centenas de milhares de famílias, não se alterou em nada a estrutura fundiária brasileira. Se quisermos falar de reforma agrária de fato, é preciso mudar o modelo e a estrutura fundiária brasileira, o que não ocorreu até hoje na história do país.
     
    Correio da Cidadania: Dirigentes do movimento passaram os últimos anos fazendo duras críticas ao abandono a que o governo Lula relegou as políticas agrárias defendidas pelo PT ao longo dos anos. No entanto, recentemente, alguns líderes mostraram alguma inclinação pela candidatura de Dilma em relação à de Serra. Como você avalia estes posicionamentos?
     
    Gilmar Mauro: O MST, e prefiro falar daquilo que foi decidido pela direção, adotou uma postura de não apoio a nenhum candidato, tanto a presidente como a governador e outros cargos. Isso entendendo uma série de questões que relacionamos do ponto de vista da reforma agrária e um leque bastante amplo de partidos, que vão desde a esquerda socialista, revolucionária, até setores, digamos, democratas, republicanos. Temos apoio na causa em setores do PMDB, do PDT e assim por diante.
     
    Assim, o MST optou por não tomar posição em favor de algum candidato neste primeiro turno das eleições. Até para preservar as alianças que construímos historicamente e a perspectiva, inclusive, de reconstrução de uma esquerda progressista no próximo período. Acho que, neste momento histórico, as condições não foram propícias em termos de unificação das candidaturas de esquerda. Mas é este o nosso tempo histórico e não podemos mais ficar chorando o leite derramado. Temos de aprender as lições desse processo todo na esquerda brasileira e pensar o próximo período. Os desafios estão postos para que se pense na reconstituição política de uma esquerda de fato em nosso país.
     
    Correio da Cidadania: Essa postura de não declarar apoio a nenhum candidato iria de encontro à idéia sempre frisada de manter a autonomia do movimento, mesmo com essas novas demonstrações de simpatia relativamente à vitória petista?
     
    Gilmar Mauro: Exatamente. Porque, independentemente de qualquer coisa, uma reforma agrária de fato, que altere toda a estrutura fundiária brasileira, pensando em novos paradigmas, de produção, tecnologia e modelo, só se realizará na medida em que as forças populares tiverem um protagonismo muito maior.
     
    E estamos vivendo um momento de crise, com enfraquecimento dos setores sociais, perda de força política. Posso falar até pelo MST: creio que houve uma perda de força política e social no último período. E o mesmo tem ocorrido nos movimentos urbanos, sindicais, estudantis, o que não é particularidade brasileira, mas uma realidade mundial.
     
    Esse é o contexto que coloca os setores reformistas, não apenas os revolucionários, numa situação defensiva em escala internacional hoje em dia.
     
    Correio da Cidadania: Em entrevista que você nos concedeu em maio, houve uma declaração de que a tendência do movimento seria ficar ao lado de quem apoiasse uma reforma agrária "profunda e radical". Como interpretar essa intenção à luz do que está agora ocorrendo de fato no que se refere ao posicionamento de dirigentes e militantes? Dilma caminharia para esta reforma profunda e radical, a seu ver?
     
    Gilmar Mauro: Acho que não. Acho que nenhum governo levaria a esse caminho. Poderíamos eleger o mais radical, o Rui Costa Pimenta (PCO), que não haveria condições de fazê-la. Isso porque, sem força social e política organizada, não se consegue, a correlação de forças não permite.
     
    O indicativo do MST, inclusive de acordo com o que discutiu a direção do movimento, é votar em candidatos que defendam a reforma agrária, tanto para o parlamento quanto para a principal eleição. E acho que a militância tem feito isso, apoiando candidaturas que defendam a reforma agrária e tenham um compromisso histórico com ela.
     
    Inclusive, muitos militantes vão votar no Plínio. Outra parte vota no Ivan Pinheiro, também no Zé Maria, e ainda há outra parte que vota na Dilma. Acho até que, do ponto de vista das bases do movimento, a maioria vota na Dilma, embora o governo Lula tenha estado longe de fazer a reforma agrária. Houve pequenos avanços, alguns assentamentos, e uma parte de nossas bases entende que votar na Dilma é uma opção.
     
    Por conta de tudo isso, o MST ficou nessa situação. Não tomamos partido, como instituição, de nenhuma candidatura, mas estimulamos o voto em quem apóia a reforma agrária.
     
    Correio da Cidadania: Haveria, de fato, diferenças substanciais entre os governos Serra e Dilma na consecução da reforma agrária e no relacionamento com os movimentos sociais?
     
    Gilmar Mauro: Acho que nesse caso sim. Com o Serra, nós nunca conseguimos fazer uma reunião. A única reunião que fizemos aqui foi com o chefe da Casa Civil, o Aloysio Nunes, e à boca pequena se dizia que ele não queria mesmo falar conosco. Por outro lado, tivemos vários despejos violentos (na Cutrale, por exemplo), com articulação entre o governo estadual, Rede Globo e os fazendeiros da região, buscando criminalizar o nosso movimento.
     
    As investidas do Serra contra os professores, a Polícia Civil, os moradores do Jardim Pantanal, nós, sem terra, são mostras de um processo de dificuldade de diálogo do governo Serra com o movimento social. Aliás, até alguns prefeitos do PSDB com quem temos contato estão apoiando a Dilma, pois dizem que têm muita dificuldade de se reunir com o Serra. Dessa forma, parece ser da índole dele tamanha dificuldade em se relacionar, não só com o movimento social, como também com outras pessoas.
     
    Não acho que, do ponto de vista do projeto político, exista tanta diferença entre os dois. Mas, pelo lado dos movimentos sociais, há sim diferença entre Serra e Dilma, principalmente no sentido de criminalizar os movimentos e pela dificuldade de ver o movimento social como parte do processo de construção e de lutas.
     
    Correio da Cidadania: Ainda que existam estas diferenças entre eventuais governos Dilma ou Serra, o posicionamento mais favorável do movimento com relação à vitória petista não seria, de todo modo, um salvo-conduto à permanência de um certo imobilismo e perda de autonomia dos movimentos sociais, tão destacados pelo próprio MST ao longo dos últimos anos, nos quais Lula presidiu o Brasil?
     
    Gilmar Mauro: Não, muito pelo contrário. E outra, o Movimento Sem Terra tem por princípio manter sua autonomia política. Não acredito nisso e não tenho nenhuma dúvida de que o movimento não será refém do próximo governo. Aposto todas as minhas fichas nisso, porque o movimento terá de continuar lutando pela reforma agrária. Embora a conjuntura seja adversa, a esquerda tenha pouca força, o movimento social idem, é tempo de remar contra a maré. E o MST vai continuar organizando sua base.
     
    Acho que duas coisas são fundamentais: primeiramente, uma organização que não coloca como defesa principal as necessidades de sua base social é uma organização que não tem sentido, por isso muitas deixaram de existir. As pessoas se organizam a partir de suas necessidades. Portanto, o MST tem de continuar dando respostas às suas bases, com lutas, marchas, que são as necessidades corporativas da base real do MST.
     
    O segundo aspecto, e quem não o entende terá dificuldade de compreender a própria luta de classes: as pessoas se organizam a partir de suas necessidades, sejam econômicas ou físicas, sejam ideológicas ou espirituais. O sujeito vai à igreja porque sente alguma necessidade. Se a organização perde isso de vista, perde o sentido, vira uma casta. E creio que o MST nunca será assim.
     
    Outra coisa, a marca do MST: o movimento nunca foi conhecido internacionalmente por um bom programa, por um bom discurso, belas elaborações. Ficou conhecido internacionalmente por uma coisa: planejava e fazia. Às vezes com erros, e como movimento social cometemos muitos, mas foi isso que deu moral ao movimento diante das pessoas. O que projetou nosso movimento foi planejar e executar.
     
    Evidentemente, queremos avançar também do ponto de vista teórico, de elaboração de programas, porque não basta só uma prática política relevante. É preciso ter uma teoria condizente com o processo e anseio das lutas que planejamos continuar levando adiante.
     
    Correio da Cidadania: Mesmo sendo bastante compreensível todo este espectro de dificuldades na esquerda e no movimento, não poderia ter havido uma colocação mais explícita, ainda que somente no primeiro turno, em favor, por exemplo, da candidatura do PSOL, Plínio Arruda Sampaio, que sabidamente sempre se posicionou francamente a favor da reforma agrária nos moldes defendidos pelo MST, além de, ao longo das décadas, ter feito parte das entidades que lutam por esse objetivo?
     
    Gilmar Mauro: Acho que o Plínio é uma grande figura nesses aspectos, a melhor entre todos os candidatos. Sempre esteve ao lado dos trabalhadores, da reforma agrária, é um grande lutador e um exemplo para a nossa militância. E apesar da idade, continua em pé, lutando, fazendo aquilo que acredita. Nem sempre o que acreditamos é o mais correto ou dá liga no momento, como é o caso da candidatura.
     
    Acho que é um tempo histórico de muitas dificuldades. Tivemos dificuldades nas esferas partidárias para se chegar à unificação de uma candidatura. O PSTU, PSOL, PCO, PCB não conseguiram se unificar. É um tempo de fragmentação, isso é real, objetivo. E tempo de dificuldade inclusive de articulação dos setores de esquerda, do movimento social, para se juntar numa candidatura que catalisasse todo o descontentamento social. Eu diria que esse tempo histórico explica muito mais do que qualquer coisa.
     
    Se fôssemos olhar pela base do MST, teríamos caído de cabeça na candidatura Dilma, porque a base do MST hoje é lulista. Aliás, este é um fenômeno que precisamos entender. Exagerando, Lula parece gerar mais consenso que Jesus, 94% das pessoas aprovam ou dizem que é regular o governo dele. É algo que não se imaginava.
     
    Portanto, se efetivamente fizéssemos uma discussão com nossas bases, teríamos apoiado a Dilma. Porém, a militância refletiu e se questionou como iria apoiar a Dilma nas eleições abertamente, tendo o governo Lula apoiado o agronegócio, com o grande capital ganhando muito dinheiro e a reforma agrária avançando tão pouco. Não dava para sair em defesa do governo Dilma.
     
    Dessa forma, optamos por não declarar apoio a ninguém no primeiro turno. Apoiar o Plínio seria uma postura mais militante. A direção tomar uma posição de apoio o Plínio ao mesmo tempo em que a base ficasse do lado da Dilma criaria uma situação difícil. É complicado. Estou sendo muito honesto aqui.
     
    Sendo assim, o melhor, e acho isso mesmo, foi ter a postura de não declarar apoio oficial a nenhum candidato.
     
    Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio este ano, o sociólogo Ricardo Antunes criticou a falta de "organicidade" em nossa esquerda, que, além de não conseguir se unificar num período eleitoral, tampouco tem conseguido incorporar os movimentos sociais em suas mais diversas lutas. Você vislumbra alguma forma de reorganização na esquerda em período próximo?
     
    Gilmar Mauro: É difícil falarmos em tempos, mas alguns ingredientes são premissas fundamentais se quisermos construir um processo sustentado, já que o verbo anda na moda.
     
    Primeiramente, precisamos fazer um balanço político profundo, honesto e sério das experiências de esquerda partidária, do movimento social e sindical. É preciso dizer "nossos instrumentos são importantes, foram construídos por nós, é o que temos, mas hoje não dão conta de organizar a classe trabalhadora". Há muitos setores da classe trabalhadora que não estão nem aí pra nenhum tipo de organização.
     
    Em segundo lugar, foi completamente perdida a referência, até o sentido de classe, os laços de solidariedade. As pessoas não se enxergam como classe trabalhadora. A Nike, por exemplo, não tem nenhuma fábrica, é um processo todo terceirizado, fragmentado, atomizando a classe. No Brasil, mais concretamente, são mais de 600 mil vendedoras de Avon! Se somarmos com Natura, Herbalife, são mais de 1 milhão de pessoas. E se as chamamos de ‘classe trabalhadora da Avon’, elas vão se dizer ‘consultoras de venda’. Porque os instrumentos até aqui construídos não dão conta dessa nova dinâmica e da nova realidade da classe trabalhadora. Se não fizermos tal autocrítica, dificilmente vamos conseguir pensar em formas organizativas e projetos para um novo período.
     
    Outro aspecto é que devemos parar com esse negócio de ver quem é dono da verdade. Cada um tem uma parte da verdade, e possíveis razões em sua análise, mas é apenas mais uma verdade entre todas as demais, de outros agrupamentos e setores. Necessitamos baixar a crista, a petulância, até o pedantismo intelectual, e olharmos nossa fragmentação, nossa baixa força social e política... E organização sem isso vale zero, mesmo com o melhor debate e o melhor programa do mundo.
     
    Se nos olharmos entre todos, veremos que cada um tem sua parcela de contribuição; e juntando tudo ainda somos um agrupamento muito pequeno para enfrentar toda a lógica do capital, imposta a todo o país. Portanto, para mim, essas são as condições analíticas fundamentais.
     
    É preciso reorganizar a esquerda? É preciso pensar um novo programa, uma nova estratégia? Não tenho a menor dúvida. Mas não adianta juntar mais meia dúzia, dizer "a nova estratégia é essa" e sair angariando gente para a minha corrente. Não vai ter. Dessa forma, é preciso fazer o debate, autocrítica, análise, de modo que se envolva a militância e se pense a respeito, o que necessita tempo.
     
    Portanto, mais do que sair com uma nova proposta, de um novo partido, para o ano que vem, é preciso criar uma metodologia para o debate político, que nos permita, no momento de criar novos instrumentos, ter suficiente acúmulo de forças, evitando que seja só mais um agrupamento para disputar com os outros.
     
    Infelizmente, a esquerda vê essa disputa pela hegemonia como uma concorrência entre instrumentos, e não uma possibilidade de fortalecimento, uma vez que, para fazer uma revolução social, serão necessárias milhões de pessoas conscientes. Está na ordem do dia, mas, se não fizermos o balanço, os grupos vão se achar certos por terem tentado impor sua hegemonia sobre os demais.
     
    Olha, se não fizermos um balanço crítico desses tempos, somos uns babacas. Aí poderemos falar de qualquer coisa, menos de revolução.
     
    É um momento de extrair todas as lições, com muita humildade, e a partir daí pensar no novo período. Casada a isso, uma análise muito profunda da nova realidade sócio-econômica mundial. O que é a classe trabalhadora do mundo de hoje? Porque, se não tivermos tal clareza, como vamos saber que instrumentos e programas são necessários a essa nova classe?
     
    As eleições vão passar, de modo que para mim esse é o debate central. É no que acredito e, no que depender de mim, entraremos com todas as forças nesse debate político do próximo período.
     
    Correio da Cidadania: Retornando finalmente à realidade mais imediata, no estado de São Paulo, como enxerga uma eventual vitória de Alckmin? Seria mais fácil negociar com Mercadante?
     
    Gilmar Mauro: Não sei, é uma pergunta difícil. Mas o tucanato em São Paulo... Com Alckmin também tivemos experiência anterior; com ele ao menos conseguimos nos reunir. Mas, depois da morte do Covas, tudo que diz respeito à agricultura, reforma agrária, foi completamente abandonado. O próprio Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) foi sucateado, a Polícia Civil, os professores; o trato deles com o movimento social sempre foi de criminalização.
     
    Acredito que, pelo seu histórico dentro do PT, o Mercadante não seja como o Alckmin, creio que seja um pouco melhor. E, sendo honesto, precisamos definir quem preferimos enfrentar, pois acho que teremos de enfrentar quem ganhar, seja quem for, no âmbito federal ou estadual. Assim, a pergunta é: para nós, é melhor enfrentar quem? No meu modo de ver, é melhor enfrentar o Mercadante. Não sei se vai dar segundo turno, até torço para que dê, pois, para o movimento social, é melhor encarar o Mercadante. Essa é minha impressão.
     
    No entanto, infelizmente, acredito que aqui em São Paulo nós temos uma situação pior ainda, pois enfrentamos o que há de pior na mídia, Veja, Folha, Estadão, Globo, enfim, o que há de pior das oligarquias e meios de comunicação está em São Paulo, em maior número. E do ponto de vista da esquerda idem, tem muita coisa boa, mas também existem vícios nas mesmas proporções. É uma realidade bastante complexa. Os desafios nos fazem crescer, é o espaço onde atuamos e temos o grande desafio de repensar esse período, inclusive aqui em São Paulo.
     
    Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
     

    A Origem e Consolidação do Racismo no Brasil

    Escrito por Mário Maestri  no Correio da Cidadania 
     
    1- Constituição e Racionalização da Exploração Escravista na Antiguidade
     
    A desqualificação dos oprimidos é recurso histórico, consciente e inconsciente, dos opressores para racionalizar e consolidar a exploração. Nas formas de produção pré-capitalistas, essa desqualificação centrou-se fortemente na natureza dos explorados. No clássico A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, Frederico Engels assinalou a dominação da mulher pelo homem, no contexto da primitiva divisão sexual do trabalho, como a primeira forma geral de exploração. "[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino". A opressão da mulher apoiou-se tradicionalmente na defesa de sua inferioridade, fortemente ancorada na sua diversidade fisiológica em relação ao homem. O magnífico Aristóteles apontava como exemplo da inferioridade feminina o fato de que ela teria menos dentes que os homens!
     
    A escravidão patriarcal, base da produção na Grécia homérica, surgiu quando o produtor superou sistematicamente suas necessidades de subsistência, produzindo excedente capaz de ser apropriado pelo explorador. A orientação da produção para o consumo do núcleo familiar da pequena propriedade grega, de uns cinco ou pouco mais hectares [oikos], pôs relativamente travas à exploração do homem e da mulher escravizados. Não havia sentido em produzir acima do consumido pelos proprietários, familiares, dependentes e cativos. No escravismo patriarcal, o proprietário, sua família e dependentes trabalhavam comumente ao lado do cativo, em proximidade que apenas minimizava o caráter despótico daquela relação social de produção.
     
    Com a consolidação da propriedade privada sobre a terra e seus frutos e a expansão do mercado, a escravidão patriarcal desenvolveu-se e superou-se qualitativamente. Ainda que fossem numerosas as pequenas propriedades escravistas de subsistência, nos dois séculos finais da República e nos dois primeiros do Império, dominou social e economicamente a pequena propriedade escravista pequeno-mercantil especializada. Orientada para o mercado, a villa tinha em torno de uns dez a trezentos hectares e trabalhava com algumas poucas dezenas de cativos. A dimensão reativamente restrita e o caráter dos seus produtos, que exigiam comumente trabalho intensivo, especializado e sazonal, impediram tendencialmente a degradação das condições do trabalho servil conhecida séculos mais tarde na escravidão colonial. Era monótona e dura a existência do produtor escravizado nessas propriedades.
     
    Transição Histórica
     
    Por variadas razões, fracassou a evolução da produção pequeno-mercantil em escravismo mercantil, ou seja, em grandes propriedades trabalhadas por dezenas e centenas de cativos, tentada em diversas regiões, com destaque para as propriedades triticultoras da Sicília. Sob a forte pressão dos produtores escravizados, abriram-se então as portas à longa transição ao colonato e, a seguir, à produção feudal. Nesta última, o produtor deixava de ser, como anteriormente, propriedade plena do explorador. Sob a obrigação de pagamento de rendas delimitadas, ele passou a controlar sua família e seus instrumentos de trabalho e a gerir relativamente a gleba à qual era adstrito, em importante evolução histórica que não o emancipou da servidão. A escravidão plena, menos produtiva e mais custosa, manteve-se como relação de dominação subordinada na Europa, em alguns casos, até o século 18.
     
    A violência foi sempre a principal forma de submissão do trabalhador na escravidão patriarcal e pequeno mercantil. Os cativos e cativas tidos como relapsos e desobedientes eram forte e exemplarmente castigados. Os atos de rebelião contra os proprietários, familiares e feitores eram punidos com a tortura e a morte. Não raro, os cativos rebeldes eram queimados vivos. No Império, quando a escravaria urbana dos romanos mais ricos podia superar os cem membros, o receio dos proprietários à resistência do cativo chegou ao paroxismo. Lei romana dos primeiros anos de nossa determinou que, se um pater famílias, ou seja, um proprietário escravista ou seu familiar fosse assassinado, todo cativo que, encontrando-se a uma distância em que pudesse ouvir seu pedido de ajuda, não o socorresse, seria torturado e executado. Nos tempos de Nero, Padânio Secondo, prefeito de Roma, foi justiçado por cativo que lhe pagara e não recebera a manumissão. Todos seus quatrocentos cativos, de ambos os sexos e das mais variadas idades, foram executados, apesar da agitação que a terrível medida causou entre a plebe romana formada em boa parte por libertos.
     
    A escravidão apoiou-se também na submissão ideológica dos cativos. Entre os múltiplos mecanismos utilizados, destacava-se o convencimento do cativo de sua natureza diversa e inferior, proposta que racionalizava e consolidava a ditadura dos escravizadores sobre os escravizados.
     
    Azares da Sorte
     
    Na Grécia homérica, a escravidão era vista como decorrência dos azares da sorte – guerra, captura, dívida etc. A visão platônica expressava uma época em que a escravidão tornara-se instituição importante. Para Platão, a servidão de um indivíduo ou de um povo devia-se à incapacidade de se auto-governar, por falta de discernimento intelectual, cultural ou moral, qualidades exclusivas ao mundo, cultura e homem helênicos. Porém, para ele, era a lei que determinava quem era escravo e senhor. Entretanto, sua teoria da superioridade da alma sobre o corpo consubstanciava já a visão da submissão necessária do súdito ao soberano, da mulher ao homem, do escravizado ao escravizador.
     
    A visão aristotélica da escravidão nasceu em sociedade solidamente escravista. Para Aristóteles, era inaceitável que um homem fosse submetido e mantido na escravidão apenas pela força, sancionada pela lei. O que lhe apontava a força, como forma de emancipação. Ele superou a tese platônica, ao defender raiz natural e, portanto, genético-racial à servidão. Para Aristóteles, a reunião de diversas famílias formava o burgo e a associação de diversos burgos, a cidade, ou seja, a sociedade política. Um processo determinado pela natureza que compelia "os homens a se associarem" na procura do "fim das coisas", a felicidade.
     
    Para Aristóteles, a família "completa", unidade de base da sociedade, forma-se por homens livres e escravizados. Para ele, a natureza criara as coisas diferentes, na procura da especialização, pois o melhor "instrumento" era o que serve para "apenas" um "mister", e não para muitos. Assim, na consecução de fins comuns, seres de essência diversa complementavam-se, cada qual realizando a função para que fora criado pela natureza. Os mais elevados comandavam os menos perfeitos. "A autoridade e a obediência não só são cousas necessárias, mas ainda [...] úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar".
     
    A natureza determinava que o pai dominasse o filho, o homem a mulher, o senhor o escravo. "[...] a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Os animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea o é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os homens". "Há também, por obra da natureza e para a conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar deve, forçosamente, obedecer e servir – e, pois, o interesse do senhor é o mesmo que o do escravo". Fundando o direito da servidão na inferioridade natural e não na força, consolidava ideologicamente a ordem escravista grega, impugnando a escravização do heleno, por um lado, e a validade do bárbaro de emancipar-se pela força, por outro. Propunha que oprimidos e opressores se associariam na consecução de objetivos comum, pois, sendo a opressão algo próprio da ordem da natureza, não haveria civilização à margem da mesma.
     
    Como os Animais Domésticos
     
    Aristóteles foi mais longe, ao propor que a especialização natural, ou seja, a inferioridade e superioridade, se expressasse na própria constituição dos seres. A inferioridade dos "animais domésticos", que serviam com a "força física" ao dono nas "necessidades quotidianas", como o boi, o asno etc., registrava-se nos seus corpos de brutos. O mesmo ocorria entre os homens, pois a "natureza" pareceria "querer dotar de característicos diferentes os corpos dos homens livres e dos escravos". "Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem". Os homens incapazes de outra função que as relacionadas à "força física" eram "destinados à escravidão".
     
    A proposta de registro material da superioridade e inferioridade naturais dos homens constituía elemento central na racionalização aristotélica da exploração escravista, retomada plenamente no mundo romano, e, mais tarde, na Idade Média e Moderna. A força desta proposta encontrava-se no registro, indiscutível, nos corpos, da inferioridade da alma. O que tornava materialmente visível a hierarquização social, com homens superiores, destinados a mandar e serem servidos, e homens inferiores, destinados a obedecer e servir. Porém, tal proposta materializou-se em forma muito limitada no mundo grego, por falta de condições objetivas nas quais pudessem se apoiar as fantasmagorias dos escravizadores.
     
    Mesmo no mundo grego tardio, os cativos provinham sobretudo das províncias e regiões periféricas do mundo helênico. Portanto, havia forte identidade étnica entre amos e cativos. O que dificultou a tentativa permanente de apontar traços somáticos que expressassem as naturezas diferenciais, superiores e inferiores, dos escravizadores e dos escravizados. Inicialmente, a escravidão romana apoiou-se na escravização de povos itálicos, de forte semelhança étnico-somática. Com a extensão da escravidão, foi feitorizada infinidade de povos da bacia do Mediterrâneo e da Europa Ocidental, Central e Oriental. A diversidade étnico-linguística dessa população escravizada impediu, também, o procurado registro fenótipo da pretensa natureza humana inferior do escravizado.
     
    A sociedade romana enfatizou a cultura e a língua como elementos diferenciadores, ainda que os múltiplos traços fenótipos dos cativos fossem apontados como registro de inferioridade. É conhecida a descrição de escravista romano, com propriedade na Magna Grécia – um italiano meridional, nos dias de hoje; dos traços semi-bestializados de seu cativo germânico. Ou seja, um alemão atual. Sequer o renascimento ibérico da escravidão, com a Reconquista, produziu identificação cabal e duradoura entre etnia e escravidão. Tal fenômeno materializar-se-ia quando do renascimento do escravismo, nas Américas, dando origem à desqualificação essencial do africano subsaariano, base das visões racistas anti-negro contemporâneas.
     
    A seguir: 2 - Escravidão e Racionalização de Mouros e Africanos
     
    Mário Maestri, 62, é professor do curso e do programa em Pós-Graduação em História da UPF. É autor, entre outros trabalhos, de O escravismo antigo e O escravismo brasileiro, publicados pela Editora Atual. E-mail: maestrti@via-rs.net

    segunda-feira, 27 de setembro de 2010

    Contra a corrupção política, só uma outra política


    O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos
    Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
    Lucio Flavio Rodrigues de Almeida
    A democracia liberal de massas é bem mais jovem do que o capitalismo. Até a virada do século XVIII para o XIX, a maioria dos que se dedicavam à política, bem como dos que refletiam sobre ela, era liberal e visceralmente antidemocrática. Já os que defendiam a democracia consideravam-na incompatível com uma sociedade dividida em classes. E os terrenos adequados ao poder do povo eram a sociedade sem classes ou, então, para usar a expressão de Crawford B. Macpherson, uma "sociedade de classe única", ou seja, de pequenos proprietários. Pode-se sintetizar essa última posição com a célebre passagem de Rousseau, em O contrato social: uma sociedade onde ninguém seja tão rico para poder comprar alguém, nem tão pobre que seja obrigado a se vender. Trocando em miúdos, uma sociedade de pequenos proprietários (granjeiros, comerciantes, artesãos), sem a conhecida desigualdade entre os ricaços e os que pouco ou nada têm.
    No interior dessa polaridade, não é de se estranhar a aversão - ou mesmo o temor - dos liberais ao sufrágio universal. Já durante a Revolução Francesa, os moderados admitiam a generalização dos direitos civis, mas consideravam que ampliar os direitos políticos a todos os homens (as mulheres ficavam de fora) não era razoável. O maior medo era de que a maioria abolisse, por meio do voto, a propriedade privada.

    Monstrengo inesperado

    Duras lutas levaram ao parto do monstrengo inesperado: a mistura de democracia com sociedade de classes.
    Vários fatores contribuíram para esse processo de constituição da democracia liberal de massas. Do ponto de vista dos dominantes, foi decisiva a descoberta de que um aparelho estatal fortemente burocratizado, até porque protegido das intempéries eleitorais, estaria apto a recorrer à violência para "manter a ordem" (leia-se a propriedade privada dos meios de produção ou, como atualmente juram os principais candidatos, "o respeito aos contratos"). Outra descoberta fascinante: as próprias eleições poderiam se integrar ao, aparentemente inesgotável, repertório ideológico de que o capitalismo dispõe para se legitimar junto aos dominados.
    Agora, sim: com o núcleo do aparelho estatal garantindo a ordem, ou seja, "fora disso", porque voltado para o interesse público e dotado dos recursos de violência necessários para defendê-lo; e as eleições girando em torno da disputa sobre quem melhor gerencia os conflitos no interior da "ordem", mesmo que simulando contestá-la, os dominantes poderiam ir à luta pelo voto dos dominados, sem os quais, enquanto minoria, não poderiam se eleger para também cuidar da "coisa pública", inclusive, a boa elaboração das leis.
    Político sagaz e sem papas na língua, o truculento Bismarck sentenciou que, se o povo soubesse de que eram feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo. De outro ponto de vista, Eric Hobsbawm, o grande historiador da sociedade burguesa, observou que a era da democratização é gêmea da hipocrisia política em larga escala.
    Como se vê, não é fácil definir corrupção política.
    Se a considerarmos como apropriação indébita da coisa pública por interesses privados, os problemas, ao invés de resolvidos, mal começam. Até pela difícil distinção entre público e privado no capitalismo. Pois, apesar de todo o imenso e criativo esforço intelectual despendido, resta a dura realidade de que os interesses fundamentais dos dominantes são consagrados, inclusive no plano jurídico, como públicos no mesmo processo em que os interesses dos dominados são constituídos como particulares.
    No interior dessa moldura estrutural, existem, por exemplo, mil e um modos de arrancar recursos do BNDES para estimular o agronegócio. Nem vamos perder tempo com o que sobra para a caminhonete do ano, o consumismo afetado, tipo assim. Ainda restam a superexploração de homens e mulheres (crianças e adultos), a degradação ambiental, as boas relações com os centros decisórios. Foram até chamados de heróis pelo presidente da República (da coisa pública). Pois, graças ao seu empreendedorismo, a balança comercial segura as pontas de uma política econômica que remunera, com juros elevadíssimos, uma casta de sanguessugas planetários. E pobres de nós que precisamos desses heróis.  Quando a grana (deles) encurta, empreendem uma série de ações, inclusive entupindo rodovias (coisa pública) com "seus" tratores, fazem lobbies em dezenas de agências governamentais, mobilizam sua bancada parlamentar e terminam por conseguir alongamento das dívidas. E mais empréstimos. Sempre, é claro, em nome do interesse maior, em nome da coisa pública.
    Compare essa situação corriqueira com o tratamento que os grandes meios de comunicação dispensaram a um grupo de sem-terras que ocupou uma área explorada pela Cutrale, o maior conglomerado sucroalcooleiro do mundo: foram chamados de invasores, inimigos do país, destruidores do meio ambiente, em suma, criminalizados sob todas as formas. Tive a oportunidade de participar de um debate na Globo News e ouvir do presidente da Sociedade Ruralista Brasileira (uma pessoa muito agradável), que a ação dos sem-terra foi "guerrilheira"; de um procurador do ministério público, que o MST recebia, de modo indevido, verbas estatais e que a privatização da Vale foi um grande bem para o Brasil; e, como tentei abordar o tema da coisa pública, a coordenadora do programa foi taxativa ao determinar que a coisa pública era muito grande para caber naquele debate. Não deixa de ser um modo de simplificar as coisas.

    Corrupção na mídia

    Passemos aos alvos preferidos das conversas sobre corrupção, até porque são insistentemente pautadas pelos grandes meios de comunicação.
    Um simples exame superficial revela que a evolução do patrimônio privado de grande parte dos políticos brasileiros é incompatível com os rendimentos que legalmente auferem do exercício de suas funções públicas. Somente por esse critério, a ficha limpa seria supérflua.
    Diante da permanente avalanche de denúncias, o curioso é que os grandes denunciados não costumam se hospedar nas infectas prisões que eles mesmos mandaram construir. Ainda mais curioso: geralmente, os grandes denunciados de corrupção controlam, em seus redutos políticos, as sucursais dos mesmíssimos grandes meios de comunicação (repetidoras de TV inclusas) que os denunciam. E alguns - oh, mundo cruel! - são ou foram colunistas de jornalões que se apresentam como arautos da moralidade política. É bastante comum que esse mesmo político seja denunciado e tratado com reverência em diferentes espaços ou momentos do mesmo jornal.
    Esse é um dos motivos para a grande imprensa, sempre contra o "radicalismo", insistir no discurso de que a luta contra a corrupção leva tempo, que Deus não fez o mundo em um só dia e que, com o tempo, as instituições se aperfeiçoam, os partidos se tornarão programáticos e ideológicos e, enfim, melhoraremos a "qualidade da democracia".
    O problema é que esse evolucionismo meia-boca não resiste a qualquer exame do passado. Não vamos muito longe. Basta lembrar que, nos anos 20, os levantes tenentistas tinham como um de seus principais alvos "os políticos" profissionais, todos considerados corruptos. Na década seguinte, idos de 1937, o lema de José Américo de Almeida, um quase candidato à presidência da República (Getúlio deu o golpe antes das eleições), era "Eu sei onde está o dinheiro". Nos anos 40, com a "redemocratização", fundou-se a UDN (União Democrática Nacional), um partido que se celebrizou pelo moralismo, pelo golpismo, inclusive o apoio ativo ao golpe de 1964, que, sempre em nome da luta contra a corrupção e a subversão, abriu caminho para 21 anos de ditadura militar. Em tempo, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney eram da UDN.
    Essa contação de caso não leva mesmo muito longe, mas talvez ajude a desconfiar não apenas do evolucionismo tipo "me engana que eu gosto", mas também das propostas de reforma política de fachada. Como insiste o bom senso, uma corda tem duas pontas. Não adianta focar no corrupto e ocultar o corruptor.

    Financiamento de campanha

    Voltemos aos nossos heróis e similares, pois é aí que o bicho pega.
    Para recomeçar, observe este fantástico processo ideológico: a insistência na denúncia da corrupção "ilegal" é um extraordinário meio de legitimação da exploração dos trabalhadores pelos capitalistas. É como se desejássemos uma sociedade onde o capitalismo funciona em estado quimicamente puro, com os capitalistas se apropriando "apenas" do sobretrabalho produzido pelos proletários e o Estado "bem longe" dessa encrenca, limitando-se a zelar pelo interesse público. Só que vendo bem de perto, essa é justamente a mais poderosa ideologia -  o liberalismo -, que cimenta, ocultando, as relações sociais capitalistas.
    O grande empresariado se diverte ao financiar campanhas dos mesmos políticos que serão seus fiéis servidores e que sempre acusarão de preguiçosos e corruptos. Mais tarde, será muito mais fácil tapar o buraco de operações financeiras desastradas recebendo o generoso socorro do Banco do Brasil e do BNDES. Sem perder a pose de defensor do bom uso da coisa pública.
    Nesse processo, a grande imprensa presta contribuição inestimável. Até porque ela condensa maravilhosamente as duas funções: de empresário e de agente político-ideológico, sempre alardeando que é independente, ou seja, não tem rabo preso com ninguém (antigo slogan do principal jornal de um grupo que emprestava seus veículos para torturadores e assassinos de presos políticos). Não por acaso, a grande imprensa, que passa quase todo o tempo denunciando a corrupção das instituições políticas, pressiona movimentos sociais para que se transformem em partidos políticos e restrinjam sua atuação ao mesmíssimo campo institucional que ela denuncia. Não se trata de uma contradição, mas de uma luta político-ideológica para domesticar esses movimentos. Quer dizer que não adianta reclamar da corrupção?
    De fato, como se vê, não adianta muito e é pouquíssimo provável que o ficha limpa altere as relações de opressão política e exploração econômica vigentes na sociedade brasileira. Isso é o fundamental. Em um plano mais secundário, só os incompetentes, os descartáveis ou as eventuais vítimas de acidentes de trabalho (no geral, em feroz confronto com seus colegas de profissão) serão pegos. Quer dizer que não adianta lutar contra a corrupção? Êpa! Não foi o que escrevi.
    Uma coisa é reclamar e reproduzir bovinamente aquilo de que se reclama. Outra coisa é lutar contra a corrupção de modo consequente, o que implica atacar suas causas. Aí, mais do que reclamar dos "políticos", cabe levar adiante uma luta política. Mas, para isso, é preciso fazer política de outro modo, com outro tipo de gente e, fundamentalmente, contra o sistema que, ao mercantilizar cada vez mais todas as relações humanas, não deixaria de fora exatamente a atividade política. Sobre isso aí temos assunto para diversos artigos.

    Lucio Flávio Rodrigues de Almeida é cientista político e professor da PUC-SP.
    Fonte: Caros Amigos

    Plínio e os udenistas da direita

    Reproduzo postagem do sitio oleo do diabo que faz uma crítica ao PSOL e seu representante ao governo federal nas eleições desse ano Plinio de Arruda Sampaio, no debate de ontem na rede Record de televisão...

    Tenho amigos que votarão no Plínio, mas não posso deixar de criticar o udenismo vulgar que o candidato do PSOL usou no debate de domingo, na Record, e que, pela repetição sistemática de clichês moralistas em todo certame, deve ser a estratégia do partido nessa eleição.
    A afirmação que "Psol não tolera corrupção" me parece extremamente arrogante, como se o partido pudesse de controlar os vícios humanos. Gaba-se de que o partido não tem casos de corrupção, o que é fácil para um partido minúsculo e criado há poucos anos. A corrupção é um problema vinculado ao poder e ao dinheiro. É claro que os casos aumentam na proporção que um partido ganha poder. Mas como seria ingenuidade pedir que os partidos não ambicionem mais poder, a única solução para o problema é fortalecer as instâncias que investigam a corrupção no país.

    Além disso, Plínio foi injusto, porque ele sabe que durante o governo Lula houve um grande aumento na quantidade de operações da Polícia Federal no combate à corrupção. Plnio surfa no antilulismo desinformador da mídia, para vender uma ilusão moralista que ainda engana muita gente.

    Após protestar tanto contra a falta de tempo, Plinio tem disperdiçado blocos inteiros nos debates por pura confusão mental. Chamou Dilma de Marina sem sequer corrigir-se depois. Inventou um sofismo tolo e também udenista ao dizer que o aumento do número de investigações significa aumento da roubalheira. Ora, como Plínio pode afirmar que seu governo "não tolera corrupção" e depois zombar, levianamente, do aumento das investitações? Como ele pretende combater "a roubalheira"?

    Dou parabéns a Plínio por apontado a concentração dos meios de comunicação, mas achei egoísmo de sua parte criticar apenas a omissão que, segundo ele, a imprensa faz de sua candidatura, e se negar a comentar sobre a acusação dos movimentos sociais, sindicatos, diversos partidos de esquerda, blogueiros e um importante segmento da população contra o papel da imprensa nestas eleições, publicando calúnias contra Dilma Rousseff e fazendo acusações à Serra.

    Com todo o respeito que tenho pelo candidato do Psol, não posso deixar de observar que a participação de Plínio no debate mostrou um indivíduo com muita dificuldade de coordenar os pensamentos ou mesmo entender exatamente o que estava acontecendo.

    Outro ponto que me incomoda em Plínio é que ele tem partido, sistematicamente, durante os debates, para os ataques pessoais, ad hominem, ou melhor, ad feminam. Os ataques que fez à Marina Silva foram de baixo nível. À Dilma, idem. Ele se acha melhor que os outros?

    As centenas de milhares de estudantes que se beneficiaram do Prouni e Reuni também devem ter se sentido bastante ofendidos com as referências jocosas do candidato a esses programas. Suas críticas foram deselegantes, ainda mais por atingir jovens que vivenciam momentos muito emocionantes em suas vidas. Sua desqualificação magom esses estudantes. Plínio, um homem muito rico, esnoba da ascensão social de milhões de brasileiros pobres que ganharam acesso a universidade.

    Ao mencionar a educação em São Paulo, num debate com Serra, Plínio cometeu outra grosseria, ao se referir a todos os jovens paulistas como "analfabetos". Esse tipo de afirmação, se é vista como "gracinha" pelos segmentos cultos da sociedade, constituem uma agressão imperdoável aos brasileiros pobres e com pouco acesso à cultura.

    Mas eu não voto no Plínio apenas por essas grosserias, típicas de um paulista ricaço e pedante. Eu não aprovo suas propostas. Grande parte de seus eleitores encantam-se apenas com o charme socialista e independente do PSOL, mas poucos atentam para o caráter sectário de suas propostas.

    Após o pagamento da dívida externa e a redução da dívida pública, a defesa do calote desta última, por exemplo, é algo simplesmente irresponsável. O Brasil hoje tem condições de ser um importante emissor de títulos públicos no mercado internacional, a juros baixos e a longo prazo. Seria uma estupidez infantil, seria jogar dinheiro fora, decretar um calote que afetaria essa credibilidade conquistada a duras penas. Alem disso, os títulos que formam a dívida pública estão hoje capilarizados junto à população, de maneira que um calote prejudicaria uma quantidade imensa de famílias de classe média.

    Quanto ao limite da propriedade, trata-se de uma medida arbitrária e truculenta. Com base em que estudo, o PSOL decreta que mil hectares é o limite? É óbvio que o partido optou por um número "redondo" por uma questão de criar um símbolo. Mas você poderia concluir da mesma forma que o limite é de 2 mil hectares, ou de 3 mil ha, ou de 800 hectares. Ora, está claro que o latifúndio deve ser combatido no país, mas essa medida é tola. Por exemplo, um homem poderia ter até 20 mil hectares improdutivos sob seu controle, mas em nome de familiares. O Brasil precisa de uma reforma fundiaria sim, o que é diferente de uma reforma agrária (embora os temas sejam vinculados), mas não se pode criar uma lei dessas para um país tão desigual. Em áreas próximas a centros urbanos, por exemplo, o Estado poderia dificultar, ou ao menos não incentivar, a concentração fundiária. Mas o mesmo cuidado não seria necessário, não no mesmo grau, em áreas extremamente despovoadas do Centro-Oeste.

    O PSOL engaja-se com demasiada facilidade em qualquer campanha contra o governo, o que significa dizer que se engaja sistematicamente contra qualquer ação governamental, aliando-se à mídia nesse tipo de oposição radicalizada e sectária. Desvio do São Francisco, Belo Monte, Angra III, presal? O PSOL parece ser contra tudo, e quando se pedem propostas ao partido, ele responde apenas com abstrações e generalidades.

    Jà observei que Plínio tem dois grupos de eleitores. Um é formado pelo jovem idealista, ainda um pouco ingênuo em sua visão de mundo, e confundindo um pouco o fato do PSOL ser um partido muito pequeno e estar a milhas de distância do poder com uma espécie de pureza ideológica e moral.

    Outro grupo é formado pelo eleitor meio desorientado com os ataques pesados que a petista sofre na imprensa e nos estratos altos da sociedade. Os ambientes empresariais costumam ser extremamente agressivos no quesito político, com uma disseminação grande de um antipetismo rancoroso. Votar em Plinio ou Marina é como levantar uma bandeirinha branca de paz. Ser eleitor da Dilma é comprar uma guerra constante e nem todo mundo está disposto a isso. Não tanto entre os pobres, onde quase não há o fenômeno do antipetismo, mas sobretudo da classe média para cima. Declarando-se eleitor de Plínio ou Marina, o eleitor é tratado como "civil", e não como "militante" e pode assistir ao combate do lado de fora, sem risco.

    Mas a maioria dos eleitores de Plinio, e grande parte dos de Marina, devem ir de Dilma - se houver - no segundo turno.Acesse oleododiabo.blogspot.com

    domingo, 26 de setembro de 2010

    Reflexões de um eleitor indignado

     

    Frei Betto via Sul21

    Miro a propaganda eleitoral na TV, ouço-a no rádio. E me pergunto: em que galáxia habito? Fico a me perguntar se o desfile mórbido de candidatos difere muito da apresentação dos gladiadores prestes a disputar o direito à vida no Coliseu de Roma.
    São tantas besteiras, tantas promessas inconsistentes, tantas ofensas à língua pátria, que chego a preferir um passeio pelo zoológico, onde se pode apreciar, de jaula em jaula, a variedade do animais, sem o incômodo de escutar tanta bobagem.
    Claro que incontáveis aparelhos de TV e rádio desligados no horário eleitoral significam um recado óbvio: reforma política já! Como não virá imediatamente, tudo indica que, de novo, a partir de 2011 veremos a nossa representação política – nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado – integrada por figuras respeitáveis, competentes, éticas, ombro a ombro com o besteirol: políticos eleitos, não pelo que representam como promotores do bem comum, e sim pela fama na mídia, no esporte, na esbórnia, na exuberância das nádegas e no escracho geral.
    Pobre Brasil! A culpa é de quem? Do eleitor? Discordo. A culpa é dos partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legenda de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Não importa se o eleito não fala lé com cré. Importa é ter amealhado votos em quantidade.
    Isso revela algo muito grave: os partidos cada vez menos representam uma parte ou segmento da sociedade. Representam a si mesmos. Viraram clubes políticos destinados a beneficiar seus sócios. Vivem descolados da base social, gabam-se de não ter ideologia, apenas interesses e, em tudo que fazem, buscam, em primeiro lugar, reforçar o próprio poder. E funcionam na base da ação entre amigos, pois quem se elege trata de nomear quem não se elegeu para um cargo público bem remunerado.
    O Brasil precisa, sim, urgentemente, de uma reforma de seu sistema político. Não basta mudar as regras do jogo. Faz-se necessário modificar a atual cultura política, fundada no compadrio e nepotismo (como pode uma ministra incorporar familiares na máquina do governo?), no tráfico de influências, no uso dos recursos do Estado para benefício próprio.
    Quem se faz representar em nosso poder legislativo? A elite, o agronegócio, os lobbies de armas e bebidas alcoólicas, da devastação da Amazônia e da abertura irresponsável do país ao capital estrangeiro. Esta é a minoria da população, poderosa, mas minoria.
    Quem representa os sem terra e os sem teto? Quem representa os que padecem a falta de saúde e educação? Quem representa os povos indígenas, as pessoas com necessidades especiais, os jovens e idosos? Quem representa os movimentos populares?
    Introduzir uma nova cultura política é criar mecanismos de controle civil do poder público, de modo a inibir a corrupção, punir os que agem ao arrepio das leis e combater tudo isso que, na estrutura socioeconômica brasileira, favorece e fortalece diferentes formas de desigualdades.
    A revogabilidade de mandatos, mormente em casos de corrupção comprovada, deveria figurar como princípio pétreo em nosso sistema político. Por que permitir que uma mesma pessoa possa, indefinidamente, candidatar-se, perpetuando-se na política? Ninguém deveria ter o direito a mais de dois mandatos sucessivos na mesma função.
    Para avançar rumo à democracia participativa, o Brasil precisa reformular seu sistema de comunicação, de modo a possibilitar o acesso dos setores populares à livre expressão; promover plebiscitos e consultas populares; adotar o financiamento público de campanhas eleitorais; criar mecanismos de controle social das políticas econômicas e do orçamento. Por que não há representação sindical na direção do Banco Central?
    Como falar em democracia se, em plena campanha presidencial, apenas quatro candidatos têm direito a participar dos debates na TV? E os demais? Foram legal e legitimamente indicados por seus partidos. Não importa que sejam partidos nanicos. Uma democracia não se faz sem isonomia. O eleitor tem o direito de conhecer as propostas de todos que são oficialmente candidatos a funções executivas.
    Desde o fim da ditadura, em 1985, a democracia se aprimorou muito no Brasil. Contudo, não se julga um país pela perfeição de suas leis, e sim pela aplicação dessas mesmas leis. A aprovação da Ficha Limpa demonstra que a sociedade civil organizada e mobilizada pode mais do que ela mesma crê. É hora de não apenas ouvir o que têm a propor os candidatos, mas de os movimentos sociais e congêneres apresentarem a eles suas propostas e sugestões.
    Autoridade é o povo, de quem os políticos são meros servidores.
    *Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto.

    Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br

    Agrotóxico, transgênicos e o novo agronegócio



    Por Débora Prado
    Da Caros Amigos

    A concentração no campo é conhecida inimiga na luta pela justiça social no Brasil. No País do agronegócio – em que usineiro é herói e a reforma agrária é divida histórica centenária – 2,8% das propriedades rurais são latifúndios que dominam mais da metade de extensão territorial agricultável do país (56,7%), segundo os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em 2006.
    Mas, a concentração no campo não se limita às propriedades. O oligopólio das fabricantes de sementes transgênicas e agrotóxicos se fortaleceu no Brasil nas últimas décadas, imprimindo um novo modelo de dominação que vai do campo para a cidade, rendendo cifras bilionárias para poucos e prejuízos à saúde de muitos.
    Detentoras de grande capital, patentes, poderosos lobbies políticos e com um exército técnico e jurídico a sua disposição, essas companhias não conheceram a crise econômica.
    As vendas mundiais de agrotóxicos atingiram cerca de US$ 48 bilhões em 2009, o que significa que o faturamento das empresas deste setor é maior que o PIB de grande parte dos países no mundo.
    Entre 2000 e 2009, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94%, ao passo que o brasileiro subiu 172%.
    Somente no ano passado, foram registrados 2195 agrotóxicos no mercado brasileiro, que movimentou US$ 6,8 bilhões, de acordo com dados da Sindag, o sindicato das empresas.
    Os dados foram apresentados pela integrante da Gerência Geral de Toxicologia da Anvisa, Leticia Rodrigues da Silva, em um seminário nacional contra o uso dos agrotóxicos promovido pela Via Campesina, em parceria com a Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST.
    Apesar das altas cifras, este é um mercado caracterizado pelo oligopólio e por um elevado grau de concentração – 13 empresas multinacionais respondem por 90% do mercado, sendo as 6 maiores (Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto, Dow Quemical e DuPont) - responsáveis por 68%.
    Já poderosas no setor de agrotóxicos, estas multinacionais investiram ainda na compra de inúmeras fabricantes de sementes no Brasil a partir da década de 1990 e, recentemente, criaram o crédito direto ao produtor, ampliando seus braços de controle sobre a produção de nacional.
    Para Leticia, isto significa que “a relação do agronegócio e da indústria de agrotóxico não é só de compra e venda, mas de subordinação”.
    Além dos impactos econômicos e sociais desta dominação, a disseminação em escala industrial dos produtos fabricados por estas empresas é uma questão ambiental e de saúde pública.
    "No ano passado, por exemplo, a Anvisa começou a fiscalizar as empresas produtoras e encontrou irregularidades em todas, como adulteração de produtos que estavam com formulação diferente da registrada e comercialização de vencidos", relata Letícia.
    Somente na Dow Chemical, em junho deste ano, foram interditados mais de 500 mil litros de agrotóxicos e um funcionário foi conduzido à polícia por tentativa de omissão de produto.
    A Anvisa colocou ainda 14 agentes ativos usados em agrotóxicos que se espalham pelas lavouras brasileiras em reavaliação – muitos deles inclusive proibidos em outros países como os EUA e alguns Europeus – sob suspeita de prejuízos à saúde. As empresas do setor entraram na justiça para impedir a revisão e até o momento quatro elementos foram banidos.
    "O problema é que o prazo entre a entrada de um produto novo no mercado, a constatação dos seus efeitos e a retirada, no caso de ele ser prejudicial, é muito grande. E os danos à saúde ou mortes causadas pelos agrotóxicos geralmente são em longo prazo, então fica difícil provar o nexos de causalidade. Claro que há produtos em que se pode afirmar isto e é estes que queremos banir”, ressalta Letícia, complementando que “não há estudos em nenhum lugar do mundo sobre os efeitos da exposição à mistura de agrotóxicos, mesmo que seja em lavouras sucessivas”.
    Para ela, o que está em cheque é a possibilidade da população decidir se quer ou não consumir agrotóxico. "Hoje é praticamente impossível comprar um alimento sem agrotóxico, porque mesmo aqueles que são produzidos sem mostram índices de contaminação, que está em toda cadeia alimentar, na água e até no ar”.
    Com isso, em 2009, mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindag. O Brasil ocupa o posto de liderança no consumo desses produtos e, segundo dados do Movimento de Pequenos agricultores, se dividida a quantidade total de agrotóxicos utilizados em 2009 pelo número de habitantes do País, cada pessoa consumiu em média 5,2 kg de agrotóxicos ao longo do ano.
    Horacio Martins de Carvalho, engenheiro agrônomo, avalia que este é um um novo modelo produtivo econômico, político e cultural, em que a patente dos genes e os Organismos Geneticamente Modificados fazem parte das estratégias comerciais das empresas para vender pesticidas. “O consumo mundial de agrotóxicos determina e é determinado pela combinação do controle privado das patentes de OGM e das fusões das empresas da área da indústria química”, explica.
    Os números corroboram com esta avaliação. A Monsanto, por exemplo, tem hoje 25% do mercado brasileiro de sementes de hortaliças, segundo dados levantados pelo professor.
    Já um levantamento feito Sérgio Porto, da Conab, mostra que somente no cultivo de soja, um dos flancos dos transgênicos no Brasil, o uso de herbicidas passou de 142,16 mil toneladas, em 2005, para 226,82 mil toneladas no ano passado, um aumento de 60%.
    O custeio agrícola seguiu a expansão do uso de herbicidas, passando de R$ 4,82 bilhões, em 2005, para R$ 8,24 bilhões no ano passado.
    “Os dados comprovam que não se usa menos agrotóxicos, nem se gasta menos, com os transgênicos, como os produtores costumam dizer. Pelo contrário, o uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas só aumentou no Brasil”, conclui Porto.
    O modelo é altamente concentrado: das 149 milhões de toneladas de grãos na colheita deste ano, 80% é de milho e soja e outros 10% de arroz. Ou seja, apenas 3 produtos dominam a produção brasileira de grãos. Isto gera uma insegurança alimentar que pode penalizar toda sociedade. “São Paulo é o Estado com maior insegurança alimentar em termos de demanda e oferta, uma vez que a opção pela cana-de-açúcar leva o Estado a trazer de fora grande parte dos alimentos”, complementa Porto.
    A concentração em poucos produtos é acompanhada de uma concentração regional na produção. “A transição para um novo modelo é crucial e para isso a pressão social é necessária. O debate sobre a alimentação saudável e o modo com se produz deve ser um elemento central na união das lutas no campo e na cidade”, destaca Porto.