quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Serra assume agenda do fascismo social que ameaça a Europa



As eleições presidenciais brasileiras, ao contrário do que sugere a indigente imprensa brasileira, não ocorrem em uma ilha isolada do mundo. A guinada ultra-conservadora e fundamentalista adotada pelo outrora desenvolvimentista José Serra não é, tampouco, um fato isolado. Neste momento, milhares de pessoas na Europa, após serem vítimas de uma grave crise provocada pelos ideólogos do Estado mínimo e da supremacia dos mercados financeiros, saem às ruas em protesto. Estão protestando contra o quê mesmo? Contra as faturas que estão sendo depositadas em suas mesas para que paguem pelo estrago feito por bancos, especuladores e uma ampla gama de delinqüentes financeiros. O Brasil só não está imerso nesta crise porque os representantes da delinqüência financeira foram apeados do poder.
Em um artigo intitulado “A ditamole”, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos fala sobre a grave crise que atinge seu país, um dos elos fracos do capitalismo europeu. “Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso, mas breve, interregno democrático”. Portugal corre o risco, adverte Boaventura, de entrar, a partir de 2010, em um “outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada mercado”. Esse regime preserva uma fachada democrática, mas reduz ao mínimo as opções ideológicas, instaurando uma espécie de fascismo social onde a solidariedade e a democracia passam a ser valores sob constante ameaça.
Ele cita dois sinais preocupantes da emergência desse regime autoritário em seu país. Em primeiro lugar, a desigualdade social está aumentando no país que já é apontado como um dos mais desiguais da Europa. Entre 2006 e 2009, aumentou em aproximadamente 38,5% o número de trabalhadores que recebem o salário mínimo (450 euros), abrangendo cerca de 15% da população ativa (804 mil trabalhadores). Por outro lado, em 2008, o pequeno grupo de cidadãos mais ricos (4051 pessoas) tinha um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos mais pobres (634 mil pessoas). “Se é verdade que as democracias européias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar cometendo suicídio”, assinala Boaventura.
Um suicídio assistido pelos grandes meios de comunicação portugueses que – oh!, que surpresa – pensam lá o mesmo que pensam aqui. O uso do verbo “pensar” é um pouco demasiado aqui, uma vez que o que a chamada grande imprensa faz, já há algum tempo, é defender os interesses econômicos dos grupos empresariais disfarçados de jornais, rádios, televisões e portais de internet. Lá como aqui repetem o mesmo mantra: é preciso cortar gastos públicos e abater o Estado social. O dinheiro gasto hoje com políticas sociais deve ser drenado para tapar o rombo e os roubos praticados pelo sistema financeiro internacional e seus agentes. É disso que se trata, é esse o sentido da candidatura de José Serra no Brasil e é por isso que ela trava uma “guerra religiosa”, com o apoio de seus múltiplos braços midiáticos, para voltar ao poder.

A ditamole


Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, Portugal estará entrando em breve num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada “mercado”. Para evitar isso os cidadãos terão de dizer basta ao fascismo difuso instalado nas suas vidas e reaprender a defender a democracia e a solidariedade.

Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de quarenta anos, entre 1974 e 2010. Nos quarenta e oito anos que precederam a revolução de 25 de Abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada “mercado”. As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem. Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efetivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como ditamole.

Os sinais mais preocupantes da atual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa. Entre 2006 e 2009 aumentou em 38,5% o número de trabalhadores por conta de outrem abrangidos pelo salário mínimo (450 euros): são agora 804.000, isto é, cerca de 15% da população ativa; em 2008, um pequeno grupo de cidadãos ricos (4051 agregados fiscais) tinham um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos pobres (634.836 agregados fiscais). Se é verdade que as democracias européias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar cometendo suicídio.

Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado. A opinião pública portuguesa está sendo intoxicada por comentaristas políticos e econômicos conservadores – dominam os meios de comunicação como em nenhum outro país europeu – para quem o Estado social se reduz a impostos: os seus filhos são educados em colégios privados, têm bons seguros de saúde, sentir-se-iam em perigo de vida se tivessem que recorrer “à choldra dos hospitais públicos”, não usam transportes públicos, auferem chorudos salários ou acumulam chorudas pensões. O Estado social deve ser abatido. Com um sadismo revoltante e um monolitismo ensurdecedor, vão insultando os portugueses empobrecidos com as ladainhas liberais de que vivem acima das suas posses e que a festa acabou. Como se aspirar a uma vida digna e decente e comer três refeições mediterrânicas por dia fosse um luxo repreensível.

Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para
especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? Onde está o princípio da coesão do projeto europeu? Para gáudio dos trauliteiros da desgraça nacional, o FMI já está cá dentro e em breve, quando do PEC 4 ou 5, anunciará o que os governantes não querem anunciar: que este projeto europeu acabou.

Inverter este curso é difícil mas possível. Muito terá de ser feito em nível europeu e a médio prazo. A curto prazo, os cidadãos terão de dizer basta! Ao fascismo difuso instalado nas suas vidas e reaprender a defender a democracia e a solidariedade tanto nas ruas como nos parlamentos. A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a
promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Politizar, polarizar e mobilizar



Por Valter Pomar na Caros Amigos

Dilma venceu o primeiro turno. Mas não venceu no primeiro turno. A grande mídia, o Demo-PSDB e seus aliados no PV comemoraram. Mas havia jeito de ser diferente?

Lula disputou três eleições antes de vencer, em 2002. No segundo turno. Candidato à reeleição, novamente teve que enfrentar um segundo turno. Como é que com Dilma poderia ser diferente?

Aliás, é curioso: quando iniciamos a campanha, Dilma foi alvo de críticas, ironia e descrença da parte de quem a “acusava” de nunca ter dispu tado uma eleição.

Quem compartilhava desta impressão negativa, certamente foi surpreendido pelo seu crescimento eleitoral, vendo-o como algo inesperado, capaz inclusive de gerar a proeza de uma vitória em primeiro turno.

E, paradoxalmente, aqueles mesmos enxergaram na ida para o segundo turno uma derrota, quando o surpreendente é exatamente o oposto: que apesar de ser estreante, Dilma quase tenha vencido já no primeiro turno, mostrando que ela era a pessoa certa, no lugar e hora adequados.
Infelizmente, parte importante dos apoiadores da candidatura Dilma acabou caindo no conto de que era possível vencer no primeiro turno. Isso se deve, em alguma medida, a um erro da coordenação de campanha, que embora dissesse o contrário, não adotou as vacinas necessárias, talvez porque no fundo acreditasse em Papai Noel.

A verdade é que em 2010, igual ocorreu em 2006, uma parte de nós evoluiu do pessimismo para um otimismo irresponsável, que dava como praticamente garantida a vitória no primeiro turno; e, pior ainda, em nome desta suposta vitória garantida, adotou uma postura defensiva e despolitizada que, ironicamente, nos levou não à vitória no primeiro turno, mas sim ao segundo turno.

Qual a necessidade de dizer isto, neste momento? Simples: não repetir o erro.

Para ganhar no segundo turno, é fundamental saber que podemos ser derrotados, que nosso lado comete muitos erros, que a oposição de direita é muito forte, que pode haver uma virada. Quem acha que é impossível perder, não está preparado para vencer.

Este foi, talvez, o principal erro que cometemos no primeiro turno: retranca excessiva, às vezes justificada pela possibilidade de uma vitória no primeiro turno, às vezes pela amplitude das alianças, às vezes pelas características da candidata. A retranca foi tanta que, pela primeira vez, não divulgamos oficialmente nosso program a de governo!!!

Esta postura defensiva teve como decorrência certa subestimação do debate político e da polarização, que acabou entrando na campanha pela porta dos fundos, seja por elogiáveis rompantes de algumas lideranças (por exemplo, algumas críticas de Lula contra certa imprensa), mas geralmente por iniciativa da própria direita.

Claro que a oposição de direita não tem interesse em fazer o debate político da maneira como nós gostaríamos. Isto foi interpretado por alguns, erroneamente, como se a direita estivesse “sem projeto”, “se perdendo” em acusações sobre terrorismo, Farc, tráfico, dossiês, radicais e aborto. Quando na verdade a direita estava operando a polarização e politização nas catacumbas, inclusive manipulando em seu proveito aquilo que gostamos de apontar como uma das provas de nosso êxito: o crescimento da classe média.

Aliás, é curioso: quando se pergunta de onde vem grande parte da animosidade contra o governo Lula, contra o PT e contra Dilma, a resposta é: de setores da classe média. Mas quando se pergunta qual é um dos grandes êxitos do governo Lula, a resposta é: o crescimento da classe média. Algo não bate nesta conta.

Deixemos de lado os equívocos conceituais e os exageros estatísticos na discussão sobre a tal classe média e nos limitemos ao seguinte: a elevação das condições materiais de vida de amplos setores da população brasileira, ocorrida nos últimos anos, não foi acompanhada de similar elevação cultural, ideológica e política. A diferença entre uma coisa e outra, numa aproximação grosseira, é a diferença entre a aprovação do governo Lula e a votação de Dilma, neste respectivo setor social.

Falando noutros termos: não basta e nunca bastou o lulismo. Se a simpatia em Lula não for politizada e organizada, em sindicatos, em partidos, noutra visão de mundo propagada por outros meios d e comunicação, corremos o risco de assistir segmentos amplos das camadas populares, embora vivendo melhor, continuarem sendo manipulados pela mesma mídia, pela mesma direita e por igrejas conservadoras que se opuseram àquelas medidas que fizeram a vida melhorar.

Por analogia: não basta e nunca bastou a campanha eletrônica. Se não houver militância, corpo-a-corpo, trabalho de formiga cotidiana, seremos vítima dos instrumentos de que a direita dispõe, inclusive a pregação direta feita por religiosos conservadores de variados credos.

No segundo turno, Dilma vencerá se mantiver ao seu lado quem já votou nela; se recuperar quantia significativa de eleitores simpáticos a ela, mas que no primeiro turno escolheram Serra ou Marina; se conseguir parte dos votos de quem não optou por nenhum dos candidatos ou nem mesmo foi votar (este contingente é maior do que o total de eleitores de Serra).
Dilma conseguirá manter ou conquistar estes eleitores, se nossa campanha politizar, polarizar e mobilizar. Agindo assim, neutralizará o terrorismo religioso e a onda de calúnias, que ganharam espaço na exata medida em que nossa campanha deixou de explicitar o debate político de projetos.

Sobre isto, um detalhe: os “analistas políticos” da direita fazem questão de divulgar pesquisas “científicas” dizendo que foi o caso Erenice --e não o tema do aborto-- que levou a disputa ao segundo turno. A rigor, foi de tudo um pouco e haverá tempo para um debate mais científico a respeito. Mas a preocupação dos “analistas políticos” revela, talvez, que eles tenham percebido que o exagero na sordidez pode ser contraproducente, por fazê-los perder votos, mas principalmente por estimular a mobilização dos setores democráticos e progressistas contra a volta da TFP, Opus Dei e CCC.

Sobre o tema do aborto, aliás, a campanha deve sustentar tranquilamente o que foi inscrito no T ribunal Superior Eleitoral, a saber: Promover a saúde da mulher, os direitos sexuais e direitos reprodutivos. O Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente, dentro de um conceito de saúde pública. Como disse a candidata no debate da Band, entre prender e tratar, ela prefere tratar.

Olhando o conjunto da situação, não há como não recordar certo bordão: a burguesia nunca nos falta. E, como de outras vezes, está nos obrigando a politizar, polarizar e mobilizar a base política e social que apóia o governo Lula e a candidatura Dilma, em defesa do que fizemos, mas principalmente do que faremos.

Comparar os governos FHC e Lula e confrontar os dois projetos que estão em disputa: passada a confusão dos primeiros dias, esta vem sendo a linha de campanha no segundo turno, como ficou visível no debate da Band e no horário eleitoral gratuito.

Não se trata, port anto, de mudar de opinião sobre nada; do que precisamos, simplesmente, é colocar em pauta, no centro do debate, o que realmente interessa: o futuro do povo brasileiro.


Valter Pomar é secretário de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Serra tem raiva e nojo de povos latino-americanos

Do blog jornalisticamente falando

Peço o favor de fazer circular esta mensagem, que é fruto da indignação de uma cidadã boliviana que assistiu ao debate da Rede TV! de domingo passado, quando o candidato José Serra ofendeu acintosa e deliberadamente o povo boliviano, sem ter demonstrado qualquer gesto de respeito ou gratidão pelo país que o acolheu em julho de 1964 e graças ao governo democrático da época, que lhe concedeu um documento de viagem nacional (negado pela embaixada brasileira de La Paz a todos os exilados, por orientação da ditadura) lhe foi possível o seu asilo político na França.
Quero manifestar meu protesto veemente pela falta de postura de uma pessoa que, depois de ter se beneficiado da solidariedade de um país, o condena, ainda mais conhecendo (ou, pior, deveria conhecer) a verdadeira história da expansão da produção das drogas em escala industrial, durante a ditadura sanguinária de Hugo Banzer Suárez, com dinheiro do BID (mais de meio milhão de dólares) que deveria ter sido destinado à cultura de algodão, em 1976, para atender à demanda do mercado dos Estados Unidos (“La veta blanca”, de René Bascopé Aspiazu, 1983; “Com a pólvora na boca”, de Julio José Chiavenatto, 1984), mas acabou desviado para atender aos interesses dos comparsas do ditador, ávidos de virar milionários, da noite para o dia, com a conivência dos governos aliados (inclusive dos Estados Unidos).
Uma pessoa dessas, aliás, jamais reconhecerá qualquer tipo de débito pessoal ou político, portanto, não merece credibilidade alguma, seja qual for a sua formação ideológica ou sua posição política, já que serve aos interesses de quem lhe convier na ocasião.
Sou filha de um ex-exilado político boliviano, o sindicalista Juan Colombo Vargas, que peregrinou contra a sua vontade por diversos países latinoamericanos nas décadas de 1960 e 1970 enquanto sua família passava dificuldades e corria riscos de vida em La Paz. Quando o saudoso presidente Hernán Siles Zuazo (da Unidad Democrática Popular – UDP) assumiu democraticamente o mandato constitucional conquistado nas urnas (outubro de 1982), depois de uma sucessão de generais assassinos e vinculados ao narcotráfico, todos patrocinados pelo governo dos Estados Unidos e pelas ditaduras que na época executavam o Plan Cóndor (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Uruguai), graças a isso pude voltar a conviver, mesmo que por poucos anos, com meu saudoso pai, falecido em 1989, por problemas cardíacos.
Foi ele que me ensinou que, independentemente de gostarmos ou não do presidente eleito democraticamente do país que por ventura nos acolhesse, devêssemos guardar sempre gratidão a essa nação, ao seu povo e sobretudo à sua história. Nunca morei no Brasil, mas leio e escrevo o português por ser casada há duas décadas com um professor brasileiro que escolheu a Bolívia para formar sua família. E assim estamos educando nossos três filhos, com profundo amor pela Bolívia, pelo Brasil e pelo povo latinoamericano, que tem a mesma história de lutas e tragédias, e os mesmos sonhos de liberdade, justiça social e solidariedade.
Ivana Colombo

O voto de José Carlos Mariátegui



por Marcelo Salles no escrevinhador

José Carlos Mariátegui, um dos maiores pensadores latino-americanos – e por isso mesmo sonegado ao povo pelas corporações de mídia – foi um dos que melhor pensaram Nuestra América desde abajo, através do chamado socialismo indo-americano. Viveu três anos e meio na Europa e foi lá, segundo o próprio, que descobriu-se um revolucionário com um dever a cumprir em sua própria pátria, o Peru, e em todo o continente. Isso no início do século passado.
Mariátegui, jornalista e escritor, teve seu grande momento em “Os sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, que na verdade é tão rico que pode ser aplicado a toda América Latina. Nesse livro, que reúne artigos publicados em sua revista, Amauta, ele trata do problema da terra, da educação pública, da cultura, do fator religioso, entre outros assuntos. Em todos eles fica evidente o protagonism o do povo e os males causados pelo imperialismo e pela burguesia entreguista.
Se Mariátegui fosse vivo, hoje ele estaria de cabelo em pé com o avanço de José Serra nas pesquisas de intenção de voto. O candidato da direita tem praticamente duas campanhas. Uma adotada alegremente pela superestrutura midiática e outra que funciona no subterrâneo (panfletos e e-mails apócrifos). Uma fica dentro da legalidade, a outra ataca abaixo da linha de cintura. Mas as duas apelam para o que há de mais retrógrado: o moralismo, o conservadorismo religioso, a família tradicional tipo papai-mamãe.
Brizola Neto, em seu blog, em abril, já havia mostrado que Serra contava com uma equipe para fazer o jogo sujo. A tal campanha de calúnia e difamação contra Dilma.
É fácil identificar os motivos que levariam Mariátegui a se posicionar ao lado de Dilma e contra Serra. Este representa a burguesia reacionária, os interesses do imperialismo, o neolib eralismo. Essas três correntes são a chave para o desemprego, para o empobrecimento do povo, para o saque das riquezas nacionais. Dilma representa o governo Lula, que pode não ter feito o governo dos sonhos da esquerda, mas é o que mais se aproximou disso. O emprego aumentou (15 milhões contra 5 milhões no governo FHC-Serra), há um esforço para proteger as riquezas (basta ver o debate sobre o pré-sal e identificar quem defende o sistema de partilha e quem se posiciona em favor da manutenção dos leilões) e cerca de 24 milhões de brasileiros saíram da miséria, enquanto outros 30 milhões entraram para a classe média. Para efeito comparativo, o Peru de Mariátegui tem, hoje, 28 milhões de habitantes.
O ayllu – terra indígena de produção coletiva – poderia ser comparado ao avanço nos investimentos do governo Lula-Dilma na agricultura familiar, que passaram de R$ 3 bilhões para R$ 16 bilhões anuais. Isso significa mais comida para nuestro povo, e sem os agrotóxicos utilizados nos latifúndios.
Serra não se importa em jogar baixo, nem que isso custe um retrocesso gigantesco ao país. Então joga o aborto no centro do debate e diz ser muito importante tratar de questões morais. Sua campanha investe pesado na imagem da esposa (a tal família tradicional), que reza na igreja, segura a imagem de uma santa, e assim diferencia-se de Dilma. Enquanto isso, no subterrâneo circulam notícias de que a petista é terrorista e quer montar uma república satanista.
De repente, todo o movimento à esquerda em Nuestra América se vê ameaçado pela direita brasileira. Sem um governo progressista no Brasil, podemos imaginar as dificuldades da revolução bolivariana, na Venezuela, que em dez anos criou a Telesur, reduziu a pobreza extrema de 80% para 30% da população, elevou para 93% do povo o acesso à água potável, reduziu a mortalidade infantil e erradicou o analfabetismo. Ou do presidente Evo Morales , na Bolívia; de Rafael Correa, no Equador; de Mujica, no Uruguai; de Cristina Kírchner, na Argentina. Todos esses tiveram, em comum, a implementação de políticas públicas que melhoraram a vida do povo, fortaleceram o Estado e intensificaram das relações com os países do continente, o que culminou na criação da Unasul e a resolução dos problemas regionais sem a interferência de potências estrangeiras.
O aumento do comércio regional também é um bom indicador dessa política. Segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, as exportações do Brasil para a América Latina e Caribe aumentaram em 42,8%, só no primeiro semestre de 2010, colocando a região na primeira posição de mercado comprador de produtos brasileiros.
E para além do comércio, vale lembrar, foi no governo Lula-Dilma que o Brasil compreendeu ser necessário mais do que intensificação dos negócios para resolver os problemas comuns da Nuestra Améric a. Ganharam importância instrumentos como fundos para o desenvolvimento e o Banco do Sul. Entendeu-se, pela primeira vez, que a desigualdade entre os países da região provoca conflitos e, por isso, passou-se à implementação de políticas que permitam a todos os países agregar valor a seus produtos, de modo a garantir a segurança alimentar, o emprego e a renda, sem que as antigas instituições financeiras internacionais imponham seus mecanismos de arrocho. O desenvolvimento do bloco latino-americano ajuda a explicar, em boa medida, o novo posicionamento do Brasil no mundo.
E tem outra coisa. José Carlos Mariátegui jamais votaria num candidato a presidente que acusasse, como fez Serra, o presidente de um país vizinho de ser conivente com o tráfico de drogas. Um sujeito dessa estirpe não tem condições de governar uma nação como o Brasil. Em vez de diplomacia, é bem capaz de ele declarar uma espécie de guerra preventiva, nos moldes estadunidense, p ondo toda a região em perigo e facilitando a ação imperialista.
Por tudo isso, se Mariátegui fosse brasileiro votaria em Dilma. Não em razão de supostas opiniões inseridas no escopo moralista, mas porque ela representa um projeto político capaz de seguir melhorando a vida dos mais de 500 milhões de cidadãos latino-americanos.
Marcelo Salles, jornalista, é colaborador do jornal Fazendo Media e da revista Caros Amigos, da qual foi correspondente em La Paz entre 2008 e 2009. No twitter, é @MarceloSallesJ

Tucanos entram com ação contra Revista do Brasil



PSDB quer liberdade de imprensa só para sua turma

Por Paulo Salvador, da rede Brasil Atual

A Revista do Brasil sofreu mais uma investida do PSDB. Por solicitação dos tucanos, na madrugada desta segunda-feira (18), o ministro Joelson Dias, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pediu a suspensão de circulação da edição 52, de outubro.
A ação da coligação “O Brasil pode mais”, encabeçada pelo PSDB, de José Serra, foi atendida apenas em parte. Além da Revista do Brasil, suspende a circulação do Jornal da CUT, ano 3, nº 28. Mas três itens cruciais foram negados pelo ministro Dias. A demanda dos advogados tucanos queria silenciar o Blog do Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e pedia a busca e apreensão do material mencionado.
O terceiro item negado é emblemático: o PSDB queria que a questão tramitasse em segredo de Justiça. Nenhuma informação sobre o processo poderia ser divulgada, caso o pedido fosse atendido. Isso denota intenções claras do tucanato de ocultar da opinião pública a própria tentativa de restringir, ou censurar, a circulação de informações e opiniões.
A divulgação foi feita pelo site do TSE e repercutiu em sites noticiosos ao longo do dia. A Editora Gráfica Atitude, responsável pela Revista do Brasil, só poderá se pronunciar quando for comunicada oficialmente pelo órgão sobre a decisão do juiz e seus eventuais desdobramentos.
De antemão, agradece as centenas de mensagens de apoio e de solidariedade recebidas ao longo do dia, fruto da mobilização da blogosfera. Qualquer ato dessa natureza – indispor o Judiciário contra às liberdades de imprensa e de expressão – merece no mínimo a condenação de todos os cidadãos que prezam pela democracia e pelo direito à informação.
Diferentemente de panfletos apócrifos destinados a difundir terrorismo, desinformação e baixarias das mais diversas – sejam eles de papel, eletrônicos, digitais ou virtuais –, a Revista do Brasil tem endereço, CNPJ, núcleo editorial e profissionais responsáveis. A transparência do veículo, ao expor sua opinião de forma tão clara quanto rara na imprensa brasileira, e o jornalismo independente e plural que pratica – patrimônio dos trabalhadores aos quais se destina – não merecem ser alvo de qualquer forma de cerceamento.
Quatro anos depois
A edição 52 da Revista do Brasil trazia, à capa, uma foto da candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff (PT), com a chamada “A vez de Dilma: O país está bem perto de seguir mudando para melhor”. A publicação explicita em seu editorial a posição favorável à candidatura Dilma, e traz também reportagem analisando circunstâncias da disputa do segundo turno.
O pedido de restrição de circulação de seu conteúdo assemelha-se a uma investida datada de junho de 2006. À época, o mesmo PSDB encampou pedido de suspensão de distribuição da edição número 1 da revista. Havia ainda a demanda de que a edição deixasse de ser divulgada no site da CUT e do Sindicato dos Químicos.
Repetida a investida, fica latente o lado em que estão as forças aliadas a José Serra. O lado de quem quer liberdade apenas para o tipo de imprensa e de expressão que lhes convém.

Após baixarias tucanas, Dilma cresce e abre 12 pontos sobre Serra

A vantagem de Dilma Rousseff sobre José Serra no segundo turno da corrida presidencial cresceu quatro pontos percentuais em apenas seis dias – o que deixa a candidata da coligação Para o Brasil Seguir Mudando mais próxima da vitória na eleição de 31 de outubro. É o que aponta pesquisa Vox Populi/iG divulgada na manhã desta terça-feira (19).


Por André Cintra no vermelho

Segundo o instituto, Dilma tem 51% das intenções de votos para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – seu principal apoiador. Já Serra, à frente de uma das campanhas mais sujas no Brasil desde as últimas décadas, caiu para 39%. Em relação ao Vox Populi de 13 de outubro, a petista cresceu três pontos percentuais, enquanto o tucano caiu um – ela tinha 48%, contra 40% de Serra.

Pretendem anular ou votar em branco 6% dos entrevistados – mesmo patamar da última pesquisa. O índice de eleitores indecisos, no entanto, caiu de 6% para 4%. A margem de erro estimada pelo instituto é baixíssima – apenas 1,8 ponto percentual para mais ou para menos.

Nos chamados votos válidos (que excluem brancos, nulos e indecisos), a dianteira de Dilma fica mais evidente. A presidenciável – que tinha oito pontos à frente Serra (54% a 46%) na semana passada – agora lidera mais folgadamente: 57% a 43%.

Segundo o Vox Populi, é no Nordeste e no Sudeste que o desempenho de Dilma justifica a diferença cada vez mais sólida sobre Serra. Entre os nordestinos, a candidata da coligação Para o Brasil Seguir Mudando é a preferida de impressionantes 65%, ao passo que Serra amarga 25%.

Esse trunfo exigiria que a candidatura demo-tucana compensasse a votação nos maiores colégios eleitorais do Brasil, concentrados no Sudeste. Nessa região, porém, Dilma também ampliou a vantagem e lidera a disputa – por 47% contra 40%. O consolo de Serra está no Sul, onde ele segue à frente de Dilma, com 50% – ela aparece com 41%.

Aborto e renda

A pesquisa Vox Populi mostra que boa parte do eleitorado reagiu negativamente à baixaria da campanha Serra. Com a imposição de temas como o aborto na pauta eleitoral, quem mais se beneficiou foi Dilma – que reduziu sua desvantagem no eleitorado evangélico (42% a 44%) e consolidou sua vantagem entre os católicos praticantes (54% a 37%) e não praticantes (55% a 37%). O eleitorado declaradamente ateu também prefere a petista – 49% a 36%.

Candidato das elites, Serra só lidera o pleito – e, ainda assim, na margem de erro (44% a 42%) – na faixa do eleitorado que ganha mais de cinco salários mínimos e nos entrevistados com nível superior (47% a 40%). Dilma, em contrapartida, massacra o tucano por 61% a 31% entre os eleitores que recebem não mais que um mínimo. Vence também (55% a 38%) no segmento do eleitorado com até a 4ª série do ensino fundamental.

Dilma tem voto mais convicto

O levantamento do Vox Populi ouviu 3 mil eleitores de 15 a 17 de outubro e foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral com o número 36.193/10. Devido ao período de sondagem, a pesquisa não capta os efeitos do debate monótono entre Dilma e Serra promovido no domingo pela Rede TV! e da excelente entrevista de Dilma na segunda-feira ao Jornal Nacional.

De qualquer maneira, há um dado na pesquisa que aponta a cristalização da preferência do eleitorado. É que, segundo o Vox Populi, 89% dos que eleitores que declararam voto em algum candidato já se definiram de maneira irreversível. Apenas 9% admitem mudar de preferência. A boa notícia é que os eleitores de Dilma são os mais convictos – 93% dos dilmistas declaram que seu voto está consolidado. Já no eleitorado de Serra, esse índice é de 89%.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

FHC ESTÁ ACERTANDO A VENDA DO BRASIL EM FOZ DO IGUAÇU

DESAFIO QUALQUER TUCANO OU ALIADO A DESMENTIR OS FATOS ABAIXO, A VENDA DO BRASIL PELAS COSTAS DO POVO BRASILEIRO - SÃO CORRUPTOS E TRAIDORES



Laerte Braga no Brasilmobilizado


Neste momento que escrevo, domingo, 21h31m, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está falando, em inglês, para 150 investidores estrangeiros no Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu.

O evento é fechado, a fala de FHC está se dando em um jantar e o assunto é a privatização da PETROBRAS, de ITAIPU e do BANCO DO BRASIL, além de outras “oportunidades” de negócios no Brasil.

FHC está assumindo com os empresários o compromisso de venda dessas empresas em nome de José FHC Serra.

A idéia inicial dos organizadores de realizar o evento no Hotel Internacional foi afastada para evitar presença de jornalistas.

Cada um dos investidores recebeu uma pasta com dados sobre o Brasil, artigos de jornais nacionais e internacionais e descrição detalhada do que José FHC Serra vai vender se for eleito.

E além disso os investidores estão sendo concitados a contribuir para a campanha de José FHC Serra, além de instados a pressionar seus parceiros brasileiros e a mídia privada a aumentar o tom da campanha contra Dilma Roussef.

Segundo FHC disse a esses empresários logo após ser apresentado pelo organizador do evento, “se deixarmos passar a oportunidade agora jamais conseguiremos vender essas empresas”.

Para o ex-presidente é fundamental a participação desses grupos na reta final de campanha. A avaliação de FHC é que a campanha de Dilma sofreu um golpe com a introdução do tema religioso (o que foi deliberado pelos tucanos para desviar a atenção das pessoas dos reais objetivos do candidato José FHC Serra). É preciso, na concepção do ex-presidente arrematar o processo derrotando a candidata e impedindo-a de respirar nessa reta final.

O acordo com empresários internacionais em Foz do Iguaçu envolve a instalação de uma base militar norte-americana na região, desejo antigo dos governos dos Estados Unidos.

O corretor da venda do Brasil, FHC, com toda certeza, está acertando também a comissão (propina) a ser paga caso o negócio venha a se concretizar, ou seja, a eleição de José FHC Serra.

Para o ex-presidente também não há grandes problemas com a mídia privada “sob nosso controle”, mas é preciso evitar a divulgação de notícias mesmo que sejam pequenas ou de pequenos fatos e que possam prejudicar o projeto de venda do Brasil.

Esse tipo de evento, essa fala de FHC é característica da fala de agente estrangeiro e mostra a desfaçatez tucana em relação ao Brasil e aos brasileiros.

No mesmo momento em que o corrupto e venal José FHC Serra debate com Dilma Roussef na REDE TEVÊ e fala sobre trololós petistas, FHC, seu mentor e principal corretor de vendas de empresas públicas brasileiras, negocia traiçoeiramente a entrega de patrimônio público a esses investidores.

É a opção que os brasileiros temos diante de nós.

Ou caímos de quatro e abrimos mão de nossa soberania ou resistimos e rejeitamos a quadrilha tucana.

Desafio qualquer tucano, qualquer DEM, qualquer pilantra tipo Roberto Freire, quem quer que seja, a desmentir esse fato. O evento em FOZ DO IGUAÇU e sua natureza, a venda do BRASIL!

Dilema das classes médias: Estado do Bem-Estar ou apartheid social?

Na hora mais grave de sua história, os ingleses, na linguagem de seus liberais cívicos e trabalhistas, cunharam o lema do “Estado do Bem-Estar Social”. Este grito de civilização contrastava com o outro, da barbárie, vindo da Alemanha de Hitler, o Estado da guerra, da máquina de guerra nazista. “Sangue, suor e lágrimas”, os ingleses uniram a Nação e resistiram. Hoje, decerto, não há nenhum Hitler às portas do Brasil, mas quem ousaria negar que a barbárie da violência social ainda ronda o nosso cotidiano e, pode, se a linha vitoriosa nestas eleições for neoliberal, voltar a crescer? O artigo é de Juarez Guimarães.

À Maria Rita Kehl
Em seu poema mais terno, comovente e terrível, o maior poeta negro brasileiro, Cruz e Souza, versa sobre o berço do recém nascido:

“Meu filho que eu adoro e cubro de carinhos,/ que do mundo vilão ternamente defendo,/ Há de mais tarde errar por tremendais e espinhos/ Sem que o possa acudir no suplício tremendo.”

E mais adiante:

“Tu não sabes, jamais, tu nada sabes, filho,/ Do tormentoso Horror, tu nada sabes, nada.../ O teu caminho é claro, é matinal de brilho,/ Não conheces a sombra e os golpes da emboscada.”

Postado assim no livro “Faróis”, um pouco antes do belíssimo “Litania dos pobres” ( “As sombras das sombras mortas,/Cegos, a tatear nas portas./ Procurando o céu, aflitos/ E varando o céu de gritos./ Faróis à noite apagados/ Por ventos desesperados/ Inúteis, cansados braços/ Pedindo amor aos Espaços./ Mãos inquietas, estendidas/ Ao vão deserto das vidas.” e mais adiante : “ Bandeiras rotas, sem nome,/ Das barricadas da fome.”), o poema “Meu filho” de Cruz e Souza parece-se como uma oração desesperada de todos os pobres do Brasil aos recém nascidos de seu amor.

A consciência mais alta dos abolicionistas brasileiros, no fim do século XIX, chegou à conclusão de que a abolição não era principalmente um imperativo de modernização econômica nem apenas uma dádiva humanitária para com os negros. O que estava em jogo ali era um princípio de civilização: enquanto houvesse escravidão, não seria possível formar uma moralidade do cidadão, toda cultura cívica seria cínica, a própria dignidade do trabalho seria negada. Hoje, nestes inícios do século XXI, o que está em jogo mais do que a força econômica autônoma do Brasil, muito além da comiseração com a vida de humilhações e carências dos pobres, é também um princípio de civilização.

Ou retornamos ao princípio de civilização dos anos noventa, da era Fernando Henrique Cardoso, o qual, pela apologia do mercado, se legitimava a exposição ostensiva da riqueza em meio à legião dos pobres e o cultivo da diferença social como sinal de status, ou vamos formar a casa comum da democracia brasileira, vamos aparar os extremos em direção ao predomínio das “classes médias”, vamos formar, enfim, o cidadão e a cidadã de direitos e deveres simétricos. O que está em jogo é a nossa moralidade, a possibilidade de nossa cultura cívica republicana, o destino democrático que formamos na crítica ao nosso passado de violenta exclusão.

As engenharias mercantis da produção da miséria em massa produzem a morte física: pela fome ou subnutrição, pelas epidemias evitáveis ou pela vida subtraída pelo cuidado sanitário precário, pelas genocídios de jovens pobres nas periferias. Ao final dos anos noventa, pela primeira vez na história brasileira no século XX, a esperança média de vida dos brasileiros parou de crescer. Mas a injustiça – legitimada ou cinicamente absorvida – produz um aleijão na alma do cidadão: as nossas crianças e jovens – mesmo as mais protegidas – não ficam imunes à legião dos pobres nas ruas mais suntuosas, pessoas a cata dos restos nos lixos dos bairros mais ricos, o pobre suspeito de ser criminoso e o rico absolvido de todos os crimes.

Não se trata de dividir o mundo pequeno dos privilegiados ou socializar os privilégios para todos. “A felicidade ou é compartilhada ou não vigora”, escreveu o presidente Lula como dedicatória ao livro de sua biografia presenteado a Dom Luciano Mendes, como este mesmo próprio revelou a uma platéia de ouvintes comovidos. O que se trata exatamente é a meta de por fim aos privilégios: expandir o espaço da vida de cada um pela expansão da riqueza da vida social, prosperar o nosso quinhão de afetos pela amizade e amorosidade da vida em comum, modular em aquarela as cores de nossa vida subjetiva ao sentimento do mundo, como versou o poeta maior.

Desterrados na própria terra?

Talvez a mais fina leitura do livro “Raízes do Brasil”, do mestre Sérgio Buarque de Holanda, revelou que em sua primeira edição ele escrevia na abertura uma contradição: ao modo de Gilberto Freyre, ele trazia o reconhecimento de que havia se enraizado aqui uma civilização nos trópicos ; mas, ao mesmo tempo, ao modo de Euclides da Cunha, éramos desterrados na própria terra. Nas edições seguintes, esta tensão criativa teria se apagado, ficando soberana a noção do desterro. O fino leitor, porém, preferia a tensão, ao modo da obra que cresce na sua abertura de sentidos.

O fato é que esta tensão veio hoje ao centro da democracia brasileira. Continuaremos a ser desterrados na nossa própria terra, como uma nação que não se fez, ou construiremos aqui a mais bela e generosa civilização democrática e interracial dos trópicos, na utopia mesma de Darcy Ribeiro?

O tema do desterro ou do exílio estrutura a cultura brasileira desde o século XIX, quando ela começou a procurar nossa identidade, entre a cópia do centro ou a busca da originalidade. Origem, identidade e destino, amarrados na mesma imaginação: de onde viemos, o que somos e para onde vamos ? Na clareira da dúvida, emergiu o tema do sertão: dentro de nós, ao redor de nós, presença do mal ou ausência do bem, o lugar onde vige a violência na ausência da lei, nossas veredas. Como numa comédia farsesca, o “bem” e o “mal” voltaram hoje a terçar armas em busca da consciência dos brasileiros. Mas nem Hermógenes (o princípio do mal no sertão) nem o fero belo Diadorim (o princípio do bem absoluto no sertão) : mas Riobaldo e sua fala sábia, humanizando o imperfeito do vivido, repropondo para nós o caminho do livre e do justo.

No desterro, os ricos abandonam a noção de nação e migram para seus oligárquicos céus do cosmopolitanismo: os de tradição, para a Europa, os “novos ricos” para Miami, erguem fossos e pontes levadiças em seus condomínios de luxo. Os pobres, ah! Os pobres, estes migram para os infernos: para o anonimato do desemprego ou os sem nome do emprego precário, para as drogas e seus circuitos, para o sobre humano esforço pela sobrevida de cada dia.

E as classes médias o que fazem: elas vão ao limbo, sem identidade de Nação, sem futuro para os filhos, com a universidade cada vez mais restrita ou mais cara e os planos de saúde que faltam na hora mais crítica, com a humilhação de ser brasileiro, fugindo da bala perdida e evitando as zonas do “no man´s land” das cidades perigosas.

No governo Lula, o sertão não virou mar mas recomeçamos a construção interrompida da Nação. A nação democrática e republicana é, por sua própria natureza, a identidade e futuro das classes médias brasileiras. Vamos retornar ao limbo?

Estado do Bem-Estar Social
Na hora mais grave de sua história, os ingleses, na linguagem de seus liberais cívicos e trabalhistas, cunharam o lema do “Estado do Bem-Estar Social”. Este grito de civilização contrastava com o outro, da barbárie, vindo da Alemanha de Hitler, o Estado da guerra, da máquina de guerra nazista. “Sangue, suor e lágrimas”, os ingleses uniram a Nação e resistiram. Hoje, decerto, não há nenhum Hitler às portas do Brasil, mas quem ousaria negar que a barbárie da violência social ainda ronda o nosso cotidiano e, pode, se a linha vitoriosa nestas eleições for neoliberal, voltar a crescer?

Coube a Maria Lúcia Werneck Vianna falar, pela primeira vez entre nós, ainda no final dos anos oitenta, da americanização perversa de nossa vida social. “Escolas para ricos” segregadas de “escolas para pobres”; “saúde para ricos” e “saúde para pobres”; previdência privada e imprevidência para todos. Mas como dizia o Relatório Beveridge, fundador do sistema de Bem-Estar inglês, uma medicina só para pobres será sempre uma pobre medicina. No final dos anos noventa, já se falava entre nós das dinâmicas de apartação social, isto é, estávamos reproduzindo aqui no Brasil o sistema do apartheid vigente na África do Sul, só que com o estigma social da riqueza e da pobreza.

O Estado do Bem-Estar é, por natureza, o lugar do interesse público, do encontro necessário e possível entre trabalhadores e classes médias, entre os direitos do trabalho e os direitos da mulher, da educação pública e do SUS pleno, do emprego garantido e da previdência firmada, da economia do setor público e dos avanços da democracia.

Em um regime do Bem-Estar, as classes médias podem realizar, de modo universalista, seus interesses: a inclusão de miseráveis e pobres, que no Brasil quase equivalem a uma França inteira, gera uma plataforma de milhões de novos empregos para engenheiros, médicos, dentistas, psicólogos, advogados, comunicadores e economistas. A expansão das funções públicas do Estado gera uma profusão de concursos públicos. A recuperação dos bancos públicos produz uma pressão de baixa nos juros e o crédito para a compra de casas torna-se acessível; a retomada dos investimentos em ciência e tecnologia alenta as carreiras universitárias. Crescem as receitas do Estado, diminuem as dívidas públicas e as políticas sociais podem almejar metas de universalização. A violência social diminui claramente e os jovens de periferia entram, com passos firmes, no circuito da civilização, das artes e da educação, com suas próprias identidades. A reforma agrária e a agricultura familiar expandem e barateiam a produção de alimentos. A força da economia do setor público permite planejar e evitar a predação da natureza que nos ameaça.

Com uma dinâmica de Bem-Estar, cria-se uma infra-estrutura econômica propícia à retomada da moralidade pública, de desprivatização do Estado e de suas cadeias alentadoras de privilégios ou de rentismos. O interesse público passa se a base de uma vida política pública virtuosa.

O governo Lula deve ser reconhecido como o que mais fez até hoje na luta contra a corrupção: através do fortalecimento da Controladoria Geral da União (CGU), da multiplicação das operações da Polícia Federal, da criação de Corregedorias em todos os ministérios, da auditagem das verbas federais que vão para os municípios e estados, da garantia da independência do Ministério Público Federal, da punição aos corruptores, da transparência dos gastos públicos e do envio ao Congresso Nacional de novas leis de punição exemplares aos corruptos. Mas é evidente que , por seu caráter histórico e sistêmico, a corrupção exige medidas mais profundas, como a Reforma Política, e uma postura mais intransigente.

A voz da república

Com os ricos e grandes capitalistas e banqueiros e agro-business alinhados com Serra e pobres, sindicatos e sem-terra mais alinhados com Dilma, o segundo turno destas eleições presidenciais de 2010 será decidido pelo voto das classes médias.

Serra oferece a elas uma apologia virulenta de um sentimento contra a esquerda, contra as morais emancipatórias da mulher e um ressentimento de quem vê seus privilégios ameaçados, ao mesmo tempo, que satura os seus programas de televisão de pobres, tentando fugir à identidade de ser o candidato dos “bem... ricos”, como diz o refrão da campanha de Dilma.

O argumento moral que solda liberdade e justiça, o sentimento da identidade e orgulho de ser brasileiro e o rico mundo dos interesses públicos do Estado Bem-Estar Social constituem três grandes argumentos para o seu voto em Dilma.

Se Vinícius de Moraes estivesse presente entre nós, ele apenas aconselharia as classes médias brasileiras a ouvir a bela canção de Orfeu, que ele figurou como um menino negro no alto de uma favela brasileira.

O nobel da guerra para os Senhores do “Nobel da Paz”

Doménico Losurdo*no Diario.info
Doménico Losurdo 

“No século XX, foram os Estados Unidos o país que teve o maior número (…) [de] “Prémio Nobel da Paz”: Teodoro Roosevelt (para quem o único índio “bom” era o que estava morto), Kissinger (o protagonista do golpe de estado no Chile e da guerra no Vietname), Carter (o promotor do boicote dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980 e da proibição de exportação de trigo para a URSS, que tinha intervindo no Afeganistão contra os combatentes da liberdade muçulmanos), Obama (que, agora, recorreu a um monstruoso aparelho de guerra contra esses mesmos combatentes da liberdade, que entretanto passaram a terroristas).” A atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2010 a um “dissidente” chinês de quem muito poucas pessoas tinha ouvido falar, vem na esteira dos atribuídos a 4 “senhores da guerra” norte-americanos, e insere-se na intensa campanha em curso de “guerra comercial contra a China, brandida desta vez aberta e solenemente pelo Congresso dos Estados Unidos”.

Nas últimas semanas semanas tem-se assistido na Austrália a um debate aceso. Num ensaio publicado no Quartely Essay e já revelado em parte no Australian, Hugh White alertou contra inquietantes processos em curso: à ascensão da China, Washington responde com a tradicional política de contenção, reforçando de forma ameaçadora o seu potencial e as suas alianças militares; Pequim, por sua vez, não se deixa intimidar e “conter” facilmente; tudo isto pode provocar uma polarização de alianças opostas na Ásia e fazer surgir “um perigo real e crescente de guerra de grandes proporções ou mesmo de guerra nuclear”. O autor deste alerta não é um ilustre desconhecido: tem por detrás dele uma longa carreira de analista dos problemas de defesa e de política estrangeira, e de certa forma faz parte do establishment intelectual. Não é por acaso que a sua intervenção provocou um debate nacional, no qual também participou a primeira-ministra, Júlia Gillard, que reafirmou a necessidade da relação privilegiada com os EUA.
Mas os círculos radicais australianos foram muito mais longe: é necessário um empenho profundo numa Grande aliança dos democratas contra os déspotas de Pequim. Não há qualquer dúvida: a ideologia da guerra contra a China apoia-se numa ideologia já muito antiga que justifica e até festeja as agressões militares e as guerras do ocidente em nome da “democracia” e dos “direitos do homem”.
E eis que, neste momento, o “Prémio Nobel da Paz” é atribuído ao “dissidente” chinês Liu Xiaobo: um sentido de oportunidade perfeita, tanto mais perfeita se se pensar na ameaça de guerra comercial contra a China, brandida desta vez aberta e solenemente pelo Congresso dos Estados Unidos.
A China, o Irão e a Palestina
Entre os primeiros a regozijar-se com a escolha dos senhores de Oslo encontra-se Shirin Ebadi, que de imediato reforçou: “A China é um país que não só viola os direitos do homem como é também um país que apoia e sustenta numerosos outros regimes que os violam, como os que estão no poder no Sudão, na Birmânia, na Coreia do Norte, no Irão…”; além disso, é um país que é responsável por uma “grande exploração dos trabalhadores”. Portanto, é preciso boicotar “os produtos chineses” e “reduzir ao máximo as trocas económicas e comerciais com a China”. (Corriere della Sera de 9 de Outubro).
E mais uma vez: é clara a contribuição para a ideologia da guerra travada em nome da “democracia” e dos “direitos do homem” e está aberta a declaração de guerra comercial. Mas então, porque é que Shirin Ebadi recebeu em 2003 o “Prémio Nobel da Paz”? O prémio foi atribuído a uma mulher que tem uma visão maniqueísta das relações internacionais; na lista das violações dos direitos do homem não há lugar para Abou Ghraib e Guantánamo, para os complexos prisionais em que Israel encerra os palestinos em massa, para os bombardeamentos e guerras desencadeadas sob pretextos falsos e mentirosos, para o urânio empobrecido, para os embargos de tendência genocida impostos ao arrepio da esmagadora maioria dos membros da ONU e da comunidade internacional…
E no que se refere à “grande exploração dos trabalhadores” na China, Shirin Ebadi fala sem dúvida levianamente: no grande país asiático, centenas de milhões de homens e mulheres foram poupados à fome a que tinham sido condenados sobretudo pela agressão imperialista e pelo embargo decretado pelo ocidente; e ainda hoje podemos ler em todos os órgãos de imprensa que os salários dos trabalhadores estão a progredir a um ritmo bastante rápido. Em todo o caso, se o embargo contra Cuba prejudica exclusivamente os habitantes da ilha, um eventual embargo contra a China provocaria uma crise económica planetária, com consequências devastadoras até mesmo para as massas populares ocidentais, assim como o adeus aos direitos do homem (pelo menos os direitos económicos e sociais).
Não há qualquer dúvida: em 2003, aquela que recebeu o “Prémio Nobel da Paz” é uma ideóloga da guerra, medíocre e provinciana. Será que se quis recompensar uma activista que pretende defender a causa dos direitos do homem, pelo menos no interior do Irão, já que o não faz a nível internacional? Se fosse essa a intenção dos senhores de Oslo, deviam ter premiado Mohammed Mossadegh que, no início dos anos 50, se empenhou em construir um Irão democrático mas que, por ter tido a ousadia de nacionalizar a indústria petrolífera, foi derrubado por um golpe de estado organizado pela Grã-Bretanha e pelos EUA, esses países que hoje se armam em paladinos da “democracia” e “dos direitos do homem”. Ou então os senhores de Oslo podiam ter premiado qualquer corajoso oponente da feroz ditadura do Xá, apoiada pelos improváveis paladinos habituais da causa da “democracia” e “dos direitos do homem”.
Mas então, porque é que em 2003 o “Prémio Nobel da Paz” foi atribuído a Shirin Ebadi ? Nessa altura, enquanto que o interminável mártir povo palestino sofria mais um apertão, já se perfilava claramente a Cruzada contra o Irão. O reconhecimento atribuído a uma militante palestina teria sido um contributo real para a causa da tranquilidade e da paz no Próximo Oriente. Não há militantes palestinos “não violentos”? É difícil classificar Obama de “não violento”, o chefe de um país que se meteu em várias guerras e que, só por si, gasta em armamento tanto como o resto do mundo no seu conjunto. De resto, não faltam na Palestina os “não violentos”, e de resto são não violentos os militantes que chegam à Palestina vindos de todos os países para defender os seus habitantes duma violência avassaladora e que, por vezes, foram varridos pelos tanques ou pelos bulldozers do exército de ocupação. Mas os senhores de Oslo preferiram premiar uma militante que desde então não pára de atiçar o fogo da guerra, primeiro contra o Irão, e agora também contra a China.
Depois da consagração e da transfiguração de Liu Xiaobo, o presidente americano interveio imediatamente: exigiu a libertação imediata do “dissidente”. Mas porque é que, enquanto espera, não liberta os detidos sem processo de Guantánamo, ou pelo menos faz pressão para a libertação dos numerosos palestinos (por vezes ainda adolescentes) aprisionados por Israel, como a própria imprensa ocidental reconhece, em complexos prisioneiros horríveis?
Os senhores de Oslo, os EUA e a China
Com Obama, deparamo-nos com outro “Prémio Novel da Paz” de características igualmente singulares. Quando o recebeu, no ano passado, tinha acabado de declarar que tinha a intenção de reforçar a presença militar dos EUA e da NATO no Afeganistão e de dar um novo impulso às operações de guerra. Reconfortado pelo reconhecimento prestigiante que recebera em Oslo, foi fiel à sua palavra: hoje são muito mais numerosos do que na época de Bush, esses esquadrões da morte que do alto dos céus “eliminam” os “terroristas”, os “terroristas” potenciais e os suspeitos de “terrorismo”; e esses helicópteros e aviões sem piloto, que fazem o papel de esquadrões da morte, também devastam o Paquistão (com as numerosas vítimas “colaterais” que se seguem); a indignação popular é tão forte e disseminada que até mesmo os governantes de Cabul e Islamabad se sentem obrigados a protestar contra Washington. Mas Obama não se deixa impressionar: pode sempre exibir o seu “Prémio Nobel da Paz”!
Nos últimos dias, correu uma notícia que provoca calafrios: no Afeganistão, existem militares americanos que matam civis inocentes por divertimento, conservando depois partes dos corpos das vítimas como recordação de caça. A administração americana apressou-se a bloquear imediatamente a difusão de pormenores posteriores e principalmente de fotos: chocada, a opinião pública americana e internacional podia vir a fazer pressão para acabar com a guerra no Afeganistão; para poder continuar com ela, com essa guerra, e torná-la ainda mais dura, o “Prémio Nobel da Paz” preferiu assim infligir um golpe à liberdade da imprensa.
Mas podemos fazer aqui uma consideração de carácter geral. No século XX, foram os Estados Unidos o país que teve o maior número de grandes homens de estado coroados com o “Prémio Nobel da Paz”: Teodoro Roosevelt (para quem o único índio “bom” era o que estava morto), Kissinger (o protagonista do golpe de estado no Chile e da guerra no Vietname), Carter (o promotor do boicote dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980 e da proibição de exportação de trigo para a URSS, que tinha intervindo no Afeganistão contra os combatentes da liberdade muçulmanos), Obama (que, agora, recorreu a um monstruoso aparelho de guerra contra esses mesmos combatentes da liberdade, que entretanto passaram a terroristas). Vejamos, na vertente oposta, como é que se posicionam os senhores de Oslo no que se refere à China. Este país, que representa um quarto da humanidade, não se envolveu em nenhuma guerra nos últimos trinta anos e fomentou um desenvolvimento económico que, libertando da miséria e da fome centenas de milhões de homens e mulheres, lhes permitiu pelo menos aceder aos direitos económicos e sociais.
Pois bem, os senhores de Oslo não se dignaram ter em consideração esse país senão para atribuir três prémios a três “dissidentes”: em 1989 o “Prémio Nobel da Paz” é atribuído ao 14º Dalai Lama, que tinha abandonado a China já há trinta anos; em 2000 o Nobel da literatura é atribuído a Gao Xingjan, um escritor que a partir daí passou a ser cidadão francês; em 2010, o “Prémio Nobel da Paz” coroa um outro dissidente que, depois de ter vivido nos Estados Unidos e de ter ensinado na Universidade de Columbia, regressa à China “a toda a velocidade” (Marco Del Corona, no Corriere della Sera de 9 de Outubro) para participar na revolta (nada pacífica) na Praça Tienanmen. Ainda hoje, é assim que ele fala do seu povo: “Nós os chineses, tão brutais” (Ilaria Maria Sala, La Stampa, 9 de Outubro).
Assim, aos olhos dos senhores de Oslo, a causa da paz é representada por um país (EUA) que se considera investido da missão divina de guiar o mundo, que instalou e continua a instalar bases militares ameaçadoras em todos os cantos do planeta; quanto à China (que não possui nenhuma base militar no estrangeiro), uma civilização milenar que, depois do século de humilhações e de miséria impostas pelo imperialismo, está em vias de voltar ao seu antigo esplendor, quem representa a causa da paz (e da cultura) são apenas três “dissidentes” que aliás pouco têm a ver actualmente com o povo chinês e que vêem no ocidente o único farol que ilumina o mundo. Sem dúvida que vemos emergir aqui na política dos senhores de Oslo a antiga arrogância colonialista e imperialista.
Enquanto que na Austrália ressoam vozes inquietas sobre os perigos de guerra, em Oslo puxa-se o lustro a uma ideologia da guerra de funesta memória: as guerras do ópio foram festejadas por J.S. Mill como uma contribuição para a causa da “liberdade” do “comprador” e do vendedor (de ópio) e por Tocqueville como uma contribuição para a causa da luta contra o “imobilismo” chinês. As palavras de ordem agitadas hoje pela imprensa ocidental não são muito diferentes, uma imprensa que não se cansa de denunciar o despotismo oriental imóvel. É preciso registar: pode ser que sejam inspirados também por nobres intenções, mas, neste momento, com o seu comportamento concreto os senhores do “Prémio Nobel da Paz” só merecem o Nobel da guerra.

* Doménico Losurdo, filósofo e Professor da Universidade de Urbino, é amigo e colaborador de odiario.info
Tradução de Margarida Ferreira