segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O narcotráfico e o aumento da violência social no México


201210_mexico O Diário - [Andrés Ávila Armella, dirigente comunista mexicano] 

O tema que serve de título foi amplamente referido em diferentes meios de counicação: diários, revistas, programas de rádio e televisão, além de tema de debate entre servidores do Estado; no entanto, é pouco o que até agora nós o que estamos organizados na esquerda pudemos opinar.
 Talvez porque não consideremos que seja este o problema principal dos explorados do país, talvez porque este é um problema do qual nos consideramos alheios, ou até, por o assunto estar permanentemente no discurso oficial.
Mas neste momento é inegável que existe no nosso país uma situação na qual o narcotráfico e o aumento da violência social a ele ligada alcançaram um nível tal que é difícil continuar a eludir a discussão; mais, é importante que utilizemos as nossas próprias ferramentas analíticas para o explicar, e no meu caso farei uso da melhor ferramenta analítica que tenho, o marxismo.
Por outro lado, há que aclarar que escrevo este escrito como se fosse um ensaio porque considero que a informação jornalística sobre os cárceres da droga, as suas rivalidades, operações e composição não é confiável. Na maioria dos casos trata-se de relatórios e filtrações de carácter policial, rumores e frases dos próprios envolvidos que resultam, ao fim de contas, como confusos, contraditórios e enganadores.
O meu propósito será sublinhar alguns aspectos estruturais e essenciais para a compreensão do problema, prescindindo por agora da análise concreta do tão falado negócio.

Narcotráfico, um negócio essencialmente capitalista

Teremos de assumir que se as drogas, a sua produção, distribuição e consumo, contam com algumas peculiaridades diferentes de muitas outras mercadorias, é muito importante assumir que na generalidade a droga é uma mercadoria como qualquer outra, e que as leis que regem a acumulação de capital como resultado da sua produção são, na generalidade, as mesmas que regem o resto da economia capitalista.
A mercadoria droga, seja ela qual for, tem um valor de uso porque há milhões de pessoas que consideram que lhes serve para alguma coisa, para satisfazer o que eles consideram uma necessidade, e tem valor de troca porque para a sua produção se requer trabalho humano; quando falamos do negócio do narcotráfico referimo-nos à produção, distribuição e consumo das drogas ilegais, que se realiza sob formas capitalistas, pelo que fica excluído desta análise qualquer tipo de produção caseira ou destinada a consumo próprio, o que vamos tratar é a droga como mercadoria.
Assim, teremos que identificar que os elementos necessários para a aparição deste fenómeno são por um lado os proprietários de meios de produção necessários para a produção desta mercadoria, e por outro, os proletários que trabalham para os ditos proprietários a troco de um salário.
Como sabemos, praticamente todas as drogas que hoje são um negócio tão rentável, só são possíveis de obter a partir de um processo de trabalho, não se encontram em forma pura na natureza, é necessário reunir uma certa quantidade de matérias-primas, instrumentos de trabalho e maquinaria (mais, ou menos, rudimentar), para a sua produção. São trabalhadores assalariados os que através de diversos procedimentos combinam algumas substâncias e as embalam acrescentando um novo valor às mesmas. Naturalmente, os ditos trabalhadores não recebem o pagamento correspondente ao valor do seu trabalho, mas somente um salário pela venda da sua força de trabalho, pois de outra forma não haveria mais-valia nem este negócio poderia proporcionar o montante de lucros que propícia. Além dos operários da droga, cada empresário capitalista da droga emprega outras pessoas que realizarão um qualquer trabalho destinado às suas mercadorias: empregados de limpeza, distribuidores, empregados de transporte e, os mais notórios, empregados armados cuja finalidade é proteger a mercadoria, o dinheiro e fazer o que o patrão lhes mande e considere necessário para executar, amedrontar ou defender-se de alguém para realização da sua mercadoria. Além disso, são necessários empregados de confiança, cujo principal trabalho é intelectual, destinados à administração, contabilidade, engenharia, etc..
Com nas restantes empresas capitalistas os salários não são iguais para todos os empregados, o seu preço é determinado por um lado pelo valor da força de trabalho, e por outro pelas condições sociais de contratação da mesma, por exemplo a oferta e a procura laborais de determinado tipo de trabalho.
Partamos então do pressuposto lógico que um capitalista da droga é em princípio proprietário de uma quantidade de dinheiro D, com que comprará meios de produção Mp e Força de Trabalho, ft, para obter mais-valia Pv, uma mercadoria com valor incrementado M' e, finalmente, dinheiro incrementado, D'. Nem mais nem menos que a fórmula geral da acumulação capitalistas:
D - M Pv - M' - D'
Ora bem, o que é que leva um homem a investir o seu dinheiro em meios de produção e força de trabalho destinados a produzir droga? O mesmo que leva um qualquer capitalista a investir no que quer que seja, a sede de acumulação e de riqueza, e a possibilidade concreta de as obter neste negócio, pois de outra forma não o faria. Por outro lado podemos perguntar, o que é que leva uma pessoa a vender a sua força de trabalho a um capitalista da droga? O mesmo que o obriga a vendê-la a um qualquer capitalista, a necessidade de obter os meios de vida indispensáveis. Visto de maneira conjunta podemos dizer que num espaço de tempo e espaço, coincide o proprietário dos meios de produção da droga um homem juridicamente livre cujas capacidades de trabalho podem ser postas à disposição daquele. Esta coincidência flui por todo o país dado o alto índice de desemprego e do chamado trabalho informal; acontece que uma grande quantidade de pessoas não encontra onde vender a sua força de trabalho ou só consegue vendê-la por pequenos períodos de tempo, ou melhor, as condições em que a vende são insuficientes para a satisfação das suas necessidades.
O que foi dito anteriormente não significa que as condições de trabalho nas narco-empresas sejam boas, antes pelo contrário, implicam muitos riscos, obviamente não existe a possibilidade de contratação colectiva e, por isso, os trabalhadores não gozam de qualquer direito laboral nem sindical, talvez em alguns casos o salário seja melhor, mas este é inevitavelmente instável. Esta situação diz-nos da lamentável situação em que se encontra o proletariado mexicano, pelo que pode pensar-se que ser trabalhador de uma narco-empresa é comparativamente melhor que no resto da economia.
Na óptica do capitalista da droga o assunto é mais ou menos igual, se se investe num negócio é porque é rentável para esses capitalistas, seja a droga o seu principal investimento ou um secundário, o facto é que encontra no tráfico de droga uma oportunidade para a acumulação de capital, à qual não está disposto a renunciar por qualquer critério moral relacionado com as consequências do consumo da sua mercadoria; ao fim de contas, os capitalistas das empresas legais também não se detêm por critérios morais, mesmo que o seu negócio sejam as armas, as drogas legais, contaminantes ou qualquer outro produto com algum efeito nocivo para as pessoas, o meio ambiente ou a sociedade.
Os trabalhadores das narco-empresas podem ter adquirido alguns conhecimentos e habilitações necessários para o seu trabalho nas mesmas, mas no limite eles são formados tal como o restante proletariado em diferentes graus de conhecimentos gerais e diferentes tipos de especialização; naturalmente que uma narco-empresa emprega pessoas com experiência de empresas farmacêuticas e laboratórios, engenheiros, agrónomos, químicos, contabilistas, advogados, transportadores, etc.. E, particularmente no caso dos sicários e guardas, emprega pessoas formadas no manuseamento de armas tanto na polícia como no exército; assim como outros vendem a sua capacidade de trabalhar ao patrão, estes últimos vendem a sua capacidade de matar e instrução, muitas vezes financiada por todos os mexicanos, dado que somos nós quem financia o seu treino e experiência nas instituições policiais e militares. De que outra forma poderia trabalhar alguém que apenas está capacitado para disparar uma arma se esta é a sua capacidade de trabalhomais rentável?
Outro elemento que é indispensável ressaltar é que não há motivos razoáveis para pensar que os empresários da droga não são além disso empresários legais, nem muito menos para pensar que não há empresários originalmente legais que não estão a investir capital no negócio da droga. Embora com muita frequência os meios de comunicação recorrem a descrições fabuladas de narcotraficantes, caracterizando-os sempre como muito diferentes dos empresários legais, o facto é que apesar de existirem neste negócio personagens pitorescas e peculiares tal não significa minimamente que seja essa a generalidade. Os media também falam da infiltração do narco nas empresas legais, mas nunca escrevem nada sobre a infiltração das empresas legais no narco. Em geral, os grandes capitalistas costumam ter um grande investimento principal num qualquer ramo industrial ou comercial, mas ao mesmo tempo mantêm investimentos noutros ramos, ou melhor, fazem associações de capitalistas entre capitais oriundos de diferentes sectores.
Isto acontece sobretudo porque ao gerarem-se lucros na sua forma de dinheiro, nem sempre podem ser reinvestidos como capital no mesmo negócio, sobretudo quando as condições de mercado o limitam, pelo se torna necessário para o capitalista procurar outros negócios onde investir o seu capital. Portanto, não será de estranhar que um empresário legal que obtém lucros num qualquer negócio e cujo mercado se encontra já no limite, trate de evitar o decréscimo da sua quota de lucro colocando capital num ramo mais dinâmico da economia e no qual obtém lucros importantes. Quem ainda pense que os capitalistas têm uma moral escrupulosa dirá que, apesar de tudo, não seriam capazes de investir no negócio da droga, mas para os que amparados no marxismo pensam que não é a moral mas a sede de lucros o que motiva o capitalista a investir, parece-nos bem lógico que assim suceda.
É igualmente sabido que para elevar os lucros de uma empresa, neste caso de uma narco-empresa, é conveniente controlar a maior quantidade de cadeias produtivas relacionadas com ela e aí se expandir. É claro que para o negócio na droga não se utilizam apenas mercadorias ilegais, mas em geral utilizam-se muitas mercadorias legais, quer como meios de produção, matérias-primas, e factores de produção de diferente índole, pelo que necessariamente as narco-empresas estão ligadas e associadas com a economia legal e muitos níveis.
Convirá aos parceiros das narco-empresas que estas desapareçam? De modo algum, mas convém-lhes controlá-las.

O narco e a política

Lenine explicava que as relações políticas são, essencialmente, uma expressão condensada das relações económicas. Esta premissa ajudar-nos-á a compreender porque é que a vida política do país, e particularmente a política burguesa, aparece cada vez mais frequentemente nas mãos dos senhores da droga.
O poder político só por si não se mantém num Estado capitalista, ele é manobrado e determinado principalmente pela classe dominante, a burguesia.
Como pode observar-se, o poder da burguesia não se explica por definição legal, não que a constituição política do país o diga, mas é inevitável que sendo a burguesia quem detém o controlo da economia, é ela mesma quem esta em condições de controlar a política. A forma como a burguesia faz política é frequentemente de forma velada, e só nalguns casos o faz de forma clara, isto é, vale-se da burocracia política para se fazer representar nos órgãos do governo e nas diferentes instâncias do Estado. Poderíamos elaborar uma lista interminável de mecanismos de como isto se faz, que vão desde a formação ideológica até à chantagem e ao suborno. O caso mais típico é nos processos eleitorais, onde os partidos e candidatos necessitam de dinheiro para as suas campanhas e, logicamente, obtém maior financiamento quem consiga ser patrocinado pelo mais rico, enquanto, por sua vez, os empresários não oferecem o seu dinheiro, mas investem-no, pelo que por trás de cadafinanciamento privado existem necessariamente acordos de protecção e de facilidades que vão da política à economia e vice-versa. Por que é que então temos de estranhar que os empresários da droga se comportem como o resto da sua classe?
Assim, a ingerência dos capitalistas da droga na política é o resultado da sua posição económica, do controlo que têm sobre uma série de cadeias produtivas; desta forma, através das suas relações e posição política conseguem estabilizar a sua posição.
Assim podemos ver que a ingerência dos narco-empresários na política burguesa é mais forte onde são eles quem tem maior controlo sobre os processos produtivos e comerciais de uma região determinada, e menor onde o seu negócio não seja significativo para economia local, embora em todo o caso a política continue a ser controlada pelos capitalistas de sempre.
Por isso, a submissão dos políticos aos narco não é na essência um fenómeno diferente do da subordinação dos políticos à burguesia, é antes o mesmo fenómeno; é uma condicionante da política burguesa e de como se faz política dentro de um Estado burguês. A prática impõe-se a qualquer princípio político ou ético, e um político ganhador é o que sabe servir os seus amos, os capitalistas; não se trata de uma eleição nem de uma inclinação moral mas de uma coisa prática, se queres ganhar uma eleição e governar com apoio deves muito simplesmente manter-te aliado dos que são donos das condições materiais para o fazer, e numa região são os banqueiros, noutra os empresários de calçado, noutra os empresários da mineração e noutra os narco-empresários, e não existe aqui nenhuma diferença. Visto de outra forma: como poderia um presidente de câmara de um país capitalista como o México, inimizar-se com o dono da principal fábrica, loja e hotéis do município só porque é dono de um outro negócio que explica a existência destes?
Naturalmente estaria metido num beco sem saída. Na generalidade o narco-empresário nem sequer necessita de chegar à violência explícita para ter o presidente do município nas suas mãos, pois a sua posição económica explica o porquê da sua capacidade de exercer a violência.
Com isto não estou a desculpar nenhum eleito pelos seus actos de corrupção, mas a estabelecer que a corrupção é inerente à política burguesa porque disfarça permanentemente os interesses privados, fazendo-os passar por públicos, ou dito de outra maneira, não há diferença substancial entre quem governa em nome de um país para favorecer os interesses dos banqueiros norte-americanos ou das grandes transnacionais e quem governa em nome do povo para favorecer os narco-empresários. Na realidade, todos estes políticos são talhados da mesma peça, e quem está disposto a vender-se aos interesses do capital estrangeiro ou dos banqueiros, logicamente estará disposto a vender-se aos interesses do narco-capital e vice-versa. Poderá perguntar-se, e se houver alguém que não estiver disposto? Simples e simplesmente não está inserido na política burguesa, seja por cepticismo, por consciência de classe, ou porque foi violentamente afastado dela.
O papel da violênciaPoder económico e violência são dois factores que ao longo da história têm caminhado a par, não é privativo do narcotráfico nem tampouco é privativo da sociedade burguesa, ainda que certamente adquira características particulares a que faremos referência.
A burguesia valeu-se da violência em grande e pequena escala para estender e preservar o seu domínio, e fá-lo geralmente através do Estado burguês, através do seu aparelho repressivo assegura-se de que ninguém se interpõe no seu caminho de acumulação e quem o tentar é violentado por diversas formas. Desde o seu início, o capitalismo avançou violentamente sobre civilizações inteiras, açambarcando territórios, rotas comerciais, recursos naturais, despojando comunidades agrárias, encontrando as condições necessárias para que os donos dos meios de produção tivessem à sua disposição homens com capacidade de venda da sua força de trabalho. A barbárie, a morte e a destruição que o capitalismo deixou na sua passagem não é nada inferior à praticada pelos cartéis da droga, diria mesmo que esta é o reflexo daquela.
A peculiaridade da violência exercida pelas narco-empresas é que esta realiza-se fora do da formalidade estabelecida pela normatividade burguesa, pois, ao não ser reconhecida a sua existência jurídica, as narco-empresas não podem regular as relações entre elas nem com os outros através dos tribunais e outras instâncias de «execução da justiça», pelo que praticam a violência por conta própria, através dos mecanismos que têm ao seu alcance. Assim, a execução, ainda que não seja o único mecanismo por eles utilizado, é por excelência o modo como os narco-empresários dirimem os conflitos entre eles e dentro da sua própria empresa.
Este é um elemento que tem estado presente desde o início do negócio, tal como acontece no contrabando em geral mesmo antes de se movimentar os actuais montantes de dinheiro e de capital à sua volta, presente desde que o narcotráfico se apresentava apenas em pequenos bandos de contrabandistas que, por exemplo, passavam marijuana para os Estados Unidos nos guarda-lamas dos carros, como diz a lenda.
Mas esta violência a que nos referimos é também uma violência de classe, é a violência burguesa, pois o seu uso está reservado às pessoas explicitamente autorizadas pelos narco-empresários; não corresponde a uma decisão individual dos seus empregados decidir quando deve ser empregue, mas são os próprios donos quem a instrumenta e dirige, tendo na maioria das vezes por vítimas os próprios empregados, e o seu móbil é facilitar o processo de acumulação de capital. É certo que podemos encontrar casos em que influem factores pessoais e de outra natureza, mas a generalidade da violência praticada pelos cartéis da droga tem como finalidade apoiar objectivos capitalistas, isto é, desfazerem-se dos que criam obstáculos ao processo de acumulação.
De igual modo, temos de dizer que o aumento da capacidade de exercício da violência dos narco-empresários se deve principalmente ao aumento do seu poder económico e à extensão da sua influência económica. É difícil saber se são agora mais violentos do que o eram antes, o que é certo é que o aumento da sua capacidade económica aumentou a sua capacidade de exercício da violência, ou dito de outra maneira, a sua capacidade e exercício da violência aumenta ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo do seu capital.
Para os que nunca foram burgueses custa compreender por que razão os narco-empresários, se já têm tanto dinheiro e poder, se agarram ferreamente e desta maneira a arrebatar aos outros narco-empresários o seu negócio. Não poderiam conformar-se com o que têm e andarem em paz uns com os outros?
Mas a paz e a guerra fazem parte de um todo, e quanto menos espaços livres de narcotráfico por conquistar houver, mais crescerá a rivalidade e a violência entre os blocos ou grupos rivais, porque a consciência capitalista caracteriza-se precisamente por procurar sempre mais. Além disso, a tendência geral do capital é para a sua concentração e centralização e o negócio da droga não é excepção à regra. De igual modo, a tendência monopolista do capital conduz ao confronto violento entre os blocos de capitalistas. Se isto aconteceu à escala mundial, não tem nada de estranho que também suceda neste caso.
Mas é possível a paz entre os bandos de narcotraficantes? É-o tanto quanto é possível a paz entre os blocos capitalistas a nível mundial, só transitoriamente, e quando um bloco eminentemente dominante consegue agrupar à sua volta os demais e estes reconhecem a supremacia daquele; tal como as potencias capitalistas reconheceram a primazia dos Estados Unidos, de tal forma que a violência se encontra em estado latente e as expressões mais sanguinárias são contra grupos ou Estados mais pequenos, com menos poder e cuja capacidade militar é completamente díspar. Assim, pode chegar uma situação em que uma qualquer aliança de narco-empresários hegemonizem os restantes e só utilizem a violência de forma mais isolada contra pequenos grupos que se recusem a aceitá-los, ou até que se forme um novo bloco capaz de disputar a hegemonia.
Até aqui está claro que a violência foi um instrumento historicamente utilizado pela burguesia para reprimir todos os que se interpuseram entre eles e o seu objectivo máximo; a acumulação de capital é exercida por cada capitalista com os meios e os métodos que tem ao seu alcance; os narco-empresários desenvolveram os seus próprios métodos de exercício da violência. Mas, o que é que se passa com as expressões aparentemente irracionais de violência a que temos assistido nos últimos anos?
Também aqui podemos tropeçar com a armadilha colocada pelos aparelhos ideológicos do Estado, que nos têm dito que as referidas expressões irracionais de violência provêm do que chamam «o crime organizado». Será verdade? Do meu ponto de vista a dúvida é legítima, pois se é certo que há expressões violentas que parecem estar relacionadas com ajustes de contas, disputas de mercados, etc., existem outros acontecimentos que não se enquadram nesta suposição.
Um exemplo muito importante foi o que aconteceu durante a celebração do grito de independência, em 15 de Setembro de 2008, na cidade de Morelia Michoacán, quando rebentaram duas granadas no meio da população que assistia à comemoração. O governo atribuiu imediatamente as culpas do facto às organizações de narcotraficantes, e ordenou o aumento da presença do militar no Estado, fazendo barreiras indiscriminadamente, e fazendo o patrulhamento de estradas, aldeias e cidades por uma imensidão de militares.
Não se tendo resolvido nada, levantam-se algumas questões. Que ganhará uma narco-empresa em fazer explodir duas granadas numa praça pública onde não há qualquer objectivo lógico para acrescentar o seu capital? Quem é que beneficiou com este acontecimento?
O incidente foi precedido de dois anos de constante incentivo do governo de Calderón ao exército, que foi tirado dos quartéis para o desempenho de funções próprias da polícia. Desde que chegou ao poder, Filipe Calderón procurou no exército o seu principal apoio, e encarregou-se de o trazer para as ruas, aumentou o seu orçamento e elevou-o à única instituição honesta e com capacidade para garantir a segurança dos mexicanos. Se compreendermos que o exército é o pilar dos aparelhos repressivos do Estado, e que a sua principal função tem sido a de zelar pelos interesses da burguesia, não estranharemos que um presidente tão impopular, que ganhou a presidência em eleições fraudulentas e acelerou no seu governo a tomada de medidas antipopulares, tenha procurado o apoio seguro do exército.
Assim, as expressões irracionais de violência não vieram apenas do «crime organizado», mas também vieram do próprio exército e dos corpos de polícia que se dedicaram à violação sistemática das garantias individuais e que chegaram, inclusive, a balear famílias inteiras por supostamente não terem respeitado uma ordem de «alto» numa qualquer barreira.
Mas voltemos ao que aconteceu em Morelia. Foi lógico? Na perspectiva de quem? Seja dito que em alguns momentos a violência é exercida pela burguesia com o objectivo de daí tirar benefícios individuais, mas às vezes ela exerce a violência como classe organizada para o seu favorecimento geral. De uma forma ou doutra, directamente a violência não gera valor nem mais-valia, mas pode servir para favorecer o surgimento de condições de acumulação de capital.
Assim, quando a burguesia como classe organizada utiliza a violência, esta aparece sob a forma de violência pública, e quando o faz por sua conta aparece como violência privada. Na primeira sai beneficiada a classe capitalista em geral, e a segunda só quem a exerceu. Em geral, a violência pública é um assunto de Estado como também o é a administração e regulação da violência privada. O que aconteceu em Morelia foi um acto de violência pública porque beneficiou o Estado, e portanto a classe dominante em geral, pelo que é difícil pensar que se tratou de um exercício privado da violência.
No entanto, não nos encontramos em condições de fazer uma peritagem ou uma investigação que possa descobrir o que realmente aconteceu naquele dia, mas podemos saber quem saiu beneficiado com ele: o Estado, o governo de Calderón, o exército e o bloco hegemónico da classe dominante.
Referi o caso das granadas em Morelia pelo seu significativo resultado, mas ao mesmo tempo podemos falar do desenvolvimento e protagonismo dos grupos de sicários, supostamente ao serviço das narco-empresas. Aqui, o curioso é que muitas das suas operações também não parecem corresponder com o exercício da violência privada, isto é parecem não ter como objectivo conquistar um mercado, acertar contas, desfazer-se de um rival, etc. – refiro-me à execução de pessoas que nada têm a ver com o negócio, intimidações, extorsões, assassínios de artistas, etc. Para quê tanta violência? Será verdade que estes grupos de sicários são guardas privados de alguma narco-empresa?
O que os media dizem não é suficiente para acreditar nisso.
A história recente da América Latina mostra-nos uma possibilidade. Nalgumas ocasiões as narco-empresas criam guardas privadas para exercer a violência, que para eles é dispendiosa mas de alguma forma é lucrativa; mas por vezes, também acontece as narco-empresas terem necessidade de financiar grupos de sicários e, neste caso, os sicários não são um instrumento do narcotráfico mas um objectivo. Isto é, o Estado precisa de um certo tipo de violência para favorecimento da classe dominante, mas como não pode financiá-los nem lhes pode dar abertamente cobertura, permite que esse grupo, treinado e patrocinado por eles, se auto-financie através de todas as facilidades que lhe dá para o negócio da droga. Isto aconteceu, por exemplo com os «contra» na Nicarágua e acontece com os grupos paramilitares na Colômbia, como as tristemente célebres Autodefesas Unidas da Colômbia. O objectivo destes grupos não é propriamente traficar droga, mas o narconegócio permite-lhes
exercer a violência política, que é principalmente dirigida ao combate das organizações e posições opostas aos desígnios do capital; no caso dos contras, o combate era contra o governo sandinista e no caso do paramilitarismo colombiano para conter a insurreição com a repressão indiscriminada e irracional não só contra as bases de apoio tanto das FARC-EP como do ELN, mas também das organizações sociais, líderes sindicais e opositores em geral.
No México estes grupos de sicários não se fizeram notar como grupos anti-insurreccionais, embora se saiba que alguns estão treinados para isso, mas também não estamos livres, de sicários que se reivindiquem como parte de uma organização de sicários ou de «narcotraficantes», e tenham ameaçado ou de alguma maneira violentado lutadores sociais. Um caso conhecido foi, por exemplo, o assassínio do comandante «Ramiro» do ERPI que, antes de ser executado, advertiu que estavam a ser fustigados por este tipo de grupos na região de «Tierra Caliente» do Estado de Guerrero.
Se por ora não podemos assegurar que estes grupos de sicários têm como principal função a contra-insurreição, podemos no entanto dizer que é muito provável que estejam em última instância destinados a isso, e também podemos assegurar que o seu comportamento teve como principal beneficiário o governo Calderón e instituições repressivas como o exército.

Conclusões

• O narcotráfico tem em comum com o resto da economia capitalista as suas características essenciais: a procura insaciável de lucro possibilitada pela mais-valia; carentes de ética, não têm qualquer problema com os efeitos nocivos relacionados com o consumo da sua mercadoria e estão dispostos ao que quer que seja para preservar e reproduzir a sua capacidade de acumulação de capital.
• O narcotráfico tem como particularidade a ilegalidade da sua actividade, portanto, as instituições do Estado, pelo menos formalmente, declaram-se sem competência para regular a relação entre os narco-empresários e os seus empregados, bem como a relação entre as narco-empresas, pelo que a dita regulação se faz sobretudo de forma privada. Por isso a violência privada exercida pelas narco-empresas tem um papel particularmentesignificativo.
• Diferenciar a economia do narcotráfico da economia legal torna-se cada vez mais difícil pela quantidade de capital que se movimenta no narcotráfico e a sua relação com a economia legal.
•Os narco-empresários estão cada vez mais integrados na burguesia como classe, isto é, cada vez é mais frequente que o seu comportamento e as suas acções sejam dirigidos ao favorecimento da classe capitalista em geral e não só a uma parte dela em particular.
• Pelas razões que foram ditas cresceu a capacidade das narco-empresas de fazer política, com incidência na política burguesa, estando a sua capacidade de acumular capital relacionada com a de fazer política.
• A violência privada exercida pelas narco-empresas favoreceu um clima de aumento da violência social, pública e privada na sociedade mexicana, o que veio complicar muito os problemas da sociedade mexicana em geral, afectando principalmente os mais pobres e beneficiando unicamente os senhores do capital.
• Este clima de violência abre e favorece a oportunidade de o Estado burguês mexicano se dotar dos instrumentos violentos de repressão da organização popular.
• Não há qualquer razão para pensar que o referido fenómeno abrande, antes pelo contrário, cada vez mais assume traços mais preocupantes. Para que se desse a sua diminuição seria necessário que desaparecessem as condições que levaram ao seu aparecimento e reprodução, pelo que teriam que desaparecer as condições que permitem a produção, distribuição e consumo da droga. E longe de estar interessado nisso, o Estado mexicano apenas trata de se aproveitar deste tema para fortalecer as suas posições no bloco hegemónico da burguesia mexicana.

Somos as mundanças que queremos no planeta


Leonardo Boff no Alaianet

Esta frase que parece arrogante é, na verdade, o testemunho do que significa o projeto “Cultivando Agua Boa” implementado pela grande hidrelétrica Itaipu Binacional nos limites entre o Brasil e o Paraguai envolvendo cerca de um milhão de pessoas. Os diretores da empresa – Jorge Samek e Nelton Friedrich – com suas equipes sabiamente entenderam o desafio global que nos vem do aquecimento global e resolveram dar uma resposta local, o mais inclusiva e holística possível. Esta se mostrou tão bem sucedida que fez-se uma referência internacional.

Seus diretores-inspiradores dizem-no claramente: ”A hidrelétrica Itaipu adotou para si o papel de indutora de um verdadeiro movimento cultural rumo à sustentabilidade, articulando, compartilhando, somando esforços com os diversos atores da Bacia Paraná 3 em torno de uma série de programas e projetos interconectados de forma sistêmica e holística e que compõem o Cultivando Agua Boa; eles foram criados à luz de documentos planetários como a Carta da Terra, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, a Agenda 21 e os Objetivos do Milênio”.

Operaram, o que é extremamente difícil, uma verdadeira revolução cultural, vale dizer, introduziram um complexo de princípios, valores, hábitos, estilos de educação, formas de relacionamento com a sociedade e com a natureza, modos de produção e de consumo que justifica o lema, escrito em todas as camisetas dos quatro mil participantes do último grande encontro em meados de novembro:”somos as mudanças que queremos no planeta”.

Com efeito, a gravidade da crise do sistema-vida e do sitema-Terra é de tal magnitude que não bastam mais as iniciativas dos Estados, geralmente, tardias e pouco eficazes. A Humanidade inteira, todos os saberes, as instâncias sociais e as pessoas individuais, devem dar a sua contribição e tomar o destino comum em suas mãos. Caso contrário, dificilmente, sobreviveremos coletivamente.

Christian de Duve, prêmio Nobel de Fisiologia de 1974, nos adverte em seu conhecido livro “Poeira Vital: a vida como imperativo cósmico”(1997) que “nosso tempo lembra uma daquelas importantes rupturas na evolução, assinaladas por extinções em massa”. Efetivamente, o ser humano tornou-se uma força geofísica destruidora. Outrora eram os meteoros rasantes que ameaçavam a Terra, hoje o meteoro rasante davastador se chama o ser humano sapiens e demens, duplamente demens.
Dai a importância de “Cultivando Agua Boa”: mostrar que a tragédia não é fatal. Podemos operar as mudanças que vão desde a organização de centenas de cursos de educação ambiental e capacitação, do surgimento de uma consciência coletiva de corresponsabilidade e cuidado pelo ambiente, da gestão compartilhda das bacias hidrográficas, de incentivo à agricultura familiar, da criação de um refúgio biológico  de espécies regionais, de corredores de biodiversidade unindo várias reservas florestais, de mais de 800 km de cercas de proteção das matas ciliares, do resgate de todos os rios, do cultivo de plantas medicinais, da geração de energia mediante os dejetos de suinos e aves, da construção de um canal de 10 km para vencer um desnível de 120 metros e permitir a passagem de peixes de piracema até a criação de um Centro Tecnológico, Centro de Saberes e Cuidados Ambientais e da Universidade da Integração Latino-Americana entre outras não citadas aquí.

A sustentabilidade, o cuidado e a participação/cooperação  da sociedade civil são as pilastras que sustentam este projeto. A sustentabilidade introduz uma racionalidade responsável pelo uso solidário dos recursos escassos. O cuidado funda uma ética de relação respeitosa para com a natureza, curando feridas passadas e evitando futuras e a participação da sociedade cria o sujeito coletivo que implementa todas as iniciativas. Tais valores são sempre revisados e pactados. O resultado final é a emergência de um tipo novo de sociedade, integrada com o ambiente, com uma cultura da valorização de toda a vida, com uma produção limpa e dentro dos limites do ecossistema e com profunda solidariedade entre todos. Uma aura espiritual benfazeja perpassa os encontros como se todos se sentissem um só coração e uma só alma.

Não é assim que começa o resgate da natureza e o nascimento  de um novo paradigma de civilização?
 
- Leonardo Boff é Teólogo

Por que as guerras não são relatadas honestamente?

- O público precisa saber a verdade acerca das guerras. Então porque há jornalistas que cooperam com governos para ludibriar-nos?

por John Pilger
 
No manual do US Army sobre contra-insurgência, o general David Petraeus descreve o Afeganistão como uma "guerra de percepção ... conduzida continuamente com a utilização dos novos media". O que realmente importa não é tanto as batalhas do dia-a-dia contra o Taliban e sim o modo como o caso é vendido na América onde "os media influenciam directamente a atitude de audiências chave". Ao ler isto, recordei-me do general venezuelano que dirigiu um golpe contra o governo democrático em 2002. "Tínhamos uma arma secreta", jactou-se. "Tínhamos os media, especialmente a TV. Temos de ter os media".

Nunca tanta energia oficial foi gasta para assegurar a conivência de jornalistas com os feitores de guerras de rapina as quais, dizem os generais amigos dos media, agora são "perpétuas". Ao reflectir os mais prolixos senhores da guerra, tais como o waterboarding [*] Dick Cheney, ex-vice-presidente dos EUA, o qual previu "50 anos de guerra", eles planeiam um estado de conflito permanente inteiramente dependente da manutenção à distância de um inimigo cujo nome não ousam dizer: o público.

Em Chicksands, Bedfordshire, o estabelecimento da guerra psicológica (Psyops) do Ministério da Defesa , treinadores de media dedicam-se à tarefa, imersos num mundo de jargões como "dominância de informação", "ameaças assimétricas" e "ciber-ameaças". Eles partilham instalações com aqueles que ensinam os métodos que levaram a uma investigação pública quanto à tortura militar britânica no Iraque. A desinformação e a barbárie da guerra colonial tem muito em comum.

É claro que apenas o jargão é novo. Na sequência de abertura do meu filme, A guerra que você não vê (The War You Don't See), , há uma referência a uma conversação privada pré-WikiLeaks, de Dezembro de 1917, entre David Lloyd George, primeiro-ministro britânico durante grande parte da primeira guerra mundial, e C.P. Scott, editor do Manchester Guardian. "Se o povo realmente soubesse a verdade", dizia o primeiro-ministro, "a guerra cessaria amanhã. Mas naturalmente não sabem, e não podem saber".

Na sequência desta "guerra para acabar com todas as guerras", Edward Bernays , um confidente do presidente Woodrow Wilson , cunhou a expressão "relações públicas" como um eufemismo para propaganda "à qual ganhou má reputação durante a guerra". No seu livro, Propaganda (1928), Bernays descreveu as RP como "um governo invisível" o qual é o verdadeiro poder dominante no nosso país" graças à "inteligente manipulação das massas". Isto era alcançado por "realidades falsas" e a sua adopção pelos media (Um dos primeiros êxitos de Bernay foi persuadir as mulheres a fumarem em público. Ao associar o fumo à libertação das mulheres, ele conseguiu manchete que louvavam os cigarros como "tochas da liberdade".)

Comecei a entender isto quando era um jovem repórter durante a guerra americana no Vietname. Durante a minha primeira missão vi os resultados do bombardeamento de duas aldeias e da utilização do Napalm B , o qual continua a queimar debaixo da pela; muitas das vítimas eram crianças; árvores eram engrinaldadas com pedaços de corpos. O lamento de que "estas tragédias inevitáveis acontecem em guerras" não explicava porque virtualmente toda a população do Vietname do Sul estava em grave risco diante das forças do seu declarado "aliado", os Estados Unidos. Expressões de RP como "pacificação" e "dano colateral" tornaram-se moeda corrente. Quase nenhum repórter utilizava a palavra "invasão". "Emaranhamento" e depois "atoleiro" tornaram-se correntes num novo vocabulário que reconhecia a matança de civis meramente como erros trágicos e raramente questionavam as boas intenções dos invasores.

Nas paredes dos escritórios em Saigão das principais organizações americanas de notícias eram muitas vezes afixadas fotografias horrendas que nunca eram publicadas e raramente eram enviadas porque, diziam, "sensacionalizariam" a guerra ao inquietar leitores e visionadores e portanto não eram "objectivas". O massacre de My Lai em 1968 não foi relatado a partir do Vietname, embora um certo número de repórteres soubesse dele (e de outros atrocidades afins), mas por um freelancer nos EUA, Seymour Hersh . A capa da revista Newsweek denominou-o uma "tragédia americana", implicando que os invasores foram as vítimas: um tema de purgação entusiasticamente adoptado por Holliwood em filmes como O caçador (The Deer Hunter) e Platoon. . A guerra era imperfeita e trágica, mas a causa era essencialmente nobre. Além disso, foi "perdida" graças à irresponsabilidade de uma media hostil e não censurada.

Embora o oposto da verdade, tais falsas realidades tornaram-se as "lições" aprendidas pelos feitores das guerras actuais e por muita gente dos media. A seguir ao Vietname, jornalistas "incorporados" ("embedding") tornaram-se centrais para a política da guerra em ambos os lados do Atlântico. Com honrosas excepções, isto teve êxito, especialmente nos EUA. Em Março de 2002, uns 700 repórteres incorporados e equipes de filmagem acompanharam as forças invasoras americanas no Iraque. Observem os seus relatos excitados e é a libertação da Europa mais uma vez. O povo iraquiano está distante, efémeros actores secundários; John Wayne ressuscitou.

. O apogeu foi a entrada vitoriosa em Bagdad e as imagens da TV de multidões a saudar a queda de uma estátua de Saddam Hussein. Por trás desta fachada, uma equipe americana de operações psicológicos (Psyops) manipulava com êxito o que um ignorado relatório do US Army descreve como um "circo dos media [com] quase tantos repórteres quanto iraquianos". Rageh Omaar , que estava ali pela BBC, informou no noticiário principal da noite: "O povo saiu saudando [os americanos], mostrando sinais em V. Isto é uma imagem que acontece por toda a capital iraquiana". De facto, na maior parte do Iraque, em grande parte não relatada, estava em marcha a conquista sangrenta e a destruição de toda uma sociedade.

Em The War You Don't See, Omaar fala com franqueza admirável. "Realmente não fiz o meu trabalho adequadamente", afirma ele. "Levanto a minha mão e afirmo que não pressionei os botões mais incómodos com força suficiente". Ele descreve como a propaganda militar britânico manipulou com êxito a cobertura da queda de Bassorá, a qual a BBC New 24 informou ter caído "17 vezes". Esta cobertura, afirma ele, foi "uma câmara de ressonância gigante".

A simples magnitude do sofrimento iraquiano na carnificina tem pouco espaço nos noticiários. De pé em frente à Downing Street nº 10, na noite da invasão, Andrew Marr , então editor político da BBC, declarou: "[Tony Blair] disse que seriam capazes de tomar Bagdad sem um banho de sangue e que no fim os iraquianos estariam a celebrar, e em ambas as afirmações ele demonstrou estar conclusivamente correcto..." Pedi uma entrevista a Marr, mas não recebi resposta. Estudos da cobertura televisiva feitos pela Universidade de Gales, Cardiff e Media Tenor , descobriram que a cobertura da BBC reflectia esmagadoramente a linha do governo e que informações do sofrimento de civis foram relegadas. A Media Tenor coloca a BBC e a CBS dos EUA entre os principais de meios de comunicação ocidentais que permitiram a invasão. "Estou perfeitamente aberto à acusação de que fomos ludibriados", disse Jeremy Paxman, ao falar no ano passado a um grupo de estudantes acerca das não-existentes armas de destruição em massa . "Nós o fomos claramente". Como um profissional altamente pago da comunicação, ele deixou de dizer porque foi ludibriado.

Dan Rather, que foi a âncora dos noticiários da CBS durante 24 anos, foi menos reticente. "Havia um medo em toda sala de redacção da América", contou-me, "um medo de perder o emprego ... o medo de lhe afixarem alguma etiqueta, impatriótica ou outra". Rather afirma que a guerra nos transformou em "estenógrafos" e que se jornalistas houvessem questionado os enganos que levaram à guerra do Iraque, ao invés de amplificá-los, a invasão não teria acontecido. Esta é uma visão não partilhada por um certo número de jornalistas sénior que entrevistei nos EUA.

Na Grã-Bretanha, David Rose, cujos artigos no Observer desempenharam um papel importantes ao ligar falsamente Saddam Hussein à al-Qaida e ao 11/Set, deu-me uma entrevista corajosa na qual afirmou: "Não posso dar desculpas ... O que aconteceu [no Iraque] foi um crime, um crime em escala muito grande ..."

"Será que isso torna os jornalistas cúmplices?", perguntei-lhe.

"Sim ... talvez inconscientes, mas sim".

Qual o valor de jornalistas que falam assim? A resposta é dada pelo grande repórter James Cameron , cuja corajosa e reveladora reportagem filmada, feita com Malcom Aird, do bombardeamento de civis no Vietname do Norte foi proibida pela BBC. "Se nós, cuja missão é descobrir o que os bastardos estão a tramar, não informarmos o que descobrimos, se não falarmos alto", disse-me ele, "quem é que vai travar toda essa guerra sangrenta acontecendo outra vez?"

Cameron não podia ter imaginado um fenómeno moderno tal como o WikiLeaks mas certamente teria aprovado. Na actual avalanche de documentos oficiais, especialmente aqueles que descrevem as maquinações secretas que levaram à guerra – tal como a mania americana sobre o Iraque – o fracasso do jornalismo raramente é notado. E talvez razão porque Julian Assange parece excitar tal hostilidade entre jornalistas que servem uma variedade de "lobbies", aqueles a quem o porta-voz de imprensa de George Bush certa vez chamou de "possibilitadores cúmplices", é que a WikiLeaks e o contar da verdade envergonha-os. Por que o público teve de esperar pelo WikiLeaks para descobrir como a grande potência realmente opera? Como revela um documento de 2000 páginas escapado do Ministério da Defesa, os jornalistas mais eficazes são aqueles encarados nas sedes do poder não como embebidos ou membros do clube, mas como um "ameaça". Isto é a ameaça da democracia real, cuja "moeda", disse Thomas Jefferson, é o "livre fluxo de informação".

No meu filme, perguntei a Assange como WikiLeaks trataria das draconianas leis secretas pelas quais é famosa a Grã-Bretanha. "Bem", disse ele, "quando olhamos para os documentos rotulados na Lei de Segredos Oficiais, vemos uma declaração de que é um delito reter informação e é um delito destruir a informação, de modo que a única resultante possível que temos de publicar a informação". Estes tempos são extraordinários.

[1] Waterboarding: Simulação de afogamento, método de tortura aprovado pelo vice-presidente Dick Cheney.

O original encontra-se em www.guardian.co.uk e em www.johnpilger.com

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 19 de dezembro de 2010

A comida não pode ser barata? Uma resposta cúmplice aponta a causa dessa injustiça


 

Por Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin no Sul21

“A sociedade tem de aceitar que a época da comida barata acabou.” Assim, o presidente da Farsul resumiu sua opinião sobre o preço da comida, na edição de sexta-feira, 17, do jornal Zero Hora.
Para quem ainda passa fome no Brasil, é difícil recordar quando, no passado, a comida foi barata. Em todo o caso, tratando aquela opinião de uma necessidade vital das pessoas, como é a de se alimentar, é conveniente analisar-se o dito no que ele pode revelar sobre as causas de uma injustiça social como essa, pois, pelo jeito, não temos saída e estamos condenados a aceitá-la.
Segundo essa maneira de pensar, cabe uma comparação. Entre o possível prejuízo que a fração de empresários representada pela tal liderança possa ter na venda do indispensável à vida das pessoas, e o que essas possam sofrer por não poderem pagar o que lhes mata a fome, quem não pode sair perdendo é o dono do capital (nem sempre identificado, em tudo, com o “produtor rural”, a economia familiar que o comprove), pois, em todo o contexto explicativo da entrevista, a “comida barata” aparece como prejuízo certo desse personagem.
Como o mercado, onde esse capital se alimenta de dinheiro e não de comida, é um ente abstrato, de humor desconhecido, refletido em expressões tão grandiloqüentes quanto aleatórias do tipo “crise da economia mundial”, “excesso de demanda”, “defesa da liberdade de iniciativa econômica”, “globalização”, as causas dos perversos efeitos da previsão feita pelo presidente da Farsul geralmente ficam isentas de qualquer investigação sancionatória, inclusive do ponto de vista jurídico. A “mão invisível” (Adam Smith) dos seus ciclos econômicos de crise, exploração da natureza e das gentes, trata de imunizá-lo.
Algumas mãos visíveis de defesa desse tipo de irresponsabilidade, todavia, podem ser identificadas, como prova a afirmação categórica do ministro da agricultura, publicada na mesma edição de ZH, segundo a qual “índices de produtividade é assunto encerrado.”
Ali aparece, novamente, o porque de se encerrar esse assunto: “Quem deve definir o que, como e quando o produtor brasileiro vai produzir é o mercado, a visão que ele tem de oportunidades de negócios, perspectivas de preço, demanda do mercado interno e internacional. Não pode ser um ato autoritário, de cima para baixo, dizendo que tem de produzir com tais índices de produtividade. Não é assim que se faz”.
Entre o que a sociedade, portanto, “tem de aceitar” como diz o presidente da Farsul, e a forma como essa aceitação deve ser feita (“assunto encerrado”, “não é assim que se faz”…), como diz o ministro da Agricultura, o Estado, a democracia, os Poderes Públicos, o ordenamento jurídico não têm que dar palpite nem se meter.
A lei e o direito, assim, não têm voz nenhuma aí. Quem deve mandar sobre o que deve se produzir “é o mercado”, “as oportunidades de negócios”, as “perspectivas de preços”, somente o dinheiro, em última análise. Poucas vezes se reconheceu, com tanta clareza e pelas vozes dos seus mais fiéis representes, onde se encontra, efetivamente, o “ato autoritário, de cima para baixo”, a que faz referência o ministro da agricultura. Ele desce do mercado e é indiscutível, fatal, como ato caracteristico de toda ditadura. A/o pobre faminta/o que se submeta a esse ente-ídolo capaz de ditar o que, como, quando e quanto ele deve comer. Não é por acaso, portanto, que acabe morrendo de fome. O Estado e a democracia prossigam fingindo terem o poder de garantir a vida e a liberdade do povo pobre.
Haja fome, então, para suportar uma opressão a esse nível. Ela comprova a maior contradição presente em todo o nosso sistema econômico. Justamente quando a produção rural conquista quantidades de alimento mais do que suficientes para alimentar o povo todo, o chamado “preço de mercado” cai a níveis tão baixos, que somente a retenção dessas quantidades consegue cobrir o custo da produção, seja o real, seja o inventado por quem sabe manipular dados a favor do seu lucro. Aí o Estado deixa de ser o vilão e passa a ser a solução…
Não é preciso ser economista para compreender onde tudo isso vai dar. Esse ar de fatalidade, no qual se inspiram as opiniões das referidas lideranças, não é igual ao do clima, corriqueiramente invocado em favor das alegadas dificuldades pelas quais passam os seus liderados. Que a freqüência desse repetido queixume já alcançou status de segunda natureza, isso não dá para negar, pois não há ano em que ele não repita o seu choro.
Quanto cinismo e hipocrisia se refletem, pois, quando o respeito à lei, especialmente a da segurança nacional, é invocado com veemência, por essas lideranças, sempre que o povo necessitado de casa e comida toma em suas próprias mãos a iniciativa de proclamar que o tal respeito só vale, de fato e materialmente, em favor de minorias historicamente protegidas por uma ideologia sem outras referências que não as da propriedade e as do mercado. Se o destinatário de algumas vantagens previstas em lei é a/o pobre, elas ignoram e desprezam a lei. Essa exige, por exemplo, o cumprimento da função sal da propriedade, “em prol do bem coletivo”, das “necessidades dos cidadãos”, da “erradicação da pobreza”, de “direitos humanos fundamentais”, expressões que não faltam na Constituição Federal, no Estatuto da Terra e no Estatuto da Cidade, entre outras regras jurídicas. Aí, o seu efeito material, concreto, é igual a zero, já que o mercado, pelo menos o refletido nas opiniões publicadas pela ZH, não precisa se preocupar com isso.
O direito à alimentação, por exemplo, somente entrou expressamente na Constituição em fevereiro deste ano (Emenda 64), como se a satisfação de uma necessidade vital como essa, de tão desrespeitada no país, tivesse necessidade de se proclamar em lei, para ser reconhecida como direito. Muito antes, os tratados internacionais que o Brasil assinou, como o dos direitos econômicos, sociais e culturais de 1966, já vinculavam o nosso país, inclusive, à reforma agrária capaz de, no mínimo, atenuar as danosas conseqüências da comida cara.
Os conceitos de “soberania alimentar” e de “segurança alimentar”, capazes de dar sustentação a direitos fundamentais de todo o povo, garantindo-lhe presidir o que plantar, colher, criar e abater, sem correr o risco da fome, pela falta de acesso à terra, devem inverter os sentidos das lições ditadas pelo presidente da Farsul e pelo ministro da Agricultura. O primeiro “tem de aceitar” e o segundo não pode “encerrar assunto” que envolva direitos como os que as suas opiniões desconsideram. O “realismo econômico” da comida cara, sem outro remédio, previsto por eles, se está sendo pelo menos mitigado nos seus danosos efeitos sociais, isso não se deveu ao mercado, lá erguido à panacéia dos nossos males, mas sim aos assentamentos gerados pela reforma agrária, pelo menos os que deram certo justamente por obedecer à outra lógica que não a exclusiva do mercado. Não foi este também que presidiu a política pública de implantação do Fome Zero e do Bolsa Família.
Se existem mais brasileiros saciados, hoje, não devem isso ao mercado. Felizmente, há uma outra economia em curso, familiar, solidária, cooperativa, diferente dessa que acumula na mão de poucos o que falta na mesa de muitos. É por isso que a reforma agrária, esses assentamentos e essas políticas públicas recebem críticas tão ácidas das lideranças latifundiárias e daquelas que, no exercício do Poder Público, lhes são fiéis. “Paternalismos oficiais”, “favelas rurais” costumam aparecer sustentando essas críticas. É que o ídolo ao pé do qual elas se ajoelham, rezam e acendem velas diárias de adoração, não aceita outra forma de produção, distribuição e partilha dos bens indispensáveis à vida das pessoas que não passe pelo seu poder de exclusão, medido de acordo com a capacidade de pagar que cada uma dessas tenha alcançado.
Aquela outra economia sabe que o dinheiro não se come, nem impõe um “ter de aceitar” ou um “assunto encerrado” prepotentes e anti-democráticos como os publicados pela ZH do dia 17. Os direitos e os interesses alheios não lhe são estranhos ou, até, hostis. O que ela mais deseja é a suficiência para todas/os e não somente para um pequeno grupo. Está a serviço de uma justiça social capaz de produzir comida e mesa fartas onde ninguém se assente constrangido pela dor de saber-se estranho à comum união.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Koyaanisqatsi

Estréia de Reggio como diretor e produtor, é o primeiro filme da trilogia Qatsi. O título é uma palavra da língua indígena Hopi e significa ‘vida desequilibrada’. Filmado entre 1975 e 1982, o filme mostra uma visão apocalíptica do choque entre dois mundos distintos – a vida pós-moderna, repleta de tecnologia contra o planeta Terra. A trilha sonora é de autoria de Philip Glass.
Screenshots



Gênero: Documentário / Música
Diretor: Godfrey Reggio
Duração: 96 minutos
Ano de Lançamento: 1982
País de Origem: Estados Unidos
Idioma do Áudio: Inglês
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0085809/
 
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: DivX
Vídeo Bitrate: 990 Kbps
Áudio Codec: Mp3
Áudio Bitrate: 128
Resolução: 608x336
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 23.976 FPS
Tamanho: 694 Mb
Legendas: No torrent


- Ganhador do Prêmio do Público no Festival de São Paulo (1984);

- Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim (1983);

- Além de outros quatro prêmios (Veja aqui!).

“O primeiro filme (Koyaanisqatsi) lida com aspectos da indústria tecnológica hipercinética do Hemisfério Norte. O segundo filme (Powaaqatsi) lida com culturas de moralidade, de tradição e da existência artesanal - culturas da simplicidade no Hemisfério Sul. E (Naqoyqatsi) é claro, completa a trilogia e lida com o momento globalizante que vivemos, onde computadores, a Internet, a tecnologia, se tornam alguma coisa que nós não mais usamos, mas algo que vivemos. O objetivo da trilogia, numa maneira limitada, foi mostrar um espelho da vida assim como ela é, numa via muito rápida.” (Godfrey Reggio, diretor, sobre a trilogia).

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Sionismo e anti-semitismo

O verdadeiro anti-semitismo (título original)

Por  Abdel Latif Hasan Abdel Latif, palestino, médico
Anti-semitismo é um termo inexato para descrever  a perseguição sofrida por judeus na Europa, em especial durante o século XIX.
O termo é inexato porque a maioria dos judeus na Europa são descendentes de convertidos aos judaísmo no século IX e X. e principalmente dos khazares.
Os Khazares constituíam  um império de tribos turcas na Ásia central e Rússia, que adotou o judaísmo como religião oficial do império, dando origem à população judaica na Europa oriental, em especial Rússia e Polônia.
A perseguição contra judeus na Europa foi motivada por  questões religiosas, políticas e  sobretudo econômicas.
A situação atual modificou-se de forma radical.
Os judeus gozam de situação privilegiada em termos econômicos, culturais e políticos.  Não  sofrem restrições  de acesso a postos importantes e cobiçados.
Hoje, são os palestinos, árabes e muçulmanos, as grandes vítimas da perseguição, discriminação e massacres nas mãos dos novos anti-semitas – os “sionistas” e  simpatizantes.
Enquanto muitos estudiosos questionam a origem semita dos atuais judeus, não há dúvida alguma de que os árabes (gênero)  e  os palestinos (espécie)  são povos semitas, que nunca abandonaram sua terra, muito menos sua história na região.
O Estado sionista não apenas ocupou a Palestina Histórica e expulsou a maioria do seu povo desde 1948, mas discrimina os palestinos que continuam vivendo em suas casas e terras no que é hoje conhecido como Israel.
Exemplo disso  é uma declaração recente feita por centenas de rabinos israelenses. O “decreto” religioso proíbe aluguel  ou venda de casas para cidadãos árabes que vivem em Israel e ameaça aqueles que violarem essa ordem de serem isolados “excomungados”  e   punidos.
Segundo a bula religiosa, “qualquer um que venda ou alugue casa para árabes causa grande prejuízo aos judeus, uma vez que os goym tem estilo de vida diferente  do nosso e o objetivo deles é nos prejudicar sempre”.
Até hoje, mais de trezentos rabinos influentes em Israel assinaram o decreto.
O chefe do movimento, rabino Shmuel Eliahu, da cidade de Safad, é conhecido por suas declarações e posições racistas contra a minoria palestina em Israel.
O que causou o movimento do rabino é a presença de alguns alunos árabes,  que estudam em uma faculdade local e são vítimas de agressões racistas diárias por parte  da comunidade judaica da cidade.
A solução encontrada pelos religiosos judeus é proibir os árabes de morar na cidade.
Vale lembrar que Safad é uma cidade palestina, construída pelos cananitas, há três mil anos e seu nome em aramaico significa Fortaleza. Situa-se  no litoral  norte da Galiléia.
No  século XVI, um pequeno grupo de judeus religiosos, fugindo da perseguição na Espanha e em Portugal, após a expulsão dos árabes  da Andaluzia, instalou-se na cidade. Eles viviam em harmonia e paz com os árabes-palestinos da cidade até  o início do século XX.
A chegada dos novos imigrantes sionistas, com a intenção de expulsar os nativos e criar um Estado exclusivo para os judeus em toda Palestina,  deu início a um novo capítulo na História da cidade e da região.
Safad foi ocupada no início de maio de 1948 por forças militares isarelenses, poucos dias antes da criação do Estado judeu.
Sua população árabe-palestina foi expulsa e suas casas foram destruídas. A população de várias aldeias circunvizinhas  foi massacrada, como por exemplo, as aldeias de Saasa, Ein Zeitun e várias outras localidades.
Nas ruínas dessas aldeias, os sionistas construíram fazendas para os imigrantes judeus recém-chegados, parques nacionais ou simplesmente deixaram a terra abandonada.
Safad, hoje, é uma cidade totalmente judaica. Os árabes nativos da região não apenas foram expulsos e proibidos de retornar a suas terras, mas são proibidos de comprar ou alugar casas  e terras na cidade.
Para os religiosos judeus, a proibição baseia-se  no Torah.  Dizem que no Torah está escrito que “Deus  deu a terra de Israel  ao povo de Israel. O mundo é tão grande e Israel tão pequena, mas todos a cobiçam. Isso é injusto”. São as palavras do rabino Yusef Sheinin, um dos líderes do movimento.
A “justiça” desse rabino é estranha. Ele prega não apenas expulsar um povo de sua pátria, mas discriminar a  minoria desse povo que ainda vive na sua terra.
O que o mundo não deve aceitar e permitir é  uma “justiça” desse naipe, que ainda usurpa o nome de Deus para encobrir práticas de ódio.
Outro rabino do assentamento Beit Il, dentro dos territórios palestinos ocupados desde 1967,   líder do movimento  Gush Emunin, Shlomo Aviner, declarou que “os árabes são 25% dos cidadãos de Israel e não devemos permitir que criem raízes aqui”.
Os palestinos não precisam criar raízes na terra, porque suas raízes são a própria terra. A cidade de Safad é exemplo disso: uma cidade cananita milenar, com nome aramaico (Aram = Síria) e alma árabe, onde viviam antes da invasão dos sionistas, muçulmanos e cristãos e judeus, em um mesmo espaço, com respeito e harmonia.
Os sionistas transformaram Safad em um gueto. Colonos,  que enfrentam dificuldades em criar laços com a terra e os povos onde vivem , falando de  raízes,  é  pura hipocrisia.
A bula dos rabinos de Israel mostra a crise que uma sociedade racista e colonialista enfrenta para se afirmar e auto-definir. O racismo, discriminação, expansionismo e militarismo são instrumentos indispensáveis não apenas para construir essas comunidades coloniais, como também para mantê-las.
A discussão sobre  o decreto religioso envolveu vários setores da sociedade israelense: religiosos e seculares, da esquerda e  da direita. Os rabinos ditos  moderados emitiram opinião que se mostrou tão racista  quanto à  dos extremistas.
Um dos rabinos considerados moderados, Haim Drucman, tentou amenizar os efeitos das declarações dos rabinos favoráveis aos pogroms contra os palestinos dentro de Israel.
Segundo Drucman, “é necessário diferenciar entre árabes leais ao Estado Judeu e árabes não confiáveis”. “Os primeiros devem ter direitos e devem ser tratados de forma diferente, mas os outros devem ser expulsos”.  O rabino não explicou como ser leal a um Estado,  que exclui e se  define como não seu, exclusivo de outro grupo.
A minoria árabe-palestina do Estado judeu (25%) é considerada uma ameaça, “a bomba demográfica” e a única solução, segundo muitos políticos sionistas é a expulsão dos palestinos.
Israel não é Estado de  todos os seus cidadãos, como qualquer outro Estado normal do mundo, mas Estado de uma parcela da população, cidadãos judeus. Os árabes em Israel são cidadãos de terceira categoria, tratados como estrangeiros na sua própria terra,  e  temem a toda hora  serem expulsos de suas casas.
O que Israel quer de fato é  a redefinição de conceitos humanos básicos, como liberdade, direitos humanos, cidadania, igualdade e fraternidade.
A ideologia sionista pode ser definida como nazi-sionista, uma vez que baseia-se nos mesmos fundamentos nazistas da pureza racial e mito da supremacia e separação total entre grupos  e etnias diferentes. O decreto do rabinato é irmão das leis de Nuremberg.
Em um artigo publicado no jornal Israel Hoje, em 13/12/2010, a jornalista Amona Alon, sugeriu que é obrigação de Israel mostrar ao mundo que a desigualdade não é discriminação, mas apenas reflexo de diferenças entre povos diferentes. Os brancos da África do Sul não foram tão longe.
Segundo a jornalista, as medidas tomadas por Israel,  para  forçar seu caráter de exclusividade judaica, são necessárias e justificáveis, mesmo contrariando os ideais liberais. O que a jornalista sugere é que os judeus em Israel tem direitos que os não judeus não  podem ter.  Fim da isonomia. Sua lógica é distorcida, racista, retrógrada e oportunistas, já que certamente se qualquer outro Estado tomasse essas medidas discriminatórias contra os seus cidadãos judeus, seria acusado de  crime, racismo, perseguição anti-semita.
Em resumo, a lógica israelense  se funda nas seguintes asserções:
1º Tenho direito de ser racista e o mundo deve  aceitar isso, porque é a  maneira  da minha auto-afirmação;
2º É direito meu praticar a discriminação contra os árabes cidadãos de Israel, porque  é  a única forma de manter o caráter de exclusividade judaica do Estado.
3º É meu direito viver em guerra permanente, já que é a garantia da minha existência, porque a paz  verdadeira  é justa e isso representa ameaça a meus privilégios.
4ª Matar e causar sofrimento é a única maneira encontrada por Israel para sobreviver, já que precisa subjugar a população nativa, para manter seus privilégios.
Isso não é lógica, isso é patológico!  Essas  anomalias e taras ameaçam o mundo!

Raízes da Música Popular Brasileira Vol. 11: Nélson Cavaquinho (2010)

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Créditos: UmQueTenha

Uma nova chance para a TVE do RS. Entrevista especial com Pedro Osório

Entrevista concedida ao site http://www.ihu.unisinos.br com Pedro Osório, futuro presidente da Fundação Cultural Piratini

“Creio que os governos dos últimos anos optaram por não investir em radiodifusão pública. Havia neste último governo um desejo manifesto de forma clara, algumas vezes; e outras, implícita de extinguir, inclusive, a Fundação Cultural Piratini”, descreve o professor Pedro Osório. Nomeado como o novo presidente da Fundação, que contempla a emissora pública de TV e rádio do Rio Grande do Sul, Osório pretende reorganizar o órgão de modo que a função pública seja realmente exercida pelos veículos. “Há, também, um quadro defasado. Muitas pessoas se aposentaram ou se afastaram e partiram para outras atividades. As condições materiais são muito ruins, tanto em relação a móveis quanto equipamentos. Mas especialmente o que mais preocupa é o quadro do desânimo dos funcionários pela forma com que eles vêm sendo tratados nos últimos anos, especialmente nesta última gestão”, explicou durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line.

Pedro Osório é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Maria. É especialista em Sociologia e mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e secretário geral do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações – FNDC/RS. É doutorando em Ciência Política pela UFRGS e, durante os últimos anos, atuou como presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini (gestora da TVE/RS).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você já tem um panorama das condições em que vai encontrar a Fundação Cultural Piratini quando iniciar na presidência?

Pedro Osório – Sim. Tenho um levantamento detalhado que foi feito pelos funcionários nas últimas semanas. Além disso, eu, até então, era presidente do conselho deliberativo da Fundação Cultural Piratini e, por isso, vinha acompanhando bem a situação que é muito ruim. É uma fundação que tem duas emissoras as quais, nos últimos oito anos, não tiveram qualquer investimento em equipamentos que estão defasados. A migração para o padrão digital não está em andamento, nenhuma providência significativa, aliás, foi tomada. Mesmo um transmissor que foi adquirido na época do governo Olívio Dutra não foi instalado até hoje por razões que não se sabe bem quais foram.

Há, também, um quadro defasado. Muitas pessoas se aposentaram ou se afastaram e partiram para outras atividades. As condições materiais são muito ruins, tanto em relação a móveis quanto equipamentos. Mas especialmente o que mais preocupa é o quadro do desânimo dos funcionários pela forma com que eles vêm sendo tratados nos últimos anos, especialmente nesta última gestão. É um cenário difícil, mas do qual eu tenho conhecimento pleno.

IHU On-Line – A que você atribui esse descaso que a Fundação Cultural Piratini sofreu nos últimos anos?

Pedro Osório – Creio que os governos dos últimos anos optaram por não investir em radiodifusão pública. Havia neste último governo um desejo manifesto de forma clara, algumas vezes; e outras, implícita de extinguir, inclusive, a Fundação Cultural Piratini. Ela era considerada um peso e uma despesa desnecessária, pois a comunicação poderia se dar apenas através dos meios privados. Atribuo isso também a determinadas dificuldades financeiras e de gestão. É, porém, evidente que os dois últimos governos não consideraram prioridade considerar emissoras que tenham um caráter público e que possam cumprir um papel diferente das emissoras de rádio e TV comerciais.

IHU On-Line – O que a TVE representa para o RS?

Pedro Osório – Há uma pesquisa que foi feita há pouco mais de um ano e meio por profissionais de propaganda e publicidade ligados ao conselho deliberativo que indica que os gaúchos, especialmente da área metropolitana, têm um carinho muito grande pela emissora. A Rádio também detém de uma admiração muito grande. Ainda assim, os índices de audiência são pequenos.

De modo geral, há manifestações de carinho e apreço que chegam a todo momento. Estou convencido de que o povo do Rio Grande do Sul tem uma grande consideração pelas duas emissoras. É sempre um motivo de satisfação quando um novo município consegue captar, receber e firmar o sinal da TVE. Ainda que a programação esteja muito precária, ela é diferenciada do que se encontra em outros ambientes comerciais.

IHU On-Line – Quais foram os caminhos percorridos dentro do PT até essa nomeação?

Pedro Osório – Eu sou filiado ao PT desde os anos 1980. Sempre militei nessa área de comunicação e estive vinculado ao sindicato, lidando com os embates no que se refere à democratização da comunicação. Depois integrei o primeiro governo da Administração Popular como coordenador de projeto especiais na área de comunicação. No segundo governo, quando Tarso Genro foi prefeito de Porto Alegre, eu fui secretário de comunicação. Para além dessa militância junto ao PT, sempre militei na minha atividade acadêmica e junto à sociedade civil, trabalhando pela democratização da comunicação integrando o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação ou o Instituto de Pesquisas em Comunicação, que no momento está desativado. Essa minha trajetória também veio me qualificando no decorrer desses anos para assumir essa função. Creio que o governador leva tudo isso em conta quando indica alguém para tal cargo.

IHU On-Line – O senhor pertence a alguma ala dentro do partido?

Pedro Osório – Sim, há muito tempo integro o PT Amplo e Democrático. O critério de escolha que tem sido adotado nesse governo está sendo muito relativizado. De forma que a escolha por mim tenha sido mesmo uma opção do governador que, evidentemente, sabe que tendência eu entrego.

IHU On-Line – O senhor continuará atuando na academia?

Pedro Osório – Espero continuar vinculado à Unisinos. Já conversei com o coordenador de jornalismo sobre isso. O serviço público viabiliza e estimula o exercício do magistério, desde que sem prejuízo para a atividade pública. Eu pretendo continuar lecionando, talvez diminuindo um pouco a carga horária, mas lecionar é fundamental para minha vida.

IHU On-Line – No RS, quais são os principais entraves para que se consolide uma democratização da comunicação?

Pedro Osório – Os impasses do RS são os mesmos do país com uma característica de que aqui há uma rede muito forte, que é a Rede Brasil Sul de Comunicações. Penso que se constituiu historicamente no Brasil um monopólio das comunicações com características muito próprias, resultantes de determinadas conjunturas e períodos históricos. Os meios de comunicação, em geral, são complemente avessos a qualquer tipo de crítica que se possa fazer, assim como são avessos a qualquer tipo de regulação. Quando falamos em regulação, não estamos falando em censura ou controle de conteúdo. Trata-se de estabelecer algumas ordens que permitam que esses meios de comunicação expressem ou recebam sinais da sociedade para que possam, da melhor forma possível, contribuir para a constituição de uma sociedade democrática e plural para o exercício da cidadania. Então, há uma desconfiança e resistência dos meios de comunicação para um debate sobre regulação.

Um exemplo: nos EUA, que é um país essencialmente capitalista, não existem redes como existem aqui. Não seria viável uma empresa que detivesse o maior jornal, a rádio e a TV de maior audiência. Isso, nos EUA, é proibido porque limita a pluralidade a participação social e impede a competição. Esses assuntos que estão em pauta a partir da Conferência Nacional de Comunicação e confio que aos poucos nós vamos avançando no sentido de democratizar mais a comunicação e estabelecer algumas normas. Isso não significa ser contra empresários ou estabelecer censura. Pelo contrário, significa trabalhar para que haja um número maior de veículos, fortalecer as emissoras municipais e por aí vai.

IHU On-Line – Quais são os problemas jurídicos que envolvem a Fundação Cultural Piratini hoje?

Pedro Osório – Não tenho conhecimento por inteiro. Não sei que tipo de ação trabalhista, por exemplo, que possam estar correndo lá. Problema jurídico no sentido específico da palavra não há. Há alguns ajustes que precisam ser feitos. Recentemente, uma decisão da Justiça do Trabalho determinou que não se utilize mais o cargo em comissão para funções que não sejam de chefia, assessoramento e direção. Portanto, a fundação não poderá contratar repórter ou apresentador em cargos em comissão, como fazia antes. Isso determinou a demissão de pouco mais de 20 pessoas. Muito provavelmente, a Justiça aprovará a contratação temporária até que se possa fazer um concurso, o que já está determinado.

IHU On-Line – O senhor já tem planos e ideias de novidades para a TVE e para a FM Cultura?

Pedro Osório – Naturalmente, temos já algumas ideias. Mas a nossa prioridade, no momento, dada a precariedade da programação e a demissão recente de um número significativo de pessoas que ocupavam cargos de confiança, nossa missão principal é manter as duas emissoras funcionando. A rádio, por exemplo, funciona basicamente no computador, pois não há funcionários para mantê-la no ar. Nos primeiros 60 dias é mantê-la funcionando, adequando à realidade que vamos encontrar lá que se tornou mais difícil nos últimos 30 dias. Se a gestão atual já vinha enfrentando muitas dificuldades por conta de recursos e opções que tomou, agora este quadro ficou mais difícil.

Nós devemos fazer um convênio com a Empresa Brasil de Comunicação, retransmitindo parte de sua programação de modo provisório e vamos começar a pensar numa televisão que tenha um caráter público sem ignorar que o Estado precisa se manifestar através desse tipo de emissora também. Não me parece sensato que o Estado recorra apenas à iniciativa privada para expressar as suas opiniões. Portanto, não imaginamos uma TV e um rádio no qual o RS e seus governantes não tenham voz. Evidentemente, não se trata de transformar essas emissoras em assessoria de imprensa do Estado. Longe disso. Queremos uma emissora cuja informação seja contrastada, precisa e plural. E no que diz respeito à formação, que muitas vezes fica esquecida, que possa ser recuperado como ferramenta educacional no sentido amplo e cultural, evitando sentidos degradantes. Precisamos de canais públicos que estejam atentos aos grandes desafios da humanidade.

Desemprego de 5,7% em novembro é o menor desde 2002

O número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado (10,4 milhões) em novembro de 2010 ficou estável na análise mensal
O número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado (10,4 milhões) em novembro de 2010 ficou estável na análise mensal
A taxa de desemprego no Brasil caiu para 5,7% em novembro, ante 6,1% em outubro, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira, no Rio, acrescentando que se trata do menor patamar da série histórica iniciada em março de 2002. Em relação a outubro (6,1%) a taxa de desocupação caiu 0,4 ponto percentual e, em relação a novembro de 2009 (7,4%), recuou 1,7 ponto percentual, informou ainda a instituição.
A população desocupada (1,359 milhão) atingiu seu menor número desde 2002, apresentando queda (-5,9%) em relação a outubro e também frente a novembro do ano passado: -20,7% ou 354 mil pessoas desocupadas a menos. A população ocupada (22,4 milhões) estável (0,2) em relação a outubro cresceu 3,7% (ou mais 795 mil postos de trabalho) no ano.
O número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado (10,4 milhões) em novembro de 2010 ficou estável na análise mensal e cresceu 8,7% na comparação anual (ou mais 839 mil postos de trabalho com carteira assinada).
O rendimento médio real dos trabalhadores (R$ 1.516,70) recuou (-0,8) no mês e cresceu 5,7% frente a novembro do ano passado. A massa de rendimento médio real habitual (R$ 34,4 bilhões) em novembro, teve queda (-0,6%) em relação a outubro e cresceu 9,6% em relação a novembro do ano passado. A massa de rendimento médio real efetivo (R$ 34,4 bilhões) estimada em outubro de 2010 ficou estável no mês e cresceu 10,4% no ano.

Decisão do Caso Araguaia não é de Corte de repúblicas bananeiras como imagina Jobim. As decisões da Corte Interamericana são vinculantes



Wálter Maierovitch *no Sul21


1. A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de condenar o Brasil. Isto por ter conferido — pela sua lei de autoanistia de (Lei n.6683, de 1979)–, um “bill de indenidade” aos responsáveis por assassinatos e desaparecimentos de 62 pessoas, entre 1972 e 1979, na região do Araguaia e em repressão a grupo de contraste à ditadura militar.
Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito dos estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que a aceitaram, como é o caso do Brasil.
O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Essa referida Corte é composta por sete juízes, eleitos e entre “nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos” (OEA).
Os seus juízes são eleitos a “título pessoal, dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos”.
Uma comparação. Por força da Convenção de Roma de 18 de julho de 1998 foi constituído o Tribunal Penal Internacional (TPI). Apenas sete (7) Estados membros da Organização das Nações Unidas, como por exemplo Estados Unidos, China, Israel e Índia, não aceitam a jurisdição do TPI.
Como consequência da não aceitação, os sete (7) Estados referidos estão fora da jurisdição do TPI. Portanto, o TPI, por falta de legitimação, não pode instaurar processos contra os sete (7) estados. Ainda que tenham sido consumados crimes de genocídio, de guerra, delitos contra a humanidade e crimes de agressões internacionais: esses crimes estão na competência do TPI.
O Brasil aceita a jurisdição internacional do TPI. Portanto, está sujeito à sua jurisdição. O mesmo acontece com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E a jurisdição internacional, ocorrida a aceitação pelo estado, prevalece sobre a nacional. É hierarquicamente superior. Por exemplo: num caso de genocídio consumado no Brasil e após a instalação do TPI (1998), uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de atipicidade ficará submetida, por força de hierarquia das normas, a entendimento contrário do TPI.
No caso de conflito entre a decisão nacional e a de Corte internacional competente, prevalecerá a internacional: o STF recentemente entendeu legítima a Lei de Anistia de 1979 (uma autoanistia preparada e imposta pelo ilegítimo governo militar). A Corte Interamericana, com relação ao Araguaia, entende diversamente. Assim, prevalece a decisão da Corte Interamericana. Sobre essa obviedade, já cansou de explicar o professor Fábio Conder Comparato.
Com efeito. A jurisdição internacional, da Corte Interamericana, é viculante e prevalente. Em outras palavras, vale a decisão da Corte Interamericana relativamente aos 62 desaparecidos do Araguaia.
–2. A Corte Europeia de Direitos Humanos, com sede na francesa cidade de Estrasburgo e instituída pela Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos Humanos, tem jurisdição vinculante em todos os Estados-membros da União Europeia.
Cesare Batisti, a propósito, foi a esse Corte Europeia para anular os processos condenatórios da Justiça italiana e confirmados pela mais alta corte de Justiça daquele país (Corte de Cassação da Itália).
Caso tivesse a Corte Europeia dado razão a Btaisti, as decisões da Corte de Cassação (que o Supremo Tribunal da Itália) estariam revogadas.
Como ensinam todos os juristas europeus, sem qualquer divergência e ao interpretarem a Convenção e a força imperativa das decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos, “ as sentenças da Corte Européia dos direitos do homem são diretamente vinculantes para os Estados membros da Convenção”.
–3. Para o ministro Nelson Jobim, a decisão da Corte Interamericana, no caso Araguaia, é política e não prevalece sobre o Supremo Tribunal Federal (STF).
Trata-se de um argumento de autoridade e nada mais. Não é jurídico. É um palpite, sem consistência jurídica mínima, de uma autoridade que responde, às vezes com uniforme militar, pelo ministério da Defesa.
O entendimento de Jobim demonstra total desconhecimento do que seja o alcance da jurisdição internacional.
Se Jobim, por exemplo, determinar, como ministro da Defesa, a invasão de comunidades indígenas para perpetração de genocídio, estará, ainda que o STF diga que não, sujeito à jurisdição do Tribunal Penal Internacional e poderá, até, ser preso preventivamente. Ficará, no exemplo dado e caso a Força cumpra uma ilegal e inconstitucional ordem jobianiana, na cela ao lado de Rodovan Karadizic, o carniceiro dos bálcãs.
* Jurista e professor
Originalmente publicado no blogue de Sem Fronteiras