quarta-feira, 9 de março de 2011

“A liberação feminina não pode ocorrer sob nenhuma religião”, afirma Nawal El Saadawi


Entrevista publicada originalmente no El País, via Sul21


Ela tem 79 anos de idade e uma vivacidade surpreendente. A entrevista foi concedida por telefone, durante sua visita a Oslo, na semana passada. Está agora em Nova Iorque e no próximo dia 26 chega a Espanha para participar na conferência de Mulheres em Segóvia. Nawal El Saadawi é uma líder feminista árabe, a primeira a denunciar a castração de mulheres. Sua crítica amarga das leis e da interpretação do Islã que institucionalizou o patriarcado repressivo que impedia as mulheres de crescerem socialmente levou-a primeiro a perder todos os cargos que ocupava na saúde pública de seu país, depois a prisão e ao exílio. Hoje, depois de ter participado nos motins de Tahrir Square, que encerrou 30 anos de ditadura de Hosni Mubarak, ele se sente mais esperançosa do que nunca: “É a hora da mulher egípcia”, diz ela, feliz.
Pergunta: O que fez a Revolução da Praça Tahrir para as mulheres?
Resposta: Muitíssimo. Pela primeira vez, mulheres e homens, no Egito, foram iguais. Mulheres de todas as idades e classes estiveram na Praça Tahir, inclusive mães com crianças de colo dormiam na praça.
P: Você foi para a praça?
R: Claro que sim. Desde o início, muitos dias. Agora estarei algumas semanas fora do Egito, mas quando voltar regressarei à Tahrir todas as vezes que for necessário até que ganhemos.
P: O que você espera concretamente?
R: Uma de nós deveria ter sido incluída na comissão de reforma constitucional. Foram nomeados oito homens e nenhuma mulher, por isso estamos a organizar uma marcha de um milhão de mulheres para terça-feira (hoje, dia 8) no Cairo, e esperamos receber o apoio de mulheres da Espanha.
P: Qual é o objetivo da marcha?
R: Que todas as comissões e instituições do novo Egito devem contar com mulheres. Temos que acabar com o fato de que só os homens decidem.
P: Você tem medo de que depois da revolução fique tudo como antes?
R: Não, nós conseguimos que caísse Mubarak e alguns de seus homens, mas o problema das mulheres é crônico e está enraizado no patriarcado e na religião. Por isso, pedimos uma constituição laica, um código de família laico e um Estado laico separado da religião. As mulheres morreram na Praça Tahrir da mesma forma que os homens. Eles tem que levar isso em conta.
P: Você concorda com as reformas constitucionais que fez tal comissão, que deverão ser votadas no próximo dia 19?
R: É uma comissão muito tradicional. Fez apenas pequenas mudanças. Nossa marcha é para exigir as mudanças radicais que as egípcias necessitam.
P: Não é contraproducente exigir tanto?
R: Não vamos aceitar a discriminação outra vez após participar da revolução. Temos que nos rebelar e lutar por nossos direitos. Não temos medo de perder alguma coisa, porque não temos nada, exceto a nossa alma.
P: Por que explodiu a revolução?
R: Pela acumulação de opressão e corrupção. O regime era tão corrupto que se tornou
insuportável.
P: Que papel desempenharam as mulheres?
R: Todos, inclusive o de morrer. Nós estávamos lá desde o início, dispostas a tudo, sem diferenças com os homens.
P: Esperava algo assim?
R: Eu sonhava com isso desde que tinha 10 anos, o que significa que esperei 70 anos. Não fiquei surpresa porque já tinha passado uma vida inteira lutando pela revolução, mas a forma como ela irrompeu foi surpreendente. Estou feliz por ter chegado a ela viva!
P: Você pensava que as mulheres egípcias seriam tão ativas?
R: A minha casa chegam muitos jovens, homens e mulheres, que estão interessadas em meus livros; são progressistas com os quais debato de diversos temas, mas ninguém acreditava que milhões de egípcios tomariam as ruas. Mais de seis milhões de pessoas estiveram na Praça Tahir naqueles dias.
P: Você acha que este é o despertar das mulheres egípcias?
R: Sim, das mulheres e os homens, porque não podemos separar umas dos outros. A mulher não pode ser liberada se o homem não é liberado, da mesma forma como o homem não pode ser liberado sem a mulher sem liberada. Todos precisam de um país livre.
P: Como está sendo organizada a Marcha de um Milhão de Mulheres?
R: Na verdade a ideia veio de um grupo de homens jovens e progressistas, que têm acesso ao Twitter, Facebook e outras redes sociais. Foi organizada em minha casa. Somos um grupo em que trabalham homens e mulheres.
P: Você voltará ao Cairo para a manifestação?
R: Não, eu não sou indispensável. Temos outras lideranças e são especialmente os jovens que devem liderar a marcha. Eu sou apenas um respaldo. Eles dizem que eu sou a madrinha, a mãe espiritual da revolução…
P: Qual é a situação das mulheres egípcias hoje?
R: Há muita discriminação. Nós ainda queremos abolir a poligamia e o gênero de divórcio no qual o homem pode separar-se sem deixar nada para a esposa.
P: A Constituição apoia a poligamia?
R: Sim, ela diz que o Código de Família não pode contradizer a sharia (lei islâmica) e a sharia permite a poligamia. O Egito tem um dos códigos familiares mais atrasados do mundo árabe.
P: É por isso que você queria ter mulheres na comissão de reforma constitucional?
R: Claro que sim. Homens e mulheres jovens, porque eles colocaram lá somente homens tradicionais e religiosos. Deveria ter sido homens e mulheres seculares.
P: Você considera que a elaboração de uma nova Constituição será a principal conquista da revolução?
R: Sim, se tivermos uma Constituição radicalmente secular e se homens e mulheres, cristãos e muçulmanos forem iguais perante a lei, terá sido dado um grande passo contra o Estado tradicional. O secularismo é fundamental para uma democracia autêntica. As mudanças ocorridas nestes dias tem mantido o Artigo 2, que afirma que o islamismo é a religião do Egito. Ele deveria desaparecer.
P: Você acredita que a discriminação tem origem religiosa?
R: Sem dúvida. A religião é uma ideologia política e é preciso separar a religião e a política. A mulher não pode ser liberada sob nenhuma religião, cristianismo ou judaísmo ou islamismo, porque as mulheres são inferiores em todas as religiões.
P: Você não acha que esse argumento é muito radical para o Egito?
R: Não. Quando eu estava em Tahrir eu conheci muitas pessoas que compartilhavam das mesmas ideias. Muitos jovens progressistas, incluindo muitos homens da nova geração dos Irmãos Muçulmanos.
P: Você tem receio de que o novo Egito fique sob o controle da Irmandade Muçulmana?
R: Não. Eu tenho medo é dos Estados Unidos e Israel apoiando a Irmandade Muçulmana. Eu estava no Irã no início da revolução de 1979. A revolução iraniana era, à princípio, laica e socialista, mas os EUA se sentiram ameaçados pela uma revolução socialista e impuseram um aborto das intenções iniciais. Khomeini chegou ao Irã pelas mãos da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos. Eles preferiram uma revolução religiosa ao invés de uma socialista. O socialismo é o verdadeiro inimigo do capitalismo. No Egito aconteceu o mesmo: repentinamente, apareceu um respeitado clérigo na Praça Tahrir (Yusef el Karadawi, de 84 anos e exilado no Catar) para falar à Praça. Somos contra isso, mas não tememos a Irmandade Muçulmana, porque eles são uma minoria.
P: O que você pediria ao novo governo?
R: Termos conseguido a demissão de Ahmed Shafik (primeiro-ministro designado nos últimos dias de Mubarak) também foi uma conquista da Praça Tahrir. Confiamos que o novo chefe de governo Essam Sharaf apoiará a criação de um Conselho Presidencial composto por homens e mulheres honestos que exerçam o poder que hoje está nas mãos do militares e que, sem pressa — porque é necessário tempo para formar e organizar novos partidos – convoque eleições livres e a elaboração de uma nova constituição secular.
P: Você confia na vontade de democratizar do Conselho Supremo das Forças Armadas, que agora dirige o Egito?
R: Não é uma questão de confiança, mas de poder. Se os manifestantes forem para casa agora e as pessoas se calarem novamente, os militares farão o mesmo que fazia o regime de Mubarak. Se o poder não exercer seu poder, se não houver um Parlamento ao qual se preste contas, o Egito e qualquer país cairá novamente em uma ditadura. Se os militares não cumprirem seus compromissos com o povo, voltaremos à Praça Tahrir. Isto é uma revolução.
P: E você acredita na revolução?
R: Sim, acredito, E acredito que a revolução ainda não acabou. Seguiremos na Praça Tahrir até que os compromissos sejam cumpridos.
P: Você acha que o novo Egito teve um bom começo?
R: Sim, o país está cheio de esperança e esperança é poder.

Tradução de Milton Ribeiro

terça-feira, 8 de março de 2011

O 8 de março é vermelho!!!


“O dia das operárias de 1917 foi uma data memorável na história. Nesse dia, as mulheres russas levantaram a tocha da revolução proletária e atearam fogo ao mundo. A revolução de fevereiro acabara de começar". (Alexandra Kollontai) [1]

Com a chegada do Dia Internacional (de luta) da Mulher, nós, enquanto feministas, temos o dever de colocar algumas discussões em pauta, pois com a transformação do 8 de março em uma data bastante comercial (que,além de tudo, joga com a função social de sermos mulheres femininas, dóceis e perfumadas), muitas pessoas acreditam que não há mais sentido em comemorá-lo (como se fosse realmente uma comemoração...). Há quem diga, ainda, que o 8 de março é sexista e que deveria haver um dia do homem, mas esse discurso vem daqueles que acreditam que o movimento feminista busca escravizar os homens (e outras bobagens), portanto, nem vale a pena ficar muito tempo discutindo isso.

O que queremos discutir aqui é justamente a origem dessa data e resgatar seu caráter original. Em primeiro lugar, não é uma data que nos foi cedida como uma homenagem, diferentemente de outras, como o dia dos pais, das mães, dos namorados etc. O peso que traz o 8 de março não é para nos presentear, ou mesmo nos parabenizar. A vitória não é ser mulher, pura e simplesmente, mas sim lutar para sermos mulheres à nossa maneira, lutar contra todos os tipos de opressões. Uma coisa que deveria ser óbvia, mas muitos não enxergam é que mulheres e homens não vivem em pé de igualdade; por isso o dia da mulher ser um dia de luta. É um dia simbólico que lembra (ou deveria lembrar) a todos que vida de mulher não é fácil. O Dia Internacional de Luta da Mulher é uma conquista nossa, algo que foi desencadeado justamente pela luta feminista.

Porém, outra coisa que devemos lembrar é que ele não é um simples dia de luta feminista. Ele é um dia de luta feminista e socialista. E é aqui que entram as origens do Dia Internacional da Mulher.

Há um mito de que o Dia Internacional da Mulher tem sua origem em uma greve de tecelãs no ano de 1857, em Nova York. A grevistas teriam sido presas dentro da fábrica e os patrões ateado fogo ao lugar, resultando em mais de 130 trabalhadoras mortas. A data teria sido marcada para relembrar esse dia.

Isso, todavia, é a história que nos contam nas escolas e se divulga na mídia. A realidade é que não existem evidências históricas da existência dessa greve. Diversas foram as pesquisas feitas sobre o assunto, entre elas, a de Renée Coté, autora do livro O Dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas. A autora buscou referência à greve de 1857 e à morte das mulheres em vários jornais, inclusive operários, mas não encontrou nada.

"Em 3 maio de 1908 em Chicago, nos Estados Unidos, se comemorou o primeiro "Woman's
day” (Dia da Mulher), presidido por Corinne S. Brown, documentado pelo jornal mensal The Socialist Woman, no Garrick Theather, com a participação de 1500 mulheres que "aplaudiram as reivindicações por igualdade econômica e política das mulheres; no dia consagrado à causa das trabalhadoras". Enfim, foi dedicado à causa das operárias, denunciando a exploração e a opressão das mulheres, mas defendendo, com destaque, o voto feminino. Defendeu-se a igualdade dos sexos, a autonomia das mulheres, o direito de voto para as mulheres, dentro e fora do partido.

Já em 1909, o “Woman's Day” foi atividade oficial do partido socialista americano e organizado pelo comitê nacional de mulheres, comemorado em 28 de fevereiro de 1909. O material de publicidade da época convocava o "Woman suffrage meeting", ou seja, um encontro em defesa do voto das mulheres, em Nova York. Renée Coté apura que as socialistas americanas sugerem um dia de comemorações no último domingo de fevereiro. Assim, o “Woman's day”, no início, registra várias datas e foi ganhando a adesão das mulheres trabalhadoras, inclusive grevistas e teve participação crescente.

Em 1910, os jornais noticiaram a comemoração do “Woman's day” em Nova York, em 27 de fevereiro de 1910, no Carnegie Hall, com 3000 mulheres, onde se reuniram as principais associações em favor do sufrágio. O encontro foi convocado pelas militantes socialistas mas contou também com participação de mulheres não socialistas. Também participaram dessa comemoração várias operárias do setor têxtil que há poucos dias haviam terminado uma longa greve, que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910, terminando 12 dias antes do Woman's Day. Essa foi a primeira greve de mulheres de grande amplitude nos Estados Unidos, denunciando as condições de vida e trabalho, e demonstrou a coragem das mulheres costureiras, recebendo apoio massivo do movimento sindical e do movimento socialista." [2]

Ou seja, não só não existe a mítica greve de 1857, como toda a luta das mulheres estadounidenses é feminista e claramente classista.

No mesmo ano de 1910, no Segundo Congresso Internacional de Mulheres Trabalhadoras, Clara Zetkin, militante socialista alemã, apoiando-se na experiência das operárias dos Estados Unidos, propõe que exista um Dia Internacional da Mulher Operária, ou Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras, sem uma definição de dia. A informação mais exata (pois há muitas) é de que ficaria a cargo de cada país escolher a melhor data. As Alemãs escolheram o 19 de março:

No dia 19 de Março no ano da revolução de 1848, o rei Prussiano reconheceu pela primeira vez a força do povo armado e concedeu perante a ameaça de uma insurreição proletária. Entre as várias promessas feitas, que mais tarde não manteve, estava a introdução do voto para as mulheres. [3]

Alexandra Kollontai, em seu texto “Uma celebração militante” [4], afirma ter sido oficializado o 8 de março como o Dia Internacional da Operária em 1913 (primeiro ano em que comemorou-se o dia na Rússia, aliás). Por outro lado, há informações de que em 1914, na Alemanha, as comemorações tenham sido realizadas no 8 de março somente pelo fato de que essa seria a melhor data.

Em 1917, na Rússia, em meio a grandes e diversas manifestações femininas, eclode uma greve de operárias têxteis justamente no Dia Internacional da Mulher, 23 de fevereiro no calendário russo, correspondente ao nosso 8 de março. Trotski descreve esse acontecimento como uma mobilização de papel decisivo para a revolução que se seguiria pelos próximos dias:

Trotski conta que o dia 23 de fevereiro (8 de março), era o Dia Internacional da Mulher. Estavam programados atos, encontros etc. Mas não se podia imaginar “que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a revolução”. Estavam sendo pensadas ações revolucionárias, mas sem data prevista. Mas pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixam o trabalho de várias fábricas e enviam delegadas para solicitar o apoio à greve... “o que se transforma em greve de massas.... todas descem às ruas. [5]

Por fim, em 1921, na Conferência Internacional das Mulheres comunistas, coloca-se o 8 de março como data oficial do Dia Internacional da Mulher Operária, em homenagem ao levante das trabalhadoras russas.

A data, portanto, como podemos observar, não é um dia do calendário que nos foi ironicamente dedicado pelo patriarcado e pelo capitalismo por sermos mulheres. Foi uma data conquistada, pelo feminismo socialista. Uma data que deve ser lembrada como luta por um mundo sem exploração.

O Dia Internacional da Mulher surge como uma proposta socialista, pois a luta da mulher é socialista. Sim, existem vertentes do feminismo que não questionam a sociedade de classes, mas esse feminismo limita-se à conquista de direitos formais iguais aos dos homens. E bem sabemos que isso não basta. A tentativa de retirada do caráter socialista do Dia Internacional da Mulher (aliás, há de se afirmar: a retirada de qualquer tipo de politização, mesmo que não socialista) serve apenas para fomentar ilusões de que as mulheres já tiveram seus direitos conquistados, quando, na verdade, para ter-se direitos, é preciso comprá-los. Bem sabemos que meia dúzia de executivas se deram bem na vida (ainda que sim, sofram de machismo em seu ambiente de trabalho), mas para a mulher trabalhadora ainda há um longo caminho a ser traçado.

É por isso que afirmamos: o 8 de março é classista. Socialista.
O 8 de março é vermelho.

Fonte: blog nascermulher

[1] KOLLONTAI, Alexandra. International Women's Day. Disponível em: http://www.marxists.org/archive/kollonta/1920/womens-day.htm
[2] Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida - SOF: Sempreviva Organização Feminista. Disponível em: http://www.sof.org.br/publica/Dia_Internacional_da_Mulher-SOF-Em_busca_da_memoria_perdida-ATUALIZACAO2010.pdf
[3] KOLLONTAI, Alexandra. Uma Celebração Militante. Disponível em: http://www.esquerda.net/dossier/uma-celebra%C3%A7%C3%A3o-militante , texto integral em inglês: http://www.marxists.org/archive/kollonta/1920/womens-day.htm
[4] Idem
[5] Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida - SOF: Sempreviva Organização Feminista. Disponível em: http://www.sof.org.br/publica/Dia_Internacional_da_Mulher-SOF-Em_busca_da_memoria_perdida-ATUALIZACAO2010.pdf

Diferenças entre Espiritualidade e Religião....

Recebi uma mensagem com a comparação entre religião e espiritualidade. O remetente alegava desconhecer a autoria. Li todo o texto, aproveitei sua essência e o reescrevi, todo. Fora a frase "a religião é para os que dormem", todas as frases foram modificadas ou trocadas por completo.
                                                                                                             

Tomei essa liberdade por minha conta, mesmo, por achar algumas colocações incompletas, outras precárias, outras equivocadas, algumas mal colocadas, enfim, procurei lapidar a mensagem, sem querer tirar onda de superioridade - pensando na recepção, na absorção e na compreensão.

Abraços a todos,
                          
Eduardo

"Nascer" - óleo sobre tela, 53x68cm - Rio, maio/junho de 2000


Religião ou Espiritualidade


Há centenas de religiões, cada uma se proclamando portadora da verdade e desqualificando as outras.
A espiritualidade é apenas uma, em exercício permanente e sem forma única.

A religião possui templos para louvores e adorações.
O templo da espiritualidade é o ser, o mundo, o universo.

A religião é para os que dormem.
A espiritualidade é para os que despertam.

A religião é para aqueles que necessitam de um código externo e precisam ser guiados.
A espiritualidade é para os que ouvem e praticam o embrião da consciência, a voz interior.

A religião é um conjunto de regras e dogmas, não admite questionamentos.
A espiritualidade te leva à reflexão, a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo.

A religião ameaça, amedronta, impõe e cobra.
A espiritualidade procura, desenvolve, liga causas e conseqüência, serenamente.

A religião aponta pecados e declara culpas.
A espiritualidade aponta a ignorância e toma o sofrimento como ensinamento.

A religião reprime, condena e acusa.
A espiritualidade transcende, compreende e esclarece.

A religião inventa.
A espiritualidade descobre.

A religião determina formas.
A espiritualidade desenvolve conteúdos.

A religião não indaga, nem questiona.
A espiritualidade duvida, experimenta, observa e procura absorver..

A religião é crença.
A espiritualidade é busca.

A religião é humana, é uma organização com regras.
A espiritualidade é ligação e não tem regras.

A religião divide, secciona e discrimina.
A espiritualidade une, respeita e abraça.

A religião lhe busca para que acredite.
A espiritualidade, você precisa buscá-la.

A religião necessita do (e determina o que é) sagrado.
A espiritualidade busca o sagrado, em tudo.

A religião se alimenta do medo e da ignorância.
A espiritualidade se alimenta na busca e no desenvolvimento da consciência.

A religião se ocupa com fazer.
A espiritualidade se ocupa com ser.

A religião ensina a evitar o mal por medo do castigo e fazer o bem por interesse na recompensa.
A espiritualidade ensina que o plantio é livre, mas a colheita é obrigatória.

A religião é adoração e temor.
A espiritualidade é reflexão e amor.

A religião tortura o presente com os valores do passado, ameaçando com castigos no futuro.
A espiritualidade vive o presente, levando em conta as lições do passado, fazendo o plantio do futuro.

A religião condena e encarcera a natureza.
A espiritualidade desenvolve a consciência para tratar com a natureza.

A religião manda crer na vida eterna.
A espiritualidade nos permite viver a eternidade da vida.

A religião promete o encontro com Deus depois da morte.
A espiritualidade busca o encontro com Deus dentro de nós mesmos, a cada momento.

A religião determina e inquieta.
A espiritualidade desabrocha e aquieta.

Religião é tirania espiritual.
Espiritualidade é consciência existencial.

Mzuri Issa luta pelo poder das mulheres de Zanzibar

 Por Paula Torres de Carvalho, em Bruxelas 
Mzuri Issa. É como se chama a mulher, de lenço colorido, olhos amendoados, sorriso inteiro. Veio da Tanzânia, na África Oriental, onde nasceu e onde vive há 35 anos, que é a sua idade. Quase 20 horas foi o tempo que demorou a viagem que fez até Bruxelas. À sua frente, numa sala do Centro de Imprensa Internacional, estão 15 jornalistas de vários países da Europa e alguns funcionários da Comissão Europeia que participam num seminário sobre igualdade entre sexos que decorreu de 27 de Fevereiro a 2 de Março, promovido pelo Centro de Jornalismo Europeu.
Mzuri Issa  
Mzuri Issa (Charlotta Asplund)

Mzuri vem falar da Associação de Mulheres para os Media da Tanzânia (TAMWA) que há 20 anos se dedica à defesa dos direitos humanos, particularmente das mulheres. E vem pedir ajuda para a continuação de um dos projectos da associação que, há três anos, é financiado pela União Europeia. Chama-se The Women Empowerment in Zanzibar Project (Weza), um projecto para fortalecer o poder das mulheres de Zanzibar, arquipélago formados pelas ilhas de Unguja e Pemba, ao largo da costa da Tanzânia.

Longa distância e muito dinheiro separam a realidade em que vivem as mulheres de Zanzibar da que faz parte do dia-a-dia das mulheres dos países europeus. E, contudo, são realidades contemporâneas.

Mzuri Issa conserva o seu sorriso largo, apesar das desigualdades de que fala. A questão, afirma, está no desenvolvimento.

O que ela quer dizer aos jornalistas, primeiro, e ao mundo, depois, é que o aumento do poder para as mulheres das ilhas de Zanzibar e da igualdade de direitos em relação aos homens, "passa pela diminuição da pobreza, por mais justiça social, condições essenciais para o desenvolvimento".

É esta ideia que tem estado na base do projecto, no qual a União Europeia já investiu 750.000.00 euros. Este projecto é dirigido a cerca de seis mil mulheres rurais, pobres e analfabetas, tendo em vista o desenvolvimento das comunidades existentes nas duas ilhas. Elas foram envolvidas em diferentes actividades económicas e sociais, tais como a agricultura, a indústria e o artesanato, o aproveitamento dos recursos naturais e os programas de saúde primária.

Os objectivos específicos, explica Mzuri Issa, são o aumento dos salários e ultrapassar as barreiras sociais, culturais e políticas que impedem que a mulher tenha mais influência na sociedade tanzaniana. "O que se pretende é melhorar as suas vidas e dar-lhes possibilidade de alcançar o seu potencial humano", afirma a activista.

A maioria das participantes no projecto tem entre 25 e 50 anos, religião muçulmana e mais de três crianças em casa. Muitas vezes, porém, a intervenção junto das comunidades "não tem sido fácil", confessa Mzuri ao P2. Porque "há muitas mulheres que só aderem depois da autorização dos maridos".

Além da pobreza extrema, a activista refere também a iliteracia como outro obstáculo para o progresso das mulheres e conta como a TAMWA tem contribuído para divulgar esta realidade no seu país e a nível internacional. Mostra números e slides, fala de conquistas e de obstáculos.

Mzuri Issa acredita no papel do jornalismo "para mudar a sociedade", informando e "agitando os poderes". E conta que são cada vez mais as mulheres que aderem às campanhas para a defesa dos seus direitos. Esta é uma causa que tem perseguido na TAMWA, de que é uma das fundadoras, para "lutar contra a violência e a humilhação de que as tanzanianas são vítimas há tantos anos", diz.

Espancada "de gatas"
"O meu nome é Purcherie Mbonimpa, casei-me com 18 anos, quando o meu marido tinha 26. Temos sete filhos, quatro rapazes e três raparigas. Vivemos sobretudo da agricultura, cultivando feijões e batata-doce e temos uma pequena plantação de bananas". É assim que começa um dos depoimentos recolhidos durante o trabalho de campo das activistas tanzanianas e que consta de um relatório entregue em Bruxelas. Este é bem esclarecedor da desigualdade entre sexos e dos mecanismos de poder em Zanzibar.

Purcherie continua o seu relato, contando que, nos primeiros meses de casamento, o marido lhe disse: "Eu casei contigo, mas nunca saberás quem eu sou".

"Como o meu marido não fala muito, reflecti sobre o que aquilo queria dizer. Não sabia o que ele queria dizer. Éramos muito pobres. Eu só tinha um pano, uma peça de roupa tradicional que as mulheres usam aqui. O meu marido tinha um par de calças e uma camisa, gostava muito de álcool e não ligava muito à família. Não havia muita comunicação entre nós e eu não sabia o que podia e não podia fazer."O marido de Purcherie não a deixava sair para visitar amigos ou a família, nem que participasse em qualquer reunião da comunidade. "Eu era constantemente espancada sem saber o que tinha feito de errado", revela.

E Purcherie estava num buraco sem saída: "Não podia divorciar-me dele porque, na nossa cultura, quando uma mulher volta para casa dos pais, é um insulto e uma desgraça para a nossa família". As mulheres devem submeter-se "totalmente ao seu marido, obedecer-lhe mesmo quando é injusto, ou em situações de tortura e de violência."

"Um dia o meu cunhado encontrou-me de gatas, com os joelhos no chão, a ser violentamente espancada pelo meu marido. Olhou para mim e não disse nada, mas, quando regressou a casa, contou às minhas cunhadas", continua. Foram elas que a salvaram e que lhe abriram os olhos. "Elas vieram ter comigo e disseram-me: "Aceitas ser espancada de gatas pelo teu marido? És uma desgraça para as outras mulheres, não podes aceitar isso"". Foi naquele dia que Purcherie decidiu nunca mais se sujeitar àquilo e fugir do marido.

Pressão sobre o Governo

São mulheres como Purcherie que a TAMWA acompanha e divulga. Foi uma campanha, nos anos de 1990, para a criação de uma lei de protecção das vítimas da violência baseada no género, particularmente a violência sexual, que mais contribuiu para que esta associação se tornasse conhecida. As suas activistas investigam e divulgam a prática deste tipo de violência contra as mulheres e conseguiram pressionar o Governo para actuar e extinguir a lei.

A intervenção da TAMWA foi também decisiva para mudar uma outra lei que proibia as mulheres de terem filhos fora do casamento. Se não conseguissem provar que o acto sexual tinha sido cometido por coerção, eram punidas com dois anos de cadeia. Era uma "violação dos direitos humanos da mulher grávida e da criança recém-nascida", consideraram as activistas.

Mzuri Issa, sorriso brilhante, lenço colorido na cabeça, cumpriu mais uma missão importante em defesa dos direitos das mulheres de Zanzibar. Veio a Bruxelas pedir ajuda para continuar. Nas ilhas, as mulheres pobres, rurais e analfabetas, esperam.

A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia

"A revolução sexual vai durar séculos", diz escritor Martin Amis


Em entrevista a J. M. Martí Font, para ao El Pais, o escritor Martin Amis (nascido em Oxford, Inglaterra, em 1949) comenta seu livro A Viúva Grávida (editora Anagrama / Empuries). Segundo ele, o livro é uma reflexão sobre a revolução sexual que começou na década de 1960 e que, segundo Amis, "vai durar séculos". No portal vermelho

El País: Preciso lhe fazer uma confissão. Há anos tive de fazer a resenha de seu primeiro romance, O Livro de Raquel. Gostei, mas não fiz uma boa crítica. Identifiquei-me de tal maneira com o personagem que pensei que para isso não era preciso escrever um romance. Agora me arrependo, ainda mais porque creio que A Viúva Grávida é de certo modo uma revisitação daquele livro e daquele momento.
Martin Amis: Sim, muito. Provavelmente eu concordaria com sua crítica porque tentei reler O Livro de Raquel e foi tão cru... Li 50 páginas e o deixei. Teria sido útil para me lembrar do que era ter 20 anos. Vi tantas imperfeições... Era um romance vívido, mas tecnicamente muito frágil. Mas gosto da última frase: "Recarrego minha pluma".

El País: Por que os escritores ingleses sempre voltam aos temas clássicos: religião e classe?
Amis: A religião é um dos sedimentos de nossas mentes, e acreditamos tê-lo superado. Não creio que superamos nada. As coisas perdem um pouco a importância, mas continuam aí. Quando comecei a sair com garotas, aos 15 anos, já a encontrava. Era quase sempre a religião que impedia a garota de ir mais longe. A religião era o princípio antiprazer, e esse era o meu argumento. É que não querem que você tenha prazer, dizia. O treinamento continua aí. Esperávamos que a religião desaparecesse, mas não aconteceu. É fascinante. Em certo sentido, a religião é uma das questões mais interessantes. Não se trata de crer ou não crer, isso não tem a menor importância, é um simples clichê, um monte de banalidades e respostas prontas para tudo. O importante é a atração humana pela religião, que é incurável.

El País: O senhor reivindica o legado de Thatcher?
Amis: É difícil ter algum tipo de afeto por essa mulher, embora meu pai [o escritor inglês Kingsley Amis] a adorasse - creio que tinha sonhos úmidos com ela; destruiu os sindicatos, conseguindo que a classe operária se voltasse contra si mesma, mas, como eu disse, também destruiu as conexões da aristocracia com o Partido Conservador. É a política que David Cameron admira, que Tony Blair admira. Todos lhe devem alguma coisa.

El País: O senhor misturou ficção com ensaio político. O que pensa sobre o que acontece no mundo árabe?
Amis: Acho excitante e me causa ansiedade. A revolução egípcia é uma maravilha. Eu dizia a mim mesmo: vai ser terrivelmente violenta, e foi magnífica. Veremos o que acontece em outros lugares. Lembro que Bruce Chatwin escreveu em meados dos anos 80, creio que em "Utz", que talvez o comunismo na Europa não acabasse em sangue e fogo, e sim como folhas movidas pelo vento na rua. E foi assim. Mubarak, que parecia uma grande estátua no meio da região, simplesmente se foi.

El País: Em seu romance não é muito amável com os jovens.
Amis: Creio que sou sim. Sou muito amável com as garotas...

El País: Mas não com os garotos.
Amis: Era mais fácil para os rapazes. Para as meninas era muito difícil. Tinham de tomar muitas decisões, enquanto os meninos não precisavam mudar, e sim ser mais meninos que nunca. As meninas pensaram no início que o que deviam fazer era ser como os rapazes. Fizeram isso durante alguns anos, mas perceberam que não eram rapazes e tampouco lhes interessava pretender que o fossem. Foi a face igualitária do feminismo, na qual as mulheres precisavam de uma referência e, olhando ao redor, tudo o que viam eram rapazes. Mas no final dos 70 essa atitude ficou desacreditada, tanto entre as mulheres como no feminismo. Então surgiu a ideia da mulher forte que não é como um homem. Mas a revolução sexual é uma revolução permanente que continuará durante séculos. Progredimos muito em um curto espaço de tempo, mas é surpreendentemente difícil conseguir um acordo bom, decente e razoável entre um homem e uma mulher, embora pareça que lentamente nos aproximamos.

El País: Parece-se mais com uma negociação permanente?
Amis: Sim, como algo que está no horizonte, do qual você se aproxima, mas nunca alcançará.

El País: Em seu romance o senhor define os 50 anos como um trem-bala onde os minutos às vezes se tornam intermináveis, mas os anos passam vertiginosamente. Agora já entrou nos 60. O que mudou?
Amis: Assim que cruzei a linha, disse para mim mesmo: isto não pode acabar bem. Não havia pensado assim antes. Há medo. É um massacre. Você não vai mais a casamentos, mas a enterros, e está na primeira fila. Olha para os necrológios e seus amigos morrem. Aterrorizante. E a ilusão de que você sempre seria mais corajoso, não a tem mais.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Dia da Mulher...palestina...

أول مركز عربي لرسامين الكاريكاتير العرب , نرحب بأية ملاحظات أو إقتراحات على العنوان   info@arabcartoon.net
Mother Palestine
 
 
خلال زيارة الفنان البرازيلي كارلوس لطوف إلى الأردن بدعوة من فرقة الحنونة، و خلال لقائي الأول معه أنا نضال هاشم برفقة الزميل محمد أبو عفيفة، أبدى كارلوس رغبته في أن يزور المخيمات الفلسطينية في الأردن بعد أن عرضنا عليه إستضافته في اليوم التالي، و هكذا حصل.
زرنا مخيم شنلر (مخيم ماركا)، و إستضافتنا جدة الفنان محمد أبو عفيفة في بيتها، كما أستضفنا مجموعة من أولاد المخيم، و كتبنا خبر في حينه عن مجمل زيارة كارلوس للأردن.
كارلوس المتضامن معنا أكثر من أنفسنا، أطلق شخصية جديدة في رسومه، بإسم Mother Palestine، مستوحاة من جدة محمد ابو عفيفة.
هذه هي:
 
 

segunda-feira, 7 de março de 2011

Países do Cone Sul investigam e punem crimes cometidos pelas ditaduras. Só falta o Brasil

(Foto: Paula/Flickr)

Felipe Prestes no Sul21


Brasileiros que foram torturadores, assassinos e sequestradores durante a ditadura militar são, hoje, os privilegiados entre seus pares do Cone Sul. Os últimos anos têm servido para argentinos, chilenos e uruguaios colocarem dezenas de responsáveis por crimes de lesa-humanidade na cadeia.
Nos três países, a Justiça passou a considerar que estes delitos são imprescritíveis, tendo como base tratados internacionais – o que é um alento para o Brasil. Condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em dezembro do ano passado, devido ao assassinato e desaparecimento de 62 pessoas entre 1972 e 1979, o país irá, mais cedo ou mais tarde, investigar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos durante o regime militar.
“Boa parte das supremas cortes latino-americanas tiveram, inicialmente, a mesma posição que a vista no Brasil, de ler a sentença da Corte Interamericana como uma invasão em seus assuntos domésticos”, recorda um integrante do governo brasileiro. Otimista, ele acredita que, assim como os vizinhos, o país avançará para cumprir a determinação da corte internacional. “Nos anos seguintes à publicação das condenações, a organização de medidas para o cumprimento das mesmas é que gerou mudanças de entendimentos e avanços sociais (nos demais países)”, afirma.
O não cumprimento da determinação – o prazo é de um ano para o Brasil adequar suas leis de acordo com o tratado internacional do qual é signatário – fará com que o país fique em descrédito no cenário internacional. “Se a sentença não for cumprida, internacionalmente seremos vistos como um país que não defende os direitos humanos e não tem um Estado de Direito verdadeiramente configurado”, alerta o funcionário do governo.

Túmulo de informações

Por ora, o atraso gritante do Brasil em relação a Argentina, Chile e Uruguai, não só nos coloca em uma posição de descrédito. A falta de acesso aos arquivos da ditadura brasileira faz também com que sejamos o país do Cone Sul que atravanca as investigações sobre a Operação Condor, colaboração militar entre diversos países sul-americanos, com apoio dos Estados Unidos, para reprimir militantes de esquerda. “É uma peça que falta para compreender a Operação Condor. Nunca entendemos porque, com governos progressistas, no Brasil se resiste a abrir os arquivos”, diz a jornalista e ativista chilena Mónica González, diretora do Centro de Investigación Periodistica (CIPER).
Foi no Brasil, relata Mónica, que o general francês Paul Aussaresses passou toda a experiência de tortura e repressão que havia sido testada durante a guerra de independência da Argélia. Com apoio dos Estados Unidos, o Brasil foi o palco de treinamento para militares de vários países. “Para todos os países tem sido um obstáculo e um vazio enorme que o Brasil seja o único país que resiste a investigar. O Brasil teve um papel-chave na articulação dos golpes de estado no Cone Sul. Espero que toda a comunidade brasileira entenda a importância de insistir que se abram os arquivos da repressão no país”, diz a jornalista.
Dilma se encontra com as mães e avós da Praça de Mayo (Foto: Presidência Argentina)

Familiares de vítimas argentinas aguardam que o Brasil investigue os crimes da ditadura militar. São pelo menos doze os argentinos desaparecidos no Brasil, calcula o jornalista argentino Fabian Kovacic. Ele acredita que a visita da presidenta Dilma Rousseff à Argentina sugere que os dois países podem firmar um acordo de colaboração para investigar os crimes das ditaduras. “Imagino que seja uma questão de tempo, nada mais”. Kovacic lembra que pode ser de interesse do Brasil o apoio argentino para investigar as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart, que morreu em Mercedes, na província de Corrientes.
O governo brasileiro tenta mudar a questão do acesso a informações. Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados visa acabar com o sigilo eterno de documentos e também veda o sigilo de documentos que possam tratar de violação a direitos humanos. O Brasil também financia o resgate da memória da sociedade civil. Além disso, há o interesse divulgado pela própria secretária especial dos Direitos Humanos de criar uma Comissão da Verdade.

Kirchner foi decisivo para que Argentina retomasse julgamentos (Foto: Divulgação)

Argentina investiga, com interrupções, desde 1983


As investigações e punições dos militares oscilaram bastante na Argentina, desde o final da ditadura, em dezembro de 1983. O último presidente militar, Reynaldo Bignone, assinou, no apagar das luzes de seu governo, uma lei de anistia. No primeiro dia de seu governo, Raul Alfonsín anulou esta lei e, em seguida, criou uma comissão de notáveis para investigar os crimes do regime militar.
Em setembro de 1984, a comissão concluiu um informe com nomes de pessoas desaparecidas e de militares que seriam responsáveis por crimes. Em 1985, os principais comandantes militares foram para o banco dos réus. “Creio que depois do julgamento de Nuremberg não houve outro igual”, diz Fabian Kovacic.
Depois de julgar os principais nomes do regime militar, no entanto, Alfonsín tratou de botar panos quentes. O presidente criou duas leis. A Lei de Obediência Devida estabeleceu que os demais militares haviam apenas cumprido ordem deste alto comando e que, portanto, não deveriam ser responsabilizados. A Lei de Ponto Final quis por fim definitivo nas investigações e julgamentos.
Durante o governo de Carlos Menem, a Argentina teve um retrocesso: o presidente neoliberal anistiou os membros das juntas militares, condenados durante o governo Alfonsín. Durante os governos de Menem e de Fernando de la Rua a Corte Interamericana apontou mais de uma vez em seus informes anuais que o país não cumpria com a investigação de crimes de lesa-humanidade.
Nova guinada ocorre quando Nestor Kirchner assume a presidência, em 2003. Ele envia um projeto de lei para anular as leis vigentes que impediam novos julgamentos. O projeto é aprovado ainda naquele ano. “Causas suspensas começam a ser retomadas em todo o país”, conta Fabian.
Outra ação exitosa partiu das Abuelas de la Plaza de Mayo. Ainda no final da década de 1990, elas pleitearam na Justiça a verdade sobre o paradeiro de seus parentes. Para tanto, se utilizaram da Declaração dos Direitos da Criança, da ONU, que diz que toda a criança tem direito à identidade. “As Abuelas se apresentam à Justiça reclamando que o delito de desaparição forçada de crianças é um crime que segue sendo produzido, enquanto elas não souberem sua verdadeira identidade”, explica o jornalista. O primeiro julgamento por roubo de bebês ocorre em 1998. Na última semana, Jorge Videla e Reynaldo Bignone voltaram ao banco dos réus devido a estes desaparecimentos.


Chile volta a investigar Allende (Foto: Jaume d'Urgell/Flickr)

Mais de cem condenados no Chile


Nos últimos anos os chilenos conseguiram intensificar as punições aos responsáveis por crimes da ditadura militar. De 2008 para cá, o Chile condenou vários integrantes das polícias secretas, oficiais das Forças Armadas, entre outros repressores. A lei de anistia foi feita no país andino em 1979, durante uma suposta abertura do governo chileno – Augusto Pinochet continuou governando o país até 1990.
Neste ano, foi criada uma comissão de justiça e verdade, que chegou a conclusão de que havia mais de 3 mil vítimas de crimes na ditadura militar. Vítima e parentes das vítimas receberam pensões. Até 2004, contudo, apenas crimes cometidos entre 1979 e 1990 tiveram condenações. Para os crimes ocorridos entre 1973 e 1979, período mais duro da ditadura, continuava prevalecendo a lei de anistia. “Muitos juízes seguiam sendo pinochetistas, e seguiam mantendo a mesma posição que antes. Continuavam aplicando a anistia sem investigar”, conta a jornalista Mónica González.
Durante a década de 1990, segundo ela, houve um duro confronto nas esferas jurídica e política. A vitória dos ativistas dos direitos humanos começou a ocorrer entre os juízes. Muitos deles passaram a entender que não era possível aplicar a lei de anistia sem investigar o crime antes. E a Justiça no Chile era um grande canal de informações sobre os crimes da ditadura, informações que começaram a aparecer. “O Chile não passou um só dia de ditadura sem que as vítimas e familiares de vítimas não entregassem relatos de como torturavam, como matavam, quem eram. A história da repressão está nos tribunais”.
Na década seguinte, começaram a prevalecer no Chile os tratados internacionais. O ano de 2004 marcou a primeira vez em que a Suprema Corte pronunciou-se contra a prescrição de crimes de lesa-humanidade. “Desde então, foi tudo muito rápido”, conta Mónica.
Vários processos começaram a ingressar na Justiça e, em 2008, a maior parte deles ingressou na Suprema Corte, o que se repetiu nos anos seguintes. “De 2000 a 2008, a investigação massiva dos casos de desrespeito aos direitos humanos foi feita com rigor no Chile. Ao ponto que, quando chega ao momento de serem julgados de forma definitiva na Corte Suprema, começa a ser condenado um grande número de oficiais. Há mais de cem condenados, mais de oitenta deles presos no Chile”.
O ritmo da Justiça chilena não para. Acaba de reabrir a investigação sobre a morte do ex-presidente Salvador Allende e sobre o bombardeio do Palácio de La Moneda. A batalha política, entretanto, o Chile ainda venceu. “Isto é interessante neste país: os políticos não foram capazes de revogar a lei de anistia”, diz Mónica.


No Uruguai julgamentos são recentes e causam faíscas


A discussão sobre a prescrição dos crimes da ditadura está chegando ao clímax no Uruguai, e pode ter um desfecho em 2011. Esteve na pauta do Parlamento uruguaio em 2010 a votação da anulação da Ley de Caducidad, a lei de anistia do país platino, e só não foi votada por falta de quórum. “A revogação foi apresentada pela Frente Amplia, mas dentro do próprio partido há deputados que não estão de acordo. Até onde sei, não teriam os votos necessários para anular a lei. Em março começou o ano parlamentar novamente, é um projeto que pode ser votado”, conta o jornalista Fabian Kovacic.
Enquanto a anulação não é votada, a Suprema Corte uruguaia vem decidindo caso a caso, se aplica ou não a Ley de Caducidad. Desde outubro de 2009, o tribunal vem considerando que não é válida para crimes contra os direitos humanos, tendo como base o fato de o Uruguai ser signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos. Em novembro de 2010, a Suprema Corte desconsiderou a lei de anistia para 20 assassinatos ocorridos durante o regime militar. Os julgamentos têm gerado fortes reações de grupos de militares aposentados.
O Uruguai começou a julgar crimes cometidos por militares timidamente, quando a Frente Amplia assume o poder com Tabaré Vasquez, em 2005. Vasquez começa a investigar e punir crimes ocorridos entre 1970 e 1972 – a vigência da Ley de Caducidad é entre os anos de 1973 a 1985. O presidente também ordenou que fossem investigados crimes contra uruguaios, com participação da ditadura uruguaia, mas fora do território do país, em Buenos Aires.
Em 2009, ocorre um dos marcos da luta dos ativistas uruguaios. Dois advogados apresentaram um pedido para que fossem julgados os civis e militares que foram responsáveis pelo golpe militar no Uruguai, ocorrido em 1973. No ano seguinte, a Justiça condenou Gregório Alvarez, que foi um dos militares que presidiu a junta de comandantes no Uruguai, e o ex-presidente do Partido Colorado, Juan Maria Bordaberry, por terem violado a Constituição uruguaia. “Isto foi um avanço”, afirma Fabian.

Pressão da sociedade é fundamental para que o Brasil avance na investigação dos crimes da ditadura militar (Foto: Wikimmedia Commons)

Pressão da sociedade

Se o Brasil deseja avançar na investigação e punição de crimes e no acesso à memória da ditadura militar, é preciso também que a causa tenha maior participação da sociedade. “O sucesso ou fracasso das políticas do governo dependerá fortemente da adesão social a esta pauta”, reconhece um membro do governo, que também aponta que, em países como Argentina e Chile, até agora, houve muito mais participação que no Brasil.
Para Fabian Kovacic, a Argentina é o país onde a população está mais conscientizada de que é necessário investigar os crimes da ditadura. “Me parece que o trabalho dos organismos de direitos humanos criou certa consciência social, que a sociedade já toma como necessário investigar”. Fabian afirma que no Chile há a mesma consciência e um trabalho tão forte dos movimentos de direitos humanos, como na Argentina. No país andino, contudo, há uma divisão. “No Chile também há uma consciência muito grande. O que passa é que a sociedade chilena está muito dividida. É um assunto candente, mas há, digamos, um empate técnico”.
No Uruguai, segundo Fabian, os movimentos de defesa dos direitos humanos conseguem mobilizar multidões em Montevidéu, mas isso não se reflete ainda no todo. Nas últimas duas eleições presidenciais, os uruguaios decidiram também se queriam anular a Ley de Caducidad. “Nas duas votações não houve mais de 20% de adesão da população”.
Fabian cita como boa iniciativa para conscientizar a sociedade o ensino nas escolas. “O tema da violação de direitos humanos foi incluído nas escolas”, conta. O governo brasileiro tenta algo semelhante com o programa “Direito à Memória e à Verdade”. Por meio dele, é oferecido curso a professores de ensino médio da rede pública sobre a ditadura militar. Que o futuro nos reserve um país em que os cidadãos se interessem pela própria história.

Escola que homenageou Cuba é campeã do Carnaval


A escola da comunidade da Lagoa da Conceição, União da Ilha da Magia, de Florianópolis (SC), trouxe para avenida um tema recheado de polêmica. O enredo "Cuba sim. Em nome da verdade", ousou retratar os EUA como "monstros" e os guerrilheiros de Che e Fidel como ícones da liberdade.

Política à parte, o desfile encantou os jurados e trouxe o primeiro título para a agremiação em apenas três anos de história. A União deixou para trás escolas tradicionais da cidade, como a Copa Lord, atual campeã, e a Protegidos da Princesa, fundada em 1948 e detentora de 24 campeonatos. Unidos da Coloninha e Consulado do Samba ficaram na quarta e quinta posição, respectivamente.

As três primeiras colocadas voltarão à passarela nesta terça-feira (8) para o desfile das campeãs. A filha de Che, Aleida Guevara,  permanece em Florianópolis para uma série de palestras na quarta e quinta-feira, mas ainda não confirmou presença no novo desfile.

Em uma proposta ousada, causando grande expectativa na sociedade, a escola conseguiu fazer um desfile impecável e conquistar boas notas em quase todos os quesitos. A escola ganhou com 264,8 pontos. Em segundo lugar ficou a Embaixada Copa Lord, com 261,5 pontos, e, em terceiro a Protegidos da Princesa com 261,3 pontos.

A médica e revolucionária cubana Aleida Guevara foi destaque na passarela e participou da apuração na arquibancada ao lado da comunidade da Lagoa da Conceição. A cada nota dez recebida a comunidade se levantava e comemorava a aproximação do título.

Aleida também comemorou a vitória e saudou a coragem da escola e a homenagem feita a seu povo e sua revolução. O enredo da União da Ilha da Magia (UIM) foi cantado por todos, e palavras de ordem como "Cuba sim, yankees não. Viva Fidel e a revolução" também foram ecoadas.

O destaque na pontuação foi também para a Comissão de Frente, que na Passarela Nego Quirido montou um mosaico com o rosto de Che Guevara, e para a bateria UIM, com todos os seus integrantes vestidos de guerrilheiros revolucionários.


Destaque em carro, filha de Che Guevara, ajuda escola a conquistar o Carnaval de Florianópolis. Foto: Fabricio Escandiuzzi/Especial para Terra

Fonte: da redação do vermelho, com agências

Pérolas de Belchior...

Créditos: UmQueTenha

 

Belchior – Era Uma Vez Um Homem e O Seu Tempo / Medo de Avião (1979)


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Belchior – Belchior (1974)


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Belchior – Vício Elegante (1996


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Um novo modelo para o Brasil: o caminho do bom senso


Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum. O Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. O artigo é de Ladislau Dowbor.


O economista Ladislau Dowbor elaborou um documento intitulado “Brasil: um outro patamar - Propostas de estratégia”, que incorpora o cerne das discussões travadas no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) ao longo dos últimos cinco anos, com objetivo de esboçar uma “Agenda Brasil” para a década que se inicia.

O documento busca desenhar em grandes traços o novo referencial, tanto nacional como internacional, que incide sobre os rumos desta década. “O Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo”, diz Dowbor.

A Carta Maior está publicando quatro dos principais capítulos deste trabalho - um a cada dois dias, com o link para a versão integral do texto. Publicamos hoje a segunda parte: "Um novo modelo: o caminho do bom senso".


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O Brasil optou pelo enfrentamento da desigualdade como seu eixo estratégico principal. A materialização da estratégia se deu através da ampliação do consumo de massa. A visão enfrentou fortes resistências no início, mas os efeitos multiplicadores foram-se verificando no próprio processo de ampliação das políticas. Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum.

Os avanços sociais sempre foram apresentados no Brasil como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos e pelo aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados.

É importante lembrar que faz todo sentido, para uma empresa individual, achar que com menos direitos sociais ou menores salários poderia reduzir os seus custos, tornando-se inclusive mais competitiva relativamente aos seus concorrentes. Mas a aplicação desta visão ao conjunto das empresas resulta em estagnação para todos. Em termos práticos, o que faz sentido no plano microeconômico, torna-se assim um entrave em termos mais amplos, no plano macroeconômico. As políticas redistributivas aplicadas de forma generalizada, atingindo portanto o conjunto das unidades empresariais, geram também mercados mais amplos para todos, reduzindo custos unitários de produção pelas economias de escala, o que por sua vez permite a expansão do consumo de massa, criando gradualmente um círculo virtuoso de crescimento. Se sustentada por mais tempo, esta política passa a pressionar a capacidade produtiva, estimulando investimentos, que por sua vez geram mais empregos e maior consumo.

A expansão simultânea da demanda e da capacidade produtiva promove desenvolvimento sem as pressões inflacionárias de surtos distributivos momentáneos. A espiral de crescimento passa a ser equilbrada. E a verdade é que os setores que estagnam em termos salariais e de direitos sociais, também tendem a se acomodar em termos de inovação em geral.

Esta compreensão dificilmente se generaliza com explanações teóricas apenas. No entanto, a constatação de que funciona quando aplicada de maneira sustentada, e que viabiliza os negócios de cada um, convence muita gente, que vê os resultados práticos. De certa forma, o Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo.

Uma segunda mudança, também ditada pelo bom senso, encontra-se na ampliação das políticas sociais em geral, envolvendo a educação, a saúde, a formação profissional, o acesso à cultura e à internet, à habitação mais digna. Aqui também está se invertendo uma visão tradicional. A herança teórica, das simplificações neoliberais, é de que quem produz bens e serviços, portanto o setor produtivo privado, gera riqueza. Ao pagar impostos sobre o produto gerado, viabiliza as políticas sociais, que representariam um custo. Deveríamos portanto, nesta visão, maximizar os interesses dos produtores, o setor privado, e moderar as dimensões do Estado, o gastador. A realidade é diferente. Quando uma empresa contrata um jovem engenheiro de 25 anos, recebe uma pessoa formada, e que representa um ativo formidável, que custou anos de cuidados, de formação, de acesso à cultura geral, de sacrifícios familiares, de uso de infraestruturas públicas as mais diversas, de aproveitamento do nível tecnológico geral desenvolvido na sociedade.

As políticas sociais não constituem custos, são investimentos nas pessoas. E com a atual evolução para uma sociedade cada vez mais intensiva em conhecimento, investir nas pessoas é o que mais rende. A compreensão de que os processos produtivos de bens e serviços e as políticas sociais em geral são como a mão e a luva no conjunto da dinâmica do desenvolvimento, um financiando o outro, sendo todos ao mesmo tempo custo e produto, aponta para uma visão equilibrada e renovada das dinâmicas econômicas.

Um terceiro elemento chave é a política ambiental. A visão tradicional amplamente disseminada apresenta as exigências da sustentabilidade como um freio à economia, impecilho aos investimentos, entrave aos empregos, fator de custos empresariais mais elevados. Trata-se aqui simplesmente de uma conta errada, e amplamente discutida já em nível internacional, com a refutação do argumento da externalidade. Fazer o pre-tratamento de emissões na empresa, quando os resíduos estão concentrados, é muito mais barato do que arcar depois com rios e lençóis freáticos poluídos, doenças respiratórias e perda de qualidade de vida.

Para a empresa ou uma administração local, sai realmente mais barato jogar os dejeitos no rio, mas o custo para a sociedade é incomparavelmente mais elevado. Desmatar a Amazônia gera emprego durante um tempo, mas não o mantém, a não ser com a progressão absurda da destruição. Aprofundar os investimentos em saneamento básico, em contrapartida, gera empregos, reduz custos de saúde, e aumenta a produtividade sistêmica. Investir em tecnologias limpas tende a promover os setores que serão mais dinâmicos no futuro e melhora a nossa competitividade internacional. E ao tratar de maneira sustentável os nossos recursos naturais, capitaliza-se o país para as gerações futuras, em vez de descapitalizá-lo. Fator igualmente importante, na economia global moderna uma política coerente em termos ambientais gera credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que por sua vez abre mercados. A verdade é que a política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura, e se incorpora na nova política econômica que se desenhou no país.

Um quarto eixo de política econômica encontra-se no resgate da capacidade de planejamento das infraestruturas do país. Boas infraestruturas, ao baratearem o acesso ao transporte, comunicações, energia, água e saneamento, geram economias externas para todos e elevam a produtividade sistêmica do território. O custo tonelada/quilómetro do transporte de mercadorias no Brasil é proibitivo, pois transportar soja e outros produtos de relação peso/valor relativamente baixo, em grandes distâncias, por caminhão, gera sobrecustos para todos os produtores. O resgate do transporte ferroviário, a reconstituição da capacidade de estaleiros navais e de transporte de cabotagem, a priorização do transporte coletivo nas metrópoles, o barateamento do acesso a serviços de telecomunicações e de internet banda larga, a busca da produtividade na distribuição e uso de água e em particular no destino dos esgotos, o reforço das fontes renováveis na matriz energética, conformam uma visão que pode abrir um imenso caminho de avanço para o conjunto das atividades econômicas.

O planejamento e a forte presença do Estado são aqui essenciais. As infraestruturas constituem grandes redes que articulam o território. Constituem neste sentido um dos principais vetores de redução dos desequilíbrios regionais do país Precisam, por exemplo, ser ampliadas nas regiões mais pobres, para dinamizar e atrair novas atividades, e são políticas públicas que podem arcar com este tipo de investimentos de longo prazo justamente nas regiões onde não geram lucros imediatos. Isto envolve planejamento, visão sistêmica e de longo prazo. As metrópoles brasileira estão se paralizando por excesso de meios de transporte e insuficiência de planejamento. O resgate desta visão, e a dinamização de investimentos coerentes com as necessidades do território, constituem um trunfo para o desenvolvimento, e deverão desempenhar um papel essencial nesta decada.

Assim, políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, a ampliação dos investimentos nas pessoas através das políticas sociais focalizadas, a gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental no conjunto dos processos decisórios de impacto econômico, e a dinâmica de investimentos de infraestruturas que tanto reduzem o custo Brasil através das economias externas como melhoram a competitividade internacional, conformam um modelo que, em clima democrático e de paz social, está abrindo novos caminhos. Ter um modelo que não apenas faz sentido teórico, mas funciona, e convence grande parte dos atores econômicos e sociais do país, é um trunfo importante.

A íntegra do documento
Brasil: um outro patamar - Propostas de estratégia

Na página do autor, o documento também está disponível nas versões em espanhol e inglês.