quinta-feira, 21 de abril de 2011

Complexidade em educação


JUREMIR MACHADO DA SILVA*
 
Ontem, falei aqui das dificuldades de ser complexo. É muito complicado. Daí a preferência de alguns pelos simplismo. Em educação, complexos e simplistas travam batalhas e mais batalhas. O nostálgico pedagógico adora dizer que no seu tempo era melhor. Antigamente é que era bom. De que tempo se fala? Do século XX da Primeira ou da Segunda Guerra Mundial? Do nazismo ou do comunismo? Das ditaduras sul-americanas ou da Guerra Fria? Antigamente é que era bom: o professor ensinava e o aluno aprendia. A maioria esmagadora da população era de analfabetos. Eta, tempo bom! Conheço um sujeito, latinista deslumbrado, cujos raciocínios confusos me impressionam, que vive dizendo: "Quem estuda latim pensa com mais clareza".

Os nostálgicos desse passado mítico defendem a volta do "ensino tradicional", algo como disciplina férrea, tabuada na ponta da língua, ditado todo dia, os afluentes do Amazonas na memória, alunos levantando quando o professor entra e, se duvidar, aula de moral e cívica. Estou, claro, simplificando. Sonham com um tempo em que memorizar era decisivo, pois não havia memória artificial. Querem voltar à era pré-Google. Já os novos pedagogos apostam no lúdico, na liberdade e na construção do conhecimento pelo principal interessado, o aluno. Costumam detonar as chamadas aulas expositivas, aquelas em que o professor fala e o aluno escuta. Ou finge. Exageram um pouco. As aulas podem e devem ser lúdicas. Mas sempre haverá a exigência de uma pontinha de sacrifício. Também se aprende ouvindo. Ou ninguém pagaria R$ 200 mil por uma palestra do Lula. Nem haveria público para o Fronteiras do Pensamento. Ou é puro espetáculo?

É mais difícil ser professor hoje: precisa convencer, encantar, mobilizar e liderar. Não funciona na palmatória, no grão de milho, no castigo ou no discurso de autoridade. É mais fácil ser professor hoje: há mais informação disponível e mais meios tecnológicos de acesso a essas informações. Quem busca soluções simplistas para problemas complexos, pensa assim: precisamos reprovar mais. É a "doma" tradicional. Na paulada. Sempre me revoltou uma coisa na administração do ensino: o aluno cursava, sei lá, seis matérias num determinado ano da escola. Rodava numa. Era obrigado a repetir todas. Por quê? Porque a escola não sabia se organizar de outra maneira para oferecer-lhe a repetição da disciplina em que fora reprovado permitindo que avançasse nas outras. Para ficar nessa linguagem crua, a punição era desproporcional ao erro. A questão maior era de custos.

Obrigava-se o aluno a repetir tudo por uma questão de economia. Era mais fácil e mais barato inseri-lo totalmente na turma seguinte. Ainda é? Sou professor universitário. O nível dos alunos que nos chega a cada semestre é muito bom. Não fica atrás, por exemplo, do nível da minha turma, que entrou na universidade em 1980. Em alguns aspectos, os alunos de hoje são superiores. Por exemplo, em domínio de língua estrangeira. Chega de nostalgia. Cada época produz o seu imaginário pedagógico.

*JUREMIR MACHADO DA SILVA é escritor, jornalista e professor

** Artigo publicado no jornal Correio do Povo, edição de 19 de abril de 2011

O diário do Araguaia


Em entrevista, o jornalista Lucas Figueiredo fala dos manuscritos de Maurício Grabois, líder da guerrilha, revelados na próxima edição de CartaCapital e que foram mantidos sob sigilo pelo Exército por 38 anos. Leia também a íntegra do documento histórico
Durante 605 dias, o Velho Mário, nome verdadeiro Maurício Grabois, dirigente histórico do PCdoB e líder da Guerrilha do Araguaia, registrou em diário a saga dos 68 combatentes que se isolaram na Amazônia com o propósito de tomar o poder dos militares. Entre registros factuais e impressões pessoais, o comandante escreveu mais de 86 mil palavras até ser executado pelos militares em 25 de dezembro de 1973. O diário foi recolhido pelos seus algozes e, posteriormente, copiado em forma de documento digitado e guardado na grande gaveta de papéis secretos do Exército.
O mistério acabou. CartaCapital obteve uma cópia integral do diário. Trata-se de uma visão particular de Grabois, quase sempre sozinho a anotar os momentos de angústia e tensão na mata. Em entrevista, o jornalista Lucas Figueiredo, autor da reportagem de capa da edição que chega às bancas a partir desta quinta-feira 21, fala sobre o diário, cuja íntegra original pode ser lida aqui e uma versão explicativa, aqui.

 CartaCapital: O que mais chamou a sua atenção no diário de Grabois?

Lucas Figueiredo: Esse diário é o registro histórico mais aprofundado da Guerrilha do Araguaia. O documento possui mais de 86 mil palavras. Para se ter uma ideia, o texto digitalizado completou 150 páginas de tamanho A4, que cobrem 605 dias de conflito. Além de lançar luzes sobre esse episódio nebuloso da ditadura, o documento é uma peça valiosa por incluir o relato pessoal de Grabois. Toda a sua dor, angústia, solidão, saudades da família estão contempladas no texto, que revela o lado humano do guerrilheiro.

CC: O que esse material acrescenta para a compreensão da guerrilha?

LF: Pela primeira vez temos acesso a um relato mais profundo por parte dos guerrilheiros do período mais sangrento da Guerrilha do Araguaia. Grabois foi executado em 25 de dezembro de 1973. Foi um dos últimos insurgentes a morrer. Na prática, houve três grandes campanhas dos militares contra a guerrilha. Na última, não houve preocupação de efetuar prisões, e sim de eliminar os combatentes. Como o diário vai de abril de 1972 a dezembro de 1973, temos mais informações sobre essa fase final. Os poucos sobreviventes, não mais do que meia dúzia, não deixaram relatos consistentes. Um deles, Ângelo Arroyo, morreria em 1976 na chacina da Lapa, no Rio de Janeiro. Os demais eram desertores, não quiseram falar muito sobre o que aconteceu. Esse diário está nos arquivos sigilosos das Forças Armadas desde então. Só foi revelado agora por CartaCapital.

CC: Como você definiria a liderança exercida por Grabois?

LF: Ele era muito mais rígido com os outros do que com ele mesmo ou com o seu partido, o PCdoB. Grabois tinha sob o seu comando 68 combatentes, em sua maioria jovens na faixa dos 25 anos, estudantes universitários ou profissionais liberais. Gente que nunca pegou em armas antes, que nunca teve treinamento militar. Ele esperava que esses 68 neófitos, como costumava dizer, fossem capazes de enfrentar soldados profissionais das três Forças Armadas, agentes da Polícia Federal e policiais de três estados diferentes. Exigia rigor absoluto, erro zero. Como se esse pequeno grupo pudesse atuar como rambos no Araguaia. Além disso, Grabois teve graves erros de avaliação. Imaginava que, com o tempo, as massas iriam aderir à guerrilha. Mas a população local oferecia apenas apoio pontual, doava comida e oferecia abrigo para os combatentes pernoitarem em algumas ocasiões. Jamais os campesinos se dispuseram a engrossar as fileiras da insurgência. Grabois também costuma ouvir muito a Rádio Tirana, da Albânia, que pregava propaganda comunista e alardeava um grande movimento insurrecional no Araguaia. Ele passou a acreditar no que escutava. A rádio passava propaganda e ele tomava como verdade. Trata-se de um erro de avaliação indesculpável para um líder revolucionário.
A reportagem completa sobre o diário de Grabois está na edição impressa de CartaCapital que chega às bancas em São Paulo na quinta-feira 21 e no resto do País na sexta-feira 22.

A bolha restaurada (ou a turbulência em céu azul)


O duplo choque ao qual estão sujeitos os países periféricos, após o desdobramento da crise de 2008, traz novos constrangimentos e não pode ser gerido tão somente com instrumentos macroeconômicos convencionais, sob pena de produzir graves crises nesses países. Por exemplo, a tentativa de reduzir o choque inflacionário decorrente do aumento de preços das commodities, por meio da política monetária, além de relativamente inócuo, exacerba a atração de novos capitais. Deixar a moeda nacional apreciar como resposta, compromete de modo significativo a competitividade das exportações de manufaturados. O artigo é de Ricardo Carneiro.


A economia brasileira, da América Latina, e por que não dizer, do conjunto dos países periféricos, vive hoje uma conjuntura peculiar marcada por um duplo choque: o dos elevados e crescentes fluxos de capitais para eles direcionados, e o dos altos e voláteis preços das commodities. Aquilo que poderia ser uma benesse termina por se constituir numa perturbação, internalizando desde fora desequilíbrios com quais a política econômica tem que lidar, obrigando-a a abandonar prioridades domésticas em benefício da gestão desses choques externos.

O momento atual ressalta como patéticas as intepretações das agências multilaterais – FMI e Banco Mundial – e segmentos dos mercados financeiros internacionais, que desde alguns anos vêm insistindo no decoupling das economias emergentes, entendida como a capacidade dessas últimas em manter elevados ritmos de crescimento, de forma independente da trajetória das economias desenvolvidas. Esta tese esteve ancorada em observações empíricas - como o ritmo mais rápido de crescimento dos emergentes – desconsiderando os mecanismos de geração e transmissão desse crescimento e, mais recentemente, enfatizou a capacidade de preservação desse último, sem novamente atentar para as implicações da forma pela qual a crise foi equacionada nos países centrais.

O que parecia ser uma trajetória benigna e independente, tem se transformado numa crescente perturbação, com apreciações cambiais indesejadas, pressões inflacionárias e desaceleração do crescimento doméstico nos países periféricos. Para lidar com essas consequências do duplo choque, a política macroeconômica convencional tem sido impotente exigindo a crescente utilização de instrumentos não convencionais, como as políticas macro-prudenciais e de regulação, sob pena de agravar ainda mais os desequilíbrios iniciais e lançar essas economias numa trajetória de baixo crescimento ou recrudescimento da inflação. As tarefas que se exige da política econômica no plano nacional são, portanto, ingentes e tão mais complexas quanto menores forem as mudanças a serem implementadas no plano internacional.

1. Os choques internacionais
Em trabalho recente, Ilmar Akyuz, o economista chefe do South Center, discute os determinantes dos fluxos de capitais para os países periféricos nos vários ciclos, desde o pós-guerra. Com a correta perspectiva de que esses fluxos tem seu determinante principal, nas variações da preferencia pela liquidez/aversão ao risco nas economias centrais, o autor chega aos determinantes do ciclo recente associando-os à política monetária americana, de criação de liquidez por meio do quantitative easing, uma forma de injeção de moeda na economia, em alta escala, por meio de compra de títulos públicos de maturidade variada e, portanto, de manutenção de baixas taxas de juros em vários prazos. O autor ressalta o baixíssimo patamar de taxa de juros de curto prazo, próxima da fronteira zero, com fator crucial na originação de fluxos de capitais especulativos em direção aos países periféricos, cujo sentido maior é a busca de retorno mais altos proporcionados por diferencial por taxas de juros ou, simplesmente por rendimentos mais altos nos vários mercados de ativos. Como tem sido observado historicamente, esses fluxos de capitais geram bolhas expressivas nos mercados cambiais, de ativos e de crédito, além de deprimirem a competitividade das exportações de manufaturas.

A particularidade do auge do ciclo recente, após 2003, é que nele se observa também um substancial aumento e volatilidade nos preços das commodities. Com o mesmo padrão dos fluxos de capitais, esses preços sobem continuadamente desde essa data, sofrendo uma brusca queda em 2009, mas já ultrapassando o pico anterior após o primeiro trimestre de 2011. O essencial a destacar é que a simultaneidade entre os dois movimentos cria uma situação peculiar, de duplo choque, com determinantes semelhantes, exacerbando as suas implicações e as dificuldades em lidar com seus movimentos.

Atribuir ao ciclo de preços de commodities, as mesmas causas dos fluxos de capitais parece, à primeira vista, uma impropriedade. Isto porque a elevação desses preços está bastante associada ao ciclo forte e continuado de crescimento dos países asiáticos, em particular da China e da Índia, e às características da produção desses bens. Todavia, o argumento não desconhece esses importantes impulsos para o aumento dos preços, mas ressalta o caráter especulativo implícito tanto na magnitude da sua variação como também na sua volatilidade.

Diversos trabalhos da UNCTAD têm procurado caracterizar a relevância dos processos especulativos na formação dos preços das commodities. O aspecto mais saliente é a crescente dominância dos mercados de derivativos – futuros e opções - e dos investidores financeiros, na determinação dos preços nesses mercados que se transmitem por arbitragem para os mercados à vista. A presença maciça desses especuladores, para os quais as commodities passam a constituir parte relevante de seus portfólios, termina por conectar os mercados desses bens ao comportamento de variáveis-chave com a taxa de juros de curto prazo, conformando uma operação de carry trade. O baixo patamar da taxa de juros e as expectativas de sua preservação, decorrentes da política monetária americana, têm estimulado as operações de especulação, o overshooting, e a volatilidade dos preços das commodities.

O mesmo tipo de argumentação pode ser utilizado para explicar o aumento desmesurado dos fluxos de capitais. De um lado, não se pode negar que há fatores de atração relevantes, pois a melhora do comércio exterior desses países, decorrentes do crescimento global e, para vários latino-americanos, da melhoria dos preços de intercâmbio, permitiu aprimorar consideravelmente os fundamentos, por meio da acumulação de reservas internacionais e redução do endividamento público líquido, externo e interno. Mas, o overshooting só se explica pelo diferencial de rentabilidade que foi significativamente ampliado com a redução da taxa de juros americana e das demais economias desenvolvidas.

Em defesa da política econômica vigente, argumentam as autoridades monetárias norte-americanas que esta é a única forma de manter o estímulo ao crescimento, em uma economia debilitada pela crise financeira. Dado que o socorro inicial, por parte do setor público, implicou numa absorção de dívida do setor privado e num aumento substancial do déficit, o que contribuiu ainda mais para ampliar a dívida pública, a política fiscal viu-se crescentemente manietada. De novo, embora não falte significância ao argumento, ele não explica porque se despreza os efeitos que esse perfil de política tem no restante do mundo, ainda mais porque se trata de ações de política em torno de uma moeda reserva.

O fato apontado acima põe em relevo a contradição clássica, da moeda reserva internacional ser uma moeda nacional, no caso, o dólar. Sendo assim, a política deveria prever salvaguardas para os demais países contra os seus efeitos colaterais. Se estas salvaguardas existissem, na forma, por exemplo, de limitação da mobilidade de capitais, elas certamente não inviabilizariam a implementação e a efetividade das políticas monetárias.

Todavia, implicariam em reduzir o papel do dólar como moeda reserva. Essa é a razão essencial que explica a sua não disseminação, ou seja, o interesse norte-americano em preservar o papel do dólar e sua seignioriage.

2. Os contornos da política econômica
Num importante documento lançado após a crise de 2008, o FMI examina criticamente a política econômica posta em prática nos países desenvolvidos, concluindo que a ênfase exclusiva na estabilidade de preços e, a despreocupação com as dimensões regulatórias do sistema financeiro, terminaram por engendrar a crise. Dentre as suas propostas de revisão do arcabouço da política econômica nos países centrais, destaca-se claramente uma revisão do papel e ênfase acentuada na política regulatória. A combinação desta última com políticas macroeconômicas adequadas – sem precedências ou hierarquias – criaria o clima de estabilidade para a operação da economia, sem os riscos de eventuais desequilíbrios financeiros como os observados na crise recente.

Não deixa de ser curioso que ao tratar da mesma questão com foco nos países emergentes, o FMI mude as suas ênfases. Assim, por exemplo, ao discutir as relações entre as políticas macroeconômicas e a política regulatória – no caso a política de controle dos fluxos de capitais – estabelece uma hierarquia entre elas propugnando que as últimas só devam ser utilizadas como instrumento de última instância. Partem do princípio de que as políticas de regulação dos fluxos de capitais seriam utilizadas para reparar o mau funcionamento das políticas macroeconômicas, ou seja, o caráter disciplinador da abertura financeira sobre o perfil da política macroeconômica seria impedido de funcionar, num contexto de restrição da mobilidade de capitais.

O argumento, além de incoerente; talvez porque questiona a mobilidade de capitais, e fira os interesses do maior sócio do FMI; deixa de considerar importantes implicações dos fluxos de capitais para os países periféricos: a desregulação desses fluxos tem os mesmos efeitos para esses países, do que a desregulação financeira para os países centrais. Ou seja, por meio da valorização/desvalorização das moedas locais, o movimento de capitais tem sido um dos principais determinantes das bolhas de preços de ativos e/ou de crédito, do seu inflar quando da fase de absorção e, do estouro, durante a saída. De forma diferente do que diz o FMI, em muitas ocasiões, um perfil saudável e adequado de políticas e situações macroeconômicas se viu deteriorado pelo excessivo afluxo de capitais.

O duplo choque ao qual estão sujeitos os países periféricos, após o desdobramento da crise de 2008, pela sua intensidade, traz novos constrangimentos e não pode ser gerido tão somente com os instrumentos macroeconômicos convencionais, sob pena de produzir graves crises nesses países. Por exemplo, a tentativa de reduzir o choque inflacionário decorrente do aumento de preços das commodities, por meio da política monetária, além de relativamente inócuo, exacerba a atração de novos capitais. Deixar a moeda nacional apreciar como resposta, compromete de modo significativo a competitividade das exportações de manufaturados. A utilização da política fiscal via saldo primário, para anular o choque, tem os mesmos inconvenientes no que tange à trajetória inflacionária. Pode ser mais eficaz, no que se refere à esterilização do saldo de divisas, mas a magnitude do choque pode torná-la insuficiente, além de inviabilizar políticas redistributivas e de estímulo ao crescimento em curso nesses países.

De tudo isso, se conclui que a política econômica dos países periféricos terá que mudar necessariamente seu perfil encaminhando-se para práticas não canônicas, sem esperar mudanças significativas no arcabouço da regulação global. O seu sentido geral, será o de combinar a política regulatória com as políticas macroeconômicas convencionais, sem estabelecimento de hierarquias ou prioridades. O objetivo maior, pelo menos na atual conjuntura, será o de insular as economias do duplo choque em andamento. Para tanto, terá que aperfeiçoar os instrumentos de controle dos fluxos de capitais com a preocupação de estendê-los aos mercados de derivativos. Por outro lado, precisará criar ou aperfeiçoar políticas capazes de dirimir os choques de preços das commodities. Nessa direção, uma medida importante seria o estabelecimento ou ampliação dos fundos de estabilização com recursos oriundos da tributação extraordinária das exportações de commodities.

(*) Professor do Instituto de Economia e Diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP

Nova Constituição húngara: “Deus, Pátria, Família”


A maioria de direita que governa a Hungria e preside à União Europeia aprovou o novo projecto de Constituição do partido do primeiro ministro Victor Orban no qual se sublinham a importância do cristianismo na “preservação da nossa nacionalidade”, a pertença do país à “Europa cristã” e o papel da família como base da sociedade, conceito que, no limite, permitirá aos pais votar em nome dos filhos menores.
 
A maioria de direita que governa a Hungria e preside à União Europeia aprovou o novo projecto de Constituição do partido do primeiro ministro Victor Orban no qual se sublinham a importância do cristianismo na “preservação da nossa nacionalidade”, a pertença do país à “Europa cristã” e o papel da família como base da sociedade, conceito que, no limite, permitirá aos pais votar em nome dos filhos menores.

“Deus abençoe a Hungria” é o subtítulo do projecto constitucional aprovado terça-feira pelo Parlamento de Budapeste e que deverá entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2012. O documento afirma a separação das igrejas e do Estado mas no preâmbulo “reconhece o papel do cristianismo na preservação da nossa nacionalidade”, embora admita a existência de “diferentes tradições religiosas no nosso país”.
“Estamos orgulhosos de que o nosso rei Santo Estêvão tenha criado a Hungria com alicerces fortes há mil anos tenha tornado o nosso país membro da Europa cristã”, afirma o preâmbulo da nova Constituição.
O documento salienta igualmente o papel da Hungria “batalhando ao longo de séculos para proteger a Europa”, querendo isso dizer, segundo os autores, o envolvimento nas guerras contra os turcos e os soviéticos.
O novo texto é apresentado pelos autores como “uma Constituição para o século XXI” e define a família como “base para a sobrevivência da nação”, estabelecendo vantagens fiscais e eleitorais para os agregados familiares mais numerosos.
Um aspecto considerado “único” pelos dirigentes do partido Fidesz de Orban é o conteúdo do artigo XXI, no qual uma super-maioria de dois terços poderá proporcionar poderes adicionais aos pais de famílias numerosas para votarem em nome dos filhos menores. O artigo é omisso quanto à situação de pais divorciados mas permite concluir, por exemplo, que a família do actual primeiro ministro, com quatro filhos ainda menores, poderá votar seis vezes.
O artigo afirma que “não pode ser considerada uma infracção à lei da igualdade dos direitos de voto” a atribuição de votos adicionais aos pais em nome de filhos menores. Associações de cidadãos começaram já a lutar contra este artigo por considerarem que viola a Declaração Fundamental dos Direitos do Homem, mas o partido de Orban dispõe de super-maioria de dois terços no Parlamento.
A nova Constituição húngara é discriminatória, designadamente para os homossexuais. A Hungria, afirma, “protege a instituição do casamento entre o homem e a mulher, uma relação matrimonial voluntariamente estabelecida”. Interrogado sobre a eventualidade dos casamentos homossexuais, um porta-voz do Fidesz explicou que nada na legislação europeia impõe que esse tipo de união seja questão para uma Constituição do século XXI.
A interrupção voluntária da gravidez torna-se liminarmente anti-constitucional à luz da nova Lei Fundamental húngara: “a vida de um feto deve ser protegida desde a concepção”, lê-se no documento.
De acordo com a nova Constituição, o Estado deve manifestar “sentido de responsabilidade” na defesa dos húngaros fora do país, designadamente apoiando “os seus esforços para preservarem a cultura húngara”.
A Lei Fundamental da Hungria passa a exigir maiorias de dois terços no Parlamento para aprovar legislação europeia, designadamente eventuais alterações ao Tratado de Lisboa.

Artigo publicado no site do Grupo Parlamentar Europeu do Bloco de Esquerda.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Educação musical é obrigatória


Prazo para escolas introduzirem música no currículo vence em agosto, mas número de profissionais é insuficiente

15º núcleo do cpers

O ensino de música terá que ser obrigatório nas escolas brasileiras das redes públicas e particulares até agosto deste ano. A exigência foi prevista na Lei 11.769, sancionada há três anos pelo finado José Alencar, vice-presidente da República em exercício na época. Dados da Secretaria da Educação do Estado de Goiás mostram que a introdução da música no currículo das escolas goianas é anterior à lei. Em 2005, foi realizado o primeiro concurso específico para contratação de professores de música. Desde esse período, quatro certames foram realizados no Estado. O último aconteceu no ano passado, mas nenhum deles foi capaz de suprir a quantidade de vagas necessárias para que as escolas ofereçam o ensino musical aos estudantes. O número de profissionais no mercado é insuficiente para atender à demanda exigida.
A coordenadora do curso de licenciatura em música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e representante estadual da Associação Brasileira de Educação Musical (Abem), Nilceia Protásio, afirma que, por ano, a UFG forma, em média, 15 profissionais de música. Desse total, não significa que todos vão optar por trabalhar na educação básica. Outros campos de trabalho como escolas específicas do ramo e projetos sociais podem atrair o interesse dos graduados, contribuindo para que a modalidade demore a se efetivar como disciplina da grade escolar.
Para tentar driblar a insuficiência de profissionais qualificados, o projeto de lei propôs uma brecha no ato de sanção da lei, vetando a qualificação específica em música do professor que vai lecionar a modalidade. A questão gerou polêmica e levantou controvérsias entre os profissionais da área. Nilceia acredita que a formação profissional deve ser ensinada por um profissional graduado e não por quem tem experiência na área. "A música é uma área de conhecimento e deve ser ministrada por profissionais habilitados, com formação musical e pedagógica. Como professora, defendo que o respeito pelo ensino de música está diretamente ligado ao respeito pelo profissional da área. Se um médico ou advogado não pode exercer a profissão sem ser devidamente habilitado e possuir um certificado para exercer sua profissão, na área de educação não tem que ser diferente", questiona.
A pedagoga e violonista Vilma Helrilg, que dá aulas particulares de violão popular há 10 anos e, atualmente, trabalha na Escola de Música de Morrinhos, no interior do Estado, acredita que a transmissão do conteúdo musical na educação básica não é tão profunda ao ponto de se exigir que o professor tenha graduação na área. "Na educação básica, não vamos formar profissionais músicos, pelo menos, inicialmente. Devemos fazer uma iniciação musical de forma que ela seja utilizada como uma ferramenta pedagógica." Vilma vê a música como arte e justifica que o talento é aperfeiçoado com a prática e que o fato de não ter anos de estudos não significa que o seu dom natural será diminuído. Por outro lado, ela é a favor da graduação para aquelas pessoas que pretendem formar músicos e não apenas introduzir conteúdos na educação básica.
A musicista Luz Marina Alcantara, diretora do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, que é vinculado a Secretaria da Educação do Estado para capacitar professores nas diversas linguagens da arte, incluindo a música, explica que a categoria é a que conta com maior número de projetos no âmbito das escolas, dentro das áreas artísticas. Ela considera que em ações que envolvam coral, bandas, fanfarras e instrumentos de cordas é possível a contratação de alguém que tenha conhecimento na área, embora, sem a formação exigida. Entretanto, para o ensino em sala de aula, ela defende a obrigatoriedade da formação. "Assim como em todas as demais áreas do conhecimento, a música na escola exige um profissional com formação, no caso, licenciatura em educação musical para a disciplina música e licenciatura em instrumento musical para as aulas específicas de instrumentos ou outras modalidades desta área", considera.
Alternativas
Para conseguir contornar a falta de professores específicos e cumprir a lei dentro do prazo exigido para a implementação da música como disciplina na Educação Básica, que prevê as adequações até agosto deste ano, Luz Marina aponta alternativas possíveis dentro da realidade goiana. "Neste momento, temos verificado junto às instituições formadoras presentes no nosso Estado, a possibilidade de ampliação da oferta dos cursos de licenciaturas em educação musical, presenciais e à distância. Dentro de certo prazo, novos profissionais surgirão, possibilitando o cumprimento da lei", afirma.
Nilceia, coordenadora de licenciatura em Música da UFG, aposta que o prazo exigido pela lei não conseguirá preencher as vagas das mais de mil unidades de ensino espalhadas por Goiás. Para ela, falta investimentos na valorização do profissional habilitado e isso reflete no pequeno número de candidatos aptos a lecionar. "Seria muita ingenuidade pensar que atenderemos a demanda de todas as escolas de Goiás com professores habilitados em música - isso se incluirmos as cidades do interior. Muitos licenciados em Música optam por não atuarem na educação básica. Dentre os fatores, estão as condições de trabalho e a falta de valorização que é refletida nos salários.

fonte: clique aqui

Filme Russo de comédia....

GOROD ZERO – 1990

From Russia, Kafka in Wonderland

Com enfoque Kafkaniano, o ambiente parece mais com o País das Maravilhas de Lewis Carroll do que Moscou. Gradualmente, Aleksei é roubado de sua liberdade e de sua identidade, com direito à queda na toca do coelho.

O filme retrata de forma magistral o espírito da época, o sentido humano daquela sociedade no final dos anos 80. É para isto que precisamos de arte e de criadores que intuam os fluxos sociológicos e os sintetizem em sua expressão artística, e a nossa adorável arte cinematográfica foi premiada com uma peça maravilhosa, com humor inteligente e abordagem inusitada.

Muitos críticos vêm o filme como uma crítica ao período Stalinista, nada mais longe desta abordagem fácil, o filme retrata a URSS no período em que foi filmado, onde tudo era absurdo e disfuncional. Aliás, no período de Stalin foi o contrário, a URSS saiu de uma sociedade agrícola atrasada para uma superpotência industrial-nuclear, além de derrotar a Alemanha no meio do caminho. O filme não faz crítica ao autoritarismo.
O filme trata da história do engenheiro Aleksei Varakin de Moscou que chega a uma pequena cidade para solicitar alterações nos componentes que uma fábrica local fornece a sua empresa, e a partir de sua chegada para uma reunião com o diretor da empresa, iniciam-se eventos absurdos e o pobre engenheiro é envolvido em um turbilhão de situações sem nexo.
A sucessão de absurdos faz mímica com a URSS da época, é genial a abordagem. A URSS da época já havia perdido o sentido para seus cidadãos, caminhava lentamente por inércia, como uma lembrança de um passado perdido que não tinha mais razão.

A atmosfera da primeira cena do filme, o desembarque na estação, o céu enevoado, o homem parado, o trem, é uma introdução elegante para o ambiente bizarro do filme, mas a direção mantém sempre o ritmo, a sátira, o inesperado, um grande filme, um jeitão soviético, completamente distinto da rima e métrica que estamos habituados no ocidente, foi um prazer assistir.

Fontes: engajarte.blogspot e nytimes/movies.review


GOROD ZERO – 1990


Título original: Город Зеро (Gorod Zero)
Título em inglês: Zero City
Direção: Karen Shakhnazarov
Roteiro: Aleksandr Borodyanskiy e Karen Shakhnazarov
Gênero: Drama/ Comédia
Origem: União Soviética
Ano de lançamento: 1990
Música: Eduard Artemiev
Fotografia: Nikolay Nemolyaev
http://www.imdb.com/title/tt0095244/ - 7.4/10


Sinopse:

Engenheiro moscovita viaja para uma cidade interiorana com a missão de especificar para uma indústria local mudanças práticas nos aparelhos de ar condicionado que fabrica. Porém nesta cidade todos parecem ser loucos e ele acaba envolvido em um misterioso caso de suicídio. Curioso e inteligente filme do período da Perestroika, com roteiro surrealista.


Elenco:

Leonid Filatov - Aleksei Varakin
Oleg Basilashvili – o escritor
Vladimir Menshov – o fiscal
Armen Dzhigarkhanyan – o diretor da fábrica
Evgeni Evstigneev – o funcionário do museu
Aleksei Zharkov – o detetive
Pyotr Shcherbakov – o presidente do comitê
Yuriy Sherstnyov – o garçom
Yelena Arzhanik – a secretária


Informações do Arquivo:

Formato: AVI
Qualidade: DVDRip
Áudio: Russo
Legendas: Português/BR
Duração: 98 min
Cor
Tamanho: 1.45 GB em 5 partes

DOWNLOAD:

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SENHA PARA DESCOMPACTAR: acullen

Blogueiros e lideranças políticas avaliam a importância de encontro em São Paulo

Fukushima



Por Michael Löwy

Cada dia aparecem notícias mais assustadoras sobre a catástrofe nuclear de Fukushima. Pela segunda vez em sua história, o povo japonês é vítima da loucura nuclear. Não se sabe ainda a extensão do desastre, mas é óbvio que se trata de uma reviravolta. Na história da energia nuclear, haverá um antes e um depois de Fukushima.

Com Chernobil, o lobby nuclear ocidental tinha encontrado a resposta: é o resultado da gestão burocrática, incompetente e ineficaz, própria do sistema soviético. “Isso jamais aconteceria conosco.” De que vale esse argumento hoje, quando é a nata da indústria privada japonesa que está envolvida?

As mídias colocaram em evidência a irresponsabilidade, o despreparo e as mentiras da Tokyo Electric Power Company (TEPCO) – com a cumplicidade ativa dos órgãos de controle e das autoridades locais e nacionais –, mais preocupada com lucro que com segurança. Tais fatos são indiscutíveis, mas de tanto insistir nesse aspecto, arriscamos perder de vista o essencial: a insegurança é inerente à energia nuclear. O sistema nuclear é fundamentalmente insustentável, os acidentes são estatisticamente inevitáveis. Cedo ou tarde, outras Chernobils e outras Fukushimas acontecerão, provocadas por erros humanos, problemas de funcionamento internos, tremores de terra, acidentes de avião, atentados ou acontecimentos imprevisíveis. Parafraseando Jean Jaurés, pode-se dizer que o nuclear traz a catástrofe como a nuvem traz a tempestade.

Portanto, não é nenhuma surpresa o movimento antinuclear que está se mobilizando outra vez em grande escala, com alguns resultados positivos, como, por exemplo, na Alemanha. A palavra de ordem “Fim imediato da energia nuclear” se espalha como fogo. Entretanto, a reação da maioria dos governos – principalmente na Europa e nos Estados Unidos – é a recusa em sair da armadilha nuclear. Tenta-se acalmar a opinião pública com a promessa de uma “séria revisão da segurança de nossas centrais”. A MOCN, Medalha de Ouro da Cegueira Nuclear, merece ser entregue ao governo francês, do qual um dos porta-vozes, o senhor Henri Guaino, recentemente declarou que “o acidente nuclear no Japão poderia favorecer a indústria francesa, que tem na segurança sua marca principal”. Sem comentários…

Os nucleocratas – uma oligarquia particularmente obtusa e impermeável, afirmam que o fim da energia nuclear significaria o retorno à vela ou à lamparina. A simples verdade é que somente 13,4% da eletricidade mundial é produzida pelas centrais nucleares. Pode-se perfeitamente passar sem ela… É possível, bem provável mesmo, que, sob a pressão da opinião pública, em muitos países sejam consideravelmente reduzidos os projetos delirantes de expansão ilimitada da indústria nuclear e de construção de novas centrais. Mas pode-se temer que isso seja acompanhado de um retrocesso às energias fósseis mais “sujas”: o carvão, o petróleo off shore, as areias betuminosas, o gás de xisto. O capitalismo não consegue limitar sua expansão, ou seja, seu consumo de energia. E como a conversão às energias renováveis não é “competitiva”, pode-se prever uma nova e rápida subida das emissões de gás, aumentando o efeito estufa. O primeiro passo na batalha socioecológica para uma transição energética é a recusa desse falso dilema, dessa escolha impossível entre uma bela morte radioativa ou uma lenta asfixia por aquecimento global. Um outro mundo é possível!

Traduzido do francês por Leonardo Gonçalves.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O destempero das elites diante da vitória do Piso do Magistério, no STF

A CNTE, primando pela decência que rege suas relações institucionais em defesa da educação de qualidade e da valorização dos/as trabalhadores/as das escolas públicas brasileiras, há mais de seis décadas, vem a público repudiar matérias publicadas recentemente na revista Veja e no jornal O Estado de São Paulo, as quais contêm opiniões anacrônicas, reacionárias, preconceituosas e inverídicas.
Ambas as opiniões têm como ‘pano de fundo’ a vitória parcial dos conceitos de piso salarial definidos na Lei 11.738 e que foram questionados no STF pelos então governadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará - considerados pela comunidade escolar “Inimigos da Educação, Traidores da Escola Pública” - através de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.167).
Para quem acompanha atentamente as notícias da educação, o artigo de Veja, assinado por Gustavo loschpe na edição de 11/4/2011, sob o título “Hora de peitar os sindicatos”, e do editorial do Estadão, de 9/4/2011, transpareceram, integralmente, as posições dos que defendem a ADI 4.167. No primeiro caso, trata-se de quase plágio da entrevista concedida pelo Secretário de Educação de São Paulo às Páginas Amarelas da citada revista, edição nº 2.136, de 28 de outubro de 2009, intitulada “Contra o corporativismo”. Já a posição do Estadão sobre a composição da jornada dos professores se pautou em argumentos considerados insuficientes e sem comprovação pela maioria dos ministros do STF presentes no julgamento da ADI 4.167.
Mesmo discordando da posição oficial do Estadão - que carece de profundidade pedagógica e de credibilidade do ponto de vista das supostas insuficiências financeiras de estados e municípios -, reconhecemos que ela expressa, sem subterfúgios, a concepção de Estado e Sociedade de sua linha editorial. Repugnante, no entanto, é a posição de Veja, que se esconde por detrás de um repórter supostamente representante de uma determinada parcela social comprometida com a qualidade da educação pública. Perguntamos, então, a ele (repórter) e à revista: quem vocês representam, de fato, e a qual qualidade educacional se referem?
Indagamos esse veículo de comunicação porque, para a CNTE e para muitos/as brasileiros/as, Veja não passa de um instrumento a serviço das elites desacostumadas a suportar derrotas políticas e judiciais. E, se não bastasse o recorrente desprezo pela imparcialidade - princípio básico do bom jornalismo -, a revista, para vingar-se de quem ousa ir contra os interesses de seus financiadores, incita a intolerância e o preconceito de classes em pleno Estado Democrático de Direito. E essa é uma postura arbitrária de quem nega a ‘democracia popular’ - constituída nos fundamentos e no aprimoramento da cidadania - para se socorrer à velha ‘democracia burguesa’, em que as leis e a justiça atendem exclusivamente à minoria abastada.
Atendo-se, pontualmente, ao editorial do Estadão, consideramos que:
1. O jornal, erroneamente, referiu-se a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação como sendo uma Entidade contrária à Lei do Piso. Essa informação foi desmentida em nota divulgada pela Undime.
2. Os números das supostas contratações decorrentes da hora-atividade computada à carga semanal de trabalho do/a professor/a, constam dos argumentos jurídicos dos governadores que arguiram a inconstitucionalidade da Lei 11.738, porém não convenceram, até o momento, a maioria dos ministros da Suprema Corte. Assim como a CNTE, alguns ministros contestaram esses números e outros os consideraram pertinentes para atender ao preceito constitucional de oferta da educação pública de qualidade, sem perigo de ‘quebra’ dos entes federados.
3. Tal como na ADI 4.167, o editorial desconsidera o fato de a educação possuir recursos vinculados constitucionalmente - inclusive para honrar despesas com seus profissionais - e que a União, além de possuir competência concorrente com os estados para legislar sobre matéria educacional, também tem a obrigação de suplementar os entes federados que não conseguirem honrar os compromissos da Lei 11.738.
4. Em nenhum momento, o periódico aponta as inúmeras irregularidades recentemente divulgadas pela imprensa nacional, que comprometem sobremaneira o investimento na área educacional - a exemplo do desvio de R$ 660 milhões constatado no Fundo da Educação Básica (Fundeb) do Estado de São Paulo, cujo valor representou, segundo informações publicadas no jornal O Globo, em 10/5/2010, 28,6% das falcatruas cometidas (em todo Brasil) contra os referidos Fundos Estaduais, no ano de 2009.
5. A alegação de governadores e prefeitos de que melhores salários não influenciam a qualidade da educação - questão apontada tanto no editorial do Estadão quanto na matéria de Veja - não corresponde aos discursos eleitorais da maioria desses gestores, tampouco aos resultados de pesquisas de opinião pública e científicas realizadas recentemente. Em maio de 2010, o Instituto Ibope divulgou pesquisa qualitativa, realizada com eleitores de todo Brasil, sobre o tema educação, na qual a valorização profissional dos educadores (composta por melhores salários, formação inicial e continuada, planos de carreira e jornada de trabalho apropriada) constou como primeiro item de reivindicação da sociedade. Esta pesquisa corroborou um estudo divulgado pela Unesco, em outubro de 2009, que apontou a necessidade de se elevar o status do professor da educação básica, através das imediatas implementações (i) da política nacional de formação (concebida pelo MEC em parceria com os entes federados) e (ii) do piso do magistério à luz da Lei 11.738 - uma vez que 70% da categoria percebia vencimentos abaixo de R$ 720,00, o que colocava o Brasil na 4ª pior posição no ranking mundial de salários de professores da educação básica.
Com relação à matéria de Veja, além dos pontos já abordados, ressaltamos o seguinte:
6. O tom arrogante e a contestável base teórica do artigo revelam posições unilaterais, contraditórias e anacrônicas de quem se tenta intitular os “defensores da melhoria educacional do país”. Paradoxalmente, a matéria não se dá conta de que os pseudo-defensores (financiadores de Veja) integram as “elites que não querem um povão instruído, pois aí começarão os questionamentos que destruirão as estruturas do poder exploratório dessas elites”, como bem frisou o jornalista.
7. A atuação da CNTE e de seus sindicatos filiados sempre se pautou contra os interesses das elites do país, e fazemos questão de delimitar nosso campo de atuação. Para nós, essas elites são os verdadeiros cânceres sociais do Brasil. Nosso projeto vincula a educação à estratégia para se alcançar a soberania e o desenvolvimento para todos/as. Defendemos escola pública de qualidade socialmente referenciada, e não temos dúvida de que a desvalorização da categoria, a superlotação das salas de aula, as duplas e triplas jornadas de trabalho e a histórica desresponsabilização do Estado para com a formação dos profissionais da educação, só para ficar nas citações da matéria, sempre fizeram parte do projeto de sociedade pensado e executado pelas elites e seus agregados.
8. Não fosse a determinada atuação sindical, certamente as elites teriam aniquilado a educação pública e seus profissionais, como se tentou fazer em vários momentos da recente história do país, especialmente na era neoliberal (1990-2002). Além de impedir a privatização das escolas e universidades públicas e de lutar contra o nefasto arrocho salarial, educadores e estudantes se empenharam em ampliar o direito à educação - severamente restringido pelo Estado neoliberal.
9. Passada a fase de ataques às organizações da sociedade (sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais urbanos e rurais), essas representações iniciaram processo de cobrança pela retomada da responsabilidade do Poder Público frente a suas atribuições constitucionais. Pautada por princípios humanitários, democráticos e igualitários, a CNTE, junto com outros parceiros, lutou pela ampliação do financiamento para a educação básica, profissional e superior. O Fundeb, o fim da DRU na educação, a abrangência do Salário-Educação para toda a educação básica, assim como a política nacional de formação do magistério e dos funcionários de escola, a aprovação da Lei do piso do magistério, a ampliação da obrigatoriedade do ensino da pré-escola ao ensino médio (EC nº 59), a reserva de vagas em instituições de ensino superior para negros, índios e estudantes oriundos da escola pública e a implementação das disciplinas de história afrobrasileira, africana e indígena (leis 10.639 e 11.645) são algumas das pautas que nortearam as mobilizações da CNTE, nos últimos anos, em prol da educação pública, gratuita, laica, democrática, de qualidade e para todos e todas.
10. Sobre as teorias contra os Sindicatos - encomendadas por governos neoliberais da década de 1990, as quais o repórter cita -, as mesmas deixaram de ser defendidas por muitos de seus formuladores, revelando o anacronismo da base conceitual da matéria publicada por Veja. Como exemplo, em entrevista ao Estadão, em 02/08/2010, a ex-secretária adjunta de educação dos EUA, Diane Ravitch, pensadora dos testes nacionais e dos processos punitivos aplicados aos professores e demais profissionais da educação, desaconselhou a prática desses métodos e julgou prejudicial políticas remuneratórias baseadas em avaliações meritórias. Isso depois de concluir - empiricamente, após duas décadas - que a educação é um processo que extrapola os limitados testes. Lamentavelmente, o arrependimento da educadora americana não se alastrou pelo Brasil, e muitos gestores continuam se apoiando nesta fórmula falida.
11. A CNTE, com mais de 1 milhão de associados numa base de 2,5 milhões de trabalhadores/as, representa o terceiro maior grupo de ocupação do país. Além de legítima representante da categoria em território nacional, a Confederação conta com expressivo reconhecimento internacional junto a organizações da sociedade civil e de governo. Nos últimos dias 14 e 15 de março, a CNTE participou da Cúpula Internacional da Educação, organizada pela OCDE, em Nova Iorque. Numa perspectiva inversa à defendida por Veja - de “peitar os sindicatos” -, a condição para a participação dos países na Cúpula era o envio de representações sindicais do setor educacional. Também ao contrário do que pensa a revista brasileira e parte dos gestores públicos descompromissados com a educação de qualidade, a Cúpula alertou, por meio de relatório disponível no site da OCDE, para a necessidade de melhorar o status do professor, de recrutar pessoas qualificadas, de oferecer formação permanente a elas e, sobretudo, de pagá-las melhor. Segundo o relatório, tão importante quanto o salário é fazer com que o professor seja respeitado, seja na estrutura de seu trabalho pedagógico, seja como cidadão que contribui para um amanhã melhor.
Em referência a essas últimas e atualizadas opiniões formuladas por estudiosos, gestores e educadores de todo o mundo - em recente evento mundial do mais alto gabarito - lamentamos, profundamente, que um veículo de comunicação nacional, responsável por formar a opinião de milhares de pessoas, se mostre porta-voz de teses ultrapassadas de uma elite que tenta posar de ‘déspota esclarecida’. Também não somos tolos para acreditar em simples desatualização de informações da revista Veja, fato que seria tão grave quanto à complacência amoral desse órgão de comunicação que insiste em se opor aos interesses da maioria do povo brasileiro.

fonte: CNTE

UERGS no limite: comunidade acadêmica deposita em Tarso expectativas de reestruturação

Rachel Duarte no Sul21



Ramiro Furquim/Sul21

Na pauta de votação dos parlamentares gaúchos nesta terça-feira, 19, está o PL 112/2011 que autoriza a contratação emergencial de 60 professores para a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). O pleito é uma reivindicação da comunidade acadêmica, que estará mobilizada a partir das 8h30min para manifestar a importância da aprovação do projeto. Os alunos da Uergs irão se integrar aos estudantes dos movimentos estudantis do estado, na Praça da Matriz, para marcar o começo de uma mobilização em prol da educação gaúcha.
O Rio Grande do Sul foi o último estado do Brasil a ter uma universidade pública estadual e é o que menos destina recursos para sua manutenção. Em junho deste ano, a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) completa dez anos de existência e a realidade da universidade é um déficit estrutural preocupante e uma defasagem de cursos e professores. Ainda, caso o governo Tarso Genro não cumpra a sua promessa de recuperar a universidade, em 2016 a Uergs poderá ser rebaixada pelo Ministério da Educação por não atingir as exigências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para ser uma instituição de ensino superior.
O alerta já foi dado ao governador, segundo o reitor Fernando Guaragna Martins. Ele explica que a Uergs precisa alcançar a meta de instituir dois cursos de Doutorado e quatro de Mestrado até 2016 para não ser rebaixada. “O governo eleito antes de assumir recebeu a nossa proposta. O governador assumiu publicamente o compromisso de reestruturar a Uergs. O desenvolvimento regional passa pela Uergs e reconhecemos que hoje a Universidade não cumpre o seu papel da maneira ideal”, falou.
A Uergs está presente em 24 municípios gaúchos, divida em sete regiões, cobrindo todo o estado. São oferecidos 19 cursos de graduação, nas áreas das Ciências da Vida e do Meio Ambiente, Exatas e Engenharia, e Ciências Humanas. O total é 2,5 mil alunos, número que vem caindo com a falta de investimentos na universidade.

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Precisamos investir em cursos, rediscutir as unidades e modernizar o desenho da Uergs. O desenho é de 10 anos atrás. Precisamos evoluir porque o ensino superior e técnico avançou nos últimos anos”, disse o reitor. Com a expansão das Universidades Federais de Santa Maria e Pelotas e também da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bem como a criação de duas novas instituições federais de ensino superior (Unipampa e a Fronteira Sul), a universidade estadual terá que atuar de forma estratégica. “Temos que redefinir nossa atuação e adequá-la a esta realidade. A estratégia será oferecer cursos que as outras não oferecem, para complementar a oferta por região. Estamos nos articulando com as demais universidades para montar nosso mapa”, disse.
Para poder investir em ensino, pesquisa e extensão de qualidade, a Uergs precisa começar do básico. Prédios sucateados, falta de professores e falta de recursos fazem parte do dia-a-dia da universidade. O Orçamento do RS para 2011, decidido no ano passado, prevê a destinação de apenas 0,08% para a UERGS. O número de professores previsto em lei é de 300 e a universidade gaúcha conta com apenas 116, ou seja, tem um déficit de mais de 180 educadores. Além disso, a Uergs é a única que não dispõe de um plano de carreira para seus professores.
Há nove anos na UERGS, a professora Ana Carolina Martins da Silva diz que a falta de concursos públicos é outra deficiência do sistema estadual que prejudica a universidade. “É conflitante porque sem concursos, não temos professores e sem Plano de Carreira os professores entram e saem, assim como os funcionários”, disse.
A constituição da UERGS
A professora Ana Carolina Martins da Silva, conta que quando a UERGS foi constituída, na gestão de Olívio Dutra, ela contava com um grupo de profissionais que tinha um perfil ligado à Educação Popular, aos Movimentos Sociais, ao processo transformador da Educação. Esta característica sempre diferenciou a universidade estadual das demais instituições públicas de ensino superior do estado. Porém, a visão partidária sobre a universidade e o processo de indicação do reitor pelos governos, provocou danos a imagem e ao papel da instituição. “Quando o PT deixou o governo, muitos desses profissionais saíram da UERGS, dando espaço para um novo perfil de profissional ligado mais aos aspectos tecnicistas do Ensino Superior. A ideia dos antigos reitores era transformá-la numa Universidade essencialmente tecnológica, para formar operários para “chão de fábrica”, como muitos diziam”, relata. O que não aconteceu devido a uma forte mobilização da comunidade acadêmica.
Em 2010, professores, funcionários e alunos puderam escolher seu próprio reitor. “A eleição do reitor pela comunidade muda o caráter da instituição como de estado e não de governo”, disse o reitor eleito Fernando Guaragna Martins. Ele diz que, apesar do alinhamento com as perspectivas do governo Tarso e da necessidade de negociações políticas, a autonomia da UERGS será preservada na sua gestão. “Nosso planejamento é para longo prazo, de modo que ultrapasse as mudanças de governo”, salientou.
Sinais de uma recuperação

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O governador Tarso Genro tomou algumas medidas emergenciais ao assumir a gestão, como a contratação de 23 professores para a instituição de ensino nos diversos campi, a elaboração de projeto de lei para a contratação de 17 servidores técnico-administrativos e 60 professores, além da designação de diretores regionais, e iniciou a preparação de concurso público.
O reitor Fernando Guaragna Martins alerta que os esforços da reitoria junto ao governo estadual serão para a elaboração de um plano de carreira. “É importante termos esta valorização. Temos uma proposta aprovada há três anos na Assembleia Legislativa que o governo anterior (Yeda Crusius-PSDB) sentou em cima. Este governo assumiu o compromisso de fazer, mas não está andando como gostaríamos”, criticou.
Segundo o reitor, as sinalizações que o governador têm dado vão no sentido de recuperar a UERGS, mas a defasagem é tão grande que há certo descrédito. “Nós avaliamos que não estão acontecendo ações na velocidade desejável. Existem setores que estão um pouco frustrados”, disse.

Secretário de Educação José Clóvis, ex-reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
De acordo com o secretário de Educação José Clóvis, ex-reitor da UERGS, a universidade é uma instituição prioritária nas ações do programa de governo e será possível atender a demanda de concretizar um plano de carreira para os professores.
Construção da nova sede
Um passo importante para recuperação da UERGS é melhorar a sua estrutura física. Desde a criação, a universidade não possui prédio próprio, o que já comprometeu R$ 200 mil reais de verbas federais. “A gente escreve projetos para receber recursos do governo federal, mas, como não temos sede própria não estamos regulares. Tivemos que devolver o dinheiro dos projetos aprovados no ano passado”, disse.
Atualmente a sede da reitoria e os setores administrativos da universidade funcionam em um prédio de propriedade do estado, no Centro de Porto Alegre. Também na capital gaúcha funciona a Unidade Porto Alegre (Rua Bento Gonçalves, 2.460) e em outro funciona a Biblioteca Central (Rua dos Andradas, 1223). Há um terceiro prédio que está sem utilização.
“Precisamos unificar estas unidades de Porto Alegre para propiciar uma apresentação melhor da universidade, ter um prédio próprio e aproximar os estudantes da UERGS. Aqui neste prédio (reitoria) funcionava um banco. É isolado do ambiente acadêmico”, reclama o reitor Fernando.
A negociação com o governo estadual já iniciou e a reforma da UERGS deve acontecer em breve.
Ampliação de recursos

Fernando Guaragna Martins, reitor da UERGS. Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Para garantir a autonomia da gestão acadêmica e as melhorias mais imediatas, a UERGS necessita de um orçamento maior do que o destinado pelo estado hoje. Na Assembleia Legislativa tramita um Projeto de Lei de autoria do deputado estadual Raul Pont, que prevê 0,5% da receita líquida de impostos próprios para a manutenção do ensino superior público. “Queremos ter um orçamento fixo acima do que temos para podermos trabalhar independente do estado. Somados aos recursos extras, daríamos um salto. Os recursos federais tem que ser a possibilidade de incremento e não o recursos essenciais”, explica o reitor da UERGS.
Outra possibilidade de incremento para investimentos na UERGS vem de emendas parlamentares. O secretário estadual de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT), Cleber Prodanov, garantiu junto ao senador Paulo Paim (PT) e o deputado Ronaldo Zulke (PT) a liberação dos R$ 10 milhões da emenda parlamentar de 2010 para a UERGS. Além disso, ficou combinado o repasse de R$ 10 milhões anuais para a Universidade, até 2014. A verba total chega a R$ 50 milhões.
“O salto de qualidade do país passa pela educação. Muitos setores pensam que o desenvolvimento está apenas ligado as questões de infraestrutura e saneamento. Mas, o salto só se dá com investimentos pesados em educação. Outros países já mostraram isso”, avalia o reitor da UERGS.