sexta-feira, 13 de maio de 2011

A intolerância é desumanização

 
Do blog de Manuela D'Ávila
 
Porto Alegre tem como uma de suas marcas, a defesa da garantia e da promoção dos Direitos Humanos. A capital gaúcha – terra do Fórum Social Mundial e da participação popular – deu mais uma vez, ontem, prova dessa marca. Cerca de 850 pessoas participaram da atividade que recebeu o sociólogo e professor português, Boaventura de Souza Santos, reconhecido internacionalmente pelo trabalho nesta área.

A deputada Manuela d`Ávila, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ressaltou a importância de um evento como esse em Porto Alegre. “Temos trabalho junto à CDHM no combate a todas as formas de intolerância. Esse mal atinge milhões de brasileiros que sofrem com o preconceito descabido e com a intolerância de uma pequena parte da nossa sociedade. Ouvir o professor Boaventura mais uma vez reforça nossa luta e nosso trabalho”, disse. Manuela afirmou, também, que "mais do que mudar e criar leis, é preciso mudar a cultura do nosso povo, ou seja, a cultura que ainda valoriza a intolerância e que nos faz vivermos casos de violência exacerbada".
O professor Boaventura falou sobre as diferentes manifestações de intolerância e, também, sobre as formas de fascismo existentes ainda hoje. Disse ele, ainda, que "quando a democracia deixa de ser uma bandeira apenas do povo e passa a ser item do Banco Mundial é preciso refletir. Tantos possuidores de direitos que não os exercem, às vezes destroem a democracia mantendo-a. Isso porque o conceito de democracia é insuficiente”.
Sobre os entraves no exercício da democracia, o professor lembrou que a cidadania é um conjunto de direitos que a gente tem por fazermos parte de um Estado Nação. Na democracia, portanto, temos o poder partilhado. “Hoje, nos vemos, porém, que as instituições estão a perder capacidades de atuação”. Para Boaventura, o nosso tempo é um tempo complexo e contraditório. “O neoliberalismo é uma forma antissocial do capitalismo”, disse.
Para o sociólogo, as maiores manifestações de democracia vieram antes das instituições, revoluções e participação popular. Além disso, trouxe para a discussão a questão das redes sociais, que ocupam cada vez mais espaços no cotidiano das pessoas. Para Boaventura, esse espaço existe e torna-se cada vez mais importante porque as instituições são insuficientes.
Intolerância – sobre a intolerância, Boaventura afirmou que tolerar é muito pouco. Não podemos apenas "suportar". Precisarmos conviver com a diferença, ouvir, aprender com ela. Para exemplificar, o sociólogo trouxe a questão dos paquistaneses. “Quem pode dizer aos paquistaneses que a democracia ocidental é perfeita? Que os direitos existem de fato? Apenas o imperialismo norte-americano tem essa ‘coragem’, coragem de interferir em uma realidade cuja cultura é absolutamente diferente”, lembrou. Isso é intolerância, é não respeitar o diferente.

Fascismo – O Fascismo social é, segundo Boaventura, o resultado da grande concentração de renda, da discriminação sexual, étnica, racial e da desigualdade. Não é nada que se possa comparar a democracia. Segundo o professor, “a intolerância é o poder de veto sobre a vida”. Ele lembrou, ainda, que o apartheid social também é um tipo de fascismo, o social. ”Condomínios fechados de um lado, violência nas zonas selvagens das cidades de outro. Entre esses lados, existe um a apartheid social. De um lado matam jovens negros nas favelas, do outro, carregam moças para atravessar a rua”, citou.
Para Boaventura, outros tipos de fascismo devem ser combatidos. O fascismo territorial (porque há espaços em que Estado não chegou e em que não se permite a entrada do estado), o fascismo do capitalismo financeiro (que submete economias de países à imposições de poucos poderosos), e o fascismo da intolerância.
Este, segundo Boaventura, é fenômeno diferente dos demais. “A desigualdade combina em par com o preconceito. Diferenciação social, hierárquica, de religião, orientação sexual... Isso é intolerância. Isso é uma teia de desigualdade. E precisamos lutar contra isso com força”.
O professor disse, ainda, que "a intolerância é desumanização. Ela existe porque tem três pilares: preconceito, interesse e ideologia. Estas formas estão aumentando sistematicamente. É a guerra de todos contra todos, a guerra do medo, da insegurança.  É importante pensarmos que a intolerância desmoraliza e que traz em si uma arrogância explícita. Tolerar é muito pouco. Precisamos enriquecimento mútuo: reconhecemos a diferença e enriquecemos com ela”, defendeu.
O mundo não tem receitas. “Não há ideia universal. Há, sim, ideias incompletas que podem, unidas, construir uma possibilidade”, finalizou Boaventura.

Uma análise marxista do Sistema Único de Saúde do Brasil


Esse artigo tem como objetivo geral fazer uma análise crítica da já literariamente surrada saúde pública brasileira, fazendo um esboço geral de seu funcionamento, optando por fazê-lo através de um ponto de vista que tem como base o paradigma marxista.

Por ROSANGELA ALVARENGA LIMA no CORREIO DO BRASIL

Mais especificamente, tentar-se-á mostrar como a essência do SUS difere-se bruscamente da aparência socialmente percebida, assim como a maneira como tal aparência é mantida.
As maneiras como os homens se relacionam e se organizam para a utilização de suas habilidades e ferramentas para dominar as consequências natureza, e retirar da mesma aquilo que necessitam para satisfazer as suas necessidades materiais e históricas; são chamadas por Marx de modos de produção. Em tal processo define-se, também, a maneira que se estruturará a produção e a distribuição de posses e meios de propriedade numa sociedade. Consequentemente, segundo o autor, estabelecer-se-á como ocorrerá a divisão do trabalho e o acesso aos meios de produção, ou seja, quem tem ou não tem acesso a eles e, por conseguinte, determinar as classes sociais.
Conforme o supracitado, este artigo abordará, mais especificamente, a produção e a distribuição de um bem singular: a saúde . Assim como, tentará elucidar a maneira como os homens se organizam no combate a perigos metabólicos (venenos, doenças, síndromes ambientais, etc.). Partindo da hipótese levantada pelo próprio autor de que só existem duas classes sociais: a que tem acesso aos meios de produção e a que não tem; a análise crítica concentrar-se-á na maneira como o Estado, enquanto um dos donos dos meios de produção de saúde controla a distribuição desse bem.
A sua escolha se dá pelo fato de que, apesar de haver outros membros na classe possuidora de tais meios, o proprietário em questão é, indubitavelmente, o maior dentre eles, já que a maioria da população (de não possuidores) depende dele para ter acesso à saúde. Não seria exagero afirmar que o Estado detém o monopólio de sua produção, ou que, ao menos, opera em ampla vantagem em relação aos demais membros de sua classe.
Embora seja óbvia a importância da saúde para o ser humano de um modo geral, a sua relevância para o modo de produção capitalista é inestimável. Isso se dá pelo fato de ela ser um dos fatores que determinam o preço e a reprodução da mais crucial das mercadorias capitalistas: a força de trabalho.
Para Marx, o preço dela varia, como em toda mercadoria, de acordo com o tempo necessário para a sua fabricação e tudo que é necessário para manter aquele que a realiza. Isso corresponde a todos os meios (objetos e mercadorias) necessários para a subsistência do trabalhador, para seu sustento, conservação e substituição (reprodução), dado o fato de que os trabalhadores são mortais. A inegabilidade de que a saúde é um desses meios é inquestionável. Além do mais, ela afeta outras etapas do sistema produtivo.
O tempo de trabalho, ou seja, o “tempo que requer todo trabalho executado em grau médio de habilidade e intensidade e nas condições ordinárias em relação ao meio social convencionado”, afeta diretamente a produtividade. Quanto menor o tempo de trabalho necessário e, por conseguinte, menor o valor da mercadoria, maior é a produtividade do sistema.
A produtividade, por sua vez, resulta e depende da soma da habilidade média dos trabalhadores com a eficácia dos meios de produção (aparatos, máquinas e ferramentas em geral) e com circunstâncias puramente naturais. Este último fator pode se manifestar na forma de perigos metabólicos (epidemias, contaminações, doenças do trabalho, etc.) que estão diretamente relacionados à obtenção de saúde. Isso também afetaria diretamente a média da habilidade dos trabalhadores; supondo que eles produziriam menos, pior ou até mesmo não produziriam.
Quando se trata de garantir todos os meios necessários para a subsistência daquele que realiza a força de trabalho (o trabalhador), para seu sustento, conservação e substituição (reprodução), dado o fato de que ele é mortal; não se pode negar que a saúde é um desses meios. Agora resta saber se ela é um objeto útil ou uma mercadoria.
O que distingue uma mercadoria de outros objetos é o fato de que ela possui um valor de uso, uma utilidade baseada em suas qualidades naturais. Tal valor de uso é diferente daquele dos demais objetos, pois a mercadoria não tem utilidade para aquele que a produz e sim para outros. O seu produtor deseja convertê-la em outra mercadoria diferente. Assim que termina a transação, a nova mercadoria torna-se um objeto útil para satisfazer as suas necessidades.

O analfabeto político, de Bertold Bretch

Bancada religiosa impede votação do projeto que criminalizaria homofobia no Brasil


Marta Suplicy, relatora do projeto, espera obter um texto de consenso - Wilson Dias/ABr

Rachel Duarte no Sul21

A pressão da bancada evangélica impediu a votação, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, do projeto de lei complementar 122/06 que criminaliza os atos de homofobia. Ele seria votado hoje (12) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. Em uma sessão que ao final contou com troca de xingamentos e ofensas entre o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), o projeto foi retirado de pauta sem previsão de retorno, a pedido da própria relatora, senadora Marta Suplicy (PT-SP). A senadora espera chegar a um texto de consenso.
Antes do término da discussão — encerrada a pedido do senador Humberto Costa (PT-PE) –. parlamentares se manifestaram sobre o assunto. A polêmica girou em torno de dois temas: a punição de crimes resultantes de discriminação por orientação sexual e o direito à liberdade de expressão e à liberdade religiosa, assegurados pela Constituição.
Ao salientar a necessidade de acabar com os preconceitos, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou ser preciso aprovar um projeto de consenso que estabeleça a punição para ações contra homossexuais, mas que garanta a liberdade de manifestação de pensamento fundada na liberdade de crença. “Talvez seja a hora de esgotamos todos os diálogos necessários e possíveis e que deixe claro que o Estado regulamenta a criminalização de preconceito, mas que o Estado não se meta na ‘pecamização’ de qualquer coisa. É preciso esgotar as conversas para que o texto final não crie outro preconceito, o preconceito contra as igrejas, contra as crenças”, disse.
Magno Malta (PR-ES) elogiou a decisão de adiar o debate e defendeu a realização de audiências públicas para ouvir todos os segmentos da sociedade que querem se manifestar sobre o assunto, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os religiosos (católicos e evangélicos), e homossexuais. Ele informou que apresentaria requerimento com esse propósito. Segundo o parlamentar, o projeto de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP) apresenta uma “série de inconstitucionalidades” desde sua origem e define uma série de privilégios para os homossexuais.
Segundo a relatora, Marta Suplicy (PT-SP), uma modificação feita no texto da proposta preserva a liberdade religiosa. A mudança excluiu do alcance da lei “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. O texto final exclui do alcance das punições “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. E argumentou: “Quando me colocaram que o problema não era a intolerância e o preconceito, e sim uma questão de liberdade de expressão dentro de templos e igrejas, aceitei. A liberdade está preservada”.
A proposta do PL 122/06 modifica a Lei de Racismo para criminalizar também os atos de homofobia, estendendo a eles as mesmas punições impostas aos crimes de preconceito racial. O projeto pune com reclusão de um a três anos condutas discriminatórias, como recusar o atendimento a gays em bares e restaurantes e reprimir trocas de afeto em locais públicos, como beijos ou abraços. O item mais polêmico pune com prisão, de um a três anos, e multa aqueles que induzirem ou incitarem a discriminação ou preconceito contra os homossexuais.
Para atender às reivindicações da bancada evangélica, Marta incluiu uma emenda permitindo que todas religiões e credos exerçam sua fé, dentro de seus dogmas, desde que não incitem a violência. “O que temos na fé é o amor e o respeito ao cidadão. Me colocaram que o problema não era intolerância nem preconceito, mas liberdade de expressão dentro de templos e igrejas. O que impede agora a votação? O que, além da intolerância, do preconceito, vai impedir a compreensão dessa lei?”, questionou Marta.
Ao deixar a reunião, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) afirmou que a proposta extrapola os direitos à religião, garantidos pela Constituição, ao punir não apenas as ações, mas também as expressões de pensamento. “Ninguém é a favor de que os homossexuais sofram agressões psicológicas ou físicas. Agora, a proposta extrapola pelo fato de não querer punir os fatos, mas punir as expressões do pensamento e as palavras”, afirmou.

Como fica com a retirada?

Márcia Kalume /Ag.Senado

Apesar de ter pedido a retirada da proposta da pauta da CDH, Marta Suplicy disse que o Senado não pode mais “caminhar na contramão”. “Como é que a Comissão de Diretos Humanos não vota uma lei que protege milhares de pessoas?” questionou.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas,Gays,Bissexuais,Travestis e Transsexuais (ABGLT), Toni Reis, está confiante que o PL122/06 seja aprovado e diz que a proposta tem maioria no Congresso Nacional. “Está bem costurado. Será só uma questão de tempo”, disse. Segundo ele, a maioria dos parlamentares e senadores sabem que a intenção do projeto não tem a intenção de “acabar com as igrejas, mas de garantir o respeito às minorias”. Ele disse que o Brasil está atrasado na regulamentação da lei que criminaliza a homofobia em relação a outros 53 países. “O Brasil está sendo reconhecido internacionalmente sobre tantos aspectos, temos que nos tornar uma potência também em direitos humanos. Propor um plebiscito para aceitar os homossexuais é um absurdo. A Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei”, falou.
Segundo ele, diferente do Supremo Tribunal Federal, que considerou legal a união homoafetiva na última semana, o Congresso Nacional tem setores “retrógrados que não sabem interpretar a lei”.

Representação contra Bolsonaro 

J.Freitas/Ag.Senado

Durante uma entrevista em que a senadora Marta Suplicy (PTSP) explicava os motivos da retirada do PL nº 122 da pauta do dia da Comissão de Direitos Humanos, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) criava tumulto exibindo para as câmeras um folder que, que classificou de “plano nacional da vergonha”. “O governo está distribuindo nas escolas de primeiro grau uma cartilha estimulando nossas crianças a serem gays”, afirmou o deputado. A senadora Marinor Brito (PSol/PA) reagiu às agressões e à tentativa de intimidação durante a entrevista, e exigiu que ele se retirasse com os panfletos, que pregam a violência contra homossexuais.
Na discussão, Bolsonaro demonstrou uma atitude recorrente de misoginia. Marinor afirma que a atitude do deputado é desrespeitosa e que se sentiu ofendida em sua feminilidade.
Na semana que vem, o PSOL entrará com representação na Corregedoria da Câmara dos Deputados. Além disso, a senadora entrará com uma ação penal na justiça, pelos crimes de injúria e danos morais.

*Com informações da Agência Senado e de assessorias dos senadores.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Jerônimo vive!

Escrito por Mário Maestri   no Correio da Cidadania
 
Talvez se deveu à pele escura de ambos ou a terem feito a cavalaria yankee de bobo por longos anos. O certo é que o codinome dado a Bin Laden, quando da operação para assassiná-lo, terminou prestando-lhe uma enorme homenagem – além de registrar o racismo da administração de Barack Hussein Obama II.
 
Em 1851, Goyaałé, Jerônimo, teve sua família massacrada pelo exército estadunidense. A seguir, por vinte anos, protagonizou resistência heróica, criativa e legendária à ocupação das terras apaches. Em 1886, após render-se com os poucos e últimos seguidores, viveu o resto da vida como semi-prisioneiro, ditando a um funcionário estadunidense um fulgurante relato de sua vida.  
Osama bin Mohammed bin Awad bin Laden foi filho de uma das mais ricas famílias sauditas. Integralista fervoroso, partiu em jihad contra a revolução socialista, laica e democrática afegã, no que foi apoiado pelos Estados Unidos. A vitória das forças integralistas sustidas pela Arábia Saudita, pelo Paquistão e, sobretudo, pelos grandes Estados imperialistas originou o reinado talibã na região.
 
Principalmente desde os anos 1950, o fundamentalismo foi apoiado pelo grande capital mundial, com destaque para a Inglaterra e os Estados Unidos, na luta contra o pan-nacionalismo e o socialismo árabe. A partir de 1989, com a dissolução da URSS e reconversão capitalista dos Estados socialistas, o integralismo acolheu fortemente os anseios confusos de libertação nacional e social de vastas populações muçulmanas.
 
Com o fim da primeira guerra do Afeganistão, Bin Laden envolveu-se com grupos que se esforçavam para ocupar o vazio político-ideológico árabe e muçulmano, propondo ordem assentada no integralismo. Estranhos e refratários a qualquer visão social de mundo, esses grupos orientaram-se para a luta terrorista, despreocupados, opostos e incapazes de impulsionar a organização popular, sobretudo independente.
 
Ao financiar os ataques às embaixadas USA na África, em 1998, ao navio de guerra estadunidense em 2000 e, acima de tudo, ao reivindicar politicamente o ataque às Torres Gêmeas, em 2001, Bin Laden tornou-se o mais célebre terrorista e a grande justificativa imperialista para a "guerra ao terror" que impulsionaria a apropriação das grandes reservas petrolíferas. Em 2003, fortalecido junto à população estadunidense pelo ataque terrorista, Bush II lançou seus exércitos na carnificina que conquistaria os campos petrolíferos iraquianos.
 
Após o 11 de setembro de 2001, consagrados pela grande mídia, Bin Laden e sua organização entrariam em crescente eclipse que levaria ao seu assassinato, em mansão fortificada, em 1º de maio, nas proximidades de Abbottabad, praticamente desarmado, cercado quase apenas por familiares. Sobrevivia então devido à quase certa proteção do exército e dos serviços de inteligência paquistaneses.
 
Portanto, uma confusão ofensiva. Jerônimo, o verdadeiro, dormia com o fuzil ao lado e jamais foi surpreendido. Mesmo na derrota, mostrou-se o mais digno braço armado do povo apache na luta contra os seus algozes.
 
Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail: maestri@via-rs.net
 

Há 30 anos, morria Bob Marley, ícone do reggae


Há exatos 30 anos, morria Bob Marley. Considerado o expoente mais alto do reggae, ele tinha apenas 36 anos de idade quando faleceu, vítima de um câncer detectado quatro anos antes. Deixou a vida para assumir na história o papel de ícone.


Três décadas após a sua morte, o "rei do reggae" continua a ser recordado um pouco por todo o mundo, sendo uma constante fonte de inspiração para dezenas de novos artistas. Músicas como No Woman No Cry, Could You Be Loved ou I Shot The Sheriff hoje fazem parte de um repertório coletivo da música internacional.

Poucos gêneros musicais dispõem de uma figura central, tão próxima quanto possível da unanimidade, como acontece com o reggae. Bob Marley foi coroado nesse feudo, como o foram Elvis Presley no rock e Michael Jackson no pop.

Acontece que nem todo aquele que se considera roqueiro gosta do som pioneiro e antiquado do rei do rock; e no pop, onde a infidelidade e a amnésia são gerais, Jackson passou uma década no ostracismo e só foi recuperado graças à tradicional necrofilia da indústria fonográfica.

Com Marley é diferente: ele pode não se o favorito de todos, mas é quase onipresente nas coleções de fãs, no repertório de bandas não-autorais e no setlist de festas que se dedicam ao gênero jamaicano.

Para além do gênio musical, sua figura, com enormes dreadlocks e um charuto de marijuana (erva de uso religioso pelos rastafaris) sempre na ponta dos dedos, se tornou quase tão forte quanto a do médico revolucionário Che Guevara e sua boina estrelada, o popstar pacifista John Lennon e seus óculos de aros redondinhos e superguitarrista Jimi Hendrix e seu instrumento canhoto.

O mais conhecido rosto do movimento espiritual Rastafari, defensor de uma mensagem de paz, liberdade e emancipação, denunciador da pobreza, da repressão e da realidade social da Jamaica, Marley deixou, em vida, 14 álbuns – 12 de estúdio e dois ao vivo –, bem como um legado no reggae que permanece sólido até hoje, com mais de 200 milhões de discos vendidos.

Legend”, lançado originalmente em 1984, continua a ser o álbum mais vendido da história do reggae. Já “Exodus” (1977) foi eleito pela revista Time como um dos melhores álbuns do século 20.

Último registro

A saúde abalada o fez parar os shows, encerrando abruptamente a turnê do disco Uprising (1980), em 23 de setembro de 1980, no palco do Stanley Theatre, em Pittsburgh (Pensilvânia, EUA). É justamente o registro em áudio desta última performance em palco o primeiro produto escolhido pela gravadora da família Marley, Tuff Gong, para marcar a efeméride das três décadas de morte do jamaicano mais famoso do planeta.

Live Forever surge como mais um ótimo registro do carisma de Bob Marley nos palcos. Se apresenta agora como principal rival do clássico Live (1975), seu primeiro disco ao vivo lançado no auge do estouro mundial, num momento em que quase todo mundo do pop estava gravando reggae naqueles anos, até ícones roqueiros como Rolling Stones e Bob Dylan.

Além da ótima performance do protagonista, o som da maior parte do CD é fiel às qualidades dos Wailers como banda, com grande destaque para os irmãos Carlton e Aston ‘Family Man’ Barrett, que formavam o alicerce rítmico absolutamente poderoso e infalível com sua bateria e baixo, onde nem o uso de tantans eletrônicos que na época tinham virado febre na disco-music e new-wave, tiram o brilho. Marley brinca com as divisões de outro hit de sua lavra, Is This Love, que encerra a parte de ótimo som do registro.

O repertório é bem equilibrado entre temas de guerrilha, mensagens positivas, hinos de fé no rastafarianismo, flertes com a africanidade e canções românticas

Herança

Mas nem só de álbuns é feito o legado de Marley. Com 11 filhos legítimos e mais uns três a usar o seu sobrenome (embora não reconhecidos pela família), seria de esperar que algum iria fazer carreira na música. Não foi um, foram vários.

David ‘Ziggy’ Marley, atualmente com 42 anos, canta como o pai e passa mensagens de paz através das letras das suas músicas. Tem um extenso repertório que vem desde 1985 e já ganhou cinco Grammy Awards. É ativista e líder de uma ONG.

Damian ‘Jr. Gong’ Marley, de 33 anos, é o filho mais novo de Bob. Já ganhou três Grammys. Stephen, 38 anos, faz parte da banda do irmão mais velho, Ziggy, e foi produtor dos três álbuns solo de Damian. Da banda – os Melody Makers – fazem também parte Cedella e Sharon, duas das filhas de Bob.

Julian Marley, 36 anos, também é músico. Tem três álbuns editados. Ky-Mani andou uns tempos dividido entre o futebol e a música, acabando por se render à arte. O seu som, para além de reggae, tem base no hip-hop e sons mais urbanos.

Conexão Brasil

Bob Marley esteve no Brasil uma única vez, em março de 1980. No Rio de Janeiro, ele jogou uma partida de futebol ao lado de Chico Buarque, Toquinho, Moraes Moreira e o craque tricampeão Paulo César. Mas, se infelizmente não passou pela Bahia, vale lembrar que dois artistas da terra já estavam antenados ao jamaicano. Em 1971, no exílio em Londres, Caetano Veloso foi o primeiro brasileiro a citar o reggae em Nine out of Ten, do disco Transa.

Oito anos depois, Gilberto Gil lançou Não Chore Mais, versão para No Woman No Cry, de Bob, que virou um hino da anistia no Brasil. “Bob foi um dos grandes intérpretes dessa consciência de exclusão, de desigualdade”, lembra Gil, que em 2002 gravou Kaya N'Gan Daya, com músicas de Bob. “Foi o último artista a quem dediquei atenção profunda. Hoje ainda é das coisas que mais gosto de ouvir”.

Com agências

Quanto a Azaléia recebeu em isenções fiscais no RS?



 Marco Aurélio Weissheimer no rsurgente

O deputado Raul Pont (PT) criticou hoje a versão adotada por setores da oposição sobre o fechamento da unidade da Azaleia, em Parobé. Para ele, a empresa sai do Estado em busca de outro lugar, com mais vantagens fiscais e onde sindicatos não sejam tão atuantes e os salários sejam mais baixos. “A busca do lucro é o princípio do capitalismo. A decisão da empresa reflete esta concepção”, e reflete seu total descomprometimento com os trabalhadores e com o Estado que durantes anos lhe concedeu grandes benefícios fiscais”, afirmou.



Pont responsabilizou a guerra fiscal pela transferência de fábricas para outros estados, lembrando que a Azaléia chegou a ser beneficiada, durante o governo Britto, com mais de R$ 50 milhões do Fundopem. “Esta forma de fazer política industrial gera verdadeiros leilões das finanças públicas em benefício de empresas privadas”, criticou. Para o parlamentar, uma evidência clara de que a empresa não está em crise, são seus investimentos em unidades no exterior. Bem como, não vale o orgumento dos juros e do cambio que é o mesmo no Rio Grande o no Nordeste.



Raul Pont observou ainda que a renúncia fiscal no Rio Grande do Sul equivale a 30% da arrecadação potencial de ICMS. “São isenções concedidas com pouca ou nenhuma contrapartida e sem segurança de permanência da empresa no estado após a fruição dos benefícios”. Ele defendeu a aprovação de um projeto de lei, de sua autoria, que confere transparência à concessão de benefícios fiscais.



O deputado Giovani Feltes (PMDB) reconheceu que a Azaléia recebeu incentivos fiscais no governo Brito, mas observou que foram os governos militares os que mais concederam estes benefícios ao setor calçadista. Ele concordou que parte do problema vivido pela indústria calçadista pode ser explicado pela subvalorização do Yuan e pela entrada de calçados chineses através da triangulação comercial, que burla as barreiras impostas pelo governo brasileiro.



O governador Tarso Genro classificou como “irresponsável” a forma como a indústria anunciou a desativação da unidade em Parobé, sem aviso formal ou qualquer tipo de negociação com o Estado. “Não fomos comunicados sobre a decisão da empresa, que recebeu benefícios fiscais homéricos do povo gaúcho. Aliás, o único comunicado foi o aviso-prévio dado aos empregados demitidos”, declarou. O chefe do Executivo gaúcho anunciou que encomendará uma pesquisa para saber quanto a empresa ganhou em benefícios fiscais nos últimos anos e prometeu se empenhar para que os trabalhadores demitidos encontrem rapidamente outros empregos.



A Azaléia justificou o fechamento da última unidade gaúcha da empresa e a demissão de 800 funcionários pela “perda de competitividade das exportações brasileiras e pela concorrência com os calçados produzidos fora do país”. A empresa tem hoje 27 fábricas de calçados femininos e esportivos em três complexos industriais do Nordeste, além de uma fábrica na Argentina e outra na Índia. A direção da empresa não anunciou quanto recebeu em isenções fiscais no Rio Grande do Sul nos últimos anos, nem quanto paga para os funcionários de suas unidades no Nordeste, na Argentina e na Índia.





terça-feira, 10 de maio de 2011

Noam Chomsky: “Minha reação ante a morte de Osama"

Poderíamos perguntar como reagiríamos se um comando iraquiano pousasse de surpresa na mansão de George W. Bush, o assassinasse e, em seguida, atirasse seu corpo no Oceano Atlântico.

- Por Noam Chomsky*, no Guernica Magazine via Tudo em Cima
Fica cada vez fica mais evidente que a operação foi um assassinato planejado, violando de múltiplas maneiras normas elementares de direito internacional. Aparentemente não fizeram nenhuma tentativa de aprisionar a vítima desarmada, o que presumivelmente 80 soldados poderiam ter feito sem trabalho, já que virtualmente não enfrentaram nenhuma oposição, exceto, como afirmara, a da esposa de Osama bin Laden, que se atirou contra eles.

Em sociedades que professam um certo respeito pela lei, os suspeitos são detidos e passam por um processo justo. Sublinho a palavra "suspeitos". Em abril de 2002, o chefe do FBI, Robert Mueller, informou à mídia que, depois da investigação mais intensiva da história, o FBI só podia dizer que "acreditava" que a conspiração foi tramada no Afeganistão, embora tenha sido implementada nos Emirados Árabes Unidos e na Alemanha.

O que apenas acreditavam em abril de 2002, obviamente sabiam 8 meses antes, quando Washington desdenhou ofertas tentadoras dos talibãs (não sabemos a que ponto eram sérias, pois foram descartadas instantâneamente) de extraditar a Bin Laden se lhes mostrassem alguma prova, que, como logo soubemos, Washington não tinha. Por tanto, Obama simplesmente mentiu quando disse sua declaração da Casa Branca, que "rapidamente soubemos que os ataques de 11 de setembro de 2001 foram realizados pela al-Qaida".

Desde então não revelaram mais nada sério. Falaram muito da "confissão" de Bin Laden, mas isso soa mais como se eu confessasse que venci a Maratona de Boston. Bin Laden alardeou um feito que considerava uma grande vitória.

Também há muita discussão sobre a cólera de Washington contra o Paquistão, por este não ter entregado Bin Laden, embora seguramente elementos das forças militares e de segurança estavam informados de sua presença em Abbottabad. Fala-se menos da cólera do Paquistão por ter tido seu território invadido pelos Estados Unidos para realizarem um assassinato político.

O fervor antiestadunidense já é muito forte no Paquistão, e esse evento certamente o exarcebaria. A decisão de lançar o corpo ao mar já provoca, previsivelmente, cólera e ceticismo em grande parte do mundo muçulmano.

Poderiamos perguntar como reagiriamos se uns comandos iraquianos aterrizassem na mansão de George W. Bush, o assassinassem e lançassem seu corpo no Atlântico. Sem deixar dúvidas, seus crimes excederam em muito os que Bin Laden cometeu, e não é um "suspeito", mas sim, indiscutivelmente, o sujeito que "tomou as decisões", quem deu as ordens de cometer o "supremo crime internacional, que difere só de outros crimes de guerra porque contém em si o mal acumulado do conjunto" (citando o Tribunal de Nuremberg), pelo qual foram enforcados os criminosos nazistas: os centenas de milhares de mortos, milhões de refugiados, destruição de grande parte do país, o encarniçado conflito sectário que agora se propagou pelo resto da região.

Há também mais coisas a dizer sobre Bosch (Orlando Bosch, o terrorista que explodiu um avião cubano), que acaba de morrer pacificamente na Flórica, e sobre a "doutrina Bush", de que as sociedades que recebem e protegem terroristas são tão culpadas como os próprios terroristas, e que é preciso tratá-las da mesma maneira. Parece que ninguém se deu conta de que Bush estava, ao pronunciar aquilo, conclamando a invadirem, destruirem os Estados Unidos e assassinarem seu presidente criminoso.

O mesmo passa com o nome: Operação Gerônimo. A mentalidade imperial está tão arraigada, em toda a sociedade ocidental, que parece que ninguém percebe que estão glorificando Bin Laden, ao identificá-lo com a valorosa resistência frente aos invasores genocidas.

É como batizar nossas armas assassinas com os nomes das vítimas de nossos crimes: Apache, Tomahawk (nomes de tribos indígenas dos Estados Unidos). Seria algo parecido à Luftwaffe dar nomes a seus caças como "Judeu", ou "Cigano".

Há muito mais a dizer, mas os fatos mais óbvios e elementares, inclusive, deveriam nos dar mais o que pensar.

*Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofía del MIT. É autor de numerosas obras políticas. Seus últimos livros são uma nova edição de "Power and Terror", "The Essential Chomsky" (editado por Anthony Arnove), uma coletânea de seus trabalhos sobre política e linguagem, desde os anos 1950 até hoje, "Gaza in Crisis", com Ilan Pappé, e "Hopes and Prospects", também disponível em áudio.

Fonte: Cubadebate

Estado protocola projeto de reajuste do magistério

O governo do Estado do Rio Grande do Sul protocolou ontem na Assembleia Legislativa (AL) os projetos de lei referentes ao pagamento do reajuste de 10,91% aos professores e funcionários ativos e inativos do quadro da educação. Os projetos de lei também incluem a gratificação para os servidores do quadro geral que atuam em escolas e órgãos ligados à Secretaria Estadual da Educação (Seduc).

Ainda pelos documentos enviados à AL, o governo estadual se compromete, em até 60 dias, a readequar os funcionários do quadro geral que atuam na educação e não estão inseridos no quadro de servidores do magistério. Como parte das negociações com o Cpers/Sindicato, o governo do Estado se comprometeu em incluir o reajuste do pagamento dos servidores de escolas na folha a partir do dia 1 de maio de 2011, não alterando o que já havia sido acordado.

Para o secretário da Educação, Jose Clovis de Azevedo, o momento é de extrema importância, pois é fruto do diálogo e negociação com os trabalhadores em educação. "Estamos resolvendo problemas técnicos e jurídicos. É certo que todos os funcionários vão receber o reajuste a partir de 1 de maio", destaca.

Na manhã de ontem, durante reunião na sede da Seduc, a direção do Cpers/Sindicato obteve do secretário a garantia de que os aposentados e os funcionários que não estão no plano de carreira do magistério também serão beneficiados pelo reajuste de 10,91%. Segundo ele, o projeto receberá um artigo assegurando a inclusão destes servidores. No entanto, a inclusão dos excluídos do plano de carreira deve ocorrer em 60 dias, prazo que desagradou a direção do sindicato.

Segundo Rejane de Oliveira, presidente do Cpers/Sindicato, a inclusão no plano de carreira deveria ocorrer imediatamente. Amanhã, os professores realizam uma paralisação em todo o Estado para cobrar a implantação do piso nacional do magistério. De acordo com Rejane, a atividade também reforçará a posição do sindicato contra a reforma da previdência estadual anunciada pelo governo. O dia será marcado por paralisações regionais, com atividades organizadas pelos núcleos da entidade.

Fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=61735

domingo, 8 de maio de 2011

A guerra fria, que não parou nas revistas e virou TV


Brizola Neto no TIJOLACO

A repórter Marcelle Ribeiro publica uma pérola de matéria hoje, em O Globo, que faço questão de reproduzir, na íntegra, com meus sinceros aplausos.  É o retrato da batalha pelos nossos “Corações e Mentes”, como dizia o clássico documentário sobre a Guerra do Vietnã. A revista americana Life -  do famoso gruto Time-Life- fazia matérias alardeando a pobreza brasileira, pelo nada nobre motivo de desqualificar o país e se contrapor à ascensão da esquerda nacionalista brasileira. E a resposta, na bucha, dos Diários Associados, que editavam a publicação de maior circulação no país, O Cruzeiro.
A matéria só tem uma omissão, importantíssima mas compreensível, pelo fato de a repórter trabalhar onde trabalha. É não dizer que o grupo Time-Life, de tão preocupado que era com o controle ideológico do Brasil ter se associado a Roberto Marinho para erguer a Rede Globo de Televisão, que cumpriu – e cumpre – muito melhor este papel do que qualquer outro veículo de comunicação jamais fez.

Em plena Guerra Fria, disputa entre revistas ‘Life’ e ‘O Cruzeiro’ evidenciava preocupação dos EUA com avanço da esquerda no Brasil

SÃO PAULO – Uma grande revista americana expõe, em fotos que ficaram famosas mundo afora, a miséria numa favela carioca. Para dar uma resposta ao “imperialismo americano”, uma das maiores revistas brasileiras revida, com uma reportagem mostrando a pobreza de uma família num cortiço de Nova York. Foi o ponto de partida, em plena Guerra Fria, para um debate ideológico, social – com direito a arrecadação de fundos nos EUA – e de ética no jornalismo.
O ano era 1961, e os EUA nutriam preocupação crescente com o avanço da esquerda na América Latina. A Casa Branca temia que o governo de João Goulart transformasse o Brasil em uma nova Cuba. E os brasileiros, incomodados com a ingerência americana na política nacional, desejavam mostrar que a pobreza não era exclusividade daqui, aconselhando os vizinhos do norte a olharem para o próprio quintal.
Essa história, que teve como protagonistas as revistas “Life” e “O Cruzeiro”, é relembrada por uma nova pesquisa de Fernando de Tacca, professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Unicamp, que ganhou com ela o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia/Funarte, no ano passado.
Tacca analisou a reportagem da “Life” que traz uma imagem do carioca Flávio da Silva, 12 anos na época, alçado à fama ao ser fotografado doente e deitado numa cama na Favela da Catacumba, na Lagoa. Ele estudou, também, o revide de “O Cruzeiro”, a melhor revista brasileira da época, que publicou pouco depois a manchete “Repórter Henri Ballot descobre em Nova York um novo recorde norte-americano: MISÉRIA”.

Flávio, símbolo da pobreza

Com o título “Uma família castigada numa favela do Rio. O temível inimigo da liberdade: pobreza”, a “Life” de 16 de junho de 1961 apresentou ao mundo a história da família de José Manuel da Silva e Nair Germana da Silva. Com oito filhos, o casal morava na comunidade da Catacumba, que, após a remoção dos seus cerca de 10 mil habitantes nos anos 70, deu lugar ao Parque da Catacumba.
Acompanhado do jornalista brasileiro José Gallo, o fotógrafo americano Gordon Parks passou dias observando a vida da família de retirantes nordestinos. Focou o seu olhar no menino Flávio, de 12 anos, que, mesmo asmático, cuidava dos irmãos menores e das tarefas domésticas.
Na reportagem, os Silva são apresentados como um exemplo de pobreza que pode ser encontrada também em Venezuela, Chile, Bolívia e Equador e que implica “perigo acentuado”. “Na maior parte aglomerados em bolsões (…), largamente distribuídos nos morros das cidades, onde a abundante pobreza se torna campo fértil para a exploração política comunista e castrista”, disse a revista.
A reportagem sobre o Brasil foi a segunda de uma série de “Life” sobre a América Latina. A primeira tratava da ascensão de Fidel Castro em Cuba, com analogia às Ligas Camponesas brasileiras, lideradas pelo então líder comunista Francisco Julião – que, do fim dos anos 50 ao golpe militar de 1964, tentou implantar a reforma agrária no país, para temor dos americanos. A terceira reportagem abordou a Bolívia.
- O objetivo ideológico da “Life” era alertar para o avanço dos movimentos populares na América Latina e sua influência no sucesso da Revolução Cubana – explica Tacca.
O pesquisador ressalta, também, a relação da reportagem com o acordo conhecido como Aliança para o Progresso, tema de uma reunião dois meses antes. Idealizada pelos EUA, e tendo como pano de fundo a Guerra Fria, a Aliança previa investimentos na América Latina para promover o desenvolvimento regional, tentando conter o avanço do comunismo e a influência de Fidel Castro no continente.
Tacca explica que, para a “Life” e o governo americano, a pobreza era o berço preferido da temida proliferação da ideologia esquerdista. A reportagem sobre a Catacumba foi publicada numa época em que a política externa brasileira preocupava os EUA, com os presidentes Jânio Quadros e João Goulart – este último, derrubado pelos militares – simpáticos a uma aproximação com países comunistas.
A reportagem de “Life”, publicada também na edição em espanhol, comoveu os americanos, sensibilizados com a imagem do menino Flávio. Sua fotografia foi publicada ao lado de outra, em que o corpo de uma suposta vizinha do garoto jaz num caixão.
A revista organizou uma arrecadação de dinheiro nos EUA para ajudar a criança, levada àquele país para fazer tratamento. A família do garoto ganhou uma casa própria e mobiliada, fato noticiado por grandes jornais brasileiros da época. A “Life” fez nova reportagem sobre a recuperação de Flávio, que apareceu sorridente na capa da edição de 21 de julho de 1961, e a nova vida de sua família.
A "vingança" de O Cruzeiro": fotos da miséria em Porto Rio.
Mas a denúncia da miséria no Rio mexeu com “O Cruzeiro”. A revista enviou o fotógrafo Henri Ballot para Nova York, com a missão de mostrar que também havia miséria nos Estados Unidos. Na cidade, a publicação mostrou, em fotos com ângulos semelhantes aos usados pela reportagem da “Life”, a vida de uma família portorriquenha num cortiço sujo e infestado por insetos e ratos. “A miséria não é exclusividade nossa”, dizia o texto de 7 de outubro de 1961.
Como a rival americana, “O Cruzeiro” destacou a vida de um dos filhos da família, Ely-Samuel Gonzalez, de 8 anos. “O seu corpo magro de subnutrido é coberto de feridas, roído por baratas que invadem sua cama cada noite”, escreveu, destacando uma fotografia em que o garoto aparecia deitado coberto de baratas, em alusão à imagem de Flávio da Silva na “Life”.
A reação de “O Cruzeiro” gerou um debate sobre a ética do fotojornalismo. A revista “Time” publicou, poucos dias após a edição brasileira, reportagem questionando a postura do fotógrafo brasileiro Henri Ballot. Ele foi acusado de ter montado a foto em que Ely-Samuel aparece dormindo com baratas no cortiço em Nova York.
A “Time” relatou o polêmico embate entre “Life” e “O Cruzeiro” em reportagem com o título “A imprensa: vingança carioca”.
“O fato é que a fotografia mais comovente de Ballot – a de Ely-Samuel, frágil filho de 8 anos de Gonzalez, dormindo num colchão imundo e com aparentes baratas em seu corpo – fora posada. O fotógrafo capturou e distribuiu baratas com esse objetivo”, denunciou a “Time”, que enviou repórteres para conversar com a família portorriquenha retratada por Ballot.
A revista “O Cruzeiro” não contra-atacou a reportagem da “Time”. “O que, de certa forma, é uma aceitação da versão americana”, escreve Tacca na pesquisa.
Após fazer as polêmicas imagens sobre a miséria americana e ter sua ética questionada pela “Time”, Ballot foi proibido de voltar aos EUA, num momento de acirramento da Guerra Fria.”
As balas e as baratas, a rigor, se existiram, têm pouca importância. Havia muito mais que ética jornalistica em disputa ali, como os anos seguintes iam mostrar com o apoio à criação de um monopólio de mídia no Brasil.