sexta-feira, 20 de maio de 2011

Governo retoma desapropriações e pode assentar até 50 mil famílias


Em resposta ao Grito da Terra, presidenta Dilma Rousseff autoriza liberar, até julho, R$ 530 milhões para compra de terras. Com pagamento de R$ 600 mil em desapropriações este ano, reforma agrária estava quase parada. Custo médio de assentamentos na última década indica que até 50 mil famílias podem ser beneficiadas em 2011, um terço do que pediam manifestantes.


 O governo Dilma Rousseff planeja retomar as desapropriações de terra para fazer reforma agrária a partir de junho ou julho, liberando meio bilhão de reais que já está previsto no orçamento, mas que um corte de despesas anunciado pela equipe econômica em fevereiro havia deixado em dúvida se seria gasto. Não existe ainda meta oficial de assentamentos, mas os recursos (R$ 530 milhões) têm potencial para atender até 50 mil famílias.

De 2000 a 2010, o governo pagou R$ 7,7 bilhões para comprar terras e assentar 780 mil famílias, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em média, cada família custou em torno de R$ 10 mil para ser assentada. Com base neste valor, tem-se uma ideia da ordem de grandeza da reforma agrária pretendida pela gestão Dilma neste ano. Em 2011, essa política estava quase parada. Foram pagos R$ 600 mil em desapropriações, segundo o Incra.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, disse que ainda não é possível estimar quantas pessoas serão atendidas em 2011. Parte do dinheiro pode ter de ser usada para pagar desaproporiações anteriores que passaram por revisão de quantias na Justiça.

No Grito da Terra, marcha anual de reivindicações que realiza esta semana em Brasília, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pedia assentamento emergencial de 150 mil famílias acampadas.

O anúncio do governo de que vai liberar recursos para reforma agrária foi feito após reunião da diretoria da Contag com a presidenta Dilma Rousseff e os ministros Afonso Florence e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral). Primeiro à imprensa, no Palácio do Planalto, por Florence e o presidente da Contag, Alberto Broch. Depois, por eles e Gilberto Carvalho, todos cima de um carro de som, aos manifestantes do Grito que estavam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Os produtores ali presentes ouviram que governo decidiu criar superintendência exclusiva para cuidar de habitação rural dentro da Caixa Econômica Federal. A Contag queria R$ 2 bilhões para um fundo específico destinado a moradias rurais. O fundo nasceu em 2009, com R$ 500 milhões, dos quais R$ 130 milhões já foram objeto de contrato para construir 8,9 mil unidades habitacionais, segundo o Ministério das Cidades.

Em vez de se comprometer a aumentar as cifras do fundo, o governo optou por tentar reduzir a burocracia da Caixa, acostumada a lidar com clientes urbanos. “A agricultura familiar tem suas especificidades. Lá na Amazônia, quem não tem título de regularização fundiária não consegue financiamento para reformar uma casa. Essa superintendência vai ajudar a buscar alternativas”, disse o agricultor Carlos Augusto Santos Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará.

Plano safra: afinação
Em outra reinvindicação feita pelo Grito, o entendimento com o governo foi total. No plano safra 2011-2012, o financiamento oficial aos agricultores familiares será de R$ 16 bilhões. Igual ao que pedia a Contag – e igual ao anterior, como achou bom o governo, que está tentando segurar gastos. Será a primeira vez, desde a passagem da safra 2002-2003 para a 2003-2004, que não haverá aumento do crédito ao segmento familiar.

“Mas agora os juros serão mais baixos. Teremos mais dinheiro em condições atrativas”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário. Além disso, explicou Florence, o governo reforçará a prestação de assistência técnica ao produtor familiar, que a Contag acredita ter sido “desmantelada”. O apoio técnico ajuda o agricultor a se preparar para tomar dinheiro emprestado nos bancos. Com mais assistência, espera-se que o segmento consiga usar o máximo que lhe foi reservado em financiamento oficial.

Segundo dados do ministério da Agricultura, a média de aproveitamento do crédito pelos pequenos produtores na última década foi de 70% ao ano. Uma única vez passou de 80%. No caso dos grandes, em oito anos foi preciso dar mais dinheiro do que estava disponível de início.

O não aproveitamento total dos recursos é que levou a Contag a abrir mão de pedir a ampliação das linhas de crédito em 2011. “Hoje, a renda é que é um dos nossos grandes problemas. Nem todo mundo tem acesso a crédito” afirmou Alberto Broch.

Neste sentido, para ele, foi importante a sinalização dada pelo governo em outro pleito da Contag: a criação de um programa de garantia de preços mínimos para a produção dos agricultores familiares. O governo montará um grupo de trabalho, coordenado pelo ministério da Fazenda, para estudar como instituí-lo e com quais valores.

“Estamos satisfeitos. A cada dois meses, sentaremos com o governo para avaliar as coisas que estão andando e que não estão andando”, afirmou Broch. “O balanço é positivo. A presidenta Dilma tomou decisões que colocam a agricultura familiar na base do desenvolvimento do país”, declarou Florence.

Base militar tornou “sem ilha” o povo chagassiano


Brizola neto no TIJOLACO

Um drama ocupa hoje espaço de destaque na edição de hoje do jornal inglês The Guardian.
É o sofrimento do chagassianos, antigos habitantes do Arquipélago de Chagos, a leste da costa africana, a meio caminho da Ásia.
Mais de duas mil pessoas foram “removidas” das ilhas, entre 1967 e 1973 para as ilhas Maurício. A finalidade foi usar a maior de suas ilhas, Diego Garcia, como base aérea e naval  dos EUA , com estruturas de apoio inglesas nas demais ilhas. Quem não aceitou a “remoção” foi embarcado à força e aprisionado nas Ilhas Seychelles, hoje um famoso paraíso fiscal.
A desocupação das ilhas incluiu até um sui generis “fuzilamento de cachorros”, matando os animais de estimação dos moradores para intimidá-los
De lá, partiram bombardeiros para a guerra do Iraque.
Os tribunais ingleses reconheceram a posse indevida das ilhas, mas recusaram a devolução de Diego Garcia, sob o argumento que o arrendamento da ilha aos EUA era válido.
A base é estratégica e, para mantê-la, vale até uma aliança com os ambientalistas.
Um telegrama vazado pela Wikileaks mostra que a  transformação das  ilhas em “área marinha protegida”, que encantou os ambientalistas,  revelou que um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânicos tinha dito a seus colegas americanos a criação da reserva “poria fim aos pedidos de reinstalação dos antigos moradores do arquipélago”.
O funcionário, identificado como Colin Roberts, diretor de territórios ultramarinos, observou que o  “lobby ambiental   é muito mais poderoso do que o dos defenores dos chagossianos “, e acrescentou que o governo britânico não queria “nenhum Sexta-Feira (o personagem de Robinson Crusoé) nas ilhas.
Alguns dos chagassianos voltaram, de visita, às suas ilhas, e encontraram ruínas de suas antigas casas.
Em pleno século 21, as chagas do colonialismo, por vezes, aparecem de forma impressionante.

A Palestina já existe no cinema

Durante os últimos dez anos, uma nova onda de cineastas palestinos projetou na tela uma identidade nacional específica

 

Sabah Haider, via BrasilDeFato
Oficina de Información Chileno-palestina


Durante os últimos dez anos, uma nova onda de cineastas palestinos projetou na tela uma identidade nacional específica. Está relacionada mais especificamente com a política do que outras representações anteriores sobre vidas e histórias dos palestinos.
Enquanto a segunda Intifada (que começou em setembro de 2000) estava em seu apogeu máximo em Israel e nos territórios palestinos ocupados, a película "Intervenção divina" ("Divine Intervention") (2002), do cineasta Elia Suleiman, nascido em Nazaré, foi apresentada na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A Academia o rechaçou porque a "Palestina não é um país". Em 2006, quando o filme do cineasta palestino Hany Abu-Assad "Paradise Now" (2005) foi indicado para a mesma categoria, a Academia o validou e identificou seu país como "a Autoridade Palestina".
O estudioso Edward Said escreveu na introdução do livro sobre o cinema palestino Dreams of a Nation [Sonhos de uma Nação]: "Toda a história da luta palestina tem a ver com o desejo de ser visível". Este desejo é o que tem guiado a nova onda de filmes palestinos na última década. O cinema palestino se reinventou muitas vezes nos últimos 40 anos, mas os filmes feitos desde a segunda Intifada, que começou no ano 2000, são os que têm recebido atenção internacional. E não porque existam, mas porque representam uma afirmação social, cultural e política sem precedentes.
Nos últimos dez anos, milhares de partidários da causa palestina em todo o mundo - não somente palestinos - têm recorrido às câmeras, com a ajuda de uma tecnologia digital, para fazer filmes sobre a Palestina e a urgente situação atual dos palestinos. Seu cinema se caracteriza pelo uso de fatos históricos e sociais comuns para documentar a luta dos palestinos, a ocupação israelense e a identidade cultural.
Os destacados estudiosos do cinema palestino Nureth Gertz e Michel Khleifi identificaram quatro períodos diferentes em seu livro Palestinian Cinema: Landscape, Trauma and Memory [Cinema Palestino: Paisagem, Trauma e Memória]. O primeiro se estende entre 1935 e 1948, ano da nakba (catástrofe, termo utilizado para designar o êxodo dos palestinos em 1948). O segundo, "a época do silêncio", compreende de 1948 a 1967, em que não se produziram películas. O terceiro abarca os filmes do período revolucionário entre 1968 e 1982 - provocado pela ocupação da Cisjordânia e Gaza depois da Guerra dos Seis Dias - que foram realizadas sobretudo pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e outras organizações palestinas no exílio no Líbano. No quarto período, que começou em 1982 depois da invasão israelense do Líbano e do massacre de Sabra e Chatila, continua até a atualidade.

Nação sem Estado

A doutora Lina Khatib, especialista em cinema árabe e professora da Universidade de Stanford na Califórnia, afirma que a relação de um filme com a história é subjetiva. Acrescenta que o conflito árabe-israelense é o exemplo mais claro de um mesmo fato histórico ao qual se dá "diferentes interpretações, muitas vezes contraditórias" em Hollywood e nos filmes árabes. Ela opina que as verdades construídas por cada uma das partes se produzem por determinados e diferentes contextos históricos e que refletem tais diferenças.
Os filmes palestinos da nova fase estão inerentemente ligados à política. São construções cinematográficas que tratam da resistência específica do período posterior a 2000. A segunda Intifada é um acontecimento-chave na luta palestina, ponto no qual se desenvolve a construção da identidade nacional definida pelos fatos históricos e sociais que ocorreram. Os filmes anteriores, com uma voz palestina como alternativa ao discurso dominante israelense sobre o conflito, constituem esse novo momento.
O cinema palestino é realmente um cinema nacional sem estado, que representa 9,7 milhões de palestinos social, econômica e geograficamente espalhados por todo o mundo - aproximadamente 74% dos palestinos são refugiados. Nos territórios ocupados, os palestinos quase não têm acesso a cinema: durante a primeira Intifada, Israel fechou todos os centros de entretenimento, incluindo os cinemas. O estado israelense paralisou as pessoas e asfixiou seus esforços culturais, e também proibiu as manifestações públicas e encontros culturais.
Definir o cinema palestino não é fácil. Em um ensaio, o cineasta Omar al-Qattan, nascido em Beirute e educado na Grã-Bretanha, levanta questões sobre o que o torna um diretor de cinema palestino, além de ser filho de pais palestinos. Afirma que sua relação com a Palestina é um imperativo ético para o qual está equipado devido ao patrimônio histórico e cultural de sua família e a amizades com outros palestinos. Al-Qattan se mantém firme no fato de considera "palestina qualquer película comprometida com a Palestina, e não limita o nome às estreitas fronteiras nacionalistas". Adotando a definição de Qattan, entende-se que "A porta do Sol" ("Bab el Shams") seja considerado um filme palestino, apesar de ter um diretor egípcio e financiamento francês.

Esperança e desespero

Hamid Dabashi, editor de Dreams of a Nation [Sonhos de uma Nação], escreveu: "A simples proposta do cinema palestino marca a disposição traumática de sua origem e originalidade. O mundo do cinema não sabe muito bem como abordar o cinema palestino, precisamente porque surge como um cinema sem estado com sérias consequencias em nível nacional". Isso aparece talvez bem refletido na nova produção de Elia Suleiman "O tempo que resta” (“The Time That Remains”) (2009), o último da trilogia palestina (os outros dois que compõem a trilogia são "Crônica de um desaparecimento" (“Chronicle of a Disappearance”) (1996) e “Intervenção divina” (“Divine Intervention”), em que afirma que os espectadores têm que considerar o fato de que, simplesmente, "o tempo se acaba".
Os filmes palestinos da nova geração acreditam em ações sociais comuns, como a ocupação, a ausência de um estado e a luta pelo direito de retorno para construir uma identidade nacional que transcenda a diáspora fragmentada. A ocupação israelense e a opressão são representadas por meio da descrição dos postos de controle, bloqueios de estradas e cartões de identificação. A contínua ausência de um estado e a aspiração de ter uma pátria se mostram como esperança e desesperança - a esperançada busca de uma nação soberana; os que carecem de esperança, como os personagens dos filmes de Elia Suleiman, sofrem frustração e desespero. O direito ao retorno que aparece em todos esses filmes pretende eliminar a causa do sofrimento e voltar a um estado de paz e segurança.
A segunda Intifada permitiu ver os símbolos da sublevação: Yasser Arafat, os postos de controle e bloqueios de estradas, a barreira israelense da Cisjordânia e a expansão dos assentamentos. A maioria dos filmes da nova onda estão ambientados na Cisjordânia, onde os palestinos vivem "atrás do muro" e utilizam os pilares da luta - a falta de pátria, a opressão, a resistência e o direito ao retorno. Desde o bloqueio israelense é difícil rodar filmes na Faixa de Gaza, ainda que no ano passado tenha sido rodada uma película de grande alcance, “Imad Aqel” (2009), que trata de um combatente do Hamas, Movimento de Resistência Islâmico, morto em conflito. Fazer um filme sob ocupação, dentro do bloqueio israelense, em um lugar assolado pela pobreza, era uma façanha, ainda que as manchetes internacionais tenham se concentrado no fato de o filme ter sido financiado e produzido pelo Hamas. Quatro dos atores do filme foram posteriormente assassinados durante e Operação Chumbo Fundido - a guerra israelense em Gaza, que durou 22 dias entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009.

Uma arma cultural

A ideia de "conjunturas históricas específicas" de que Khatib fala está vinculada à ideia de identificar os "fatos sociais" essenciais - um termo criado pelo sociólogo francês Emile Durkheim. Segundo ele, os fatos sociais podem ser ao mesmo tempo "objetivos, resistentes e persistentes" e são a chave para entender a vontade coletiva ou a consciência e identidade de um grupo. Durkheim define os fatos sociais como "formas de atuar ou de pensar como a característica peculiar de exercer uma influência coercitiva sobre a consciência individual... Inclusive os símbolos que representam esses conceitos mudam em função do tipo de sociedade"
Nos filmes da nova fase palestina, a relação entre o cinema e a realidade está historicamente e politicamente modulada para construir uma arma cultural que também atue como resistência. Essas películas são textos históricos dos oprimidos.
Poucos hispsters em Londres ou Nova York são conscientes do significado político do lenço palestino kufiya que compram na H&M ou Top Shop. A kufiya se converteu em um símbolo de solidariedade palestina e da resistência palestina em tempos de nakba, de forma não totalmente deliberada. Foi uma coincidência cultural. A Palestina era uma sociedade agrária antes da criação de Israel, e tanto a terra como a agricultura são grande parte desse patrimônio cultural palestino. Durante a nakba, quando os sionistas arrasaram os povos e os palestinos fugiram, os povos rurais foram os primeiros a serem destruídos. Os que fugiram foram os agricultores, que levavam a kufiya para se proteger do sol no verão e do frio no inverno nos campos e plantações de oliva. A kufiya é um símbolo recorrente no novo cinema palestino.
Outros símbolos são o mapa original da Palestina (antes de 1948), a terra e a bandeira palestina. A história demonstra que, como seres humanos, nos apoiamos nos símbolos para projetar nossa identidade quando nossas vozes e ações não podem (na França, o dia da Queda da Bastilha não seria o mesmo sem a bandeira francesa); a bandeira palestina é o símbolo mais importante de solidariedade, resistência e nacionalismo nos filmes da nova fase.
Por exemplo, "Intervenção Divina" (“Divine Intervention”), de Suleiman, e “Paradise Now”, de Abu Assad, relacionam o ambiente da ocupação israelense e a paisagem dos territórios ocupados com as personagens; dá a eles um contexto, convertendo-se também em uma parte da história. Na fantástica sequência de "Intervenção Divina", a noiva do protagonista vai coberta com uma kufiya quando luta contra os soldados israelenses. Sem a kufiya, a sequência poderia ser lida como feminista nas entrelinhas. No entanto, ocultando sua identidade com a kufiya, ela se converte em um símbolo de resistência palestina.
Ambas as películas identificam um objetivo coletivo de retorno à pátria. Mas "Intervenção Divina" pode ser interpretada como uma alegoria do fracasso da aspiração nacional, enquanto que "Paradise Now" pode ser entendida como uma alegoria difundida para alcançar uma determinação. No filme "O sal deste mar" ("Salt of this Sea") (2008) da cineasta palestino-estadunidense Annemarie Jacir, a personagem principal, Soraya, é uma jovem e rebelde estadunidense nascida no Brooklyn, que pertence à terceira geração de refugiados palestinos. Ela vai em busca de sua antiga casa em Jaff (atualmente em Israel) para aceitar sua identidade pessoal e história familiar, e anseia recuperar a casa de sua família. Como disse o historiador Issam Nassar: "O êxodo e a expulsão forçada dos palestinos em 1948 e a construção dos campos de refugiados em todo o Oriente Médio estabeleceram o contexto para a transformação dos antigos locais palestinos e afiliações comuns em nacionalistas".
Os cineastas do novo período conseguiram construir uma identidade nacional palestina que transcende a diáspora fragmentada; tem feito do cinema um meio-chave para a documentação e preservação da história de sua luta. Fundamentalmente, conservam o dialeto árabe-palestino - que não é fácil, tendo em consideração a dispersão geográfica da comunidade. A jornalista árabe-estadunidense Nana Asfour afirma: "O que une os filmes palestinos é o idioma - árabe palestino, o tema - a vida dos palestinos - e o desejo de cada diretor de retratar sua própria visão sobre o significado de ser palestino".
Há pouco tempo conheci Elia Suleiman em Beirute enquanto promovia seu novo filme "O tempo que resta", que estreou em Cannes no ano passado. Sugeriu que vale a pena considerar a multiplicidade de vozes dos cineastas palestinos. "Não sei se o microcosmos do conflito árabe-israelense é um reflexo do mundo, ou se o mundo é um microcosmos da Palestina. Em nível mundial, a Palestina se multiplicou e criou muitas Palestinas. Creio que se fôssemos ao Peru, também encontraríamos ali uma Palestina em estado grave".

Sabah Haider é jornalista e cineasta radicado em Beirute. Realiza oficinas de cinema para jovens palestinos em campos de refugiados na Palestina, Jordânia, Líbano e Síria.

A súbita riqueza do ministro chefe

Escrito por Leo Lince  no Correio da Cidadania 
 
Em priscas eras, quando o PT ainda postulava a mudança na ordem econômica e defendia uma "nova gramática do poder", a palavra "projeto" sempre aparecia em seus documentos associada ao esforço coletivo: projeto estratégico dos trabalhadores, projeto político para o Brasil. Como goiabada cascão em caixa, coisa fina que não mais se acha.
 
Depois de quase uma década na posse da principal alavanca do poder político, a palavra mudou de conteúdo no vocabulário petista. O que era plural se individualizou. Projeto, agora, é uma empresa particular de consultoria financeira.
 
A classe operária, claro, não foi ao paraíso. Os trabalhadores seguem moendo no áspero, mas os que chegaram ao poder político em seu nome navegam no mar das facilidades. Alguns descobriram cedo que, ao invés de dar "cavalo-de-pau" em transatlântico, mais confortável era tomar assento na boleia.
 
A súbita riqueza do atual ministro chefe da Casa Civil não passa de mera decorrência de outras escolhas, não só dele, e muito anteriores. Em 2002, a esperança só venceu o medo na campanha eleitoral. Ato contínuo, como alertou na época o saudoso Celso Furtado, a música do continuísmo já tocava no grupo de transição para o primeiro governo petista.
 
O que era grande, a promessa de mudança, foi trocado em miúdos: milhares de pequenas "metamorfoses ambulantes". Quem se vendeu como artífice da mudança, agora se oferece como palestrante e consultor da restauração.
 
O alvoroço montado nos jornais desta semana não passa de um episódio a mais em tal trajetória. Episódio, aliás, que pode se tornar território de múltiplas revelações. Algumas delas, além de curiosas, sintomáticas. Por exemplo: José Serra e Aécio Neves, que brigam de foice pela liderança do tucanato, estiveram unidos na defesa do acusado. Comem da mesma fruta e, na certa, não querem saber de marolas no condomínio do poder.
 
Por outro lado, a nota expedida pela assessoria da Casa Civil em defesa do ministro é um espanto. Foi feito até um levantamento do número de parlamentares que, como o acusado, "costuram para fora" durante o exercício do mandato. Levantamento que cumpre um duplo objetivo: defender a absoluta normalidade do duvidoso procedimento e, ao mesmo tempo, ameaçar quem recalcitra na crítica. Ou seja, "locupletemo-nos todos...".
 
Mais grave ainda é a defesa do princípio dos vasos comunicantes entre os pontos fortes da economia e as alavancas que definem, na estrutura do Estado, o destino das finanças públicas. Quem ocupou postos chaves na administração e depois virou banqueiro ou, no percurso inverso, banqueiro que virou ministro, são fornecidos exemplos concretos com nome e sobrenome, são procedimentos defendidos na nota como naturais e desejáveis. Um absurdo sem tamanho.
 
Ao tratar como natural a malha de cumplicidades de mão dupla, que coloca o aparelho estatal como extensão das corporações dominantes, o objetivo da nota é justificar o "enorme valor de mercado" dos "profissionais" que transitam por tais escaninhos. Os consultores de luxo, pagos a peso de ouro pelos barões do setor privado, não precisam revelar a fonte nem a quantia de seus ganhos. Estão protegidos pelo manto sagrado da confidencialidade dos contratos. Um privilégio dos poderosos que, infelizmente, não esteve ao alcance do caseiro Francenildo.
 
Nas origens, quando Carlito Maia não cobrava tostão por seus slogans geniais, o PT se orgulhava da sua condição de partido diferente. Nas cantorias de militância, interpelava os partidos da ordem por serem "tão iguais". Agora ficou igual aos demais. Para desfrutar os privilégios do poder, vangloria-se de fazer o que todos fazem. Pratica o que antes execrava e, sem desconforto aparente, defende de cara limpa a súbita riqueza do ministro chefe.
 
Léo Lince é sociólogo.
 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Qual a graça?

 
Umas das principais polêmicas recentes foi a entrevista da revista "Rolling Stone Brasil" com o cqc Rafael Bastos. A matéria revela um trecho do show do comediante, em que ele diz, referindo-se ao estupro de uma "mulher feia": "Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade."


Ora, na mesma semana em que jovens de três estados foram detidos por atuarem num movimento que defende a legalização da maconha, acusados de "apologia às drogas", as declarações de Bastos suscitam alguns questionamentos. Por um lado, os jovens mencionados estavam exercendo seu direito à livre manifestação de ideias, defendendo seu ponto de vista, disputando sua opinião na sociedade legitimamente.
De outro lado, Rafael Bastos, cujo discurso não tem nenhuma dessas características, não poderia ser acusado de apologia a um crime hediondo? Por que? Porque aquilo pretende ser uma piada? Porque ele só quer "desconstruir o politicamente correto"? Porque é famoso e ganhou carta branca pra dizer as barbaridades que quiser impunemente?
Há meios inteligentes, ou pelo menos, não tão vulgares, de pôr o "politicamente correto" em questão. Sugerir o estupro de mulheres e promover sua banalização não choca o moralismo, choca quem, há décadas, concentra esforços para denunciar e combater essa violência injustificável - que não é ficção, é de verdade, mais comum e mais impune do que se imagina.
Tratar estupro como piada passa por cima de tantas mulheres que o machismo já vitimizou por meio dessa arma cruel, legitima essa violência, conferindo-lhe o status de coisa qualquer, coisa da vida, coisa que acontece e pode ser tolerada. Esse é o texto implícito. Não precisa se dedicar muito pra entender.
Acontece que estupro não é piada, não é engraçado, não é tolerável e não há atenuantes. Banalizar esse assunto é tornar-se cúmplice dele. Não há meio termo. Aceitar rir de si mesmo é uma coisa. Rir de uma mulher estuprada é outra completamente diferente.
A quem quer caçoar do "politicamente correto", que o faça sem brincar com o que não tem graça nenhuma. Indicar o estupro como "oportunidade" num texto humorístico não é bonitinho, nem engraçadinho, nem original, muito menos inteligente. É cruel, leviano, beira o fascismo. Atitudes como essa, travestida de moderninha e descolada, é o que de mais reacionário pode haver numa sociedade desigual como a nossa. Afinal, por que Bolsonaro é criticado quando fala sério, mas Rafael Bastos tem autorização pra falar "brincando"?
Violência contra a mulher é crime. Não tem graça. Não tem desculpa.

* Alessandra Terribili, jornalista, é integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.

A rebelião jovem que o mundo não quer ver

Brizola Neto no TIJOLACO



Não sai, ou sai discretamente, nos jornais, o movimento que está abalando a Espanha e possivelmente  vai se espalhar para países como Portugal e Grécia, devastados pela estagnação econômica. Ontem, eu publiquei aqui um vídeo sobre o “15-M” da Espanha (numa referência ao dia 15 de maio, quando começaram os protestos). Mesmo desrespeitando a ordem da Justiça para que se dispersem, eles continuam lá, aos milhares.
Por isso, traduzi um trecho do artigo de Jan Martínez Ahrens, no El Pais de hoje, para que a gente entenda melhor o que se passa por lá e reflita, também, como temos de evitar que a representação política caia neste pântano da falta de credibilidade e esperança.
Por razões obvias, a mídia internacional, que sentou praça junto aos manifestantes do Oriente Médio, ignora ou praticamente ignora estes, que estão debaixo de seus narizes.

Por que o Movimento 15-M tem êxito

A ação dos partidos na campanha eleitoral foi parcialmente superada por um movimento forjado nas margens do sistema, o 15-M. Nessa época, quando os partidos geralmente passam usar mais pólvora para atrair atenção para suas propostas, um grupo de insatisfeitos e cyberativistas foi agarrando o interesse e despertar a simpatia de centenas de milhares de pessoas agitando uma mensagem cheia de revolta, utopia e um ponto (“não somos bons nas mãos de banqueiros e políticos”, proclamam)
Argumentos não lhes faltam. Dois são óbvios: a gravidade da crise, com o desemprego dos jovens de até 43%, e o desencanto com a classe política incapaz de oferecer um discurso envolvente aos seus eleitores e cheio de líderes e aqueles que só estão interessados em fazer afirmações sem possibilidade de questionamento e não mostram qualquer escrúpulo para incluir na lista (fechada) réus em casos de corrupção, e até mesmo mistura-los nas arenas de touros (referência a um comício da direita espanhola na Plaza de Toros de Valencia)

Neste clima de erosão econômica e perda de credibilidade é adicionado um processo eleitoral fora do biorritmo real: sob o açoite da maior crise econômica da democracia perdem o interesse, principalmente nas grandes cidades, os debates municipais e regionais ( por sinal , alguém lembra de algum brilhante?). Os cidadãos têm os olhos em eleições gerais, ou seja, numa  possível mudança de ciclo. Assim, a atenção do público, o espetáculo entediante e pobre que eles estavam testemunhando, levou tão rapidamente a este grupo e suas reivindicações. Em geral, são demandas muito pouco desenvolvidas, mas por isso, são próximas e fáceis de compreender. Típicas de tempos de crise decorrente da revolta de uma geração que vê sua vida presente afundar. Sob a premissa de uma revolução ética, afirmam sua fé juvenil contra os “o modelo econômico ultrapassado e antinatural”, contra o desejo e a acumulação de poder por parte de alguns, contra o desemprego, contra a “ditadura partidocrática” apontando diretamente para o PP e do PSOE.

Com esta mensagem de banda larga, o movimento foi bem jogado através da comunicação. Primeiro, entre eles, utilizando novas tecnologias, especialmente oTwitter, que lhes permitiu superar as barreiras tradicionais de convocar suas ações. Depois, conseguiu gerar um universo horizontal e consciente, permanentemente ligado e com ações imediatas. Nesse movimento gigantesco de informação, em se forjaram muitas das suas iniciativas, foram captando a atenção de milhares de pessoas, principalmente jovens, que sofrem a devastação da insegurança e do desemprego, e viram suas chances diminuírem em relação à geração de seus pais.

Pedido de impeachment de Gilmar Mendes não é notícia para a "grande imprensa"

Do blog do Mello, por ele mesmo

Nas versões nas bancas, nos telejornais e portais de notícias da chamada "grande imprensa" não há uma linha, uma frase, uma palavra sobre o pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes protocolado no Senado e na OAB pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan.

A "grande imprensa" que diz que tem o dever de informar, que se diz defensora ardente da liberdade de expressão, de imprensa, não dá informação alguma a seus leitores, telespectadores sobre o pedido. Para quem só se (des)informa por eles, não existe.

Não é possível que não haja uma estratégia por trás disso, uma combinação entre eles. Afinal, é um pedido de impeachment do homem que até há pouco tempo era o presidente do STF, do homem que percorreu o país emitindo opinião sobre os principais assuntos da vida brasileira, como um Simão Bacamarte a defender a sanidade do Judiciário.

Mas, o pedido de impeachment é uma das pontas da informação. A outra é o que há nele, as sérias acusações contra Gilmar Mendes que também não são levadas ao conhecimento da população, a quem a "grande imprensa" (e, mais importante que ela, a Constituição do país) diz ter o direito à informação:

(...) A referida reportagem informou, dentre outros fatos, que o Advogado Sergio Bermudes hospeda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes quando este vem ao Rio de Janeiro, e que já hospedou-o em outras localidades, além de fornecer-lhe automóvel Mercedes Benz com motorista.

A citada reportagem informou também que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes recebeu de presente, do mesmo Advogado Sergio Bermudes, uma viagem a Buenos Aires, Argentina, quando deixou a presidência do Supremo Tribunal Federal no ano passado (2010). E que o presente foi extensivo à mulher do Ministro, acompanhando-os o Advogado nessa viagem.

A citada reportagem informou ainda que o referido Advogado emprega e assalaria, acima do padrão, a mulher do Ministro. Evidente que no recesso do lar pode ela interferir junto ao marido a favor dos interesses do escritório onde trabalha,
e de cujo titular é amiga intima (sempre segundo a citada reportagem). É o canal de voz, direto e sem interferências, entre o Ministro e o Advogado.

Se comprovados estes fatos, notadamente a viagem de presente, ficará configurada violação de dever funcional, com consequente inabilitação para o cargo, eis que
vedado o recebimento de benefícios ao menos pelo Código de Ética da Magistratura, precisamente seu artigo 17.

Será que nada disso é notícia? Por que o silêncio cúmplice?

Este pequeno blog vai ficar batendo na tecla, até que o ministro venha a público desmentir e desqualificar - se puder - as graves acusações que lhe são feitas.

Quem já chamou às falas um presidente da República também deve ser chamado às falas, porque ninguém pode estar acima das leis, pairando olímpico. Como não ficou o Simão Bacamarte original, que, ao final, internou-se na Casa Verde.

Nossa Casa Verde e Amarela e Azul e Branca aguarda o ministro.

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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Manifestações contra homofobia movimentam principais cidades do Brasil


Comunidade LGBT busca pressionar Senado para aprovar PL-122 | Foto: Antonio Cruz/ABr

Igor Natusch no Sul21

Uma série de eventos em todo o Brasil marcaram, nesta quarta-feira (18), a luta nacional contra a homofobia, além de pressionar o Senado no sentido de aprovar o PL-122, que transforma em crime o preconceito contra homossexuais. O mais chamativo dos atos foi a 2ª Marcha Nacional Contra a Homofobia e Pelo PLC122, promovida em Brasília pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre também tiveram manifestações populares em defesa das relações homoafetivas. A data de 17 de maio marca o Dia Internacional Contra a Homofobia, por ser o aniversário da decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de remover a homossexualidade de sua lista de desordens mentais, anunciada em 1990.
A marcha contra a homofobia em Brasília teve a participação de mais de 5 mil pessoas, segundo a organização do evento. “Vamos colorir o Congresso e trazer mais paz e amor para essa classe social”, declarou o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), um dos parlamentares presentes no ato. Homossexual assumido, Wyllys acredita que a marcha contribui no sentido de pressionar o Senado a aprovar a PL-122, que transforma a homofobia em crime.
Marcha reuniu 5 mil pessoas em Brasília | Foto: Antonio Cruz/ABr
A concentração começou de manhã em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, e os presentes participaram em seguida de um ato no gramado em frente ao Congresso Nacional. Ocorreu também um abraço coletivo na sede do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, como demonstração de gratidão à decisão do STF de reconhecer como legal a união estável homossexual.
“Somos milhões de brasileiras e brasileiros, ainda excluídos da democracia e sem nossos direitos garantidos pelas leis do país”, afirmou Evaldo Amorim, presidente do Grupo Elos LGBT e um dos coordenadores da marcha. “Com essa manifestação queremos chamar atenção da sociedade e do Estado para que não mais permitam esse tipo de preconceito”.
Em Porto Alegre, foi promovido um beijaço na Esquina Democrática, como forma de pedir a aprovação da PL-122. No ato, dezenas de casais homossexuais beijaram-se sob uma bandeira do arco-íris, símbolo universal do movimento que pede igualdade de direitos para a comunidade LGBT. Houve também distribuição de panfletos e conversas com populares que paravam para assistir o ato. Segundo os organizadores, a troca de beijos entre os casais busca mostrar a relação homoafetiva como uma forma de amor, independente de orientação sexual.
Prefeitura do Rio de Janeiro anuncia decretos contra homofobia
Em sintonia com as manifestações a favor das relações homoafetivas, o governo municipal do Rio de Janeiro anunciou na quarta (18) dois decretos e um conjunto de ações voltadas a combater a homofobia. Um dos decretos autoriza o uso de nome social por travestis e transexuais em repartições públicas municipais. Ou seja, as pessoas podem escolher por qual nome desejam ser tratadas em locais como escolas e hospitais, independente do que esteja escrito no documento de identidade. O outro decreto determina que as repartições mostrem de forma visível avisos sobre a lei municipal 2475/96, que proíbe a discriminação por orientação sexual em órgãos públicos e estabelecimentos comerciais, além de prever o direito a demonstrações públicas de afeto por parte da comunidade LGBT.
A prefeitura do RJ promoveu também a inauguração do novo site da Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual do município. O site trará informações relacionadas à agenda LGBT, além de receber denúncias de preconceito e discriminação. Será formada também uma rede de trabalho contra o bullying de motivação homofóbica nas escolas, além da confirmação de cursos de capacitação sobre os direitos dos homossexuais, voltados para funcionários de comércio e serviços. Os estabelecimentos que passarem pelo curso receberão um selo “Rio Sem Preconceito”, certificando que o local está preparado para atender clientes adequadamente, independente da orientação sexual.

Bolsonaro: PSol é um “partido de veados”
Bolsonaro afirmou que responderá representação contra ele "em um papel higiênico" | Foto: Rodolfo Stuckert/Agência Câmara

O PSol protocolou nesta quarta-feira (18) representação no Conselho de Ética da Câmara contra Jair Bolsonaro (PP-RJ), com base na discussão entre ele e a senadora Marinor Brito (PSol-PA) no último dia 12. A briga aconteceu após uma reunião da Comissão de Direitos Humanos do Senado, onde Bolsonaro distribuía, do lado de fora da sala, um folheto “antigay”. A atitude era uma resposta à iniciativa do Ministério da Educação, que distribuiu um kit em escolas públicas para combater o preconceito contra homossexuais. Na ocasião, houve bate-boca entre os dois congressistas. Na representação, o PSol pede que Bolsonaro seja investigado por quebra de decoro parlamentar.
Ao ser informado da investigação, Bolsonaro reagiu com indignação e não poupou adjetivos. Segundo ele, a atitude do PSol não surpreende, uma vez que se trata de “um partido de pirocas e de veados”. “Estou me lixando para a senadora. Vou responder sua representação em um papel higiênico”, declarou o deputado federal, acrescentando que Marinor teria dado “uma porrada” nele, além de xingá-lo de corrupto, homofóbico e assassino.

Garotinho diz que cartilha ensina crianças a fazer sexo anal

A pressão da bancada evangélica para dificultar o trâmite da lei anti-homofobia teve desdobramentos na quarta-feira (18). O deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) garantiu que a bancada fará “greve” até que os kits confeccionados pelo Ministério da Educação sejam recolhidos pelo governo. “Não se vota nada enquanto não se recolher esse absurdo”, afirmou o parlamentar, chamando o material de “kit gay” e dizendo que se trata de uma propaganda do homossexualismo. “Dinheiro público deve ser empregado para combater a homofobia e não para estimular opção sexual. Esses livros ensinam até a fazer sexo anal”, garantiu Garotinho.
Divulgação
Garotinho: "Não se vota nada enquanto não se recolher esse absurdo" | Foto: Divulgação
No material exibido pelo deputado como prova de que o governo está propagandeando as relações homossexuais, consta até mesmo uma cartilha confeccionada pelo MEC há mais de dois anos, na qual se trata de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e que mostra dois homens em relação sexual anal. O material foi distribuído amplamente na época e era sabidamente destinado ao público adulto.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, repeliu as afirmações de Garotinho, dizendo que o material apresentado não é o mesmo que o MEC está preparando para conscientização em escolas. “O material que eu vi não é do MEC. Todo o material oficial está disponível no portal do Ministério”, afirmou o ministro, reforçando que todo o material passou e ainda está passando por “idas e vindas” até uma versão definitiva. “O MEC recomenda alterações, modificações, e o material acaba sendo refeito a partir da perspectiva do ministério da educação. Ele só se torna oficial quando é aprovado pela comissão de publicação”, garante. O kit, que vem sendo produzido há três anos, é composto por três vídeos e um guia de orientação aos professores, e deve ser enviado a 6 mil escolas da rede pública no segundo semestre.
Outro notório opositor da PL-122, o pastor Silas Malafaia, voltou a manifestar-se de forma dura contra o projeto que pretende transformar homofobia em crime. Na última edição do seu programa televisivo “Vitória em Cristo”, o pastor garantiu que, caso o projeto de lei seja aprovado no Senado, dedicará todo o programa imediatamente seguinte a “pregar contra o homossexualismo”. “Quero ver se a Constituição Brasileira será respeitada ou se vão me mandar para cadeia!”, disparou. Malafaia também levantou críticas contra o STF (que teria tomado uma decisão “inconstitucional” ao reconhecer a união civil de homossexuais) e até mesmo personalidades do cenário evangélico, que estariam sendo omissos na luta contra a lei anti-homofobia.

Ligações sobre PL-122 congestionam telefones do Senado

Enquanto isso, as linhas telefônicas do Senado sofrem congestionamento devido à grande quantidade de ligações a respeito da PL-122. Segundo nota divulgada pela Secretaria de Pesquisa e Opinião do Senado (Sepop) na terça-feira (17), a grande quantidade de telefonemas pode provocar interrupções temporárias no atendimento via Alô Senado. Como maneira de desafogar o sistema, o Sepop sugere o uso do site do Senado como forma alternativa de atendimento. A nota não entra em detalhes sobre o conteúdo dos telefonemas ligados ao projeto de lei que criminaliza o preconceito contra homossexuais.

Uma proposta indecente



Por Paulo Muzell no Sul21

A aliança com o PDT na campanha que elegeu Tarso Genro governador do Estado no primeiro turno trouxe para o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, uma nova e grande esperança: conseguir o apoio do PT nas eleições municipais de 2012.

Tarefa difícil, diga-se de passagem. Vice de um governo de uma coalizão de centro-direita que derrotou o PT e seus aliados nas últimas duas eleições na capital, Fortunati, assume a Prefeitura em 2010, favorecido pela renúncia de Fogaça, que se candidata a governador. Assume um governo já na metade do seu sexto ano, desgastado por inúmeras denúncias – licitações fraudulentas no DMLU e no Sócio-Ambiental; compras superfaturadas da Divisão de Iluminação Pública na SMOV; desvio de recursos do Pró-Jovem e do PSF, além das contratações irregulares de serviços. Aliás, a terceirização de serviços na área da segurança acabou indo parar nas páginas policiais com o assassinato do ex-vice prefeito e ex-secretário Municipal da Saúde, Eliseu Santos.

Os servidores municipais reclamam, com razão, do arrocho salarial, do aumento das desigualdades – só os detentores dos cargos mais altos tiveram ganhos reais -, do absurdo aumento do número de Cargos em Comissão (CCs) e de estagiários, cujo efetivo duplicou nesta administração.
Apesar da recuperação da receita municipal ocorrida nos últimos anos, decorrente do bom desempenho da economia, as taxas de investimento da Prefeitura diminuíram, o atendimento das demandas do Orçamento Participativo declinou drasticamente – apenas sete das 191 demandas de 2010 foram atendidas. Para completar este quadro desolador os serviços municipais são de péssima qualidade: postos de saúde superlotados prestam um mau atendimento; a coleta de lixo é deficiente e a cidade está cada vez mais às escuras. A conservação das vias é péssima, e até virou destaque no noticiário nacional: redes de televisão registram para todo o país o protesto bem humorado dos portoalegrenses que utilizam os buracos – eles existem em profusão – para ensaiar jogadas de golfe!!

Fortunati, apesar desse cenário desfavorável, não desiste do seu projeto pessoal de candidatar-se e de se eleger prefeito. Podem lhe faltar outros atributos, mas a persistência e a teimosia certamente não. Realiza, no entanto, movimentos contraditórios: por um lado reforça a direita no seu primeiro escalão, trazendo Zachia e Ana Pellini para seu governo. De outro, monta um canal de aproximação e conversa com alguns setores do PT propondo aliança e acenando com cargos. Ao longo dos últimos meses contatos e reuniões se tornaram vez mais freqüentes: algumas oficiais, públicas, outras nem tanto, reservadas e oficiosas. Os rumores aumentam, cochicha-se nos corredores à boca pequena que a oferta aumenta: poderão ser oferecidas duas, três ou até mais secretarias.

Não é fenômeno recente ou novo a crescente perda de credibilidade da política e dos políticos. Ocorre aqui no Brasil, mas tem caráter global. Coerência, cumprimento do programa, austeridade são atributos cada vez mais raros em todos os partidos. Aqui e lá fora. Mas são exatamente essas as qualidades que fazem um partido se afirmar e crescer. Vimos isso nas últimas décadas, ocorreu aqui, com o PT. Mas o próprio crescimento traz dilemas e desafios que é difícil enfrentar e superar. A opção pela via eleitoreira, a sedução pelos encantos do poder em detrimento da coerência e da disciplina programática levam ao descaminho. Que, sabemos, teve como maior vítima o próprio PDT nas últimas décadas. De partido de esquerda, combativo nos anos cinqüenta e sessenta, sobrevive hoje à base de alianças sem critério ou pudor, acordadas ora à direita, ora ou à esquerda, dependendo do momento e da ocasião. O resultado nós conhecemos: o partido perdeu a identidade, desfigurou-se, ficou sem cara. Ressente-se da falta de fortes lideranças locais ou nacionais e a cada eleição perde espaço e diminui de tamanho.
A bancada do PT na Câmara Municipal fez uma oposição forte e consistente ao governo Fogaça-Fortunati (Fo-Fo) ao longo desses últimos seis anos e cinco meses. Formulou seu diagnóstico corretamente: trata-se de um governo de direita, péssimo gestor, que não dialoga com as comunidades, que liquidou com o OP, submisso aos interesses do setor imobiliário: alterações pontuais realizadas no Plano Diretor da cidade comprovam isso. Um governo que não executa seus projetos e que não cumpre o seu próprio orçamento.

Aceitar esta absurda e inoportuna proposta de integrar um governo ao qual fez oposição sistemática seria um gesto de total incoerência. Seria negar o trabalho e o papel da bancada municipal do PT ao longo de mais de seis anos em troca da satisfação de interesses menores.

Foto: Ricardo Giusti/PMPA

O adicional de penosidade e o magistério: um debate necessário



MARCELINO MELEU


Há poucos dias, nossa cidade chamou à atenção da mídia (local, estadual e nacional), por conta de um evento envolvendo um professor e uma aluna, ambos vinculados a rede de ensino público estadual.
Naquele episódio, o professor Valdecir Norberto Corteze foi filmado por suposta agressão a uma aluna de 11 anos, durante a aula de ciências para alunos da 5ª série na Escola Estadual Anna Luísa Ferrão Teixeira, de Passo Fundo/RS. As imagens de celular foram feitas por um colega na sala de aula. Os pais da menina registraram boletim de ocorrência na delegacia.
Além da 7ª Coordenadoria Regional de Educação - CRE (que acabou afastando o professor das suas funções), a Polícia Civil e o Ministério Público abriram investigação sobre o caso.
Em entrevista veiculada na mídia, o professor reconheceu que "perdeu as estribeiras", mas frisou que vinha sendo provocado pela menina há dias e que a atitude teve a intenção de discipliná-la: "Ela fazia coisas para levantar da cadeira e desconcentrar a turma. É uma líder negativa na sala de aula. Eu dizia para ela sentar e ela dizia que eu não mandava nela. Então, peguei e a levei até a cadeira".
Antes de iniciar uma reflexão, gostaria de me solidarizar com o professor e com a aluna, uma vez que, ambos são vítimas neste episódio. Vítimas da precarização do ensino neste país.
Evidente que ninguém defende um ato de agressão e/ou violência, mas o debate a ser enfrentado por todos (pais; professores; alunos; escola; secretaria da educação e demais órgãos do poder público, etc...) diz respeito à educação e as condições para que o ensino-aprendizagem ocorra.
Nesse contexto, constatamos a falência do ensino público de base. Aliás, como ocorre em alguns outros serviços públicos.
Mas tal falência tem origem em que?
Vários são os aspectos que contribuem para esse cenário, todavia, quero enfocar a profissão professor e os direitos trabalhistas deste.
Os direitos trabalhistas dos professores estão previstos na Convenção Coletiva de Trabalho - norma coletiva que regulamenta todas as questões das relações de trabalho entre professores e escolas; CLT e Constituição Federal de 1988 (CF/88) - que normatizam todos os assuntos relacionados ao Contrato de Trabalho que não estejam previstos na Convenção Coletiva.
Entre as fontes de direito do trabalhador, podemos invocar para uma análise da situação, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, em especial:
a) NR7 - estabelece e obrigatoriedade de elaboração do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, por parte dos empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, com objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores;
b) NR9 - estabelece e obrigatoriedade de elaboração e implementação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, por parte dos empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, com objetivo de preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais;
c) NR17 - Visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo conforto, segurança e desempenho eficiente.
No que tange a saúde destes trabalhadores, no ensino privado, o SINPRO/RS vem notificando o SINEPE/RS sobre o (des) cumprimento de tais normas (em novembro/2010, o Sinpro/RS notificou 331 instituições de ensino da Educação Básica de todo o Estado para que comprovem, até o final de dezembro, o cumprimento de três NR’s acima mencionadas). Se a saúde do trabalhador esta sendo questionada no âmbito da iniciativa privada, o que dizer das condições deste trabalhador, no âmbito público?
Importante destacar que o trabalho humano possui um duplo caráter, por um lado é fonte de realização, satisfação e prazer, estruturando e conformando o processo de identidade dos sujeitos; por outro, pode também transformar-se em elemento patogênico, tornando-se nocivo à saúde (Seligmann-Silva, 1987, Dejours, 1987).
O episódio na Escola Estadual Anna Luísa Ferrão Teixeira de Passo Fundo/RS demonstra que professor pertence a uma categoria que agoniza. A saúde deste profissional vai mal.
Preocupados com esta situação, os sindicatos que defendem essa categoria profissional estão propondo aprofundar as discussões relativas à saúde docente. Um exemplo destas evidencia-se na ação do Sinpro/RS, que está orientada pelo resultado da pesquisa “Condições de Trabalho e de Saúde do Professor do Ensino Privado do Rio Grande do Sul”, realizada pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat). A pesquisa está na íntegra no site do Sinpro/RS (http://www.sinprors.org.br/).
Diante deste contexto, será que a atividade do professor poderia ser enquadrada como penosa, para fins de direito do trabalho?
O Dicionário Aurélio (3ª Ed. Nova Fronteira, 1999, p. 1537), conceitua penoso como o que: 1. Que causa pena ou sofrimento; 2. Que incomoda; 3. Que produz dor; doloroso; 4. Difícil, complicado.
A nossa Constituição Federal estabelece em seu art. 7º, XXIII que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”. Desta forma, entende-se por adicional de penosidade, aquele pago ao trabalhador a título de indenização, devido à realização de uma atividade penosa “que causa pena, trabalho árduo”, que embora não cause efetivo dano à saúde do trabalhador, possa tornar sua atividade profissional mais sofrida.
Em que pese à inexistência de regulamentação do adicional de penosidade, ao contrário do que ocorre com a insalubridade e com a periculosidade, já esta na hora, dos sindicatos estabelecerem, em acordos ou convenções coletivas, essa previsão.
Como se sabe normas sindicais – cuja natureza jurídica é contratual – é de cumprimento obrigatório entre as partes, quais sejam empregados e empregadores da respectiva categoria, profissional e econômica, que estabeleceu normas coletivas.
Desse modo, a par da inexistência de norma estatal, é sempre necessário avaliar se há, na categoria sindical, previsão em acordo ou convenção coletiva sobre o adicional em questão. Caso inexista, cabe iniciar o debate.
Importante destacar que a Convenção 155 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, em seu art. 4º reforça a preocupação com a saúde do trabalhador e meio ambiente de trabalho, além de propor a redução ao mínimo, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.
Diante deste cenário (de ausência de regulamentação do adicional de penosidade), o pensamento majoritário, doutrinário e jurisprudencial, é pela impossibilidade jurídica do adicional de penosidade. Dessa maneira, uma alternativa para remunerar o trabalho nessas condições (penosas) reside na indenização nos termos e condições da responsabilidade civil, seja pela teoria da culpa, seja pela teoria do risco, como já referimos, principalmente após a edição da EC 45/2004.

MARCELINO MELEU é advogado e professor universitário. Doutorando em Direito pela Unisinos. Mestre em Direito pela URI. Especialista em Direito do Trabalho; Processo do Trabalho e Previdenciário pela UNISC.