sexta-feira, 17 de junho de 2011

Partidos, juventude e os movimentos sociais na internet

 
Por Marcelo Branco

Os jovens nativos digitais da sociedade em rede têm orgulho de ser brasileir@s, acreditam que o Brasil é o país do presente e concordam que têm um papel de transformar a sociedade. Se conectam mais com discursos coletivos do que individualistas e querem menos consumismo. Apenas 5% tem como objetivo ficar rico e sabem que podem trabalhar por uma causa coletiva e buscar seus sonhos pessoais ao mesmo tempo. Estes mesmos jovens, cada vez mais, vêem a Internet como ferramenta de mobilização e engajamento político e menos os partidos. [1]

“Quantos jovens não votaram no Chile, na Espanha? Não achem que estes jovens não acreditam na democracia. Eles não crêem na democracia que oferecem a eles (…).” Eduardo Galeano na Praça Catalunya [2]

Quando eu divulguei esta pesquisa na rede, surgiram muitos questionamentos e diálogos vindos, principalmente, de militantes partidários: isso é positivo ou negativo? Acho isso tremendamente positivo e tentarei sucintamente colocar a minha opinião, já tuitada de forma pulverizada. Acontece que os jovens estão exigindo muito mais participação e democracia do que os partidos políticos e a democracia representativa os oferecem. Eles querem mais participação. Estão errados?
Os partidos e os sindicatos são organizações construídas com base na revolução tecnológica industrial. Foram, por longos anos, a única e a melhor forma de catalizar de forma coletiva os pensamentos e ideologias para uma ação política efetiva. Sozinho, ninguém chega a lugar algum, e isso continua valendo. Estas organizações mediam e intermediam a relação entre os diversos interesses individuais e coletivos, através do “programa”, e representam estes interesses junto à sociedade.
Os movimentos sociais em rede, pós-internet, são formados por indivíduos conectados em rede, que manifestam suas opiniões e movem suas ações na perspectiva do engajamento coletivo, sem a intermediação de qualquer organização. Aliás, a Internet veio para questionar o papel de todas as organizações intermediárias. A indústria fonográfica que o diga.
Acredito que as formas de organizações da era industrial e as organizações de indivíduos conectados em rede, típicas da sociedade em rede, conviverão. Uma não substitui a outra.
Mas é #fato que nos últimos anos, em todo mundo, os partidos políticos e os sindicatos têm tido menos capacidade de mobilização coletiva do que os movimentos sociais em rede. E isso não é somente porque os programas dessas organizações estão defasados ou que não contemplam os interesses dos coletivos. Atualizar os programas dos partidos é importante, mas não será o suficiente para engajar a geração atual na forma de organização hierárquica dos partidos. Estes jovens estão, cada vez mais, experimentando novas formas para organizar suas ações políticas coletivas, utilizando a plataforma da Internet como base. E isso tem dado resultado.
Há quase 12 anos, na manifestação chamada de N30, mais conhecida como a “batalha de Seattle” [3], através da Direct Action Network (ação direta em rede) possivelmente tenhamos inaugurado a era das mobilizaçoẽs 2.0.
Desde Seattle, passando pelas mobilizações do Fórum Social Mundial aqui em Porto Alegre, nas marchas contra as guerras do Bush-pai, nas manifestações anti-globalização neoliberal, com destaque para Gênova e Barcelona, até as recentes revoltas árabes e agora a #globalrevolution partindo da Espanha para toda Europa [4], comprovam a força das redes da internet para organização de grandes ações coletivas.

Não acredito que os partidos ou sindicatos estão descartados como forma de organização política. Acontece que agora existem NOVAS formas de organização política. As novas formas de organização social (indivíduos conectados em rede) e as velhas (partidos e sindicatos) vão conviver, mas como organizações distintas.
As velhas organizações não podem ter a pretensão de englobar ou cooptar as novas. Terão que conviver, lado a lado, mas cada uma com a sua dinâmica própria. As dinâmicas das redes são distintas das dinâmicas partidárias. Não há como enquadrar as dinâmicas em rede nas hierarquias partidárias. Nem é possível que um partido funcione com as dinâmicas horizontais e sem hierarquias como nas redes.
O sucesso das organizações da era industrial (partidos e sindicatos) foi justamente o de organizar as pautas e as lutas de forma hierárquica e aprovadas por maioria. Nas dinâmicas em redes, raramente há votações para hierarquizar as ações. Funciona por adesão voluntária. A proposta com maior adesão avança na prática e mobiliza. Assim tem sido as experiências da última década.
No entanto, as dinâmicas dos movimentos em rede ainda tem sido incapazes de estabelecer uma nova ordem. Pelo menos por enquanto. Os partidos sim, estabelecem uma nova ordem, assumem o poder e governam. Creio que no futuro teremos experiências de uma nova ordem a partir de dinâmicas sociais em rede. Vivemos uma transição da era industrial para a era das sociedades em redes. As velhas formas e as novas conviverão, mas são distintas formas de organizações. Aliadas? Antagônicas? Complementares?
O certo é que existe, neste momento, uma tendência e um potencial global democratizante, que questiona os limites da democracia representativa e que aponta para uma nova democracia participativa, tendo a internet como plataforma de mobilização e viabilização desta nova relação direta dos cidadãos com a democracia.
Acredito que a recente pesquisa, “o sonho brasileiro”, realizada entre jovens de 18 a 24 anos e que ouviu mais de três mil pessoas de 173 cidades do país, aponta dados extremamente positivos na perspectiva de transformação social.

Fontes:
[1]- Pesquisa “O sonho brasileiro”. Box1824 (agência especializada em mapear tendências de comportamento), e Instituto Datafolha.
- Jovens sonham e acreditam no Brasil By Ricardo Kotscho, do R7
[3]- Seattle: uma década de ativismo 2.0 By #comunidadedigital das turmas e ex-alunos de comunicação digital da ESPM-RJ Turma 7A – 2009.2

Para jurista, reações põem em risco conquistas LGBT no Brasil


"Há reações bastante fortes. A própria presidente, de forma infeliz, desqualificou o trabalho do Ministério da Educação", critica Rios | Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Roger Raupp Rios é juiz da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, mestre e doutor em Direito pela UFRGS e professor de mestrado em Direitos Humanos na UniRitter. Tem atuado de forma destacada na questão de direitos sexuais e antidiscriminação. Ele é autor de uma decisão pioneira no Brasil, de 1996, quando se posicionou a favor de um casal homossexual em questão de direito previdenciário. Desde então, tem sido nome importante no estudo jurídico voltado à consolidação dos direitos dos homossexuais.
Na noite desta quarta, o jurista participou de um seminário promovido pela Escola Superior da Magistratura (ESM) da AJURIS, em Porto Alegre. Ao lado da médica e especialista em antropologia social Elizabeth Zambrano, Roger Raupp Rios discutiu o panorama que se descortina a partir da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceram por unanimidade no mês passado a união estável para casais do mesmo sexo. Uma decisão que abre um horizonte novo para as relações homoafetivas, ao mesmo tempo que desperta um contra-ataque incisivo por parte de setores que não aceitam a mudança, liderados pela bancada evangélica no Congresso Nacional.
Minutos antes do começo da palestra, Roger Raupp Rios conversou com o Sul21 sobre a posição do Supremo, interpretando-a como um sinal brasileiro na direção do que já vinha sendo apontado por tribunais da Europa, EUA e até mesmo da América Latina. Foi surpreendido pela informação de que o Ministério da Saúde decidiu eliminar as restrições para doação de sangue por homossexuais, ao mesmo tempo em que fez um alerta sobre a série de iniciativas políticas que já estão sendo tomadas contra a decisão do STF e contra as conquistas da comunidade LGBT em geral. E demonstrou descontentamento com a posição da presidenta Dilma Rousseff, que criticou abertamente a cartilha para conscientização em escolas como trazendo em si uma “propaganda de opção sexual”.

Sul21 – Quais são as perspectivas que surgem a partir da decisão do STF, que reconheceu a união homoafetiva como uma célula familiar? O que uma decisão como essa nos indica em termos de mudanças jurídicas no Brasil?

Roger Raupp Rios – Eu diria que nem indica, mas sim confirma. É uma decisão que confirma o que vem acontecendo há pelo menos 15 anos no Brasil, que confirma o que vem sendo decidido tanto em tribunais federais quanto estaduais. Já há reconhecimento, nesses tribunais, de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, mais do que indicar uma novidade, a decisão do Supremo confirma uma tendência que já vem se verificando, e que coloca o Brasil ao lado de outros tribunais internacionais, inclusive latino-americanos, como México, Argentina e Colômbia. Ingressamos no grupo dos países cujos tribunais de cúpula reconhecem esses direitos. Com a decisão, o Brasil entrou nesse rol, de forma um tanto tardia talvez, mas entrou.

Sul21 – Temos então uma tomada de posição junto à comunidade internacional, também?

RRR - Essa decisão é uma afirmação clara de que o tipo de preconceito voltado contra homossexuais é incompatível com a Constituição brasileira e com os direitos básicos do ser humano. Afirmar isso com todas as letras pode indicar uma série de novas possibilidades em várias outras áreas, tanto no direito de família como em outros direitos civis, como no direito do trabalho, da política, no mundo comunicação social, da saúde, do ensino e aí por diante. É verdade que já temos avanços nesses mundos, especialmente na saúde. Mas o STF afirmar, com todas as letras e de forma categórica, que a homofobia viola a Constituição é um bom indicativo, em minha opinião.
"Ingressamos no grupo dos países cujos tribunais de cúpula reconhecem esses direitos", destaca o jurista | Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – De qualquer modo, já começam a surgir alguns reflexos positivos da decisão do Supremo, como a sinalização do Ministério da Saúde em acabar com as restrições a homossexuais na hora de doar sangue…

RRR – Foi anunciado isso? O Ministério da Saúde disse isso?

Sul21 – Sim, o ministro da Saúde (Alexandre Padilha) editou no começo da semana uma portaria sobre esse assunto.

RRR – É curioso. Na verdade, é muito curioso, e digo isso sem querer ser irônico, não estou usando de ironia ou de cinismo, de forma alguma. É curioso porque essa é uma questão que há anos vem sendo debatida e que não tem nada a ver com afetividade. A afirmação de que a afetividade legitima algum tipo de conhecimento não muda nada no estado sorológico de uma pessoa. Nesse sentido, é um desdobramento bem interessante…

Sul21 – Uma mudança de posição, digamos assim.

RRR – E o que fez com que esse padrão fosse modificado? É isso que acho importante a gente questionar. Saiu alguma pesquisa? Porque há muitas pesquisas no campo da saúde pública, e há muitas reivindicações de movimentos sociais ligados à luta contra a homofobia. Isso é algo que é discutido há muito tempo, e é um ponto que sempre foi controverso dentro do próprio Ministério da Saúde, que sempre foi conhecido por ser um ministério bem progressista com relação a questões de sexualidade. Por exemplo, logo após as primeiras edições das Paradas Gays o Ministério da Saúde se colocou como financiador, como parte de uma política de fortalecimento da estima (entre os homossexuais), como forma de combater a violência e diminuir os índices de contágio de doenças sexualmente transmissíveis nesse grupo. Então veja, dentro de um ministério que historicamente sempre foi progressista, nessa questão da doação de sangue nunca tinha se conseguido avançar. Então, é extremamente interessante que haja esse desdobramento.
Seminário na Ajuris discutiu panorama após STF reconhecer união estável para casais do mesmo sexo | Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – De qualquer modo, é possível perceber que alguns setores estão reagindo a essa decisão do STF. Um exemplo está no material produzido pelo Ministério da Educação, que seria distribuído em escolas e acabou sendo vetado.

RRR - Sim, e não só nisso, não só no chamado “kit anti-homofobia”. Há projetos e decretos federativos no Congresso, articulados por essa chamada bancada evangélica, que desejam não só que o governo não distribua o kit anti-homofobia, mas também que revogue a resolução do Conselho Federal de Medicina que tirou a homossexualidade de seu rol de doenças reconhecidas. Querem revogar essa decisão! Querem derrubar a portaria do Ministério da Saúde que incluiu, dentro das atribuições do Sistema Único de Saúde, cirurgias de mudança de sexo. Há um requerimento da bancada evangélica junto ao Ministério da Justiça questionando as afirmações do governo de que há muitos registros de violência homofóbica no país. Entende? Tem uma série de reflexos, de reações bastante fortes. A própria Presidência da República – de forma no mínimo infeliz, para não dizer imprudente – desqualificou o trabalho do Ministério da Educação sem saber do que estava falando…

Sul21 – Eu ia fazer justamente essa pergunta, sobre a posição adotada pela presidente no caso…

RRR - Sim, a presidente da República falou sem conhecimento, já que os próprios elaboradores da campanha dizem que ela não viu a campanha como um todo. A campanha sequer tinha sido lançada, estava iniciando o período de testes para verificar sua eficácia. E uma campanha que não tem absolutamente nada a ver com propaganda de qualquer direcionamento sexual! Infelizmente, a coisa foi conduzida de forma totalmente equivocada. A tensão é muito grande, e acho que essa decisão acabou colocando ainda mais lenha na fogueira da resistência, acabou dando ainda mais força a esse movimento de reação.

Sul21 – E qual a posição a ser tomada para consolidar o que já foi conquistado? Como evitar retrocessos?

RRR - Olha, acho importante identificar que tipo de reação está havendo e em que ela se fundamenta. A partir daí, se for o caso, e me parece que é o caso, contestar as premissas nas quais se baseia essa reação. Por exemplo, essas pessoas compreendem de forma muito equivocada o que é laicidade, porque na verdade não estão propondo um Estado laico, e sim um Estado cujas políticas sejam baseadas nos valores de determinadas religiões. Pode ser que se mostre cada vez mais importante explicitar isso. Também ser mais rigoroso quanto à aferição de violência e discriminação contra homossexuais do que temos sido até então. E compreender a decisão do STF não só de forma louvatória – e eu acho que a decisão deve ser louvada, porque realmente foi muito importante – mas de uma forma sedimentada e profunda. Crítica até, mas em um bom sentido, buscando mostrar o tamanho da conquista obtida ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de avançar em pontos que ainda não foram devidamente atendidos por ela.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Denúncias geram pedido de cassação de prefeita e vice em Gravataí-RS



Oposição tenta antecipar eleição de 2012, diz vice da prefeita Rita Sanco (foto) | Marcelo de Jesus/PMG

 
Igor Natusch no Sul21

A oposição à prefeita de Gravataí, Rita Sanco (PT), mobiliza-se para que a líder do Executivo municipal seja retirada do cargo. Capitaneada pelo PV, uma ação nesse sentido já está tramitando na Câmara de Gravataí – processo que o Executivo municipal descaracteriza como um movimento de cunho eleitoral, buscando desgastar a imagem do partido e facilitar a retomada da prefeitura no pleito de 2012.
São duas as representações contra a prefeita. Uma delas, encaminhada ao Ministério Público, foi protocolada pelo PV; a outra, aprovada na semana passada pela Câmara Municipal, é individual, assinada pelo presidente do Partido Verde em Gravataí, Marcos Monteiro, e pelo advogado Cláudio Ávila. Por 10 votos a 4, a abertura do processo foi aprovada pelos vereadores, e uma comissão está elaborando relatório sobre as denúncias. O pedido, no caso, é pelo afastamento imediato da prefeita. A votação deve ocorrer no prazo de 90 dias. Caso a votação que aprovou o processo se repita, a prefeita acabará sendo submetida ao processo de impeachment, já que estaria caracterizada a maioria de votos necessária para tal.
“São acusações graves, juridicamente embasadas e que se referem a fatos incontroversos”, diz Cláudio Ávila, em conversa telefônica com o Sul21. As denúncias contra Rita Sanco referem-se a crimes como prevaricação, improbidade administrativa, assinatura de contratos lesivos e crime de responsabilidade. Além da cassação da prefeita, o processo entregue à Câmara pede também o afastamento do vice-prefeito Cristiano Kingeski. A prefeitura recebeu a intimação no começo da semana e terá dez dias para se defender.
Entre as supostas irregularidades, a mais destacada dá conta de que o procurador-geral do município, Ataídes Lemos da Costa, teria atuado como advogado para o marido e o filho de Rita Sanco, além de ser sócio da filha da prefeita, Raquel Sanco Lima, em um escritório de advocacia. Além disso, Ataídes teria continuado a advogar depois de sua nomeação, defendendo cooperativas e sindicatos em ações contra o próprio Executivo municipal. “Isso é advocacia ilegal”, diz Marcos Monteiro, presidente do PV em Gravataí. Cláudio Ávila, que atua como secretário municipal de assuntos jurídicos do Partido Verde, reforça as denúncias. “O procurador-geral advoga contra o público a favor do privado, enquanto é pago pelo erário, tudo com o pleno conhecimento desta senhora (prefeita)”, afirma, sem meias palavras.
Para vice-prefeito, denúncias são “antecipação eleitoral”
As acusações são rebatidas pelo vice-prefeito de Gravataí, Cristiano Kingeski. Segundo ele, Ataíde e Raquel Sanco não são sócios, tendo apenas advogado juntos em algumas ações, em nome de cooperativas locais. Além disso, garante que as insinuações de que o procurador-geral foi advogado particular de parentes da prefeita não correspondem à realidade. “Não há problema em um Cargo em Comissão (CC) atuar como consultor em movimentações judiciais, isso não constitui nenhuma ilegalidade”, assegura o vice-prefeito. “Depois de assumir como procurador, ele não advogou em mais nenhuma causa, exatamente como determina a lei”. Por meio de sua assessoria de imprensa, a prefeita Rita Sanco informou ao Sul21 que não fará declarações sobre o caso.
De acordo com Cristiano Kingeski, as denúncias contra ele e Rita Sanco são uma “ação de antecipação eleitoral”. “Não há embasamento jurídico algum (para o processo)”, defende. Para o vice-prefeito, a ofensiva da oposição foi deflagrada após o encaminhamento de pedido de recursos ao governo federal, que podem injetar até R$ 100 milhões para obras no município. “Uma vez confirmados os recursos e executadas as obras, o PT fica em posição privilegiada para a eleição (de 2012). Essas pessoas sabem disso, sentem-se incomodadas com um governo em sintonia com a população. Como acham que não podem vencer no voto, querem derrubar à força”, acusa.
Advogado do PV: renegociação com CEEE é uma “afronta”
Outra questão destacada pelos opositores de Rita Sanco refere-se às renegociações de dívidas feitas pela prefeitura com órgãos como Corsan, RGE e CEEE. No último caso, o valor total chegaria a R$ 120 milhões, depois de um acordo que levará ao pagamento em mais de 300 parcelas mensais – segundo a oposição, a quitação da dívida só ocorreria em 2035. No caso da Corsan, a garantia de pagamento envolveria dez anos de retenção de ICMS do município – algo vedado pela Constituição.
Os indexadores de juros, segundo os denunciantes, podem ter sido direcionados de forma a favorecer as empresas que fazem a cobrança, lesando os cofres públicos. “Mesmo com a denúncia, o governo insiste em encaminhar a renegociação feita pela CEEE, que está sob total suspeição”, critica o advogado Cláudio Ávila, um dos responsáveis pela ação junto à Câmara Municipal. Segundo ele, a atitude é uma “afronta” aos que buscam esclarecimento dos fatos. “É uma falta de respeito às autoridades jurídicas, uma desconsideração completa ao Legislativo municipal”.
De acordo com o vice-prefeito de Gravataí, a longa duração do pagamento à CEEE tem como objetivo diminuir o comprometimento de recursos do município. “Conseguimos baixar a dívida de R$ 82 milhões para R$ 24 milhões. Se pudéssemos, pagaríamos à vista, mas não temos recursos, por isso a negociação”, explica. De acordo com Cristiano Kingeski, trata-se de uma dívida que remonta às administrações de José Mota (PDT) e Edir Oliveira (PTB). “Nossa busca é por parcelas baixas. É uma crítica irracional. O que poderíamos fazer, pagar em parcelas de R$ 1 milhão, minando completamente a capacidade de investimentos do município?”, indaga Kingeski.
As insinuações de que os contratos buscam favorecer apadrinhados políticos são tratadas pelo vice-prefeito como um “absurdo”. “O acordo com a CEEE foi travado durante o governo Yeda. Não estamos negociando com um banco privado, e sim com o Banrisul, que na época da assinatura era presidido pelo PMDB. Não há nenhum tipo de privilégio, nenhuma má fé”, assegura.
Outras acusações contra Rita Sanco dão conta de que a prefeita teria determinado o fechamento do ensino médio no colégio Santa Rita de Cássia, como forma de promover seu projeto de ensino técnico no local. Já estaria ocorrendo a impressão e distribuição de material publicitário para divulgação do curso, que ainda não está confirmado. A oposição também põe sob suspeição a contratação de 500 professores em regime emergencial, mesmo com concursados na fila para nomeação. “Houve uma quebra da ordem cronológica”, acusa o presidente do PV municipal, Marcos Monteiro.
Cristiano Kingeski diz que a iniciativa de pedir também o seu afastamento evidencia o caráter político da denúncia feita por integrantes do PV. “A alegação é de que assinei contrato (com o Banrisul) sem a aprovação da Câmara. O que eles não explicam é que nos itens finais do mesmo contrato está explicitado que ele só será válido após passar pelo legislativo municipal”, frisa Kingeski. “Não há questão ética alguma, os argumentos são pífios. Nunca tivemos a chance de esclarecer, de discutir (na Câmara), o bloco da oposição atropelou o processo”. De qualquer modo, o vice-prefeito admite que, “politicamente falando”, a cassação é possível. “É uma disputa política, que passa ao largo de questões judiciais”, diz ele.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Rede Brasil Atual e TVT transmitem, ao vivo, o 2º encontro nacional de blogueiros

 
A partir desta sexta-feira até domingo, acompanhe pelos sites os debates do BlogProg
A Rede Brasil Atual e a Rede TVT transmitem ao vivo a partir desta sexta-feira (17) o segundo Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas (BlogProg), direto do auditório da CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), em Brasília. Ao todo, estarão envolvidos na transmissão cerca de dez profissionais. O blogueiro Emerson Luis, do Nas Retinas e do podcast Na Varanda, participa da transmissão ao lado do editor da Rede Brasil Atual, Ricardo Negrão.
A cobertura especial começa logo na sexta-feira à noite, a partir das 19h, com as presenças confirmadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
No sábado, a transmissão começa logo pela manhã, com a discussão sobre mídia e a luta por um novo marco regulatório da comunicação.  O encontro acaba, no domingo, com uma plenária.

Redes Sociais

A transmissão seguirá durante todo o evento, levando pelos sites entrevistas, discussões e debates. Os usuários do Twitter vão usar a hashtag #2BlogProg e o link para o ao vivo (http://bit.ly/BlogProg), além de informações nos perfis da Rede Brasil Atual e Rede TVT. Também a partir da sexta-feira estará disponível o embed para que blogueiros também possam transmitir em seus espaços as discussões. 

A programação

17 de junho, sexta-feira
17 horas – Início do credenciamento
19 horas – Palestra do ministro Paulo Bernardo sobre os desafios da comunicação no governo Dilma Rousseff
21 horas – Festa de confraternizaçã.
18 de junho, sábado
9 horas – A luta por um novo marco regulatório da comunicação
- Deputada Luiza Erundina (PSB) – coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão;
- Jurista Fábio Konder Comparato – autor da Ação de Omissão (ADO) do Congresso Nacional na regulamentação da comunicação;
- Professor Venício Lima – autor do livro recém-lançado “Regulação das comunicações”.
14 horas – Oficinas autogestionadas e simultâneas
1 – Os partidos e a luta pela democratização da comunicação.
- José Dirceu (PT), João Arruda (PMDB), Brizola Neto (PDT), Renato Rabelo (PC do B), Randolfe Rodrigues (PSOL) – mediação: José Augusto Valente;
2 – O sindicalismo na era da internet
- Artur Henrique (CUT), Luis Carlos Mota (Foraça Sindical), Nivaldo Santana (CTB), Ricardo Patah (UGT), Ubiraci Dantas (CGTB) e Antônio Augusto de Queiroz (Diap) – mediação: Rita Casaro;
3 – A política da internet, tecnologias e a neutralidade na rede
- Sérgio Amadeu, Marcelo Branco, Ricardo Poppi, José Carlos Caribé, Tatiane Pires – mediação: Diego Casaes;
4 – Arte, humor, militância e compromisso: agora por nós mesmos. Compartilhando experiências
- Mediação: Sérgio Teles e Paula Marcondes;
5 – Reforma agrária e as perspectivas na comunicação
- Gilmar Mauro, Rodrigo Vianna, Letícia Silva, Sergio Sauer – mediação: Igor Felippe;
6 – Mulheres na blogosfera
- Luka da Rosa, Amanda Vieira, Mayara Melo – mediação: Niara de Oliveira;
7 – Perseguição e censura contra a blogosfera
- Paulo Henrique Amorim, Esmael Morais e Lino Bocchini – mediação: Altamiro Borges.
8 – A militância digital e as redes sociais
- Eduardo Guimarães, Luis Carlos Azenha, Conceição Oliveira (Maria Frô) – mediação: Conceição Lemes.
9 – Lan houses e a internet na periferia
- Mediação: Mario Brandão.
10 – A economia da outra comunicação: os caminhos e desafios da sustentabilidade da blogosfera
- Ladislau Dawbor, Marcio Pochmann, Clayton Mello – mediação: Renato Rovai.
• Oficina sobre ferramentas do blog – mesa: Marcos Lemos;
19 de junho, domingo
9 horas – reuniões em grupo: troca de experiência, balanço e desafios da blogosfera progressista;
14 horas – Plenária final: aprovação da carta dos blogueiros e constituição da nova comissão nacional organizadora.

Battisti foi escolhido para ser um bode expiatório, diz Tarso

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o ex-ministro da Justiça do governo Lula e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, faz uma avaliação sobre o desfecho e o significado do caso Battisti. Para Tarso, que concedeu refúgio político ao italiano, esse caso é "o maior exemplo de manipulação midiática que ocorreu no Brasil nos últimos tempos". O governador gaúcho também relaciona o caso à atual situação política na Itália e sustenta que Battisti acabou servindo de bode expiatório de uma aliança entre a extrema-direita italiana, a direita não democrática e a antiga esquerda italiana que "não só ficou isolada durante o reinado de Berlusconi, como também capitulou ideologicamente em questões de fundo".


O ex-ministro da Justiça e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), estava na Espanha quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na semana passada, rejeitar a reivindicação da Itália contra a decisão do ex-presidente Lula, que se negou a extraditar o italiano Cesare Battisti. Como ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro concedeu refúgio político a Battisti por entender, entre outras coisas, que ele era acusado de crimes de natureza política e que não existiam provas consistentes de que ele cometera os assassinatos dos quais é acusado. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Tarso Genro faz uma avaliação do caso Battisti e dispara: "esse é o maior exemplo de manipulação midiática que ocorreu no Brasil nos últimos tempos".

O governador gaúcho também relaciona o caso à atual situação política na Itália e sustenta que Battisti acabou servindo de bode expiatório. "Battisti foi escolhido para ser um bode expiatório da extrema-direita italiana, da direita não democrática e dos partidos da antiga esquerda italiana que não só, ficaram isolados politicamente durante o reinado de Berlusconi, como também capitularam em termos ideológicos em questões de fundo".

"A grande síntese deste processo", acrescenta, "foi feita pelo ministro da Defesa da Itália que, olhando o Brasil como uma colônia, disse que nosso país era muito bom em bailarinas, mas não em juristas".

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre o desfecho do caso Battisti?

Tarso Genro: Em primeiro lugar gostaria de salientar, como tenho feito de maneira reiterada, que o caso Battisti é o maior exemplo de manipulação midiática da informação que ocorreu no Brasil nos últimos tempos. Digo isso por vários motivos. Primeiro, porque jamais se informou que o Supremo Tribunal Federal já tinha tomado posição em caso semelhante, concedendo refúgio. Em segundo lugar, não se informou que o Supremo, por decisões que foram tomadas no curso do processo de deferimento do refúgio, tinha violado diretamente texto de lei. A lei que regula o refúgio no Brasil é expressa: quando é concedido o refúgio, interrompe-se o processo de extradição. Em terceiro, não se informou – pelo contrário, desinformou-se – que o conteúdo do processo não revela nenhuma prova contra Battisti. Não há nenhuma prova testemunhal e nenhuma prova pericial de algum assassinato que ele tenha cometido. Em quarto lugar, omitiu-se, também de maneira sistemática, que Battisti foi considerado refugiado político durante onze anos na França, um país maduro democraticamente e que tem um Estado de Direito respeitado em todo o mundo.

Portanto, a decisão que foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal repõe três questões fundamentais. Em primeiro lugar, o elemento central da soberania do país para tomar decisões como esta. Em segundo, consagra a posição totalmente adequada à nossa Constituição, segundo a qual a última palavra sobre refúgio é do presidente da República. E, em terceiro, a mais importante delas, reconhece no Battisti uma pessoa que foi acusada de ser um criminoso político e não um criminoso comum. Assim, a decisão do Supremo merece ser respeitada e festejada. Isso não quer dizer que eu tenha qualquer reivindicação de saber jurídico para meu despacho (como ministro da Justiça) e nem que eu despreze os argumentos do ministro Pelluzzo e do ministro Gilmar Mendes, que tiveram uma posição diferente. Mas quer dizer sim que a maioria do Supremo esteve de acordo com o conteúdo do referido despacho e com a decisão do presidente da República.

Carta Maior: O governo italiano ameaçou remeter o caso para o Tribunal de Haia. Na sua avaliação, há alguma possibilidade dessa ameaça prosperar?

Tarso Genro: Trata-se mais de uma manobra política de um governo decadente que já está sendo derrotado nas eleições de seu país e nos referendos que ocorreram neste final de semana. É um governo composto pela centro-direita e pela extrema-direita mais atrasada na cultura política italiana e que tenta, na verdade, provocar contradições fora do país para tentar compensar seu desgaste interno. Portanto, isso não tem nenhum sentido e nenhum apoio na sistemática do direito internacional e não terá o respeito de nenhum jurista seja daqui, seja de fora do país.

Carta Maior: Houve uma coincidência entre a decisão do Supremo e as derrotas eleitorais do governo Berlusconi. O caso Battisti teve uma grande repercussão midiática na Itália e foi muito explorado politicamente pelo governo. Mas não parece ter ajudado muito Berlusconi. O que essas mudanças políticas que começam a emergir das urnas italianas sinalizam?

Tarso Genro: O Battisti, na verdade, foi escolhido para ser um bode expiatório da extrema-direita italiana, da direita italiana não democrática e dos partidos da antiga esquerda italiana que não só, ficaram isolados politicamente durante o reinado de Berlusconi, como também capitularam em termos ideológicos em questões de fundo da democracia italiana. Battisti serviu de elo entre um conjunto de facções políticas na Itália, apelando de maneira reiterada para questões reais que a Itália viveu naquela época, ou seja, desencadeamento de ações terroristas, de ações que culminaram com o assassinato do presidente Aldo Moro, e que tiveram um grande respaldo de estruturas subversivas secretas da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) naquela oportunidade. Essas forças não reagiram contra isso porque precisavam justificar-se perante a opinião pública e preferiram escolher uma pessoa para apresentar em sacrifício e tentar satisfazer uma merecida tensão, angústia e revolta de grande parte da sociedade italiana contra aqueles atos terroristas.

Isso foi feito de maneira articulada. O antigo reformismo italiano, que hoje virou um partido centrista conivente com o governo Berlusconi, apoiou essa campanha e não teve coragem de fazer um enfrentamento ideológico. Battisti foi escolhido a dedo para isso. Com a mudança política que ocorreu na França (derrota dos socialistas), ele perdeu a condição de refugiado e começou a aparecer como um elo de satisfação para purgar a terrível memória daqueles anos onde vários setores da extrema esquerda e também da extrema direita cometeram atos bárbaros. Só que a síntese eles tentaram fazer, através do caso Battisti, foi uma síntese para abater e atacar exclusivamente a esquerda, para desmoralizar tudo que restava de pensamento transformador na democracia italiana. Portanto, o uso de Battisti foi conveniente para a antiga esquerda italiana, para a direita autoritária e para a extrema-direita. A grande síntese deste processo foi feita pelo ministro da Defesa da Itália que, olhando o Brasil como uma colônia, disse que nosso país era muito bom em bailarinas, mas não em juristas.

Carta Maior: Considerando as derrotas recentes de Berlusconi e a desagregação da antiga esquerda, pode-se ver, no cenário político italiano o surgimento de novas forças políticas mais à esquerda?

Tarso Genro: Houve uma mudança significativa na política italiana nos últimos sessenta dias. Primeiro, cabe destacar a vitória de uma esquerda alternativa em Nápoles e em Milão. Segundo, uma vitória da oposição contra Berlusconi em assuntos extremamente importantes que ele submeteu a referendo. O grande problema para a continuidade desse processo de reabertura política na Itália é a ausência de propostas. O Partido Democrático italiano foi para o centro, não fez nenhuma disputa ideológica com Berlusconi e tratou a questão da integração da Itália à União Europeia apenas a partir de um critério de mais liberalismo ou menos liberalismo. Não apresentou nenhuma alternativa à forma de organização da economia, à forma da integração da Itália na Europa e não apresentou nenhuma resposta aos movimentos sociais fragmentados que foram surgindo de maneira acelerada.

Penso que precisaremos esperar ainda um pouco até que surja uma esquerda italiana que seja democrática, que não se submeta aos fetiches ideológicos promovidos pela grande mídia e pela extrema-direita e que tenha uma visão consistente de como integrar democraticamente a Itália na Europa. Acho que esse processo já começou, mas a oposição representada pelo Partido Democrático, que hoje é um partido centrista, não teve capacidade nem coragem política de apresentar uma proposta alternativa ao que significou o reinado de Berlusconi neste período.

Carta Maior: Se, na Itália, a direita está sendo derrotada, na Espanha e em Portugal, os partidos de direita obtiveram recentemente vitórias expressivas. Na França, há a possibilidade de que a extrema-direita dispute o segundo turno das eleições presidenciais. Por outro lado, na Espanha, na Grécia e em outros países, vemos grandes mobilizações de rua, reunindo fundamentalmente jovens que não são ligados a nenhum partido. Na sua avaliação, para onde este cenário aponta do ponto de vista político?

Tarso Genro: O processo de integração europeu é ambíguo. De uma parte, ele gerou condições para que os países se modernizassem em termos industriais e sociais, consolidando democracias estáveis. Essa foi a grande vantagem da integração europeia. Só que as negociações que levaram à essa integração não constituíram salvaguardas alternativas para estabelecer um verdadeiro equilíbrio entre a integração da Europa do capital e da Europa social. Hoje, a grande cobrança que é feita sobre esses países mais débeis economicamente é que eles se adequem ao processo de integração que é comandado pela Alemanha, pelo Banco Central europeu e agora pelo FMI. A integração europeia ainda é um processo em curso, que atravessará uma longa tormenta a partir de agora. E essa longa tormenta irá revelar a existência de movimentos sociais, de movimentos sindicais, de movimentos da intelectualidade que refletirão nos partidos democráticos formando alas de esquerda em suas fileiras, podendo, mais tarde, até dar origem a novas organizações.

Não creio que os partidos socialistas atuais tenham elaborado suficientemente uma estratégia para sair dessa armadilha em que eles se meteram, a armadilha do déficit máximo de 3%. Eles estão atados a uma concepção economicista da União Europeia, onde o equilíbrio financeiro se superpõe ao equilíbrio social. Não há um pacto de transição de médio ou de longo curso para que esses países permaneçam integrados na União Europeia e capazes de manter as instituições básicas de um Estado de Bem Estar. O que ocorre na Grécia, na Espanha, em Portugal e na periferia de Paris indica que teremos um período de perturbações sociais graves. Se a Europa “economicista” ceder é possível que se reajuste o pacto europeu. Se não, ele pode se fragmentar a partir de sucessivas rebeliões dos “de baixo”. É bom lembrar que, nestes países, não estamos falando de populações miseráveis, mas de trabalhadores que já provaram condições de bem estar e que dificilmente renunciarão a elas apenas pelo convencimento.

Carta Maior: Na sua opinião, esse receituário “economicista” dominante na Europa hoje pode desembarcar na América Latina e, em especial no Brasil, em caso de agravamento da crise econômica nos países do centro do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos?

Tarso Genro: Creio que o Brasil tem condições especiais para enfrentar esse processo por alguns fatores naturais, como a possibilidade de expansão da fronteira agrícola, o relacionamento equilibrado com a América Latina por meio de políticas que o governo Lula desenvolveu estabelecendo relações de igualdade com países desiguais economicamente, e um mercado interno em expansão. Além disso, nosso país tem a capacidade de combinar um desenvolvimento industrial e técnico tradicional, com utilização intensiva de mão de obra, com um desenvolvimento tecnológico de alto nível, com capacidade competitiva no mercado global.

Estas condições retiram o Brasil da situação de um dilema trágico, de aderir ao neoliberalismo ou continuar crescendo com políticas sociais. Essa, na minha opinião, foi a grande conquista do governo Lula: fez uma transição sem ruptura, onde a ruptura era absolutamente impossível, colocando a questão do desenvolvimento como base para a criação de novos sujeitos sociais que não aceitam mais regredir, que querem mais, que pedirão mais para o Estado, mais escolas, mais educação, mais saúde. E isso só pode ser mantido com crescimento. Então, penso que o Brasil tem condições, sim, de sair desse impasse e, consequentemente, a América Latina também. Isso vai depender, obviamente, dos governos que tivermos daqui para frente. Se tivermos governos que sigam nesta trajetória iniciada pelo governo Lula e que está sendo prosseguida pela presidenta Dilma, acho que o Brasil não cai nesta armadilha e pode, em dez ou quinze anos, um país com muito mais influência que hoje no contexto mundial.

O fim de uma discriminação absurda e anacrônica


 
O Brasil, hoje, deveria estar comemorando. Mas a notícia, não está tendo o destaque merecido. É a decisão da Organização Mundial do Trabalho de abolir qualquer discriminação legal sobre os empregados e empregadas domésticas. Em termos práticos, isso quer dizer que, a partir da ratificação do tratado, os trabalhadores e trabalhadoras domésticas passam a ter direito ao FGTS, adicional por noturno, jornada de trabalho regulamentadas e outras proteções que não abrangem, atualmente, cozinheiras/os, babás, faxineiras e motoristas particulares, contratados por pessoa física.
Essa é ainda uma chaga que carregamos de séculos passados, quando os serviços domésticos eram feitos pelos “criados”, uma expressão que vem da entrega de crianças pobres para famílias capazes de sustentá-los em troca daquelas “obrigações”. Isso, no Brasil, ainda foi agravado pelas raízes escravistas de nosso passado.
Para que se tenha ideia da importância desta decisão, basta considerar que o emprego doméstico representava, em 2009, a fonte de renda de cerca de 7,2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ou 7,8% do total de pessoal ocupado no país.
Em relação ao mercado de trabalho feminino, os números são mais impressionantes: nada menos que 17% das mulheres que trabalham tem um emprego doméstico. Delas, dois terços são mulheres negras.
E mesmo com a lei formalizando a igualdade da trabalhadora doméstica com os demais trabalhadores, teremos um longo caminho a percorrer para regularizar a vida profissional destas pessoas. Em 2009, as trabalhadoras domésticas apresentaram índice de formalização do trabalho de apenas 26,3%, o que significa que, do contingente de 6,7 milhões de ocupadas nesta profissão, somente 1,7 milhão possuía alguma garantia de usufruto de seus direitos. Mesmo somando as que contribuem na condição de autômomas, este indice não chega a um terço do total.
Não vai bastar sermos rápidos na ratificação deste tratado. O plano Brasil sem Miséria da presidenta Dilma precisa, além as ações assistenciais e educacionais, fazer com que os Ministérios da Previdência e do Trabalho façam um esforço de simplificar a regularização destes trabalhadores para poder, ao mesmo tempo, exigir o cumprimento da lei.
Lei que, finalmente, trata a todos como iguais.

Aloha Núñez:“Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade”


Vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela fala sobre avanços na questão dos povos originários


Vinicius Mansur
de Brasília (DF) via BrasilDeFato

De passagem pelo Brasil para a reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela, Aloha Núñez, falou ao Brasil de Fato sobre as conquistas e os desafios dos povos indígenas de seu país durante o governo de Hugo Chávez, presidente desde 1999.
Indígena da etnia wayúu, 27 anos, nascida em La Guarija – no estado de Zulia, cerca de 900 quilômetros a oeste de Caracas –, Núñez foi coordenadora de uma associação de estudantes indígenas da Universidade de Zulia, em Maracaibo, e trabalhou para uma das “missões” empreendidas pelo governo Chávez, antes de chegar ao ministério.

Brasil de Fato – Qual a população indígena da Venezuela?

Aloha Núñez – Segundo o censo de 2001, somos entre 2 e 3% da população, pouco mais de 500 mil indígenas. O que não representa a realidade, porque o censo em 2001 não conseguiu chegar a todas as comunidades. E nem todo mundo que era indígena se identificava assim. Era o início da revolução e, antes dela, não havia direito e reconhecimento alguns. Dizer que era indígena gerava um rechaço. Não é como neste momento, quando há uma lei orgânica de povos indígenas, há direitos. O censo aponta 36 povos indígenas; agora, já temos 44 reconhecidos e mais de 2.800 comunidades indígenas. Naquele momento, eram só 2.400.

Há um movimento indígena organizado na Venezuela?

Há diferentes organizações indígenas tanto em nível nacional como regional. Cada povo indígena, ou, pelo menos, cada região, tem organizações que representam um estado. Há, também, organizações nacionais como o Conselho Nacional Indígena da Venezuela, a Frente Indígena Waike'puru e a Conbive, Confederação Bolivariana Indígena da Venezuela.

Qual a relação desses movimentos com a Revolução Bolivariana?

A luta dos povos indígenas na Venezuela começou há muito tempo. Quando houve essa manifestação indígena em toda a América, quando começou a luta pelos direitos indígenas na ONU, quando o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho [que garante os direitos indígenas] foi conquistado, as organizações indígenas conseguiram se visibilizar. Logo depois, veio a revolução. O comandante Chávez, antes de ganhar a presidência, assumiu o compromisso com os povos indígenas de fazer todo o possível para pagar a dívida histórica acumulada. A relação de abertura do presidente com as comunidades indígenas aconteceu desde o início da revolução. E isso se viu manifestado não só nesse compromisso, mas com sua chegada ao poder: quando, imediatamente, ele convoca a Constituinte, ele incorpora a população indígena.

Como foi isso?

A Constituinte teve deputados indígenas e a nova Constituição tem um capítulo especial para povos e comunidades indígenas, direito que nunca tiveram. A única coisa que existia na Constituição era um artigo que prometia a “incorporação indígena progressiva à vida da Nação”. Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade! Então, a Constituição de 1999 representou uma grande porta. Ela estabelece que, para a Assembleia Nacional, três indígenas devem ser eleitos. Eleitos por região: sul, oriente e ocidente. Além disso, em todos os municípios indígenas, temos vereadores indígenas. Em todos estados com população indígena, temos legisladores indígenas. Os indígenas têm, pelo menos, uma vaga garantida nesses espaços. Depois, criou-se a lei de demarcação de povos e comunidades indígenas. Em seguida, criou-se a missão Guaicaipuro, para atender, na parte social, esses povos. Depois, criou-se a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas. Não conheço outro país que tenha uma lei que abarque tantos direitos, que vá além do Convênio 169. E, posteriormente, criou-se o Ministério de Poder Popular para os Povos Indígenas, dirigido por Nicia Maldonado, uma indígena yekuana, amazônica, o que representa uma vontade política total. Em outros países, não vemos ministérios indígenas; em geral, são fundações do Estado que, muitas vezes, não são dirigidas por indígenas. Então, nota-se profundamente o compromisso político do comandante Chávez com o empoderamento do povo indígena.

Como se encontra o processo de demarcação de terras?

Ainda estamos nele. Na Venezuela, a demarcação se inicia de duas formas: uma por solicitação da comunidade e outra por ofício da Comissão Presidencial Nacional de Demarcação, que se encarrega, juntamente com uma comissão regional, de estudar todos essas questões. Já entregamos 40 títulos de terra, mas nos faltam muitos. São títulos coletivos que vão acompanhados de um plano integral de apoio a esses povos, para que eles tenham todas as ferramentas para levar adiante seu território, para que seja autossustentável e, em algum momento, ajudar o país também.

Há alguma política para a promoção da cultura indígena?

A lei estabelece de forma oficial os idiomas indígenas. Nas escolas desses povos, as aulas devem partir em idioma indígena. Antes, só se falava castelhano. Nas cidades, onde há população indígena, também deve haver pelo menos um professor para dar o conteúdo indígena, o que se chama de educação intercultural bilíngue. Ainda temos uma lei de artesãos e artesãs indígenas.

Hoje, quais são as principais reivindicações indígenas ao Estado?

Terminar o processo de demarcação, essa é a demanda em toda a América. Para nós, é uma prioridade, e nosso comandante Chávez foi muito insistente nisso. Por outra parte, não podemos negar que temos comunidades em alta vulnerabilidade que reivindicam uma assistência permanente do governo. Então, criamos uma corresponsabilidade entre as comunidades indígenas e o Estado, para que o povo se empodere, seja protagonista na superação de seus problemas e, assim, se livre da miséria e do analfabetismo e consiga a suprema felicidade social, como já disse nosso libertador Simón Bolívar. Uma grande quantidade de comunidades ainda não conseguiu essa libertação. Algumas poucas, sim. Vivemos um processo de revolução, mas não podemos consertar um problema de mais de 500 anos de invasão, abandono, extermínio, de uma educação penetrante, invasiva, que te diz que o indígena é o bruto, o bêbado, o preguiçoso. Estamos nesse processo de tirar esse “chip” e meter outro.

Há conflitos com comunidades indígenas por conta de megaprojetos implementados pelo governo?

Sim. Mas nós respeitamos o Convênio 169 da OIT, que estabelece o consentimento prévio, livre e informado. Então, cada vez que um projeto vai ser executado em alguma comunidade indígena, deve-se consultá-la, apresentar o projeto, informar com antecipação. Se há dúvidas, é preciso eclarecer e, inclusive, se as comunidades não estão de acordo com o projeto, ele não é levado adiante.

Alguma vez o governo deixou de fazer algum projeto?

Uma vez, faz tempo, já. Eram umas concessões para explorar carvão em território yukpa. Os indígenas eram contra e a denúncia chegou ao presidente, que convocou um ato público com 2 mil trabalhadores petroleiros e disse que não haveria concessões. E até hoje não há. Isso foi muito manipulado, porque algumas ONGs diziam que nós não queríamos demarcar o território. Pensam que, com a demarcação, podem ganhar alguma autonomia. Nesse caso, fizeram a comunidade discutir e, inclusive, expulsar o companheiro Sabino Romero, um líder. As ONGs o utilizaram como único porta-voz indígena, transformaram a luta de uma comunidade numa luta pessoal. Diziam que ele era o cacique dos caciques, o mais lutador de todos, mas, quando você vai à comunidade, te dizem que não é bem assim, que faziam assembleias com um só cacique, não com todos. Em assembleia, chegaram até a dizer que essa ONG era persona non grata.

Qual é a situação desse cacique agora?

Com todo esse conflito que se criou, houve um enfrentamento entre duas comunidades indígenas. O companheiro Sabino Romero e outro companheiro se enfrentaram. Houve um tiroteio entre duas comunidades que resultou em três pessoas mortas. Depois desses assassinatos, tanto Sabino Romero como Alexander Romero estão presos. Então, logo as ONGs começaram a dizer que eram presos políticos, que a ministra os prendeu, um montão de coisas... Há um processo judicial em averiguação. Mas é preciso ficar claro que quem decidiu que Sabino deve ser julgado pela Justiça ordinária foi o mesmo povo yukpa. E, se fosse pela lei yukpa, talvez o tivessem matado. Porque isso acontece quando você chega a matar dentro de uma comunidade indígena. Nós estamos num processo de formação para não chegar a esses níveis. Para não chegar a esse extremo, a comunidade decidiu entregá-lo à Justiça ordinária, em uma assembleia que, inclusive, foi televisionada. Isso ajudou a tratar o tema, porque todo mundo vitimizava Sabino Romero. Agora, ele está em liberdade condicional, mas a comunidade foi muito determinante, disse que não quer Sabino. Mas ele nos disse que não pode ser proibido de voltar, senão, podem haver mortos. Então, há uma preocupação do Estado, porque não queremos um enfrentamento entre o povo yukpa.

A Justiça comunitária indígena é reconhecida pelo Estado na Venezuela?

Sim. A Constituição e a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas reconhecem a justiça própria. Mas há uma dívida aí, em relação à regulamentação da lei, que deve ser feita pela Assembleia. Porque há coisas que devem ser normatizadas. Nós não temos pena de morte e jamais apoiaríamos isso. Cada comunidade tem suas particularidades e está se estudando tudo isso, para que ninguém aplique penas que violem os direitos humanos.

Forças progressistas e patrióticas formam novo governo no Líbano


Por Lejeune Mirhan no GRABOIS
 
Esperado desde janeiro, finalmente, desde o dia 13 de junho, foi anunciado o novo governo do Líbano, praticamente o único país do Oriente Médio árabe que mantém uma vida democrática regular e com certa estabilidade, pelo menos desde 1990 quando terminou a sua sangrenta guerra civil. Este é assunto de destaque no noticiário internacional da qual queremos apresentar alguns comentários.
As alianças políticas libanesas

Há duas alianças básicas no Líbano. Vem sendo assim pelo menos desde 2005 quando, em fevereiro, ocorreu o assassinato do ex-primeiro ministro libanês Rafic Hariri. Uma delas, chamada de “8 de Março”, envolve basicamente quatro grandes organizações: os xiitas do Partido de Deus, conhecido como Hezbolláh e do grupo secular Amal, cujos líderes são respectivamente Hassan Nasralláh e Nabih Bérri e mais os cristãos maronitas do Movimento Patriótico Livre do general Michel Aoun e os comunistas do PC Libanês, sob a liderança de Khaled Hadade.


Rafic e Saad Hariri

No outro campo, temos a coligação “14 de Março”, sob a liderança do filho do ex-primeiro ministro, Saad Hariri, que vinha ocupando a chefia do governo desde as eleições de 2009, quando ele conseguiu formar um governo, de orientação pró norte-americano e simpático à Israel. A coligação em que os comunistas fazem parte, fazia sistemática oposição a esse governo, ainda que tivesse presença ministerial pela forma como é formado o governo libanês.

Desde o final de 2010, ministros mais ligados ao Hezbolláh retiraram apoio ao governo da composição proporcional, que seguia critérios definidos há muitos anos que reparte o parlamento e o governo com as 18 confissões religiosas cristãs e muçulmanas existentes no país. A divergência central estava sendo – e continua até hoje – com relação ao reconhecimento dos trabalhos de uma comissão da ONU, que viola claramente a soberania libanesa, que investiga o assassinato de Hariri em 2005. Os EUA e Israel, desde aqueles primeiros momentos do atentado, apontaram seu dedo acusador para a Síria. Houve levantes no país, de forma que acabou ficando insustentável a continuidade de tropas sírias permanecerem no país, como vinha acontecendo desde o término da sua guerra civil 15 anos antes. Alguns ditos analistas internacionais já logo se apressaram em chamar esses levantes anti-síria de “Revolução dos Cedros” (sic).

Existe quase uma centena de partidos políticos no Líbano, ainda que joguem papel cerca de 10 ou 12. Uma situação parecida com a do Brasil, onde a colônia e os descendentes libaneses que aqui vivem ultrapassam a marca de quatro milhões, fazendo o Brasil o mais importante país nas relações com a República Libanesa.

São dois campos completamente distintos. Um, da aliança dos comunistas, com muçulmanos, cristãos e nacionalistas seculares, que defendem a soberania do Líbano, sua independência, contra a ingerência das potências estrangeiras no país e o outro, mais submissa aos interesses imperialistas na região.

Eu diria, grosso modo, que vivemos no Brasil uma situação parecida. Ou o Líbano vive algo parecido com o que vivemos na política brasileira. Aliás, até as datas coincidem. Em 1989 lançamos a candidatura de Lula pela primeira vez, em uma aliança popular e democrática ampla, contra forças mais conservadoras e reacionárias, pró-imperialistas. Lembremo-nos que venceu nessas eleições Collor de Mello e depois FHC, social-democrata em aliança com a direita neoliberal, que governou o país até 2002. Vejamos agora a história recente libanesa.

Um pouco de história

O Líbano, que já foi considerado uma das nações árabes mais prósperas de todo o Oriente Médio e que desde a sua independência em 1943 era considerada uma espécie de “Suíça do Oriente Médio”, acabou por entrar em uma guerra civil em 1975, que durou até praticamente 1990.

Essa guerra civil só conseguiu acabar com a realização na cidade saudita de Taif, no dia 22 de outubro de 1989, de uma reunião especial do parlamento libanês. Desse importante encontro, participaram 62 deputados, sendo 31 cristãos de várias confissões e outros 31 muçulmanos, divididos entre xiitas e sunitas. Interessante registrar que o transporte e alojamento de toda essa imensa delegação, foi inteiramente financiada pelo milionário sunita que seria eleito posteriormente Primeiro Ministro, Rafic Hariri, morto em 2005.

Desse histórico encontro saiu a Carta Nacional de Reconciliação, cujo conteúdo do acordo final assegura uma espécie de divisão sectária e religiosa do parlamento libanês, dividindo cotas das 128 cadeiras (houve ampliação das vagas nesse encontro) entre as 18 correntes religiosas espalhadas pelas diversas regiões libanesas. E ficou acertado que desse momento em diante – e já temos 22 anos de vigência do acordo – todos os presidentes do Líbano teriam que ser cristãos maronitas, o primeiro Ministro seria sempre um muçulmano sunita e o porta-voz do parlamento ou seu presidente, teria que ser necessariamente um muçulmano xiita. Quando uma nova constituição foi escrita em 1990, para sacramentar o final da guerra civil, esses acordos foram incorporados e vem sendo cumpridos até os dias atuais.

O novo governo

O governo demissionário e pró-ocidental de Saad Hariri vinha enfrentando forte oposição em função da sua dubiedade em rejeitar a comissão da ONU que viola a soberania libanesa. A tal Comissão “Independente” formada pela ONU, também chamada de “Tribunal Especial para o Líbano – TEL”, é presidida pelo juiz Daniel Franzen e tem como procurador, encarregado de apresentar a denúncia, Daniel Bellemare. De independente essa comissão não tem nada. Apenas reflete as forças que dominam e controlam a ONU, que a subjugam, encabeçadas pelas potências imperiais como os EUA e Inglaterra, França e Alemanha.

Os objetivos claros, nunca escondidos, dessa comissão da ONU é referendar as opiniões dos Estados Unidos e de Israel, no sentido de que foi a Síria a responsável pelo assassinato, através de seus agentes, do ex-primeiro Ministro Rafic Hariri. Seu filho Saad, chegou a ter uma posição dúbia em relação a reconhecer os trabalhos da referida comissão que fere a soberania nacional do Líbano. No entanto, acabou por optar em aceitar as suas decisões. Isso fez com que os ministros apoiados principalmente pelo Hezbolláh deixassem o governo de composição. Até porque já se ouve que a comissão vai envolver o Hezbolláh no processo. Restou à Hariri a sua renúncia.

O presidente libanês, Michel Suleiman, cristão maronita, em função de novos acordos e da passagem do Partido Socialista Progressista do Líbano de Walid Jumblat, com seus oito deputados para o campo da aliança “8 de março”, liderada pelo Hezbolláh e apoiada pela Síria, a correlação de forças contra Hariri ficou insustentável. Em um regime parlamentarista, forma governo quem tem maioria. Nas eleições libanesas de 7 de junho de 2009, a aliança conservadora e pró-imperialista ficou com 71 deputados, contra 57 da oposição (de um total de 128 parlamentares). Agora, nesta obra de engenharia política, Jumblat, velha raposa política libanesa, retirou seus oito e fieis deputados do campo de Hariri, de forma que o Hezbolláh e seus aliados puderam fazer uma nova maioria, de 65 deputados contra 63 do campo conservador. Assim, desde janeiro, Hariri se encontra demissionário e o presidente Suleiman indicou Mikati para formar o novo governo que deve tomar posse nos próximos dias (veja aqui os resultados das eleições de 2009 http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Lebanon).


Michel Aoun


Aqui, não poderia deixar de registrar o exemplo de política que nos foi dado pelo general cristão Michel Aoun. Esse general reformado, passou 15 anos exilado em Paris. Esse tempo todo foi crítico da presença síria em terras libanesas. No entanto, ao voltar com a saída das tropas sírias em 2005 e a formação de novas alianças e coligações nunca teve dúvidas. Olhou de um lado e viu as forças do império e sionistas, sob comando da família Hariri e seus aliados. Olhou de ouro, viu as forças vivas da resistência, uma parte delas armadas, viu os comunistas, os patriotas e amigos da Síria. Não teve dúvidas. Nessa correlação de forças, aliou-se à coligação mais avançada para aquela realidade, hoje vitoriosa e que constitui novo governo. Um belo exemplo de política a ser seguida. Análise concreta da realidade política concreta dentro da correlação de forças do momento.

Uma análise preliminar

O novo governo terá a mesma quantidade de ministros que o anterior, trinta ao todo. Sua composição ficou assim estabelecida: Hezbolláh – dois ministros; Amal (xiita, mas secular) – ficou com outros dois e Partido Nacional Social Sírio – um ministro. Isso totaliza cinco ministérios para xiitas. Os sunitas do primeiro-ministro Mikat terão cinco ministérios por ele indicados, além do seu vice-primeiro Ministro. Os cristãos do general Aoun, do MPL indicarão 11 ministros e mais dois maronitas indicados pelo presidente Suleiman. Por fim, os membros do PSP do druso Jumblat indicarão três ministros. Os dois restantes são considerados independentes, mas amigos do Hezbolláh. Não é de todo errado dizer que o artífice dessa política vem sendo o sheik Hasan Nasralláh, uma das lideranças da resistência libanesas mais lúcidas que se tem visto.


Hasan Nasralláh

Muitas pessoas estranharam o voto do Líbano em março passado no CS da ONU a favor da Resolução 1971 que autorizava o bombardeio à Líbia, votação essa que o Brasil, a Índia, a Alemanha, a China e a Rússia decidiram – corretamente, diga-se de passagem – se abster. A explicação tem a ver com a representação libanesa no CS ainda ser a do governo demissionário de Hariri que não havia ainda entregue os cargos. Isso deve mudar em curto prazo.

Há alguns destaques a serem feitos no novo ministério. O primeiro deles é que neste novo não há uma mulher sequer entre seus membros (o anterior tinha uma pelo menos). Isso reflete o ainda forte machismo da sociedade árabe em geral no OM. O segundo aspecto é que a poderosa pasta da Justiça ficou nas mãos do Hezbolláh. Acho quase impossível que o novo governo vá acatar os resultados da ata de acusação final da investigação que o TEL vai concluir, esperado para os próximos meses (ou semanas, ninguém sabe ao certo). Por fim, o novo ministro das relações exteriores será Adnan Mansour, que foi embaixador no Irã e tem fortes ligações com esse país. Desde que anunciado a formação do ministério, o presidente sírio Dr. Bashar Al Assad de imediato deu felicitações ao novo governo.


Najib Mikati

Só o fato do governo pró-ocidental e sem capacidade de enfrentar Israel ter caído já é, por si só, um fato relevante. No entanto, a composição de forças que Mikati e o Hezbolláh conseguiram esboçar em torno de um programa patriótico, de soberania nacional, antiimperialista significa um avanço imenso se comparado com outros países árabes da região. Mesmo no Egito e Tunísia cujas revoluções encontram-se em estágio mais avançados, não sabemos ainda o desfecho que podem ter.

Tenho dito, inclusive para entidades e partidos árabes que possuem ramificações no Brasil, que devemos procurar estabelecer no Oriente Médio e no Brasil, uma coalizão de forças que se assemelhe a que formamos no Líbano. Não nos cabe dizer o que os árabes devem ou não fazer. No entanto, a união das forças patrióticas, laicas e seculares, nacionalistas, socialistas e comunistas e mesmo as religiosas e confessionais que não sejam fundamentalistas, devem somar esforços e constituir frente e coalizões de caráter antiimperialistas. O acerto da aliança libanesa deve servir de exemplo para outros países, em especial a palestina que se aproxima de formar um governo de unidade nacional e para o Egito e Tunísia que terão eleições no segundo semestre.

Se isso seguir dessa forma, se as lideranças árabes, sejam elas da juventude, sindicais e dos partidos realmente comprometidos com a soberania árabe compreenderem dessa forma, temos a convicção de que os Estados Unidos e os sionistas e reacionários que governam Israel sofrerão forte e poderoso revés na sua política imperialista e de subjugação dos povos árabes. Um caminho luminoso se abrirá para os árabes.

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Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e Diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br

terça-feira, 14 de junho de 2011

Programa Nacional de Banda Larga vive momento crítico

Do sitio VERMELHO

Nas últimas semanas, sucederam-se vários fatos com impacto direto no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Quem não acompanha de perto o setor teve dificuldades de entender os sinais dados pelo Ministério das Comunicações. Mesmo para quem acompanha não ficou tudo esclarecido, mas alguns sinais são bem evidentes. E bem preocupantes.

Antes de tentar entender o momento atual, um prólogo importante: países hoje na ponta na universalização plena do acesso e uso das TICs partem de um plano estratégico de nação conectada – porque reconhecem que essa infraestrutura e tecnologia de forma generalizada e com qualidade de serviço são essenciais para a continuidade e aprofundamento do desenvolvimento econômico e social.

O Brasil é a sétima economia do mundo e deveria ter uma estratégia de nação conectada compatível – o que já vem sendo feito pelas nações do mesmo porte. Pensar em conectividade na ponta generalizada a 1 Mbps em 2014 ou sugerir que essa será a conexão canônica “popular” em 2020 é ficar no século 20, enquanto as outras nações do porte econômico da nossa apontam para velocidades pelo menos uma centena de vezes mais alta, com padrões avançados de qualidade de serviço, já para 2014. Para 2020, então, nem se fale.

O momento atual

Em resumo, o que está acontecendo neste momento é um retorno ao modelo de PNBL proposto pelo ex-ministro Hélio Costa, que privilegia as empresas de telecomunicações como executoras das ações de ampliação do acesso. Na prática, o governo apresenta um plano modesto, com valores orçamentários ainda mais modestos, que tenta avançar principalmente a partir de negociações ‘no varejo’ com as empresas.

Há uma série de outras ações e políticas públicas importantes, inclusive no tocante à fomento à compra de equipamento com tecnologia nacional. Contudo, no seu aspecto central, o programa já não é mais um programa. É um conjunto de táticas sem estratégia de longo prazo. A tática principal é responder às demandas das atuais concessionárias para tentar garantir a banda larga no preço e na velocidade desejadas. A Telebrás, que poderia apoiar na gestão pública do PNBL, passa a ser simplesmente uma competidora no mercado de venda de capacidade de tráfego no atacado. E talvez termine por atuar onde as demais empresas tenham menos interesse.

Aqui surgem dois problemas: o primeiro é que a maneira como a negociação tem sido retratada indica a ausência de um plano consolidado pelo Governo Federal. O que existem são metas do governo em relação a preço e velocidade e propostas das empresas em diálogo com essas metas – sem sequer alcançá-las, até agora.

O segundo problema é que o PNBL quer aumentar o mercado consumidor de um serviço com muitos problemas (qualquer consumidor tem experiências para relatar) sem ter avançado para resolver estes problemas. O PNBL em si prevê discussões relativas a parâmetros de qualidade, mas simplesmente não se tem notícias delas. Verificou-se este debate no âmbito da Telebrás, mas não com as teles privadas.

Além de abrir mão da gestão pública do PNBL, o governo abriu mão também do planejamento de longo prazo. Sem instrumentos regulatórios adequados, ele não garante o controle de tarifas e a universalização do serviço de banda larga, o que significa que o cidadão brasileiro ficará à mercê das vontades das empresas e reféns de sua força de negociação. A reação das teles, que impõem condições relacionadas ao Índice de Desenvolvimento Humano do município e fazem proposta de venda casada com serviços de voz, mostra o quão dispostas elas estão a colaborar.

As evidências

Os fatos mais ilustrativos de uma mudança de rumos no PNBL são as demissões do presidente da Telebrás, Rogério Santanna e do Secretário de Telecomunicações, Nelson Fujimoto. Nos planos iniciais do ministro Paulo Bernardo, conforme foi muito noticiado e não desmentido, estava também a saída do secretário-executivo Cezar Alvarez do Ministério das Comunicações para assumir a presidência da Telebrás. Ao que parece, esse movimento só não se confirmou por conta da disposição do Palácio do Planalto em manter Alvarez no ministério.

A saída de Santanna não foi bem explicada e justificada, mas sabe-se que já vinha se dando um enfrentamento entre Ministério e a Telebrás em relação ao papel que a empresa pública deveria cumprir. Os cortes de orçamento e a dificuldade de avançar na contratação de pessoal indicavam que o Ministério das Comunicações não queria dar à Telebrás a centralidade que Santanna acreditava que a empresa deveria ter.

Como apontado, essa mudança tira da empresa o papel de gestora do programa. As últimas notícias, inclusive, dão conta de que ela atuará a partir de parcerias público-privadas, um modelo que evidencia que o governo não está disposto a investir recursos significativos nas redes públicas.

A demissão de Nelson Fujimoto, pelo que se sabe, tem a ver com outra questão relevante, que é o fechamento do debate sobre o PGMU-III, que trata das metas de universalização da telefonia fixa. Como a banda larga não é serviço prestado em regime público, o governo tentaria se valer do poder de barganha sobre as concessionárias de telefonia fixa (este sim, serviço em regime público) para avançar na negociação.

Contudo, na versão publicada, o governo cedeu a demandas impostas pelas teles com as quais Fujimoto não concordava. Entre os pontos problemáticos está a possibilidade de as teles deixarem de pagar parte da suas obrigações financeiras para compensar perdas com as metas de universalização.

A parte da Anatel

Para piorar, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou na semana passada uma nova proposta de regulamento para a TV por assinatura, que agora entra em consulta pública. A proposta abre o mercado da TV a cabo para as empresas de telecom, não prevendo contrapartidas à altura dos benefícios recebidos pelas empresas.

Essa proposta passa por cima da atual lei da TV a cabo e de todo o debate do PLC 116/10, projeto que busca regular toda a TV por assinatura e estabelece garantias de conteúdo nacional e independente, fortalece o papel da Agência Nacional de Cinema (Ancine) como reguladora e define regras para evitar a concentração vertical. Com a premissa positiva de criar competição no setor, a Anatel estabelece um regulamento que não protege o interesse público.

A Anatel, aliás, tem sido arena de declarações em consonância com os interesses das teles. As últimas falas do conselheiro João Rezende, que é da confiança do ministério, são especialmente preocupantes. Recentemente, ele sugeriu que fosse descartado o princípio da reversibilidade de bens no regime público, que garante que os concessionários tenham de devolver à União os bens essenciais à prestação de serviço no final do período da concessão.

A declaração aparece no mesmo momento em que vem à tona o fato de que a Anatel não tem fiscalizado a venda desses bens, o que já gerou perdas de bilhões para os cofres públicos. Em sua declaração mais recente, ele afirma que os novos construtores de infraestrutura podem ser isentos de obrigações de compartilhamento das redes. Essa prática, já tão difícil de se tornar realidade (embora esteja prevista na Lei Geral de Telecomunicações), começa a sair até dos planos abstratos.

Em suma, estamos diante de uma situação duplamente ruim: um pacote de bondades para as empresas de telecomunicações combinada com a falta de um projeto estratégico de longo prazo por parte do governo. Neste contexto, a ideia de nação conectada parece cada vez mais distante. Ela poderia se concretizar com recursos do orçamento público e do excedente dessas empresas, que operam mais de 5% do PIB brasileiro e têm lucros bilionários. Mas para isso não adiantam gambiarras e negociações no varejo.

Sem a banda larga em regime público, o Estado brasileiro não tem instrumento adequado para impor as obrigações às operadoras. Neste momento em que circulam informações desencontradas e apressa-se a negociação com as teles, fica mais evidente a necessidade de se retomar os fóruns sobre o PNBL e de se garantir a discussão pública sobre essas propostas. Pacote de bondades como esses, as teles não merecem. E este PNBL o povo brasileiro também não merece. Simples assim.

Fonte: Campanha da Banda Larga

O ataque contra a força de trabalho


Noam Chomsky
 
 
Há uma década, foi cunhada pelos activistas laborais italianos em honra do 1º de Maio uma palavra útil: “precariedade”. Referia-se, de início, à população trabalhadora “à margem”.

Na maior parte do mundo, o dia 1 de Maio é um dia feriado dos trabalhadores internacionais, ligado à amarga luta dos trabalhadores americanos do séc. XIX pela jornada de trabalho de oito horas. O 1º de Maio passado leva-nos a uma sombria reflexão.
Há uma década, foi cunhada pelos activistas laborais italianos em honra do 1º de Maio uma palavra útil: “precariedade”. Referia-se inicialmente à cada vez mais precária existência da gente trabalhadora “à margem” – mulheres, jovens e imigrantes.
Logo de seguida, ela foi alargada e aplicada ao crescente “precariado” no núcleo da força laboral, o “proletariado precário” que sofria os programas de des-sindicalização, flexibilização e desregulação que formam parte do ataque contra a força de trabalho em todo o mundo.
Nessa altura, inclusive na Europa, havia uma preocupação crescente sobre aquilo a que o historiador do trabalho Ronaldo Munck, citando Ulrich Beck, chama a “brasileirização do Ocidente” “… a proliferação do emprego temporário e sem segurança, a descontinuidade e relaxamento das normas nas sociedades ocidentalizadas, que até então tinham sido bastiões do pleno emprego”.
A guerra do Estado e das corporações contra os sindicatos estendeu-se recentemente ao sector público, com legislação proibindo acordos colectivos e outros direitos elementares.
Mesmo no Massachusetts, a Câmara de Representantes favorável aos trabalhadores votou, pouco antes do 1 de Maio, uma acentuada restrição aos direitos dos polícias, dos professores e de outros empregados municipais quanto a negociação sobre a assistência à saúde - assunto crucial nos Estados Unidos, com o seu disfuncional e altamente ineficiente sistema privatizado de cuidados de saúde.
O resto do mundo pode associar o 1 de Maio com a luta dos trabalhadores americanos pelos seus direitos básicos, mas nos Estados Unidos essa solidariedade encontra-se suprimida a favor de um dia feriado reaccionário.
O dia 1 de Maio é o “Dia da Lealdade”, assim designado pelo Congresso em 1958 para a “reafirmação da lealdade aos Estados Unidos e pelo reconhecimento do legado americano de liberdade”.
O presidente Eisenhower proclamou, além disso, que o Dia da Lealdade seja também o Dia da Lei, anualmente reafirmado com o içar da bandeira e a dedicação à “Justiça para Todos”, às “Fundações da Liberdade” e à “Luta pela Justiça”.
O calendário dos Estados Unidos tem o Dia do Trabalho em Setembro, em celebração do regresso ao trabalho depois de férias que são mais curtas que noutros países industrializados.
A ferocidade do ataque contra as forças laborais pela classe dos negócios dos EUA está ilustrada pelo facto de Washington se ter abstido durante 60 anos de ratificar o princípio central da lei internacional do trabalho que garante a liberdade de associação.
O analista de leis Steve Charnovitz chama-lhe o “tratado intocável da política dos Estados Unidos” e observa que nunca houve um debate sobre este assunto.
A indiferença de Washington em relação a algumas convenções apoiadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) contrasta marcadamente com a sua preocupação em fazer respeitar os direitos das corporações aos preços de monopólio, ocultos sob o manto do “livre comércio”, um dos orwellismos contemporâneos.
Em 2004, a OIT informou que “as inseguranças económica e social multiplicam-se com a globalização e as políticas com ela associadas, à medida que o sistema económico global se tornou mais instável e os trabalhadores suportam uma carga cada vez maior por exemplo através das reformas das pensões e da assistência na saúde”.
É este o que os economistas chamam o período da Grande Moderação, proclamado como “uma das grandes transformações da história moderna”, encabeçada pelos EUA e baseada na “libertação dos mercados” e em particular na “desregulação dos mercados financeiros”.
Este elogio ao estilo americano dos mercados livres foi pronunciado pelo editor do Wall Street Journal, Gerard Baker, em Janeiro de 2007, dois meses apenas antes do sistema se desmoronar e com ele o edifício inteiro da teologia económica sobre o qual estava assente, levando a economia mundial à beira do desastre.
O descalabro deixou os Estados Unidos com níveis de desemprego real comparáveis aos da Grande Depressão e sob muitos aspectos piores ainda, porque debaixo das actuais políticas de quem manda esses empregos não regressarão, como aconteceu com os estímulos governamentais massivos durante a Segunda Guerra Mundial e nas décadas seguintes da “era dourada” do capitalismo estatal
Durante a Grande Moderação, os trabalhadores americanos habituaram-se a uma existência precária. O aumento do precariado americano foi orgulhosamente proclamado como um factor primário da Grande Moderação que produziu um crescimento mais lento, virtual estancamento do rendimento real para a maioria da população e riqueza para além das ambições da avareza para um sector diminuto, uma fracção de um por cento, na maior parte directores executivos, gestores de fundos de cobertura e outros nessa categoria.
O sumo-sacerdote desta economia magnífica foi Alan Greenspan, descrito na imprensa empresarial como “santo” pela sua brilhante condução. Orgulhando-se dos seus êxitos, testemunhou perante o Congresso que eles dependiam de “uma moderação atípica dos aumentos das compensações (que) parece principalmente consequência de uma maior insegurança dos trabalhadores”.
O desastre da Grande Moderação foi resgatado por esforços heróicos do governo para recompensar os seus autores. Neil Barosky, ao renunciar a 30 de Março como inspector-geral do programa de resgate, escreveu um artigo revelador na secção de Op-Ed (colunas de opinião – N.T.) do New York Times acerca de como funcionava o resgate.
Em teoria, o acto legislativo que autorizou o resgate foi um compromisso: as instituições financeiras seriam salvas pelos contribuintes e as vítimas dos seus maus actos seriam compensadas de certa forma através de medidas que protegeriam o valor das casas e preservariam a propriedade das mesmas.
Parte do compromisso foi cumprido: as instituições financeiras foram recompensadas com enorme generosidade por terem causado a crise e perdoadas dos crimes descarados. Mas, o resto do programa desapareceu.
Conforme Barosky escreve: “as execuções hipotecárias continuam a aumentar, com entre 8 e 13 milhões de julgamentos previstos durante a existência do programa”, enquanto “os maiores bancos são 20% maiores do que antes da crise e controlam uma parte maior da nossa economia, como nunca antes. Assumem, logicamente, que o governo os resgatará de novo, se necessário.
De facto, as agências de classificação do crédito incorporam futuros resgates do governo nas suas avaliações dos maiores bancos, exagerando as distorções do mercado que lhes proporcionam uma vantagem injusta sobre as instituições mais pequenas que continuam lutando por sobreviver”.
Em poucas palavras, o programa do presidente Obama foi “uma prenda para os executivos da Wall Street” e um golpe no plexo solar para as suas indefesas vítimas.
O resultado apenas surpreende os que insistem com inalterável ingenuidade no projecto e aplicação da mesma política, particularmente quando o poder económico está altamente concentrado e o capitalismo de Estado entrou numa nova etapa de “destruição criativa”, para usar a famosa frase de Joseph Schumpeter, mas agora com uma diferença: criativa quanto às maneiras de enriquecer e dar mais poder aos ricos e poderosos, deixando o resto livre de sobreviver como puder, enquanto vai celebrando o Dia da Lealdade e da Lei.

 
Tradução: Jorge Vasconcelos