sexta-feira, 1 de julho de 2011

Consumidor trabalhador



E o consumidor vai ao supermercado, enche o carrinho, fica na fila do caixa; monta seu kit de móveis, instala seu decodificador de TV, ativa sua conexão de internet; procura a referência da conexão da torneira do banheiro, aprende a usar programas de computador, lê manuais...
por Laurent Cordonnier no LE MONDE - BRASIL
Folga não é necessariamente descanso. Já sabemos que, quando o trabalhador – e a trabalhadora, em especial – não está “no trabalho”, ele continua a labutar, porque o tempo gasto em tarefas domésticas ultrapassa o usado no trabalho remunerado.1 Mas prestamos menos atenção ao fato de que ele consome e, como consumidor, muitas vezes trabalha de graça para as empresas ou governos... para terminar, justamente, o trabalho. Ele lê revistas de consumidores, faz pesquisas na internet, organiza seus projetos, reserva suas passagens de trem; vai ao supermercado, enche o carrinho, fica na fila do caixa; monta seu kit de móveis, instala seu decodificador de TV, ativa sua conexão de internet; procura a referência da conexão da torneira do banheiro, aprende a usar programas de computador, lê manuais... e volta alguns dias depois ao serviço de suporte de vendas, quando não ao balcão de reclamações.
Se o consumidor trabalha, pode-se dizer que ele faz isso porque quer. Participar da produção de bens de consumo seria uma forma agradável de fazer horas extras, que não são pagas diretamente, mas na verdade economizam o salário (permitindo comprar mercadorias mais baratas que estão inacabadas). Para quem é corajoso e aprecia o “faça você mesmo”, essa oferta de trabalho voluntário tem também a vantagem de não estar exposta ao risco de desemprego. É um daqueles casos excepcionais, como o de Robinson Crusoé em sua ilha, em que basta querer trabalhar para encontrar um emprego. Alguns até defendem que esse trabalho benévolo é o grau de autonomia que nos é oferecido, a oportunidade de não sermos consumidores passivos. A figura do trabalhador manual hábil, do amador entusiasta, da pessoa competente em consertar coisas, do “Consumidor Atuante”, está sempre pronta para aparecer em cena.
O consumidor-trabalhador achará, no entanto, difícil admitir – porque seu trabalho é também o de “positivar” esses momentos –, mas esse grau de autonomia não é, realmente, opção sua. Tal como seu vizinho, ele leva seus sapatos ao sapateiro, remove sua bandeja de fast-food, preenche páginas de informações pessoais no momento da compra on-line, passa as manhãs de sábado nas lojas tentando encontrar um armário de rodinhas que não é mais fabricado... Mesmo que ele venha a desfrutar a “liberdade” – uma ideia que alguém colocou em sua cabeça – de reservar sua passagem de trem pela internet, de pijama, sentado confortavelmente em sua cama, para sua viagem de negócios do dia seguinte, ele sabe, talvez lá no fundo, que não está usando seu tempo livre para ir pescar. O trabalhador ainda ousará, às vezes, admitir que não tem muita escolha, as filas são longas nas bilheteiras da estação... Pois é desenvolvendo todo tipo de alternativa desagradável para o consumidor que, este, finalmente, achará mais conveniente fazer o serviço ele mesmo. O manejo cuidadosamente calculado das filas nos correios, na Previdência Social, no supermercado é certamente uma das artes consumadas da gestão neoliberal, que consiste em transformar o comportamento de repúdio do consumidor em uma marcha heroica para a liberdade de escolha.
Tornando-se um trabalhador, o consumidor descobre a produtividade. Que vergonha se ele não tiver a destreza suficiente para parecer um ás do caixa rápido. Ele vai sentir na nuca a respiração silenciosa e irritada dos clientes na fila. O imperativo da produtividade o persegue até quando sai de férias, quando ouve, encantado, as instruções da recepcionista da companhia aérea para sua autorreserva que irá, eventualmente, eliminar o próprio trabalho dela. Aos poucos, porém, ele recebe algumas pequenas recompensas que lhe trarão a alegria de enfim ter alcançado a conformidade: os caixas rápidos não lhe metem mais medo; ele pilota com virtuosismo os terminais automáticos da empresa ferroviária; sabe finalmente atualizar a licença de seu antivírus. O consumidor certamente ganha competência. Mas, para fazer disso algo totalmente positivo, seria necessário esconder o fato de que esse tipo de qualificação – inegavelmente importante, pois sua ausência poderia torná-lo inviável, social e economicamente – é apenas uma chave que abre e fecha todas as portas de uma prisão... sem nunca se ver a luz do dia.
Em última análise, de que se ocupa o consumidor – como é que ele se torna cada vez mais um trabalhador? Ele está ocupado esvaziando com uma pequena colher o oceano de destroços de uma sociedade que teremos de chamar um dia de “sociedade da pane”. Tudo o que funciona, tudo o que pode ser feito sem muita dificuldade, tudo o que é regular (normal, rotineiro, repetitivo), tudo o que “vai bem”, que “flui”, em suma, tudo o que é suscetível de sucesso fácil tem sido confiado a autômatos (tecnológicos ou de procedimento). Mas em um mundo em que o registro da ação humana foi reduzido, de forma mortal, pelas operações técnicas, confiar a melhor parte (as ações que produzem) às máquinas é morrer antes do tempo.
A sociedade de serviços não tem se tornado o recipiente, muitas vezes lucrativo,2 sempre bastante mórbido, dessa economia de pane? Uma economia que faz que as oportunidades de encontro, intercâmbio e troca de palavras se realizem em torno do fracasso: nos balcões de serviço ao consumidor, no guichê de reclamações, no pronto-socorrodo hospital, na delegacia, ou seja, onde quer que se forneçam as soluções para colocar de volta nos trilhos de um protocolo automatizado uma situação que foge das normas, um caso difícil, um mal-entendido, aquilo que escapou por um momento. Os funcionários que trabalharam durante todo o fim de semana encontram na segunda-feira, no emprego, os náufragos do protocolo: aqueles para quem o tratamento de antibióticos não funcionou (os pacientes curados raramente retornam para cumprimentar o médico), os que perderam sua correspondência, o viajante que teve sua bagagem extraviada no aeroporto, os analfabetos que “não compreenderam direito” os termos do contrato de empréstimo ao consumidor, um inquilino que não paga o aluguel há três meses...
Marcadas com o selo do fracasso, do fiasco, da má sorte, as oportunidades que nos são dadas para “restaurar algo de humano em tudo isso” se transformam em amargura, desconfiança, queixas e protestos vazios. Sentimo-nos então quase apaziguados quando todas essas respostas, como a descarga de agressividade que acabamos de lançar no sistema de telemarketing de nosso provedor de internet, são capturadas de forma higiênica e retificadas por uma salva de boas maneiras formulada também automaticamente: “Obrigado por sua confiança, Sr. Robinson; a empresa Quesabeoquefaz lhe deseja uma boa noite!”.
A ambição de automatizar os excessos do sistema pode ser nosso novo Eldorado. Começamos a sonhar, imperceptivelmente, com coisas que poderiam funcionar “realmente bem”. De repente passamos a sentir a satisfação narcisista de nos reconhecer nesse universo de causalidades implacáveis, dissimulando cada vez menos nosso entusiasmo tecno-cool. Como dizia André Gorz, “a mente, que se torna capaz de funcionar como uma máquina, se reconhece na máquina capaz de funcionar como ela – sem perceber que na verdade a máquina não funciona como o espírito, mas apenas como o espírito que aprendeu a funcionar como uma máquina.”3
Laurent Cordonnier é economista e mestre de conferências da Universidade Lille-I. Autor de Pas de pitié pour les gueux (Nenhuma piedade para os miseráveis), Paris, Raisons d'Agir, 2000 e de L’Economie des Toambapiks, Raisons d’Agir, Paris, 2010.

Ilustração: André Dahmer

*Laurent Cordonnier, economista, é autor de A economia dos Toambapiks: uma fábula que não tem nada de ficção, Raisons d’agir, Paris, 2010.
1  Estimada entre um quarto e três quartos do Produto Interno Bruto, a autoprodução dos serviços domésticos não se reflete na contabilidade nacional, em parte porque são as mulheres que a realizam.
2  Ver Tahar ben Jelloun, “34 centavos de euro por minuto”, Le Monde, 10-11 de outubro de 2010.
3          André Gorz, Metamorfoses do trabalho: Busca de sentido, Galilée, Paris, 1988.

O governo Tarso e algumas gotas de governo Olívio






Marco Aurélio Weissheimer

Alguns leitores fizeram referência ao governo Olívio Dutra no contexto do debate sobre o Plano de Sustentabilidade Financeira apresentado pelo governo Tarso Genro à Assembleia Legislativa. Estaria faltando, segundo eles, algumas “gotas de governo Olívio” ao atual governo. A referência é interessante e oportuna, pois permite lembrar alguns episódios, no início do governo Olívio que, de certo modo, se repetem agora.

Em maio de 1999, o CPERS realizou uma acalorada assembleia geral no Ginásio Tesourinha. O governo Olívio contava, então, com cinco meses de vida e foi alvo de pesadas críticas, entre outras coisas, por não dar o aumento pretendido pelos professores e por não suspender o pagamento da dívida à União. Argumentava-se que se o governo suspendesse o pagamento da dívida poderia dar um aumento de 99,9% para os professores (não lembro bem se era exatamente esse o valor, mas a ideia era essa). Ali se configurou um bloco partidário dentro do PT que faria oposição “interna” ao longo de todo o governo. O grupo ligado à então deputada estadual Luciana Genro era um dos principais protagonistas desse movimento que contou com o apoio direto ou indireto (pelo silêncio) de outras importantes correntes petistas, formando uma indigesta mistura de esquerdismo e oportunismo.

Na assembleia em questão, chegou-se a apresentar uma proposta para o lançamento de uma campanha de outdoors apresentando os nomes e as fotos de Olívio Dutra, Miguel Rossetto (vice-governador) e Flávio Koutzii (chefe da Casa Civil) como “traidores”. A proposta, apoiada por boa parte da mesa, acabou sendo rejeitada pela maioria da assembleia.

A lembrança é oportuna, uma vez que, nos últimos dias, ouviram-se gritos semelhantes em função principalmente da proposta de Reforma da Previdência, apresentada pelo governo Tarso. O mesmo ocorreu, aliás, no início do primeiro governo Lula, também com a Reforma da Previdência. Acusações enfáticas de “traição” cruzaram os ares com muita rapidez. Nesta terça-feira, foi a vez de Raul Pont receber essa acusação de servidores que estavam nas galerias da Assembleia.

Hoje, ironicamente, alguns petistas e não petistas críticos do governo Tarso lembram com saudade do governo Olívio, sem lembrar, porém, que, naquele período, as acusações de “traição” também foram esgrimidas nos primeiros meses de governo. Algumas das vozes que denunciaram a “traição” naquele maio de 1999 saíram do PT, outras seguem no partido e ocupam hoje cargos de governo. Muitas dessas vozes iradas e enfáticas modulam o seu volume de acordo com as circunstâncias.

O tema do financiamento da Previdência Pública e do Estado é extremamente polêmico e costuma ser causa desse tipo de acusação. O governo Tarso está jogando uma cartada audaciosa, contando com a maioria política que construiu na Assembleia Legislativa, o que se tratando da história do PT no Rio Grande do Sul, é uma novidade importante. A aprovação do projeto terá um custo político sem dúvida, cuja dimensão, porém, dependerá do desempenho geral do governo em seus quatro anos. Se Tarso mantiver a Previdência Pública, se não privatizar empresas públicas, se revitalizar a democracia participativa no Estado, se conseguir recursos para fazer novos investimentos no Estado e implementar políticas sociais que beneficiem os setores mais pobres da população terá feito um bom governo.

As “gotas do governo Olívio” desejadas por alguns deveriam servir para refrescar a memória política de quem já esqueceu que aquele governo apontado, justificadamente, como uma referência para a esquerda, foi acusado de traição com cinco meses de vida, sofreu uma oposição interna dilacerante – além da externa, não menos virulenta – e que acabou derrotado numa prévia interna absurda pelo atual governador. A vida dá voltas estranhas e irônicas. Não seria nada mal que as pessoas tentassem aprender um pouco com elas. Se Lula, Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont, Miguel Rossetto e Flavio Koutzii são os “traidores” quem é que são mesmo os “heróis”???

A Universidade e as leis para a comunicação



A fundamentação existente na Ley dos Médios argentinos tem grande contribuição acadêmica e poderia servir como referência para a Universidade brasileira. Ao invés de infindáveis e insossas discussões sobre “teorias da recepção”, teríamos o pulsar da vida real das nossas sociedades.


Passou desapercebido por aqui. Não fosse a menção feita pelo jornalista Eric Nepomuceno, na revista Carta Capital, poucos ficariam sabendo que a Ley de Médios argentina está sendo implantada, apesar da oposição feroz dos grandes grupos de comunicação locais.

No noite de 21 de junho, a presidenta Cristina Kirchner apareceu em rede nacional de televisão para fazer um anúncio capaz de tirar o sono dos controladores monopolistas da radiodifusão. O governo abria, naquela data, uma licitação para a concessão de 220 novas licenças de serviço de audiovisual no país.

Como determina a lei metade dessas concessões será destinada a emissoras privadas e a outra metade dividida entre os governos estaduais, o federal e as organizações sem fins lucrativos. Fórmula encontrada para romper com oligopólio existente hoje na comunicação argentina.

Claro que a mídia comercial brasileira esconde esses avanços e quando fala da Ley de Médios argentina é para atacá-la, chegando habitualmente a taxá-la de censura, quando trata-se exatamente do oposto. Seu papel é o de permitir o acesso aos meios de comunicação de um número muito maior de atores sociais, hoje sem voz.

Mas aos que se opõem à lei interessa a omissão e a desinformação. Para isso usam uma estratégia eficiente: apropriam-se de um símbolo facilmente compreensível, como é a censura, e com ele carimbam a lei, interditando o debate de forma liminar.

A legislação argentina mereceria no Brasil estudos e debates mais sérios e aprofundados. As criticas feitas por aqui são superficiais, ecoando apenas o temor dos controladores da mídia nativa com o possível contágio da experiência vizinha.

Não é levado em conta o formidável trabalho de pesquisa realizado para se chegar ao texto final. Seus 166 artigos não caíram do céu. São resultado de um levantamento minucioso daquilo que existe de mais avançado no mundo, em termos de legislação para área das comunicações.

Dos meios comerciais não se pode esperar nada, além das críticas habituais. Os meios públicos pouco se dedicam ao tema e a internet o trata de forma esporádica. Mesmo as redes sociais, com conteúdos mais críticos, não tem como aprofundar a discussão e acabam, em determinados momentos, dialogando com os grandes meios nos mesmos níveis por eles impostos.

Resta como alternativa a Universidade, teoricamente menos sujeita às imposições externas. Mas parece que, no geral, ela não despertou ou não se interessou pelo assunto. Falo, obviamente, dos setores universitários ainda não cooptados pela grande mídia, propiciadora de cursos e eventos destinados ao conformismo e a alienação.

Fico a pensar na riqueza de um debate não só da Ley de Médios argentina, mas das experiências de democratização das comunicações que vêm sendo articuladas na Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai, por exemplo.

Ao invés de infindáveis e insossas discussões sobre “teorias da recepção”, tão ao gosto dos acadêmicos alinhados com “status quo” da comunicação, teríamos o pulsar da vida real das nossas sociedades.

A Universidade – pública ou privada – repousa sob um tripé formado pelo ensino, a pesquisa e a extensão. Um tema como o aqui proposto atenderia com desenvoltura esses três objetivos.

Colocaria o aluno em contato com a disputa que se trava no continente em torno do papel social da comunicação, deixando mais claro o cenário onde se dará, no futuro, sua atuação profissional.

Propiciaria uma ampliação no campo das pesquisas, necessitadas cada vez mais de interdisciplinaridade. O estudo da comunicação só ganha concretude quando dialoga com o Direito e as Ciências Sociais em geral.

E finalmente, a extensão se daria com a formulação de projetos e propostas capazes de contribuir para o debate político que se trava na sociedade em torno das novas leis para a comunicação.

A fundamentação existente na Ley dos Médios argentinos tem grande contribuição acadêmica e poderia servir como referência para a Universidade brasileira.

A íntegra de Lei de Meios da Argentina está disponível neste endereço: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/155000-159999/158649/norma.htm

A condenação da revista por associar coletividade muçulmana ao terrorismo

por sugestão do Stanley Burburinho

DIREITO DE RESPOSTA

Justiça condena revista Veja por associar islâmicos com terrorismo

A juíza Cláudia Maria Pereira Ravacci, da 35ª Vara Cível de São Paulo, condenou a revista Veja e a Editora Abril, pela reportagem “A rede do terror no Brasil”, publicada no dia 6 de abril deste ano. A ação, movida pela União Nacional das Entidades Islâmicas, pediu direito de resposta. A decisão é desta quinta-feira (30/6).
A revista afirma na reportagem ter tido acesso a documentos da CIA (agência de inteligência norte-americana), FBI (polícia federal norte-americana), Interpol (polícia internacional) e Polícia Federal que mostravam supostos extremistas islâmicos no Brasil. A publicação diz ainda, que essas pessoas citadas usavam o país como base de operações e aliciavam militantes.
A autora da ação, representada pelo advogado Adib Abdouni Passos, congrega 16 entidades islâmicas. O advogado , afirma na petição inicial que o conteúdo da reportagem era ofensivo e tendencioso. “De acordo com a Polícia Federal, sete organizações terroristas islâmicos operam no Brasil”, dizia o trecho extraído da revista. Para a entidade, a reportagem fere o sentimento religioso islâmico.
De acordo com a petição, houve uma audiência reservada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na Câmara dos deputados na qual o ministro da Justiça afirmou que as informações publicadas eram falsas. A União alega que no Brasil a Constituição Federal assegura a liberdade de crença e religião.
A entidade pediu que a revista fosse condenada a publicar o direito de resposta. O conteúdo, segundo a petição, deverá ocupar o mesmo espaço que a reportagem e deverá esclarecer a cultura islâmica. Segundo a entidade, o objetivo é “desvincular a ideia de terrorismo junto à fé professada pelos mulçumanos”.
“As ofensas contidas no texto impugnado causam lesão a direitos da coletividade mulçumana, dando ensejo, ao direito de resposta reivindicado”, diz Adib Abdouni Passos.

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/52069/justica+condena+revista+veja+por+associar+islamicos+com+terrorismo.shtml?utm

Região de Bagé, no RS, terá mais de R$ 4,8 milhões para Educação

A comunidade de Bagé comemorou o anúncio do secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, durante a interiorização do governo no município. Foi na manhã desta sexta-feira (1º), na Escola Municipal São Pedro, que Azevedo informou que o governo irá investir R$ 4,8 milhões na área da educação da região.

De acordo com Azevedo, serão oito escolas da região da 13ª Coordenadoria Regional da Educação (CRE) que serão beneficiadas com os investimentos em  ampliações e reformas. As escolas beneficiadas são:

Aceguá
Escola Estadual de Ensino Médio Barão de Aceguá
Ampliação: 2 salas de aula e 3 sanitários - R$ 158.396,10

Bagé
Escola Estadual Ensino Médio Frei Plácido
Reforma do telhado e rede elétrica – R$ 241.664,90

Caçapava do Sul
Instituto Estadual Educacional Dinarte Ribeiro
Prevenção de incêndio – R$ 40.384,77

Caçapava do Sul
Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora da Assunção
Reforma do telhado, substituição de aberturas, rede elétrica, hidrossanitária pintura R$ 496.707.26

Candiota
Escola Estadual Ensino Fundamental Oito de Agosto
Reforma de cercamento – R$ 199,11$ 204.

Dom Pedrito
Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Heloisa Louzada – Construção de muro, e reforma dos revestimentos, cobertura, pavimentações, esquadrias, pintura, instalações hidrossanitárias e elétricas - R$ 405.646,69

Lavras do Sul
Escola Estadual de 1º Grau Licínio Cardoso
Construção – R$ 47.047,46

Hulha Negra
Escola Estadual de Ensino Médio Manoel Lucas de Oliveira
Reforma de recuperação da cobertura, pavimentação, revestimento, esquadrias, pintura, instalação hidrossanitárias e elétricas – R$ 198.381,97

Modernização tecnológica
Em homenagem à história da cidade, que tinha o Forte de Santa Tecla localizado às margens do rio Negro, próximo à foz do rio Piraízinho, atual município de Bagé, Azevedo também fez o lançamento do Projeto Santa Tecla. A ação é um desdobramento do projeto estadual Província de São Pedro. A proposta para a região de Bagé prevê R$ 3.089.745,24, e será implantado em 15 escolas estaduais de Bagé, atendendo 5.675 alunos e 875 professores. “Nosso projeto de governo é transformador e busca integrar a nova era da cultura digital ao programa de desenvolvimento do Rio Grande do Sul”, declarou.

Azevedo explica que a perspectiva é fomentar a inclusão digital na rede municipal e estadual do município de Bagé. Para viabilizar esta ação, foi assinado um Termo de Cooperação Técnica entre Secretarias da Educação, de Comunicação, de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico e Prefeitura Municipal de Bagé.

O Província de São Pedro terá investimento total de R$ 80 milhões, para a compra de 160 mil computadores, infraestrutura e formação docente de dois anos. Serão beneficiadas 278 escolas, 10.500 professores e 139 mil alunos, dos municípios da Fronteira e Região Metropolitana.

Também foi assinado o Protocolo de Intenções da Secretaria da Educação com as universidades da região. O objetivo é promover a formação pedagógica na perspectiva de fomentar a educação de qualidade social. Assinaram o termo a UNIPAMPA, UFRGS e URCAMP.

Agenda da tarde
 
À tarde, o secretário da Educação abre o evento de sua pasta, às 14h, no CTG Prenda Minha. Ele apresentará as políticas da Seduc. Após, os presentes conhecerão o Comitê de Prevenção à Violência nas escolas, apresentado pelo coordenador estadual do Comitê, Alejandro Jélvez. A presidente estadual do Cedica, Márcia Herbetz, falará sobre a importância das redes para a proteção da criança e do adolescente, e o secretário em exercício da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, Miguel Velásquez, discorrerá sobre o papel e responsabilidades dos atores sociais para o enfrentamento e prevenção a várias formas de violência.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para entender Stalin e o “stalinismo”


Por Marcos Aurélio da Silva no GRABOIS
 
A publicística brasileira, e não só aquela à direita do espectro político, acostumou-se a se referir a Stalin como um dos grandes assassinos da história. A julgar pelo livro de Domenico Losurdo agora publicado entre nós, Stalin: história crítica de uma lenda negra, tradução de Jaime Clasen, Rio de Janeiro: Revan, 2010, 378 págs. (com um ensaio de Luciano Canfora), este ponto de vista está a demandar uma profunda revisão. Isso se se quiser não apenas refletir sobre o uso político a que a figura de Stalin serviu no Ocidente capitalista, mas igualmente atentar para o que de mais atual há na historiografia que se acercou do tema do “stalinismo”.
De fato, se o que se esperava da abertura dos arquivos da ex-União Soviética era um mar de fatos que tornariam ainda mais abomináveis a história do líder comunista, bem como do regime que ajudou a construir, o livro de Losurdo, apoiado nas mais recentes pesquisas, vem pôr por terra tais expectativas. Veja-se, por exemplo, o caso das “execuções” de Stalin ao cabo dos anos 30, já bem avançada a fase da coletivização forçada da agricultura. Demonstram as citadas pesquisas que elas não alcançavam mais de 1/10 do que se dizia: é que os ideólogos do anticomunismo, acrescenta o ensaio de Canfora, a elas aduziram os milhões de mortos da II Guerra Mundial.

Vê-se como, a partir de um tal embuste, se logra associar, para consumo de incautos, Stalin a Hitler, operação a que se entregou mesmo uma autora como Hannah Arendt, que tendo elogiado a União Soviética de Stalin no imediato pós II Guerra, termina por abraçar a idéia da associação entre comunismo e nazifascismo − ambos totalitários, sustentou. Na verdade, uma tese cara não só à ideologia da Guerra Fria, mas do próprio ponto de vista fascista, insiste Losurdo, remetendo a uma citação de Thomas Mann: “Colocar no mesmo plano moral o comunismo e o nazifascismo, como sendo ambos totalitários, no melhor dos casos é superficialidade, no pior dos casos é fascismo. Quem insiste nesta equiparação pode bem considerar-se democrático, mas na verdade e no fundo do coração já é... fascista...”.

Ora, a título de uma comparação apenas empírica, não é questão de somenos opor as condições das prisões soviéticas àquelas dos campos de concentração nazistas. Abundantes relatos demonstram que no país comunista grassavam boas condições de vida – aliás, de algum modo confirmando observação da própria Arendt, que notou não haver campos de extermínio na URSS. É exemplo o presídio moscovita de Butirka, que em 1921 permitia que “os prisioneiros saíssem livremente da prisão”, organizassem “sessões de ginástica matutina”, formassem “uma orquestra e um coro,... um círculo com revistas estrangeiras e uma boa biblioteca”. Ou ainda, no início dos anos 30, em plena virada staliniana, o exemplo das colônias penais do extremo norte, que contavam com investimentos na construção de hospitais, treinamento “a alguns detidos para a profissão de farmacêutico e enfermeiro”, edificação de “empresas agrícolas coletivas” para “suprir as necessidades alimentares”, e até escolas de formação técnica, para ex-Kulaks “analfabetos ou semi-analfabetos”.

Por certo, em cada um dos casos, não é sem sentido falar de um espírito de reabilitação, donde as tantas iniciativas inspiradas nas idéias de Gorki, como a abertura “de salas cinematográficas e círculos de discussão” e mesmo o pagamento “de um salário regular aos prisioneiros”. E, se há tragédias conhecidas, como a dos exilados da ilha de Nazino (Sibéria ocidental) em 1933, marcados pela fome, o que os fez se alimentarem de cadáveres, não decorrem elas de uma vontade homicida como quer fazer crer a militância anticomunista, mas antes “da falta de programação”.

Insistindo ainda nas comparações, Losurdo lembra como um autor caro a Hitler, o angloalemão Houston S. Chamberlein, sabia muito bem diferir socialismo e nazismo, o primeiro filho “das idéias de confraternização universal do século XVIII”, de “origem comum e da unidade do gênero humano”, o segundo do século XIX, o “século das colônias” e das “raças”, cujo “mérito” teria sido o de refutar a mitologia da origem comum e da unidade do gênero humano a qual se apegavam os socialistas. Com efeito, e até para não cair-se no engano de pôr na conta da psicopatologia de Hitler as infâmias do nazismo (tendência observada em Roosevelt, nota o autor), é preciso entender que o Füher tomou do mundo preexistente a ele, o mundo dos impérios coloniais do século XIX, dois elementos centrais, agora levados à radicalização: a) a missão colonizadora da raça branca do Ocidente; b) a leitura da Revolução de Outubro como um complô judeu-bolchevique que estimulava a revolta dos povos coloniais e minava a hierarquia natural das raças. (Aliás, aqui se compreende bem o porquê da implacável perseguição aos comunistas  “arrancaremos de todo livro a palavra marxismo”, diz Hermann W. Göring, ministro do interior e segundo homem do regime : são os últimos a pôr em questão o projeto imperial e racial do III Reich)

Quanta diferença, pois, entre o Hitler que chama o povo russo de “animais ferozes” – Stalin seria um ser proveniente dos “infernos”, confirmando o caráter “satânico” do bolchevismo − e diz ser destino do povo ucraniano, como todos os povos subjugados, ficar à devida distância da cultura e da instrução, inclusive sem saber “ler e escrever”, e o Stalin que, posto diante da miséria extrema legada ao povo pelo czarismo, se põe à tarefa da elevação do nível de vida e da emancipação geral de todos os soviéticos. São exemplos, já em meados dos anos 30, o desenvolvimento de nações até então marginalizadas, por meio de ações afirmativas, a equiparação dos direitos jurídicos entre homem e mulher, o surgimento de sólido sistema de proteção social com pensões, assistência médica, proteção das grávidas, abonos familiares, o desenvolvimento da educação e da esfera intelectual em seu conjunto, com a extensão de uma rede de bibliotecas e salas de leitura e a difusão do gosto pelas artes e poesia. Além de importante expansão e modernização da vida urbana, com a construção de novas cidades e a reconstrução das velhas.

Responde por essa grande transformação operada pelo país saído da revolução, certamente, a grande popularidade de que desfrutou Stalin, continuada mesmo após o biênio do Grande Terror (1937-1938), o que não se explica simplesmente pela censura e repressão de Estado, acentua Losurdo, mas pelas chances de promoção social existentes. Basta lembrar a ascensão dos stakanovistas, tornados diretores de fábricas, bem como a ampla mobilidade vertical observada no exército. Aliás, conhecendo o progresso social da Rússia soviética, vem a tempo notar que Stalin assinala ser o regime de Hitler, com seu pisoteio sobre o direito dos intelectuais, dos operários, dos povos, com o desencadeamento dos pogroms medievais contra judeus – os ataques populares de violência −, uma cópia do reacionário regime czarista.

Sabemos que a retórica que associa o movimento vitorioso em Outubro de 1917 e o nazismo aparece também nas referências ao “pacto” de não agressão firmado com a Alemanha hitlerista em agosto de 1939 – o “pacto” Molotv-Ribbentrop. Ora, não sendo puro ardil anticomunista, sustentar este ponto de vista é não conhecer minimamente a geopolítica que precedeu a II Grande Guerra, ou mesmo todo o contexto geopolítico que se abre com a Revolução de 1917.

De fato, assinala Canfora, de algum modo o “pacto” está em linha com a política de relações internacionais da URSS aberta por Lenin – e ao lado do qual se colocou Stalin − através da paz de Brest-Litovsk, assinada com a Alemanha em 1918, qual seja, a de que “os imperialistas se massacram entre eles, nós ficamos de fora e nos fortalecemos”. Por outro lado, terminada a I Guerra, a política de frentes – ou grandes alianças democráticas − a qual se entregou o país comunista, aprovada no III (1921) e IV (1922) Congresso do Komintern, viu-se constantemente sabotada por França e Inglaterra (mas também – e com alguma razão − pela oposição trotskista nas colônias). Já em 1925 o primeiro país se aproxima da Alemanha através do tratado de Locarno (Suíça), isolando a URSS, ao passo que em 1926 é a vez da Grã-Bretanha romper relações comerciais e diplomáticas com o país comunista, convidando a França a fazer o mesmo. E, às vésperas da Guerra, os dois países, já tendo abandonado a República espanhola − ajudada militarmente apenas pelos soviéticos e pelas brigadas internacionais –, que caía ante o fascismo, se desinteressam por um acordo com a URSS contra a Alemanha. Além disso, desde o golpe de Estado do fascista Pilsudki em 1926, a Polônia apresentava-se como um inimigo declarado da URSS − notadamente empenhada em retirar-lhe a Ucrânia −, sendo que desde 1934 está abertamente subordinada à política alemã. Enquanto a leste o Japão era uma ameaça real, aliás contida na medida em que o “pacto” permitiu aos soviéticos enviar armas e munições para que a China se protegesse do país nipônico – até Pearl Harbor abastecido em petróleo e gasolina pelos EUA, vale notar −, como observou Mao Zedond.

Posto o quadro acima, difícil dizer, como sustenta o artigo de Canfora, que o “pacto” não fosse, e a despeito de continuar o pragmatismo iniciado em Brest, uma forma de ganhar tempo para “preparar-se” melhor. A tese, aliás, é cara a Trotski e Kruchiov, a quem Canfora parece seguir também quanto ao despreparo das linhas soviéticas. Mas como não aceitá-la sabendo que Stalin tinha bem presente a análise que fez o general Foch pouco depois da assinatura do Tratado de Versalhes, o Tratado que “pôs” fim a I Guerra Mundial? Qual seja, a de que não se tratava da paz, mas “apenas de um armistício por vinte anos”. Quanto às linhas soviéticas, é preciso ater-se à geografia. De fato, a despeito das enormes dimensões do Exército Vermelho, o sucesso inicial das unidades alemãs se beneficiou da ampla extensão do front (1800 milhas) e da escassez dos obstáculos naturais  além das cidades muito distanciadas entre si, e para as quais convergiam estradas e ferrovias, o que deixava ao inimigo inúmeras alternativas de infiltração.

Mas tratar da luta contra o nazifascismo é, também, para Losurdo, extrair uma periodização que explique a era Stalin − ou mesmo toda a história russa. Com efeito, seria ela a da conclusão de um segundo grande período de desordem da história russa. O primeiro deles, que compreende o século XVII, encerrara-se com a subida de Pedro O Grande ao trono (1689). Já o segundo tem início com a I Guerra Mundial, seguindo até o reforço do poder de Stalin e a aceleração da industrialização pesada do final dos anos 20 que ele levou a efeito, bem como a “ocidentalização” que lhe corresponde.

Ora, para Losurdo, a marca desse segundo período não é a de um regime totalitário, mas, antes, a de um estado de exceção, ou uma ditadura desenvolvimentista. Esta responde a uma guerra civil prolongada, cujo início foi a luta contra o czarismo e as potências aliadas entre 1914 e fevereiro de 1917, mas que segue na vitória sobre os mencheviques em outubro de 1917 e com as divergências dentro do grupo dirigente bolchevique após a morte de Lenin. Tudo no contexto de uma crescente hostilidade internacional, ou do perigo iminente, para lembrar uma noção do filosofo estadunidense Michael Walzer, que Losurdo utiliza − não sem uma certa restrição, deve-se notar − para dar conta do universo concentracionário da era Stalin. Daí poder-se compreender, pois, as seguidas ações insurrecionais  como a tentativa de golpe feita por Trotski durante o desfile pelo décimo aniversário da revolução  as tramas em ambientes militares  como as que parecem ter atraído o general Tukatchevski  ou ainda os muitos assassinatos  como o que vitimou Kirov, aliás hoje já não atribuível a Stalin. A propósito, se se trata de falar dos processos de Moscou, o novo material que a abertura dos arquivos russos tornou disponível tem permitido concluir que eles “não foram um crime sem motivo e a sangue frio, mas a reação de Stalin durante uma aguda luta política”.

Antes que se diga que o livro é pura apologia do socialismo à moda soviética, ou uma hagiografia de Stalin, bom notar a crítica teórica a que ele submete alguns dos fundamentos do marxismo-leninismo ou, para dizer mais corretamente, do marxismo em todo o seu conjunto. No fundamental, Losurdo debruça-se aqui sobre a dificuldade deste quanto a desapegar-se do universalismo abstrato. É a partir daqui, anota, que emergem os tantos problemas com que se deparou a construção da nova sociedade em esferas como o mercado e o dinheiro, o Estado, a nação, a norma jurídica, a família. No fundo, tratou-se da dificuldade, tão comum no âmbito das esquerdas, em passar do universal ao particular. Ora, o curioso é que aqui, a necessidade de dar soluções a questões muito concretas, fez de Stalin o que logrou esboçar importantes avanços − e isso, vale notar, se aproximando de teóricos que, no mais das vezes, são chamados para criticá-lo (Gramsci, Hegel, o próprio Marx) −, conquanto mesmo ele tenha ficado a meio caminho.

Veja-se a questão do mercado e do dinheiro. Enquanto o campeão do reformismo, Karl Kautsky, já em 1918, se entrega à crítica da permanência da produção de mercadorias e da propriedade privada da terra – a cargo dos intelectuais e do proletariado, segundo ele −, num tom que nada o distingue, por exemplo, da crítica extremista de Trotski à NEP − que fala de restauração do capitalismo sob o comando de uma burocracia para apelar à supressão do dinheiro e de qualquer forma de mercado –, Stalin, em relatório de 1934 ao XVII Congresso do PCUS, insiste na necessidade de se prevenir contra “as fofocas esquerdistas..., segundo as quais o comércio soviético seria um estágio ultrapassado e o dinheiro deveria ser logo abolido”. Ora, no lugar de um mercado ou uma economia monetária em geral, trata-se aqui da “construção de um sistema determinado de produção e distribuição da riqueza social”.

Aliás, do anterior decorre outra questão não menos importante, e nem sempre bem compreendida, qual seja, a das diferenças de rendimento no socialismo. Stalin tem bem presente, adverte Losurdo, a referência de Marx no Manifesto quanto à ilusão de que o socialismo seria o reino de um “ascetismo universal” e do “igualitarismo grosseiro”: “O nivelamento no campo das necessidades e da vida pessoal é um absurdo pequeno-burguês digno de qualquer seita primitiva de asceta, não de uma sociedade socialista organizada no espírito marxista, porque não se pode exigir que todos os homens tenham necessidades e gostos iguais... Por nivelamento, o marxismo entende não já o nivelamento no campo das necessidades pessoais e condições de vida, mas a destruição das classes”, afirma. De fato, estamos diante da aporia posta por Hegel na Fenomenologia do Espírito, segundo a qual “uma satisfação igual das necessidades diferentes dos indivíduos” leva a “uma desigualdade em relação... à distribuição dos bens’” (à quota de participação), ao passo que “uma ´distribuição igual` dos bens... torna desigual... a ´satisfação das necessidades`”. Aporia a qual Marx fez corresponder, respectivamente, as etapas socialista e comunista da divisão do trabalho, sendo que na última delas, o estágio alcançado pelas forças produtivas torna sem importância a desigualdade  que está sempre presente, pois.

Questão semelhante se põe quanto ao Estado e a nação. Enquanto Trotski, radicalizando o universalismo abstrato, acusa a construção do socialismo na Rússia de nacional-reformista, Stalin irá sublinhar a necessidade de ligar “um nacionalismo sadio, corretamente entendido, com o internacionalismo proletário”, uma advertência que em tudo lembra a distinção de Gramsci entre cosmopolitismo e internacionalismo, o último devendo saber “ser ao mesmo tempo ´profundamente nacional’”. Ora, Stalin tem presente que a luta de classe se configura agora como o compromisso de desenvolver economicamente e tecnologicamente o socialismo na URSS, que assim daria sua contribuição à causa internacionalista da emancipação. Fato ainda mais relevante quando se tratou de resistir aos “planos de escravização do imperialismo nazista”, o que significa dizer que “a marcha da universalidade passava através das lutas concretas e particulares dos povos decididos a não se deixar reduzir à condição de escravos ao serviço do povo hitleriano dos senhores”.

Mas não se trata apenas de uma determinada conjuntura. A questão parece atravessar mesmo todo o problema das transições, como o demonstram as referências às reflexões do idealismo alemão acerca da Revolução Francesa. Kant alertou, destaca Losurdo, quanto a uma “universalidade excessivamente extensa”, afirmando que “o apego ao próprio país” deve conciliar-se com “a inclinação a promover o bem do mundo inteiro”. E Hegel, desenvolvendo a mesma linha de pensamento, celebra “como uma grande conquista histórica a elaboração do conceito universal de homem (titular de direitos ‘enquanto homem e não enquanto judeu, católico, protestante, alemão, italiano, etc.’)” sem, todavia, deixar de acrescentar que esta celebração “não deve desembocar no ‘cosmopolitismo’ e na indiferença ou oposição com respeito à ‘vida estatal concreta’ do país do qual se é cidadão”.

Ora, mas a questão do Estado e da nação é também a questão das relações entre democracia e socialismo. Uma questão a qual não descuidou Lenin, lembra o autor remetendo-nos a uma passagem do líder bolchevique: “quem quiser caminhar para o socialismo por um caminho que não seja a democracia política, chegará inevitavelmente a conclusões absurdas e reacionárias, tanto do ponto de vista econômico como político”. Mas de que modo o universalismo abstrato de que acima se falou teve aqui também seus efeitos?

O apego à tese da extinção do Estado, eis o ponto problemático, acusa Losurdo. Com efeito, fortemente influenciados pelo anarquismo, diferentes revolucionários se entregaram à crítica acerba de toda a forma de poder − incluindo o desprezo ao “parlamento, aos sindicatos, aos partidos, às vezes até ao partido comunista, ele mesmo afetado pelo princípio da representação e, portanto, pelo flagelo da burocracia”. Trotski é o expoente máximo dessa crítica, sabemos, mas ela afeta a todos  sendo mesmo ele, por exemplo, ao lado de Lenin, objeto de rejeição por Alexandra Kollontai nos primeiros anos da Rússia soviética. Aliás, lembra o autor, antes de insistir, em Melhor menos, mas melhor, na tarefa de “edificação do Estado”, do “trabalho administrativo”, para o qual dever-se-ia contar com “os melhores modelos da Europa ocidental”, mesmo Lenin, em O Estado e a revolução, defende necessitar a fase pós revolucionária “unicamente de um Estado em vias de extinção”.

É a Constituição de 1936 que inicia um rompimento com este messianismo − segundo o qual “´o direito é ópio para o povo` e ´a idéia de constituição é uma idéia burguesa`” −, assinala Losurdo. E é Stalin que sublinha não se contentar esta Constituição apenas “em fixar os direitos formais dos cidadãos”, antes logrando deslocar “o centro de gravidade para a garantia desses direitos, para os meios de exercício desses direitos”, entre eles a “aplicação do sufrágio universal, direto e igual, como escrutínio secreto” (o que para Trotski não passava da reaparição de uma instituição burguesa). E, ainda em 1938, convocando a que não se transformasse a lição de Marx e Engels “num dogma e numa escolástica vazia”, elabora que, entre as funções do Estado socialista, “além daquelas tradicionais de defesa do inimigo de classe no plano interno e internacional”, está a função do “trabalho de organização econômica e o trabalho cultural e educativo dos órgãos” do Estado. Isto com a “finalidade de desenvolver os germes da economia nova, socialista, e de reeducar os homens no espírito do socialismo”, devendo mesmo a “função de repressão” ser “substituída pela função de salvaguarda da propriedade socialista contra os ladrões e os dissipadores do patrimônio do povo”.

Certamente, estas declarações estão em contradição com o Grande Terror e a dilatação do Gulag do final dos anos 30. Não obstante, se a ditadura do proletariado, como fixou Lenin em O Estado e a Revolução, é o poder que não se vincula a nenhuma lei, Stalin, no imediato pós II Guerra, declara que Bulgária e Polônia podem “realizar o socialismo de modo novo, sem a ditadura do proletariado”, e que mesmo na URSS, se “não tivéssemos tido a guerra, a ditadura do proletariado teria tomado um caráter diferente.” Algo esboçado após a vitória sobre os Kulaks, como se pode ver na rejeição das emendas à Constituição que queriam “privar dos direitos eleitorais os ministros do culto, os ex-guardas brancos, todos os ´ex` e as pessoas que não desempenham um trabalho de utilidade pública”, bem como a rejeição da proposta de “proibir as cerimônias religiosas.”

Sem dúvida, insiste Losurdo, toda a teorização em torno das funções do Estado, “em si uma novidade essencial”, ficou a meio caminho. Se Stalin fala da conservação do Estado na fase comunista, o faz ainda condicionada ao “cerco capitalista”, ao “perigo de agressões armadas do exterior” (mesmo a questão da língua nacional, onde deu enorme contribuição, insistindo diferir ela “de maneira radical de uma superestrutura”, já que não criada “por uma classe qualquer, mas pela sociedade inteira”, é ainda pensada como sujeita a extinção nesta fase). Ora, é aqui que, para Losurdo, se impõe uma valorização de Hegel. Mais precisamente do Hegel que falou de aprendizagem de governo ao se debruçar sobre a Revolução Francesa e sua congênere inglesa do século XVII  no fundamental, do Hegel que falou da necessidade dialética de dar “conteúdo concreto e particular à universalidade, pondo fim à perseguição louca da universalidade nas suas imediatez e pureza”.

Eis aqui também a raíz da tragédia que foi o Grande Terror de 1937-38, ou da coletivização forçada da agricultura ao cabo dos anos 20 − e para a qual contou mesmo o messianismo de parcela não desprezível da população, saudosa do igualitarismo da fase do comunismo de guerra −, raiz, enfim, da dificuldade de avançar em direção à democracia socialista. Lições, aliás, inescapáveis se se quiser entender a evolução dos países socialistas que aí estão (China, Vietnã), empenhados na construção tanto de uma neo-NEP, com o objetivo maior de desenvolver as forças produtivas nacionais, quanto de todo um conjunto de regramento jurídico que só muito forçosamente pode ser interpretado como simples democratização formal. Uma evolução, diga-se, que em nada lembra a apostasia gorbachoviana − bem demonstrada no ensaio de Canfora −, como gostam de fazer crer não só os mais messiânicos no interior da esquerda, mas a própria direita, sempre pronta a decretar a morte do socialismo.

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Marcos Aurélio da Silva é Prof. dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da UFSC.

Categoria reelege diretoria do CPERS/Sindicato


A comissão eleitoral estadual declarou na noite de quarta-feira 29 que a chapa 1 - Em frente: para manter e conquistar, liderada por Rejane de Oliveira, venceu a eleição para a direção central do CPERS/Sindicato.

Até as 9h desta quinta-feira 30, a chapa vencedora contabilizava 54,65% dos votos válidos (18.049), contra 36,61% da chapa 2 - Unidos pela Educação (12.141), representada por Simone Goldschmidt, e 8,74% da chapa 3 - Muda Cpers: educação já (2.878), liderada por Luiz Afonso Escobar Medeiros.

Os números finais deverão ser divulgados até o final da tarde desta quinta.

Até as 9h desta quinta, 33.799 votos tinham sido computados de um total de 83.644 sócios habilitados para votar. Das 1.474 urnas disponibilizadas para a votação, 1.178 já foram contabilizadas, o que totaliza até o momento 79,92%.
A presidente reeleita credita a vitória ao reconhecimento da categoria ao trabalho realizado pela atual gestão. Os trabalhadores reconhecem na direção a autonomia e independência em relação a governos e partidos.
Entre as metas da direção reeleita está a implementação imediata do piso nacional para professores e funcionários de escola. O governo Tarso deve garantir o piso com a mesma agilidade demonstrada na hora de retirar direitos como aconteceu com  a reforma da previdência.

A categoria também lutará contra qualquer tentativa mascarada de implantar a meritocracia no ensino público do estado e por efetivas melhorias na infraestrutura e nas condições de trabalho nas escolas, com laboratórios e bibliotecas em pleno funcionamento, fim das escolas de lata e realização de concursos para professores e funcionários.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Esteban Volkov, neto de Trotsky, rival de Stalin

Esteban Volkov é calvo, grisalho, magro, tem grandes olhos azuis. Não chega a 1,80 m de altura. Mas, na aparência, é a ausência do espesso cavanhaque e dos óculos redondos de lentes pequenas que mais o distancia de seu avô, Leon Trotsky.

O neto do revolucionário bolchevique fez em junho sua segunda visita ao Brasil a convite da Editora e Livraria Marxista, e ficou dez dias no país para participar de debates e palestras em São Paulo, Sumaré, Santa Catarina e Recife. Horas antes de embarcar de volta para a Cidade do México, onde reside, recebeu a reportagem do Opera Mundi no jardim do hotel Boulevard, centro de São Paulo, onde ficou hospedado.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Esteban frustra aqueles que procuram saber algo sobre ele, um sorridente ucraniano de 85 anos, químico aposentado, sobrevivente de um fuzilamento. Também evita temas da atualidade. Quase monotemático, suas respostas sobre os mais diferentes assuntos conduzem a conversa para o único tema que parece, de fato, comovê-lo: o papel de seu avô na história e a rivalidade de Trotsky e Stalin. Suas palavras batem, rebatem e acabam chegando aos nomes de Lev Davidóvitch Trotsky e Josef Vissarionovitch Djugashvíli.

Feita a primeira pergunta – que nenhuma relação tinha com o histórico embate entre os líderes da Revolução Russa –, Esteban subiu numa espécie de palanque imaginário e deu início a seu discurso: “Meu papel essencial é restabelecer a verdade histórica, resgatar inúmeros capítulos que foram falsificados.”

Disputas

Stalin, ao lado de Vladimir Lenin e de Trotsky, foi um dos líderes da revolução que implantou o socialismo na Rússia em 1917. Com a morte de Lenin (1924), Stalin começou a consolidar seu poder, isolando seus opositores, inclusive Trotsky, que aos poucos se tornou um de seus principais inimigos e foi banido da URSS em 1929. Exilou-se na Turquia até 1933, na França até 1935 e depois na Noruega até 1937, quando foi para o México.

Em 1931, Esteban e a mãe, Sidaína, filha do primeiro casamento de Trotsky, foram autorizados a ir para o exílio. Ela não teve, no entanto, autorização para levar a filha mais velha, Alexandra Moglina, de oito anos, que continuou vivendo na União Soviética. Em 1933, Sidaína se suicidou em Berlim. Então, em 1936, aos 11 anos, Esteban foi viver com o avô e com sua segunda esposa, Natália, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. Ele não tem lembranças de seu pai, Platon Volkov, um militante trotskista, preso quando o filho tinha apenas dois anos e que terminou assassinado em 1936 em um campo de prisioneiros soviético.

Stalin governou a URSS até morrer, em 1953. E, ainda hoje, ele aparece como inimigo número um do neto de Trotsky: “O trabalho de Stalin foi desvirtuar os fatos, enganar. A perversidade com que eliminou seus oposicionistas, reais e imaginários. Infelizmente, o sistema capitalista se vale de suas medidas para macular o socialismo”, afirmou Esteban.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Apesar das inúmeras acusações feitas a Stalin, ele nega ter “ódio” daqueles que, mesmo com a queda do bloco socialista, seguem admirando o líder que esteve à frente da URSS por quase 30 anos. Com humor, ele comentou um dos motivos pelos quais alguns grupos trotskistas são frequentemente criticados: o sectarismo. “Há diferentes grupos”, admite. “Mas a política é bastante complexa. Olhando para o futuro, as estratégias, abrem-se diferentes caminhos. Eu não vejo [as divisões] de uma forma negativa, são como uma tempestade de ideias. É bom que se abram muitos caminhos”, completou.

O avô revolucionário

Esteban conviveu um ano e meio no exílio com Trotsky. Ele relata que a casa onde moravam estava sempre cheia de amigos, que seu avô era uma pessoa “muito calorosa”, com apreço pelas discussões, e que passava muito tempo estudando ou escrevendo sobre política. “Éramos uma grande família. Meu avô era uma espécie de patriarca. A minha relação com ele não era política, não falávamos de política”, disse. 
Já no exílio, a primeira ameaça concreta chegou às quatro horas da madrugada do dia 24 de maio de 1940. Esteban acordou com tiros. A casa estava sendo invadida por homens armados. “Foi Natália que lhe salvou a vida. Trotsky estava dormindo porque tomava remédio para insônia e ela o empurrou para um canto do quarto, que estava muito escuro. A escuridão simulava os corpos entre lençóis e almofadas. Se houvesse um pequeno foco de luz...”. Ele levou dois tiros no pé. Ao todo, foram feitos 200 disparos.

O quarto de Esteban, hoje parte do pequeno museu Trotsky, ainda tem as marcas de tiro na parede. Os livros do avô continuam na estante, assim como algumas peças pessoais – toalhas, roupão, remédios, chinelos –, o que faz o charme de um espaço relativamente abandonado, se comparado com os museus em homenagem aos pintores Diego Rivera e Frida Kahlo, que também estão nas redondezas.

No dia 20 de agosto daquele mesmo ano, Jacques Mornard (codinome sob o qual atuava o espanhol Jaime Ramón Mercader) entrou nesta casa em Coyacán e deu, pelas costas, um violento golpe na cabeça de Trotsky, com uma picareta de alpinista.

“Cheguei da escola à tarde e percebi um movimento estranho na casa, no final da rua. Carros da polícia, a porta aberta. As tardes eram muito tranquilas. Desci a rua já angustiado porque sabia que alguma coisa tinha acontecido. Quando entrei, vi um homem golpeado, imobilizado pelos guardas. Na porta da cozinha, ele com a cabeça machucada e cara encoberta de sangue, Natália ao seu lado”, descreveu.

“Os guardas seguraram Jacques como se fossem matá-lo", mas Trotsky afirmou, segundo o relato dos jornais da época: “Não o matem, façam esse homem falar.” Trotsky foi levado ao hospital ainda lúcido, mas entrou em coma logo depois e morreu no dia seguinte.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Setenta e um anos depois da morte de Trotsky, Esteban é o único familiar vivo que testemunhou o crime. “Uma testemunha histórica”, ele mesmo se define, que não se cansa de repetir: em cinco dias, essa mesma narrativa foi contada pelo neto de Trotsky pelo menos cinco vezes.

Vida sem Trotsky

Após o assassinato de Trotsky, Esteban e Natália, a quem se refere como “avó política”, continuaram vivendo na mesma casa. “Num primeiro momento, foi um vazio muito grande, ele era uma figura paterna para mim. Durante um tempo, eu sonhava que o avô não estava morto, estava debaixo da casa, num sótão. Houve uma repetição de sonhos”, contou.

Natália faleceu em 1961, de causas naturais. Esteban se casou, teve quatro filhas e morou no mesmo lugar, onde hoje funciona o museu que leva o nome do avô, do qual ele é curador. Em 1989, foi à Rússia para encontrar sua meia-irmã, Alexandra, que não havia partido com sua mãe para o exílio. Doente terminal de câncer, ela morreu três meses depois. “Muita gente comenta 'sua vida é uma tragédia'. Mas centenas de pessoas na Europa tiveram uma vida muito pior que a minha, muito mais sofrida que a minha”, afirmou.

Esteban trabalhou em diferentes laboratórios, teve uma pequena empresa, estudou fotografia como hobby e sempre passou longe da política. Hoje, sua rotina parece tranquila: aposentado, dedica-se a ler e escrever artigos, especialmente sobre o avô.

Sempre que se fala o nome Esteban Volkov, junto surge um aposto quase que obrigatório – neto de Trotsky (como, aliás, no título deste perfil). Ele não se incomoda em ser lembrado assim, mas deixa claro que nunca quis viver à sombra do avô, uma das razões para se afastar da política: “[Ficaria difícil] tendo uma figura como meu avô, que foi um gênio, extraordinário, com muito conhecimento sobre a teoria marxista.”

Nem Cuba, números de mortos pelo narcotráfico no México ou o governo de Barack Obama são temas capazes de lhe arrancar comentários. Sobre o Brasil, porém, faz questão de registrar sua opinião: “Gosto muito do Brasil, um país muito lindo, diversificado, com uma mistura muito bonita.”

Elis Regina – O Bem do Amor (1963)

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Créditos: UmQueTenha

O “PacoTarso” e o debate sobre o novo papel do Estado

Editorial do sul21

Tradicionalmente alinhada entre os setores mais radicais no interior do PT, a corrente Democracia Socialista (DS) “rachou” na votação do “Pacotarso”: uma parcela defendeu e forneceu votos para a aprovação da reforma proposta pelo governo e outra combateu os projetos, fez passeatas, pressionou e vaiou os deputados favoráveis às mudanças. De um lado o deputado Raul Pont, líder máximo da corrente, a favor das reformas. De outro lado, a presidente do CPERS, Rejane de Oliveira, ligada à DS, associada às lideranças do Sindifisco e da Ajuris, contra as reformas.
A DS adota, ainda hoje, uma forma atenuada de “centralismo democrático” e sempre se empenhou na manutenção de sua unidade interna. Este foi seu primeiro grande desentendimento público.
Entender a cizânia que se estabeleceu e que aflorou no plenário da Assembléia Legislativa na terça-feira (28) exige que se entendam antes as diferentes concepções de Estado e de defesa de interesses que afloraram e se enfrentaram durante a discussão e a votação do “Pacotarso”. De um lado, os que, certos ou errados, defendem o interesse geral e entendem que o Estado e seu aparato jurídico-político, por ser um espaço público de enfrentamento de forças sociais e políticas com interesses diferenciados, deve ser o veículo de equalização de direitos e deveres de todos os segmentos e categoriais sociais. De outro lado, os que, certos ou errados, defendem os interesses de categorias e segmentos sociais específicos e entendem que o Estado, por ser a expressão da força de uma classe dominante e com interesse próprio, defende apenas os direitos desta classe social e que, por este motivo, deve ser enfrentado.
Hoje, encontram-se na DS integrantes tanto do núcleo de poder do governo do Estado do Rio Grande do Sul, que propôs e defende as reformas na atual estrutura do Estado, quanto da direção dos sindicatos profissionais que se julgam prejudicados pelas reformas. As alianças realizadas por uns e por outros no presente episódio extrapolaram suas antigas fidelidades ideológicas.
A pergunta que precisa ser respondida por todos, entretanto, sejam eles governantes, sindicalistas ou simples cidadãos, ligados ou não à DS e às demais correntes petistas ou a quaisquer outros partidos políticos, diz respeito à melhor concepção de Estado e de defesa de interesses.
Parece claro que em uma sociedade com o grau de complexidade e de democracia já alcançado no Brasil não cabe mais a visão do Estado como o lócus de representação dos interesses de uma única classe social. Seja ela a classe dos proprietários ou a classe dos trabalhadores assalariados. Não cabe mais nem a visão do Estado como o “comitê executivo da burguesia”, típica do século XIX, nem a do Estado “neocorporativo”, que atende às pressões dos segmentos sociais mais organizados, típica do século XX. Não cabe também, como a história mundial recente o demonstrou, o Estado “neoliberal”.
Se os recursos públicos são escassos, se os interesses são diversos, se o objetivo é o bem coletivo e se vivemos em uma sociedade democrática, precisamos todos, sem visões preconcebidas, nos lançar ao trabalho de construção de um novo conceito de Estado e de uma nova forma de operá-lo. Não será com a defesa de interesses corporativos, nem com a idéia de que o Estado possa ser capturado por apenas uma ou outra classe ou categorias profissionais que construiremos uma fórmula que seja satisfatória para a maioria.