quarta-feira, 20 de julho de 2011

Política e opinião na crise global

É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta. O artigo é de Tarso Genro.


A crise da zona do euro, combinada com a radicalização da crise americana, põe a nu tudo que os liberais e os neoliberais construíram como “saídas” ou “reformas”, para a economia mundial, depois da queda do chamado socialismo real.

A devastação dos direitos sociais, as “petroguerras”, apelidadas - desde o enforcamento de Sadam - como ocupações em defesa da democracia, a continuidade ou estratificação da pobreza em vastas regiões do globo, a destruição dos direitos sociais na Europa, supostamente para promover a “recuperação” da economia, não tem gerado na esquerda européia mais do que perplexidades, combinadas com reações fragmentárias. A ausência de proposições alternativas, capazes de mobilizar os protestos de indignação para, com exceção da Itália, vencer os processos eleitorais em curso, só aprofunda o sentido da crise.

Aqui no Brasil, onde as coisas andam razoavelmente bem graças às políticas anticíclicas organizadas pelo presidente Lula, é importante acompanhar as colunas de economia e política dos principais jornais do país, porque elas mimetizam a tática da direita “moderada” ou “radical” na luta política nacional. É preciso acompanhar, também, as informações que circulam na internet e nas edições virtuais destes principais periódicos, lendo os comentários de leitores a respeito das informações que envolvem Lula, o PT, a crise do capitalismo e as movimentações da esquerda em geral.

As colunas continuam, na sua maioria, as mesmas: recheadas daquelas poses de quem sabe tudo, sempre soube tudo e pôde falar sempre sem contraditório, sobre qualquer assunto. Esquecem as suas defesas apaixonadas do mercado financeiro desregulado, as suas opiniões sobre a incompetência e a “grossura” de Lula, as suas previsões catastróficas sobre o Brasil e sobre a democracia, os seus prognósticos “refinados” sobre a economia mundial (“bombando”), e mantém os seus esforços em tributar a FHC a regeneração do Brasil pelo Plano Real.

Como sempre, as colunas prosseguem na desconstituição da política democrática, pela identificação desta com a corrupção. Tratam-na como uma propriedade muito brasileira omitindo, sempre, que o governo que mais combateu a corrupção no estado, seja através da Controladoria Geral da União, do Ministério da Justiça via Polícia Federal e do acionamento dos demais órgãos de controle, foi precisamente o governo Lula. Nos seus dois períodos, após a chamada crise do mensalão, nunca se atacou tanto os velhos esquemas de quadrilhas que assolavam e ainda assolam o estado brasileiro.

Para respeitar os velhos e coerentes colunistas conservadores é bom notar que os que mais se escondem em ironias, com estilos - poderia se dizer “maneirismos”- sempre dirigidos contra Lula e a esquerda, sem qualquer fundamentação que não seja a repetição da dogmática reacionária (ou do Departamento de Estado nos anos 60 ou do “tatcherismo” dos anos 70), são os que foram, ou de esquerda ou levemente progressistas algum dia.

É interessante observar que os que tem, hoje, a presumida honra de serem colunistas ou editorialistas dos jornais e revistas mais tradicionais do país, precisem dizer todos os dias, a quem lhes paga: “não sou mais comunista”, “não sou mais esquerdista” , ”não sou petista” e, no casos mais típicos, “longe de mim a quarta internacional...” Especializam-se, assim, entrincheirados em espaços nobres, não somente em propagar um ódio incontido ao seu passado, mas também em diluir a atenção sobre a falência do modelo e modo de vida neoliberal -escolhido por eles como opção política- que depreda economicamente e ambientalmente o planeta.

São preocupantes, neste contexto de intolerância, as tentativas de forçar a ilegitimação ideológica de qualquer proposta de esquerda com vocação de poder. Para esta intolerância convergem as manifestações de ódio fascista, que exalam de comentários de “leitores” através da “internet”, repetidos à exaustão, que não são críticas normais na democracia, mas ofensas graves e duras manifestações de ódio de classe, contra personalidades e partidos de esquerda.

O próprio PSOL, que radicalizou um discurso tipicamente moralista na época do mensalão, foi homenageado todos os dias pela grande imprensa, pelo simples fato que ele batia em Lula e promovia o desgaste do governo. Tudo porque Lula foi, como é Dilma atualmente -com todas as nossas imperfeições- a esquerda concreta no poder. A esquerda que retirou o país da crise, com políticas que transitaram da ortodoxia monetarista para o desenvolvimentismo com perspectivas de sustentabilidade.

Hoje, o aguçamento e a radicalização da luta de classes, que caracterizou os grandes confrontos do século XX, migrou dos partidos de esquerda, integrados no Estado Democrático de Direito, para os colunistas e “blogs” dos grandes diários e revistas do país. Alguns deles estão desesperados pelo naufrágio do modelo rentista sem trabalho, cuja sustentação, no espaço mundial, é feita pelas agências e consultorias privadas. Outros, estão sendo apenas mais realistas do que seus próprios reis, com a sua virulência provocativa, para dissolver (como se precisasse) o seu passado de esquerda ou “esquerdista”.

Tal estratégia midiática dá a impressão que, fraudados pela decomposição econômica do festim neoliberal -promovido pela especulação financeira global- estes cérebros que apoiaram e promoveram a propaganda contra a economia produtiva e o rendimento com trabalho, agora precisam purgar, no ódio contra alguém, a evidência do seu fracasso. Assim, passam a promover uma espécie de “espírito de bolsonaro” na política, contra os seus adversários de esquerda. Estes, agora, inimigos que devem ser eliminados da cena pública, no momento que a crise se aprofunda e que a regência do capital financeiro prepara o assalto final ao que restou do Estado Social de Direito.

No romance “Um campo vasto” de Günter Grass, que tem como pano de fundo a reunificação da Alemanha, um padre num sermão de casamento, ao defender a fé católica faz a pergunta: “E, por outro lado, a nova fé -desta vez a fé na onipotência do dinheiro- não é barata e mesmo assim de alto valor cambial?” . Um dos convidados exclama: “Estamos fartos de assuntos desagradáveis”. Deve ser por isso que os liberais e neoliberais não estão nos brindando com as suas profundas análises das benesses do capitalismo globalizado, como expressão do humanismo e do progresso. Deve ser, para eles, um assunto muito desagradável!

Mensalão e formação da opinião
Não é correto dizer que o chamado “mensalão” foi um artifício engendrado pela mídia para derrubar Lula. Aliás, a sua “metodologia” começou em Minas, com o PSDB e provavelmente foi a expressão mais completa da decadência do sistema político, ainda em vigência, que envolve o financiamento privado das campanhas e a formação de alianças não programáticas, fundadas nas necessidades imediatas de governabilidade.

É de notar, porém, que o PSDB não padece de nenhum desgaste em relação ao “mensalão” –seu desgaste é originário de outros motivos- pois os males do mesmo ficaram totalmente concentrados no petismo.

Contudo é correto afirmar que, independentemente de que tenham ocorrido ilegalidades que não são novas em qualquer processo eleitoral - as quais devem ser apuradas e punidas, se provadas- o chamado “mensalão” abriu a possibilidade de um golpe político. Ele seria feito através do “impedimento” presidencial, aventura que teve acolhida de uma parte da mídia, dos setores mais obscurantistas no Congresso Nacional e que transitou, fortemente, pela direita da OAB Federal. O namoro com o golpismo seduziu uma boa parte dos Conselheiros vinculados ao PFL, na época, e ao PSDB. Felizmente, para o Brasil, a maioria do Conselho não embarcou no confronto.

A tentativa de destruição do PT naquela oportunidade, com a incriminação em abstrato de toda a comunidade partidária, a tentativa de responsabilizar diretamente o Presidente - o que, diga-se de passagem não foi feito contra FHC na mais grave sabotagem à Constituição depois do golpe de 64, a compra de votos para a reeleição -, gerou uma pesada sectarização da luta política.

Observemos agora as denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes – DNIT. Provavelmente sejam misturadas pela mídia denúncias verdadeiras, conclusões pessoais de jornalistas e equívocos a respeito da correção nos preços dos contratos, que, de resto, são previstas em lei e são comuns em todas as administrações públicas.

O que se vê, porém, é uma incriminação geral de todas as pessoas que passaram ou que estão no Ministério dos Transportes – DNIT, sem qualquer tipo de preocupação de separar aquilo que é ilegal, irregular, ou corrupção, do que é um procedimento normal feito em todos os governos, pelo menos ao longo dos últimos trinta anos.

É muito importante a denúncia de atos de corrupção feita por qualquer órgão de imprensa independentemente da sua maior ou menor adversidade com o governo. Mas estas denúncias, em nosso país, transformam-se , na verdade, em denúncias aos políticos em bloco, o que surte dois efeitos: ajuda os corruptos a se abrigarem numa comunidade indeterminada e intimida as pessoas de bem, que estão no poder público, para colaborarem na apuração dos fatos, porque todos são colocados como suspeitos. Quem já passou pelo poder público sabe, também, que algumas denúncias às vezes são falsas. São feitas por empresas “perdedoras” de licitações, utilizando, de boa ou má fé, os órgãos de imprensa que também agem de boa ou má fé.

O tipo de cruzada moral que tem sido feita no país tem gerado uma profunda sectarização do debate político, como ocorreu durante todo o governo Lula e como está ocorrendo no governo Dilma, contra o PT e contra a esquerda. E como não foi feito no governo FHC, contra o PSDB, contra a direita e a centro-direita.

Esta sectarização, portanto, reflete em todo o processo político: de uma parte, na perda de credibilidade de alguns órgãos de imprensa importantes para o país, que já são vistos “in limine”, com suspeição pela maioria da sociedade, em qualquer denúncia, “quente” ou “fria” que fazem; e, de outra, na formação de um ódio antipetista, em parte da classe média brasileira, que reage com uma irracionalidade fascista ao Partido, lembrando os momentos mais duros da “guerra fria”. Isso pode ser observado pelos comentários através da “internet”, do que chamei atrás de “espírito de bolsonaro”, onde o apelo à violência física contra petistas - incitação ao crime, portanto - são frequentes.

O verdadeiro “concurso” de denúncias que cerca cada ilegalidade imputada aos políticos do país, numa espiral ascendente que chega ao paroxismo, por um lado é subproduto do mensalão, como impulso da disputa pelo mercado de leitores na grande mídia e, de outro, é a perda de certos parâmetros éticos do jornalismo investigativo.

Para a maioria destes profissionais, não importa as eventuais injustiças ou graves lesões pessoais ou familiares que as denúncias infundadas causam. O que interessa é a espetaculosidade. É a desmoralização de políticos, que rende muitos leitores e prestígio pessoal para quem “descobre” o escândalo, verdadeiro ou não, e que está se lixando para os efeitos destrutivos das suas acusações.

Luis Gushiken que o diga, depois de oito anos de exposição brutal na mídia, como corrupto, agora é finalmente inocentado pelo próprio Ministério Público. Nenhuma indenização pagará as humilhações sofridas por ele e pela sua família, ao longo do calvário midiático a que ele foi impiedosamente submetido.

Inclusive a Procuradoria Geral da Republica não ficou imune a esta sectarização. O dr. Gurgel, a quem reputo qualidades morais e saber jurídico destacado, ao apresentar suas razões ao Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão - recentemente - imputa delitos ao ex-ministro José Dirceu, que ele teria cometido em favor de um “projeto de poder partidário”. Assim, os eventuais delitos de José Dirceu são um projeto de poder para o PT, no âmbito da formação de uma quadrilha, que promoveu tais delitos, representando toda a comunidade partidária. Esta acusação, que atinge em abstrato toda a comunidade política do petismo e a ofende gravemente, está inoculada pelo vírus da radicalização midiática, que lastimavelmente envolveu, neste particular, o mais importante e digno fiscal da lei no país.

Todos sabem das divergências de fundo e de forma que tenho com o ex-ministro José Dirceu, ao longo do nosso convívio no interior do partido. Suponho, porém, que com este arroubo acusatório generalizado ao PT, de parte do Procurador Gurgel - não encontrei ninguém no Partido que não se sentisse gravemente ofendido - o que fica de conclusivo é que o Ministério Público não reunindo provas suficientes para condenar o ex-Ministro transita, agora, para a incriminação de toda a comunidade partidária. Como se não bastasse o que já foi feito por grande parte da mídia tradicional.

Para terminar, novamente Günter Grass. No mesmo livro já citado, o grande escritor narra o relatório de um espião da Stasi, cujo conteúdo referia que um certo cidadão fora visto remando nas águas do Elba, “dizendo poemas não-revolucionários”. É mais ou menos como nós, do PT, ficamos em relação ao projeto de “poder partidário”, analisado pelo Procurador Gurgel. À semelhança do cidadão “contra-revolucionário”, incriminado pela Stasi através de uma uma dialética negativa (dizer poemas “não-revolucionários”), vamos ser absolvidos ou condenados juntos com o ex-Ministro José Dirceu. Mesmo não participando do processo penal e não usufruindo do sagrado direito de defesa.

Nós, como comunidade petista indeterminada, vamos ser absolvidos “por tabela”, se ele não cometeu o delito, mesmo “não” estando juntos (no caso da sua absolvição); ou vamos ser condenados também “por tabela” por “não” impedi-lo de cometer o delito (no caso da sua condenação), também mesmo não estando juntos.

O que não deixa de ser dolorosamente kafkiano e amargamente antidemocrático.

(*) Tarso Genro é governador do Rio Grande do Sul.

Se vale para o trem, porque não vale para a web?


Brizola Neto no TIJOLACO

A Agência Nacional de Transportes Terrestres baixou hoje uma determinação para que as empresas privadas que abocanharam a concessão de nossas ferrovias sejam obrigadas, no caso de não as estarem utilizando com toda a sua capacidade, a ceder para outras empresas o uso da ferrovia em qualquer circunstância, naturalmente pagando pelo uso da infraestrutura.
A resolução protege os direitos do usuário, que contrata as concessionárias para o transporte de suas cargas e institui penalidades, por exemplo, para o atraso nas entregas.
A decisão é corretíssima, pois se tratam de concessões públicas, cujo objetivo maior é prestar serviços.
Agora, porque a mesma regra não se aplica aos outros serviços públicos?
Porque a Anatel não obriga as concessionárias de telefonia a cederem suas redes físicas, a preços determinados, para que outras prestadoras possam oferecer os serviços de voz e, sobretudo, de internet através delas.
O mecanismo do unbundling, que é este compartilhamento das redes físicas, permitiria a qualquer empresa oferecer conexões de banda larga e ampliaria a competição, sem exigir tanto investimento.
João Maria de Oliveira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e um dos responsáveis pelo estudo “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil” define bem porque isso é justo, em entrevista à revista Teletime:
“A infraestrutura não é da concessionária, a infraestrutura é pública; ela (a concessionária) usa a infraestrutura”
E ele explica porque as redes físicas, mesmo as implantadas após a privatização, não são propriedade privada:
(…)o investimento em infraestrutura ela repassa todo para o serviço. Essa definição de serviço público e serviço privado já distorce toda a discussão posterior. Nós caracterizamos os países que estão na ponta em termos de utilização da tecnologia e com preços baixos, e olhamos o que é comum entre eles. Então você começa a ver que em comum existem esses dois aspectos.
Primeiro: o mercado é aberto, quem quiser entra. Não existem restrições. Se uma empresa estrangeira que não opera no país quiser vir operar, ela opera.
Segundo: a infraestrutura deve ser necessariamente compartilhada, porque isso é o que garante um nível de competitividade. Políticas de livre acesso, em particular de desagregação de redes, existem no Japão, Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, França, Grã-Bretanha e Nova Zelândia. Aí você tem algumas outras características em alguns países e outros não. Regras de livre acesso aplicam-se à transição para a próxima geração tecnológica, particularmente fibra, no Japão, Coreia do Sul, Suécia, Holanda, França, Grã-Bretanha, todo o mercado comum europeu na realidade, e Nova Zelândia. Essas coisas a gente não tem. Se a gente não tem e esses países têm, está faltando isso a nós.
Está mesmo e esse compartilhamento é apenas uma decisão política, que de investimento só demanda aquele de controle e fiscalização.
Atividades que não parecem ser muito “a praia” da Anatel.

Justiça isenta Cpers por protesto em frente à casa de Yeda Crusius


Em 2009, protesto em frente à residência da então governadora resultou em processos judiciais | Foto: SIMPE-RS/Divulgaç| Foto: Divulgação/SIMPE-RS

Igor Natusch no Sul21

A 9ª câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão anunciada na tarde desta quarta-feira (20), deu provimento ao recurso dos advogados do Cpers e considerou improcedente ação de Tarsila Crusius, filha da ex-governador Yeda Crusius, contra o sindicato. O processo, em segunda instância, pedia ressarcimento por danos morais, acusando o Cpers e sua presidente Rejane de Oliveira de terem submetido os dois filhos de Tarsila a constrangimentos e sofrimento psicológico durante protestos feitos na frente da residência de Yeda Crusius, em 2009.
No pedido, solicitava-se o pagamento de R$ 20 mil por cada neto da ex-governadora, como modo de ressarcir os danos sofridos. No primeiro julgamento, a petição de Tarsila Crusius foi considerada parcialmente procedente: Rejane de Oliveira foi inocentada, mas o Cpers foi condenado ao pagamento de metade do valor originalmente peticionado. A nova decisão corrige a sentença anterior, eximindo o sindicato de responsabilidades sobre um eventual dano moral e suspendendo o pagamento da indenização. Além disso, caberá à família de Yeda Crusius arcar com as custas do processo.
Pela decisão do TJ-RS, o protesto foi um ato legítimo, já que a casa de Yeda era, de fato, uma extensão do Palácio Piratini. Uma vez que a ex-governadora decidiu morar fora do residência oficial, e que recursos públicos foram investidos na mobília e na manutenção do local, ela transformou-se em um anexo de fato da sede do governo – sujeito, portanto, a protestos e manifestações populares como qualquer órgão público.
Na decisão, é também descaracterizada a acusação de Tarsila Crusius, afirmando que a exposição das duas crianças a uma situação de constrangimento tinha sido causada pela própria mãe e avó dos menores. Ou seja, Yeda e Tarsila Crusius não podiam alegar dano moral sobre os netos da ex-govenadora, já que foi por iniciativa delas que as crianças foram expostas durante a manifestação.
“A entidade (Cpers) não pode ser responsabilizada por uma situação que poderia muito bem ter sido evitada”, diz o relator do recurso, juiz Roberto Carvalho Fraga. Segundo ele, as crianças não teriam sido expostas a nenhum constrangimento, “não fosse a conduta da própria governadora, com a conivência da mãe, responsável pelos menores, em optar pela exposição dos meninos, em face de um protesto que tinha um caráter de interesse público”. A Justiça também julgou improcedente a afirmação de que as crianças teriam sido impedidas de ir até a escola, uma vez que a presença da Brigada Militar garantiu que o veículo que as conduziu saísse da residência.

"Pela decisão, os funcionários podem pedir aumento salarial na frente da residência do presidente do Tribunal de Justiça", argumenta advogado de Tarsila Crusius | Divulgação/Cpers

Rejane de Oliveira: “deram com os burros n’água”

A presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, comemorou a decisão. “Foi uma mobilização pacífica dos trabalhadores em educação, contra a política de escolas de lata da então governadora. Em nenhum momento fomos além da esfera política”, garante. Segundo ela, a ação judicial era uma tentativa de “calar a voz” dos professores e de todos que se levantassem contra o governo de Yeda Crusius. “Deram com os burros n’água. Foi feita justiça”, afirma.
O advogado que representa os interesses da família Crusius no caso, Fábio Medina Osório, tem uma outra visão. Segundo ele, a decisão da 9ª câmara Cível abre um “precedente perigoso”, uma vez que não estabelece limites para o protesto contra chefes de Estado. “É uma discussão sobre os limites do direito constitucional a reunião e protesto, em oposição ao direito de todo cidadão à privacidade”, diz Medina. “Pela decisão, os funcionários podem pedir aumento salarial na frente da residência do presidente do Tribunal de Justiça também, por exemplo”, argumentou, dizendo também que Yeda Crusius optou por seguir morando na própria casa para manter o contato diário com os netos.
Ainda cabe recurso à decisão, mas os advogados do Cpers demonstram confiança de que a decisão não será revertida. Segundo eles, o novo parecer está balizado em uma análise técnica das provas apresentadas, e dificilmente haverá uma nova conclusão sobre a validade das evidências. Fábio Medina Osório discorda. “Não é nosso entendimento. Como se trata de uma discussão sobre direitos constitucionais, a decisão final cabe ao STF. E nós certamente vamos recorrer a instâncias superiores”, informa.

Em defesa da Palestina: Arcebispo ortodoxo visita PCdoB


  Por Vermelho

O Partido Comunista do Brasil recebeu na noite de segunda-feira (18), em sua sede em São Paulo a visita de Theodosius (Attallah) Hanna, Arcebispo do Patriarcado Greco-Ortodoxo e Patriarca de Jerusalém. Conhecido internacionalmente pela defesa da causa palestina, terra em que nasceu, e por várias obras escritas ao longo de sua vida, o Arcebispo é o responsável, dentre outras funções clericais, pelo Santo Sepulcro, em Jerusalém.Além de Theodosius, estiveram presentes vários representantes da comunidade árabe em São Paulo. O Patriarca de Jerusalém fez um agradecimento ao Partido Comunista do Brasil e também a outras organizações políticas, sindicais e sociais brasileiras que apoiam a causa palestina, a independência e o fim da ocupação sionista da região.
Em sua intervenção Theodosius conta que sua Igreja mantém bom relacionamento com os partidos nacionalistas da região, desde que não tenham qualquer tipo de relacionamento com entidades ou organizações sionistas.
Para que sejam considerados amigos do povo palestino, aqueles que visitam a região devem definir, de antemão, de que lado estão. Theodosius conta que o Arcebispo de Canterbury viajou à região e, por ter sido recebido com pompas pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tornou-se persona non-grata para a comunidada ortodoxa palestina.
“Na questão palestina, nós não negociamos. Somos terminantemente a favor do povo palestino. Nós recusamos o discurso do intermediário, daquele que fica em cima do muro”, contou.
“Ao redor do mundo existem muitas pessoas que se dizem amigos de israel. Eles vão até lá, se colocam como seus aliados, contra os palestinos. Na verdade, essas pessoas não são amigas de Israel, porque deveriam dizer com clareza que Israel deveria dar um fim ao sofrimento que inflinge aos palestinos. Se você comete um erro e alguem aplaude esse erro, não pode ser considerado seu amigo”, afirmou.
“Não somos contra o judaísmo”
Theodosius conta que a maior oposição que se faz é ao sionismo, à ocupação militar e ao Estado sionista de Israel, não à religião judaica.
“Respeitamos a religiao e o povo, temos amigos judeus que nos visitam e os visitamos, que acreditam como nós que a religião não divide as pessoas. Mesmo que tenhamos diferenças religiosas, somos humanos. Não somos inimigos do povo judeu nem da religião. Recusamos a usar a religião a serviço da política. Israel, como estado de ocupação e ao mesmo tempo judeu, explica a questão judaica e insere a questão sionista contra o povo”.
“A palestina é o berço das religiões monoteistas, temos de ser exemplo de relacionamento e de aproximação com os outros. Recusamos que a religião seja usada para questões políticas. Isso se aplica ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo. Não queremos uma pátria religiosa”, prossegue.
Em relação ao processo atual de “judaicização” do Estado de Israel, proposto pela extrema-direita quegoverna o país, Theodosius é claro: “Hoje Isral se propõe ser um estado judeu. Para nós, árabes palestinos, isso é ruim, porque nega a presença de árabes na região. Isso é uma falsificação da história. Nos negamos a aceitar um estado judeu ou islamico, porque nossa experiencia foi muito sofrida com esse tipo de estado”.
“A Igreja ortodoxa, que neste momento represento e falo em nome dela, sofreu muitas agressões ao longo de sua história. E as mais graves não partiram dos muçulmanos, mas dos cristãos do ocidente, que quiseram fazer da nossa região um estado cristão-ocidental. Isso aconteceu na época das cruzadas, quando os cristãos ocidentais invadiram a região e usurparam os locais sagrados das outras religiões, até que veio Saladino, que devolveu esses lugares sacros aos osrtodoxos”, conta.

Convivio solidário e fraterno

José Reinaldo Carvalho, secretário de Comunicação do PCdoB e editor do Portal Vermelho, agradeceu a visita de Theodosius ao partido e discorreu sobre os laços de solidariedade e fraternidade que unem brasileiros e árabes.
“Em primeiro lugar, quero dar as boas vindas à Vossa Eminência e aos amigos da comunidade árabe presentes, em nome do Vermelho e do PCdoB. Queria desejar que ele tenha uma boa estada em nossa terra. O povo brasileiro é um povo irmão do povo árabe”, falou Carvalho.
O secretário destacou a história de convívio solidário e fraterno dos brasileiros com os imigrantes árabes, que começaram a chegar ao país no fim do século 19, trazendo consigo seus costumes e sua cultura e influenciando com eles os seus anfitriões.
“Nosso país deu abrigo, agasalho e fraternidade aos imigrantes árabes que chegaram aqui já no fim do século 19 e começo do século 20. O Brasil adquiriu dos nosos irmãos árabes a cultura, que se traduz em vários dominios, na religião, na culinária, na língua. Nos temos um imenso sentimento de fraternidade com os árabes”, afirmou.
“Do ponto de vista político, o Partido Comunista do Brasil tem uma posição de irrestrita solidariedade com os povos arabes e os palestinos. Consideramos que os palestinos e outros povos árabes foram martirizados pelo neocolonialismo sionista” destacou.
“Nós nos opomos à ocupação israelenses dos territórios árabes e da Palestina e apoiamos todas as reivindicações dos povos arabes e palestinos pela retirada de Israel desses territórios. Somos favoráveis à criação do Estado da Palestina e consideramos justa a proclamação e o reconhencimento desse Estado pela Assembleia das Nações Unidas, no mês de setembro próximo, de acordo com a proposição encaminhada já pela Autoridade Nacional Palestina”, destacou .
Carvalho também destacou a posição do partido em relação à ocupação israelense dos territórios palestinos. “É uma violação do direito internacional e uma violação da soberania nacional do povo palestino e corresponde aos planos genocidas do Estado de israel de exterminar o povo palestino”, diz.
Carvalho também contou a Theodosius um pouco da história do PCdoB, lembrando que o partido foi o primeiro, na década de 1940, a exigir do Estado brasileiro o respeito por todas as religiões existentes no país.
“Nós fazemos parte de um partido político que tem uma concepção filosofica não religiosa, mas respeitamos todas as religiões. O povo brasileiro é um povo religioso, majoritariamente cristão e o nosso partido foi o primeiro, nos anos 1940, que exigiu o respeito a todas as religiões”, lembra.
“Compreendemos que a religião deveria ser um fator de unidade, de afirmação pessoal das pessoas, e não de desunião. Nesse sentido, nós valorizamos as palavras de Vossa Eminência e desejamos que a sua igreja continue desempenhando um papel na luta pela libertação do povo palestino. Estamos, nosso partido e o povo brasileiro, à disposição dessa luta”, finalizou.

Após seis meses, Primavera Árabe segue e sinaliza abertura política


Protestos continuam no Cairo. A imagem é do dia 8 de julho | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Felipe Prestes e Igor Natusch no Sul21

Quem esperava uma onda de mudanças no mundo árabe, após as revoltas populares do começo do ano, pode interpretar o atual momento como pouco animador. Afinal, apenas dois países – Egito e Tunísia – derrubaram governos autoritários e ainda buscam um novo modelo político. Enquanto isto, outros países vivem confrontos sangrentos, especialmente a Líbia, com uma guerra civil que não dá sinais de solução. Pouco mais de seis meses depois da queda do ditador tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali, ocorrida em 14 de janeiro, a “Primavera Árabe” pode não render manchetes como antes, mas ainda está longe de seu fim. Até o momento, a realidade indica um movimento em direção à democracia – embora não seja a democracia que nossos olhos ocidentais estão acostumados a ver.

– Qual é a situação de cada país árabe após os protestos populares

Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), identifica no mundo árabe sinais que apontam para uma flexibilização dos regimes, algo que vai além de Egito e Tunísia. “Não diria democratização, porque a palavra tem uma conotação inadequada no caso, mas vejo uma tendência a um grau menor de autoritarismo e uma comunicação maior entre governantes e governados”, avalia. Governos de países como Marrocos, Argélia e Iêmen, cientes de que não poderão se manter na base da força, sinalizam com a abertura gradativa e parcial. “Parece haver uma compreensão de que é preciso fazer concessões, de forma que a insatisfação da população não se avolume ainda mais. Com a maior circulação de informações, amplia-se o acesso do povo a instrumentos de pressão”, afirma.
O professor Renatho Costa, da Unipampa, concorda com essa leitura, mas faz ressalvas. Segundo ele, as particularidades de cada país indicam diferentes pressões internas. “Alguns países podem fazer concessões, mas o autoritarismo está na base de alguns regimes. O vício autoritário pode ser retomado se determinados reis ou ditadores sentirem-se ameaçados”. Mas o professor admite que a mudança de panorama é perceptível. “Há uma mudança na percepção do poder da população”, diz. “Para permanecer no poder, os governos estão entendendo que precisam negociar. Mesmo que alguns países façam uma repressão mais dura, há uma inclinação geral pela adoção de reformas”.
O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maurício Santoro, diz que as revoltas que obtiveram êxito ocorreram em países mais homogêneos, sem grandes tensões étnicas, tribais ou religiosas. São os casos de Egito, Tunísia e também do Marrocos, onde o rei Mohammed VI promoveu abertura significativa de seu regime. Em outros países, ditadores conseguiram utilizar divisões para obter o apoio de parte da população. “Nos países mais fragmentados ditadores conseguem explorar as diferenças para se manter no poder”, afirma.
O que Santoro diz é flagrante na Líbia e no Iêmen, onde há fortes divisões tribais, e na Síria em que uma minoria étnico-religiosa, os alauítas, detém o poder político diante de uma população majoritariamente sunita. Nestes países, os governos autoritários têm conseguido reagir, mas, segundo Santoro, na Síria e na Iêmen a tendência também é de maior abertura. “No Iêmen há uma negociação avançada que pode culminar com a renúncia de Ali Abdullah Saleh. Na Síria, não está claro se Bashar al-Assad conseguirá se manter no poder, mas se conseguir será de forma negociada”.
Foto: Al Jazeera English/Flickr
Segundo especialistas, conflito na Líbia não tem hora para acabar. "Emprego da força mostrou-se um erro", diz Antônio da Rocha, da UnB | Foto: Al Jazeera English/Flickr

Líbia: conflito não deve ter solução tão cedo

No momento, a Líbia é o campo de batalha onde a marca ocidental se faz mais presente. Desde março, tropas internacionais sob comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeiam o país e tentam garantir a saída de Muammar Kadafi do poder. No entanto, o conflito se arrasta, e o ditador líbio não parece dar sinais de que vá desistir – ainda que o governo dos Estados Unidos já tenha reconhecido oficialmente a autoridade rebelde como legítima governante da Líbia.
Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB, o conflito na Líbia seguirá se arrastando por muito tempo. “O emprego da força mostrou-se um erro, ainda mais nos termos colocados pela resolução da ONU. Acabou fortalecendo Kadafi junto a seus acólitos, já que agora ele pode se enrolar na bandeira nacional e se colocar como alguém que resiste a um invasor externo”, argumenta. “Era uma situação complexa, já que parecia claro que Kadafi usaria força contra o próprio povo. O dilema era se omitir, deixando os rebeldes à própria sorte, ou agir, o que também traria consequências. Mas alguns países (do ocidente) foram contrários desde o início à intervenção, e a ação da OTAN não produziu resultados”.
“A Líbia ainda é uma carta aberta”, diz Renatho Costa, da Unipampa. O especialista detecta não apenas um confronto em aberto pelo poder líbio, mas uma luta das forças ocidentais por uma influência maior na região. “Kadafi não tem mais condições de permanecer, não é mais líder nacional. As batalhas já estão fora deste tabuleiro”, sustenta. Como exemplo, o professor cita a decisão da Rússia de não aceitar o Conselho Nacional de Transição, instituído pelos rebeldes, como legítimo governo da Líbia – decisão que foi anunciada recentemente pelos EUA. “Apoiar o governo paralelo, na prática, é alinhar-se com os Estados Unidos”, observa.
Maurício Santoro concorda. “O impasse não deve se resolver em pouco tempo. A intervenção não demonstrou força nem para impelir Kadafi a uma negociação”, diz. O professor da FGV ressalta que as potências envolvidas com a intervenção tem hoje preocupações internas muito maiores, com a crise econômica que abala Europa e Estados Unidos, o que certamente prejudica a luta contra o regime líbio.

Egito e Tunísia terão eleições no final do ano, mas seguem instáveis

Egito e Tunísia mantêm governos provisórios até o final do ano. O Egito, maior país árabe, terá eleições para uma assembleia constituinte em novembro. Na Tunísia, o mesmo pleito ocorrerá em outubro. Caberá a estas assembleias definir o sistema político e eleitoral para que a população escolha um novo governo. Enquanto isto não ocorre, os protestos continuam.
No Egito, manifestantes pedem a saída de todo e qualquer integrante do governo que tenha participado do regime do ditador Hosni Mubarak. Além disto, há uma preocupação crescente com a influência que o exército egípcio terá sobre o novo governo. São as Forças Armadas que estão à frente do governo provisório. Maurício Santoro acredita que os militares não tentarão manter o poder político e realizarão as eleições, mas explica que, de qualquer forma, continuarão com muito poder. “O exército parece comprometido com eleições, mas deve manter o seu poder, mesmo com uma ordem democrática. As Forças Armadas no Egito controlam várias empresas, têm muito poder econômico”, destaca.
A Praça Tahrir continua rugindo no Cairo. A imagem é de protesto no último dia 15 | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Tentando acalmar os ânimos, o regime de transição promoveu nesta terça-feira (19) mudanças em mais de 15 ministérios – mantendo, porém, nomes da velha guarda, como o ministro do Interior, Mansour Essawy, ligado ao regime de Mubarak. A indefinição política se reflete na economia, bastante desestabilizada. Não à toa, o ministro das Finanças foi um dos que teve sua cabeça cortada. O governo provisório tem distribuído alimentos aos egípcios.
Na Tunísia, a situação não é diferente. Já em fevereiro, a população tratou de correr o primeiro-ministro interino Mohammed Ghannouchi por ele ter sido tradicional aliado do ditador Ben Ali. Mudanças nos ministérios também têm sido recorrentes. O atual premiê, Beji Caid Essebsi, tem demonstrado preocupação ainda com os conflitos nas ruas, porque teme pela segurança na realização das eleições em outubro. Na segunda (18), um garoto de 14 anos foi morto por uma bala perdida disparada por forças de segurança, durante um protesto em uma pequena cidade próxima a Sidi Bouzid.
Não por acaso foi em Sidi Bouzid, cidade no centro do país, que tudo começou, em dezembro de 2010, quando um jovem desempregado ateou fogo ao próprio corpo. A Tunísia tem um nível de vida razoável se comparado aos demais países do Norte da África, mas sofre com uma crise econômica e com uma desigualdade entre o litoral e o interior do país. É no interior que vive a maioria dos 700 mil tunisianos desempregados, número extremamente significativo para uma população economicamente ativa de apenas três milhões de pessoas.
rachid ghannouchi
Rachid Ghannouchi, ao centro, lidera partido islâmico que quer conjugar na Tunísia religião e democracia, aos moldes da Turquia | Foto: Magharebia/Al Jazeera

Democracia com islamismo: Turquia pode servir de modelo

Na Tunísia, os conflitos também ocorrem entre intelectuais que defendem o estado laico e extremistas islâmicos. Estes últimos vêm ganhando terreno nas ruas desde a queda de Ben Ali, mão não se vêem contemplados no atual governo provisório. Jovens islâmicos já atacaram diversas delegacias de polícia nos últimos dias. Um exemplo ilustrativo dos conflitos ocorreu no final do mês de junho. Na capital do país, Túnis, ativistas religiosos quebraram os vidros de um cinema que passava o filme “Nem Alá, nem o Mestre”, em defesa do estado laico, e entraram em conflito com um grupo de advogados. Os islâmicos acabaram sendo presos.
Apesar disto, o partido político tido como o mais forte na Tunísia é o Al-Nahda (Partido do Renascimento, em português), que no mês de junho se retirou das conversas sobre a transição, acusando outros partidos de abuso de poder. O líder do partido, Rachid Ghannouchi, retornou ao país apenas 15 dias depois da queda de Ben Ali, após 20 anos de exílio. Em entrevista recente ao El Pais, Ghannouchi afirmou que é contra o extremismo, e que sonha em “conjugar islamismo com modernidade”. Quer a religião na Constituição, mas com igualdade entre gêneros, por exemplo. E cita como paradigma a Turquia, governada desde 2003 pelo partido Justiça e Desenvolvimento.
Para Maurício Santoro, o governo da Turquia deve balizar os novos regimes democráticos entre os países muçulmanos. “O que está se desenhando é um tipo de Estado onde a religião não domina a sociedade, mas tem papel importante na definição das leis, dos costumes e sobre os partidos políticos. A Turquia mostra que é possível ter um partido como este no poder, convivendo com liberdades democráticas”, avalia. O professor de Relações Internacionais ressalta, contudo, que isto não livrará estes países de tensões entre as liberdades individuais e a religião islâmica, tensões que ocorrem na própria Turquia.
Fotos de Gamal Abdul Nasser, Che Guevara e Osama Bin Laden são vendidas na Praça Tahrir | Foto: Lilian Wagdy/Flickr

Santoro vê mais força do islamismo na Tunísia que no Egito. Ele afirma que a Irmandade Muçulmana tem se fragmentado desde a revolta, principalmente porque os jovens do movimento não têm seguido à risca os ditames de seus líderes. Além disto, ressalta que a interferência religiosa na política sempre foi limitada por leis no Egito e que há uma minoria cristã que não pode ser desprezada. Ele lamenta que as eleições sejam realizadas em um prazo exíguo para a formação de novas organizações. “O prazo prejudica a participação do elemento mais inovador da revolução, que foram os jovens”.
Renatho Costa, da Unipampa, acredita que ocorre disputa de influência entre autoridades islâmicas e forças ligadas ao Ocidente. Ele acredita que o modelo que for adotado especialmente pelo Egito poderá servir como base para outros países árabes e ter grande influência sobre a região. “(Egito e Tunísia) são dois palcos onde se disputa pelo futuro de todo o Oriente Médio. O modelo que prevalecer ali vai ter amplas possibilidades de ditar regras políticas para todo o mundo árabe. Se a influência islâmica prevalecer nesses dois palcos, em especial no Egito, isso certamente provocará uma grande mudança geopolítica em toda a região”, prevê.
De qualquer modo, o panorama que surge aos poucos no mundo árabe aponta para algo novo, que vai além da visão ocidental sobre a região. Renatho, que recentemente passou dois meses no Irã, exemplifica com o que ouviu em conversa com aiatolás locais. “Discuti com alguns deles sobre as perspectivas que viam a partir das mudanças no Egito”, conta, “e eles se manifestaram de forma muito positiva. Para eles, o país pode passar por um processo semelhante (ao do Irã), integrando-se em uma comunidade islâmica. É uma visão diferente da nossa, que não tem o nosso olhar de integração pela ocidentalização”.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Clóvis Rossi acusa ‘petistas’ de apoiar concentração da mídia




A Folha de São Paulo passou a publicar “pornografia”. É literalmente indecente um artigo de um de seus principais pistoleiros publicado hoje (19/07) naquele antro de libidinagem intelectual. Se você não leu, tem que ler. Por penoso que seja ver um homem daquela idade se degradar tanto moralmente, o texto mostra a que ponto chegou essa gente.
Acredite quem quiser: ele escreveu um texto bradando contra a concentração da propriedade de meios de comunicação. Escreveu todos os argumentos que vimos escrevendo na blogosfera dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano. E colocou a culpa pela propriedade cruzada de meios de comunicação sabe em quem? No PT!
Leia e chore. Em seguida, um comentário final.
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FOLHA DE SÃO PAULO
19 de julho de 2011
Murdoch ou quando “Deus” fica nu
Clóvis Rossi
ED MILIBAND, líder do Partido Trabalhista britânico, tocou a tecla certa, em entrevista domingo ao “The Observer”: considerou “perigosa” a concentração da propriedade de meios de comunicação em poucas mãos, em alusão a Rupert Murdoch, o dono do império midiático hoje no centro de um imenso escândalo.
“Temos que ver o que fazer quando ocorrem casos em que uma pessoa controla mais de 20% do mercado de mídia”, disse Miliband durante a entrevista.
Bingo. Vale para o Reino Unido, vale para o Brasil, vale para o mundo. Aqui, tem sido “pouco saudável”, por exemplo, o domínio da família Magalhães sobre o principal jornal, a principal rádio e a retransmissora da Rede Globo na Bahia.
Diga-se o mesmo a respeito da família Sarney no Maranhão, bem como de outras famílias políticas em outros Estados, graças à farra de concessões de rádio e TV a políticos, tema de recente reportagem desta Folha.
É curioso que os petistas furibundos fizeram inúmeras tentativas de aprovar legislação sobre “controle da mídia”, mas que não tocavam no ponto chave que é a propriedade cruzada de meios de comunicação – capítulo que os Estados Unidos resolveram razoavelmente bem.
Controlar a mídia é tarefa do leitor/ouvinte/telespectador. Eu tenho horror ao sensacionalismo, mas sei muito bem que meu gosto é minoritário, no Brasil como no Reino Unido ou qualquer outro país.
Rupert Murdoch não tinha 2,7 milhões de capangas armados de metralhadoras para forçar os ingleses a esgotar a tiragem do “News of the World”.
Aliás, a propósito, vale reproduzir com uma ponta de orgulho corporativo a frase de Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na Europa, em seu artigo de ontem para “El País”: “O melhor jornalismo britânico pôs a nu o pior”, em alusão à incessante campanha do jornal”Guardian” para expor as indecências do “NoW”.
Pois é, deixado livre, o melhor jornalismo acaba se impondo, por muito que demore.
Se controle da mídia é função do público, o da concentração excessiva é, aí sim, tarefa da legislação.
Ainda mais se a concentração fica nas mãos de alguém sem escrúpulos, que acaba impondo o reino do medo, que paralisa o mundo político.
É o caso de Rupert Murdoch, assim retratado ontem, no “Guardian”, pelo colunista Charlie Brooker:”Poucas semanas atrás, Murdoch, ou, mais exatamente, as tendências mais selvagens da imprensa, representavam Deus. (…) Você nunca deve irritar Deus. Deus carrega imenso poder. Deus pode escutar tudo o que você diz. Você deve reverenciar Deus, e agradá-lo, ou Deus vai destrui-lo”.
Agora que “Deus” Murdoch está caindo em desgraça, o temor e as reverências deram lugar à constatações que deveriam ser óbvias há muito tempo, como a que fez Ed Miliband. E os “políticos britânicos fazem fila para denunciar Murdoch”, como completa Brooker.
O próprio “Guardian”, aliás, com o gostinho da vitória ainda fresco, pede a cabeça do primeiro-ministro David Cameron, por ter empregado Andy Coulson, ex-editor do “NoW”, como seu assessor de imprensa -típica atitude de quem queria comprar as graças de “Deus”.
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Sim, isso foi publicado no jornal que estampou, em sua primeira página, uma ficha policial falsa da hoje presidente Dilma Rousseff e que divulgou acusação ao ex-presidente Lula de ser um maníaco sexual.
Por que será que esse velhaco não citou a Globo, da Família Marinho, pela maior concentração de propriedade de meios de comunicação em todo o mundo? Ou o próprio grupo Folha, detentor de uma quantidade imoral de jornais e do maior portal de internet do país, um “grupo” que, em qualquer país civilizado, não poderia existir?
Com que tipo de gente estamos lidando? Ele acusa “petistas furibundos” de não pregarem o fim da concentração de meios de comunicação. Se tivesse saído de seu escritório com ar condicionado e ido cobrir a Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, não teria ouvido falar de outra coisa. Inclusive, teria lido esse pleito antigo no documento final da Confecom.
Rossi mente descaradamente dizendo que “petistas furibundos” pregam controle dos meios de comunicação em vez de veto à propriedade cruzada, quando qualquer um que já tenha lido o que se pede dia sim, outro também em espaços como este sabe que é a democratização da comunicação, ou seja, o fim da propriedade cruzada.
Há quanto tempo você vê a blogosfera se esfalfar pedindo o fim da concentração de meios de comunicação? Como lidar com gente assim? Com luvas de pelica? Será que este governo não tem ninguém com um mísero traço de coragem para dar uma resposta à altura a esse velhaco? Até quando este país será esbofeteado dessa forma?

Homossexuais uruguaios promovem ato para combater discriminação


Cerca de 300 uruguaios se reuniram neste último final de semana para combater a discriminação sexual com um "beijaço", na porta de um bar acusado de ter expulsado um casal de homossexuais após um beijo em seu interior.

Gays, transexuais, lésbicas e heterossexuais, convocados exclusivamente por meio de redes sociais, realizaram a manifestação perante as portas da discoteca Viejo Barreiro de Montevidéu, para entre risos, dança e música, beijarem para denunciar a homofobia que segundo sua opinião impera ainda no país, um dos mais avançados da América em direitos para os homossexuais.

A convocação foi realizada uma semana antes, quando dois rapazes que comemoravam um aniversário no local foram expulsos pela segurança após se beijarem, segundo explicou Mauricio Coitiño, um dos porta-vozes da organização defensora dos direitos homossexuais Ovelhas Negras.

"Os rapazes disseram que era discriminação, mas mesmo assim foram jogados para fora do lugar. Diretamente foram à delegacia e apresentaram a denúncia. Depois o discurso começou a tomar forma através do Facebook e surgiu a ideia de fazer esta atividade, que Ovejas Negras decidiu apoiar", disse Coitiño.

Os responsáveis do Viejo Barreiro, Mariano Gambaro e Diego Fernández, negam essa versão e consideram que os dois jovens foram expulsos "por manter atitudes obscenas em público, algo que vai além de um beijo".

"Não divulgamos publicamente nossa versão completa do assunto porque está em andamento uma investigação. Nem nós, nem o local nunca foi homofóbico e agora estamos envolvidos neste circo midiático", disseram à Efe enquanto aguardavam o "beijaço" no interior do local, que não abriu "porque não se sabe o que mais pode acontecer".

Mais de 6,9 mil pessoas tinham anunciado no Facebook que participariam da concentração, enquanto na rede social o debate levantou ameaças e insultos tanto a favor como contra a iniciativa.

"Isto não é um ataque ao Viejo Barreiro, é uma campanha a favor do amor, com algo que comove como um beijo. Cumpre o objetivo do movimento e já conseguiu envolver a sociedade civil. Não queremos arruinar uma casa noturna", apontou Bruno Baumann, um dos organizadores do evento.

No final, os "beijadores" decidiram encerrar seu particular protesto em quatro festas divididas pela cidade e se misturaram com a multidão que nessas horas festejavam nas ruas a classificação do Uruguai a semifinais da Copa América após derrotar a seleção Argentina.

Em Montevidéu, a comunidade homossexual é bastante reconhecida e seus bares e casas noturnas funcionam sem nenhum impedimento, apesar das queixas sobre comportamentos homofóbicos serem cada vez mais frequentes, segundo seus representantes.

Fonte: Ópera Mundi via VERMELHO

Euforia em torno de redes sociais reacende temor de bolha especulativa


19/7/2011 9:24,  Por Deutsche Welle

via CORREIO DO BRASIL

Jovens empresas online como o LinkedIn são atualmente as favoritas dos investidores. Munidos de gordas somas, eles especulam que algo grandioso irá acontecer, o que lembra os tempos da “bolha” da New Economy, pouco antes da virada do século.
Será a história que se repete? Desde meados de maio, empresas pontocom se lançam, uma atrás da outra, nas bolsas de valores dos Estados Unidos, aproveitando-se da euforia em torno das assim chamadas mídias sociais.
Segundo estimativa da emissora CNBC, o valor do Facebook, quando entrar no mercado de ações, deverá ultrapassar os 100 bilhões de dólares. Isso significa que o valor de mercado da rede social seria superior ao do Deutsche Bank, Deutsche Post e Lufthansa juntos – para citar três conglomerados alemães de peso internacional.

Paralelos e diferenças

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Reid Hoffman, fundador do LinkedInO número é respeitável: a rádio online Pandora é ouvida por mais de 90 milhões de usuários em todo o mundo. O problema é que o lucro da empresa é zero, e isso não deverá mudar num prazo previsível. Então o que justifica sua cotação de mercado de 3 bilhões de dólares?
Recentemente, tanto ela como a rede profissional online LinkedIn entraram na bolsa, enriquecendo seus proprietários originais. Nos próximos meses, várias outras firmas – como o site de jogos Zynga e o de descontos Groupon – planejam dar o mesmo passo, com cotações megalomaníacas.
Mesmo sem produzir um único centavo de lucro, a Pandora foi efusivamente saudada pela Bolsa de Valores de Nova York e pelos analistas de mercado. Já as ações do LinkedIn duplicaram de cotação poucas horas após seu lançamento. “Está uma loucura aqui”, descreveu a apresentadora da rede de TV ABC.
Só que, depois dessa vertiginosa valorização inicial, logo em seguida os títulos caíram sensivelmente. As comparações com a “bolha pontocom”, que explodiu no final da década de 1990, são inevitáveis. Scott Kessler, perito em internet da agência de rating Standard & Poor’s, estava em Wall Street na ocasião: “Havia centenas de empresas sem qualquer modelo de negócios. Todos sabem aonde isso levou”.
Porém aqui reside uma diferença quanto ao fenômeno atual: não são centenas, mas sim cerca de uma dezena de firmas pontocom e de mídia social lançando-se no mercado de títulos. E os calouros têm tanto um modelo de negócios quanto investidores poderosos por trás.

Cotações vertiginosas, faturamento zero

Há pouco a Zynga também anunciou a intenção de emitir ações. Ela é conhecida por jogos de computador, como o Farmville. E, bem ou mal, em 2010 alcançou um lucro de 90 milhões de dólares. Quando entrar para Wall Street, no próximo trimestre, deverá contar com uma cotação de aproximadamente 10 bilhões de dólares.
Já o Facebook ostenta 750 milhões de usuários registrados, em todo o mundo. O mercado espera uma cotação entre 100 bilhões e 200 bilhões de dólares quando a empresa entrar na bolsa, no início do próximo ano. Para comparar: a capitalização da HP (Hewlett-Packard), maior fabricante de computadores do mundo, encontra-se atualmente em 70 bilhões de dólares.
O empresário Bo Peabody criou sua própria plataforma online no final dos anos 90, e ainda hoje ele investe exclusivamente em empresas de internet. Mas mantém distância das redes sociais, pois não consegue perceber qual seria o modelo de sucesso delas.
“No caso das redes sociais, não se trata realmente de empresas de mídia. São as pessoas que falam e se comunicam entre si. Não é fácil ganhar dinheiro com algo assim. As operadoras de telefone, por exemplo, cobram taxas pelas conversas ou pela linha. As redes sociais tentam lucrar com a publicidade. Mas é difícil colocar propaganda no meio das conversas”, analisa Peabody.

Google-Yahoo x Facebook & cia.

Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:  Google x Facebook: duas realidades virtuais diferentesKessler continua apostando no sucesso das empresas de tecnologia. Entretanto, em sua opinião, isso não significa investir nos novos cometas no firmamento internáutico. Os paralelos com a “bolha pontocom” existem, porém “uma grande parte das empresas de tecnologia, sobretudo as estabelecidas, estão com as cotações mais atraentes das últimas décadas”, afirma.
O perito se refere especialmente às cotações de empresas como Google ou Yahoo. Em sua opinião, elas estão extremamente subvalorizadas e, com o hype em torno de Facebook e companhia, foram deixadas de lado de forma precipitada.
Para que ocorra uma crise semelhante à de dez anos atrás, seria preciso que muito mais firmas – e muito mais obscuras – entrassem no mercado de ações. No momento, esse não é o caso. O que não significa que seja totalmente livre de riscos empatar capital em ações como as de Pandora, Facebook, Groupon, Twitter ou Zynga.

Autor: R. Wenkel / J. Korte / A. Valente
 
Revisão: Alexandre Schossler

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A história barateada e a recuperação da inocência

Escrito por Cassiano Terra Rodrigues  no CORREIO DA CIDADANIA


No livro Conversas com Woody Allen, é de se notar o seguinte:

Eric Lax: Como era a primeira ideia para A rosa púrpura do Cairo?

Woody Allen: Quando tive a ideia, era só um personagem que desce da tela, grandes brincadeiras, mas aí pensei, onde é que isso vai dar? E me veio a ideia: o ator que faz o personagem vem para a cidade. Depois disso, a coisa se abriu feito uma grande flor. A Cecília precisava decidir e escolher a pessoa real, o que era um passo à frente para ela. Infelizmente, nós temos de escolher a realidade, mas no fim ela nos esmaga e decepciona. Minha visão da realidade é que ela sempre foi um lugar triste para estar... mas é o único lugar onde você consegue comida chinesa.

O novo filme de Woody Allen, “Meia-noite em Paris” (Midnight in Paris, com roteiro e direção próprios, Espanha/EUA, 2011), retoma e inverte a ideia de A rosa púrpura do Cairo: agora, em vez de um filme, uma cidade (de muitos sonhos), Paris; em vez de uma mulher, um homem, Gil (Owen Wilson), roteirista de filmes de qualidade duvidosa em Hollywood, prestes a terminar seu primeiro romance, ambicioso para realizar todo seu talento e mudar a carreira; mas, em vez de um abandono da realidade maçante... bem, aí é que está o nó, digamos assim.

De certa forma, há a retomada da ideia da realidade eivada de sonho e fantasia: em Paris, Gil entra em um automóvel antigo que o leva de volta à Paris dos anos 20, povoada pelos artistas vanguardistas que ele tanto admira: Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Luís Buñuel, Picasso... Nessa viagem ao passado, ele se encontra como escritor, descobre o amor e a si mesmo. Ao mesmo tempo, esse deslocamento espaço-temporal – dos EUA à Europa, dos anos de 2010 aos de 1920 – articula ao menos dois temas importantes: a perda da inocência e a recusa da realidade do presente. Antes de prosseguir, um aviso ao leitor: quem não quiser saber o final do filme, deve parar a leitura.

O tempo todo no filme duas perguntas estão interligadas: que relação podemos ter com a cultura? Qual o sentido da permanência do passado? A primeira liga-se à perda da inocência e é um tema caro à literatura escrita nos EUA (lembre-se Henry James, por exemplo). Com efeito, a personagem que deixa os EUA e vai à Europa em busca de conhecimento, história, cultura etc. serve para discutir o que significa ser americano. Essa viagem a Paris (a real ou a idealizada) pode ser entendida como uma busca por legitimidade identitária, a colônia buscando sua identidade cultural retornando às suas raízes na metrópole. Assim como na literatura, também no filme (e já em Vicky Cristina Barcelona, de 2008) vemos uma contumaz crítica à futilidade e superficialidade da sociedade americana, dominada pelo consumismo e pelo utilitarismo: a noiva de Gil, Inez (Rachel McAdams), e sua família só pensam em dinheiro, em satisfação imediata pelo consumo e em manter seu alto padrão de vida. A fala de sua mãe, Helen (Mimi Kennedy), é reveladora dessa atitude: “Barato é barato.” Ela pensa que Gil é barato e só dá valor ao que pode ser comprado caro (uma cadeira antiga, roupas ou restaurantes etc.), mas a relação viva que Gil mantém com a literatura não lhe é cara – antes, parece-lhe excentricidade e esquisitice. Parece, assim, que o esnobe Paul (Michael Sheen) é um espelho de Helen: derramando nomes, conceitos, datas e análises formais, complicadas e equivocadas por todo lugar, a cultura parece ser, para ele, erudição a serviço da vaidade, um grande baú de objetos, um grande estoque de supermercado, do qual ele pode sacar o melhor para cada ocasião, o melhor para capitalizar seu verniz social. Inez, Helen e Paul são personagens que bem ilustram como, na pós-modernidade, a integração da produção estética à produção de mercadorias banaliza toda criatividade, barateia toda inovação. Sabe-se bem o resultado, exaustivamente analisado por Fredric Jameson: tudo é pastiche, tudo é “imitação de estilos mortos, a fala através de todas as máscaras estocadas no museu imaginário de uma cultura que agora se tornou global” (Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, p. 45).

Gil é o único a perceber o pastiche, mas tarda a perceber o caso entre Paul e Inez. Quando percebe, resolve abandonar definitivamente todo esse mundo. Desse ponto de vista, a perda da inocência pode significar que ele também deixa de lado o “american way of life” e sua ideologia de “winners x losers”. Mas, aqui, surpreende-nos um desvio! É o francês Gilles Deleuze, no belo ensaio “Da superioridade da literatura anglo-americana”, quem afirma: “Fugir não é exatamente viajar, tampouco se mover. Antes de tudo porque há viagens à francesa, históricas demais, culturais e organizadas, onde as pessoas se contentam em transportar seu ‘eu’”. É exatamente isso que faz principalmente Paul no filme; não desprezemos mais essa chama na rinha das vaidades França x EUA.

Durante todo o filme fica evidente que Gil não se sente bem em meio a tanto consumismo e vaidade. Ele sonha com uma Paris que não existe mais e, fugindo para ela, numa grande fantasia dentro do filme, encontra tudo o que quer e não tem em seu tempo. A fantasia do filme nos faz perguntar qual a função da arte numa sociedade consumista. É claro que temos de questionar qual o sentido da criação artística em nossas vidas; na verdade, que sentido damos à criação de nossas vidas. As pressões da noiva e da família dela são pelo uso instrumental de sua arte – Gil deve continuar escrevendo roteiros para filmes classe Z e, com isso, ganhar muito dinheiro para sustentar os gostos decorativos de sua noiva. A viagem à Europa, afinal, era só para um breve e profícuo aculturamento, que deveria, no retorno ao lar, se converter em muitos dólares – o ar de sofisticação de um produto local vem das brisas que ele tomou na Europa. Um belo ideal de macho burguês, no fim das contas. Já insistia Hegel, no século XIX: se a arte desistir dos grandes interesses do espírito, tornando-se meramente decorativa e ilustrativa, terá deixado de ser arte. E, com efeito, arte, em sentido pleno, já era para Hegel uma coisa do passado, que tinha atingido seu apogeu entre os gregos, já que o reconhecimento de nós mesmos e de nosso lugar no mundo só para poucos passa pela experiência artística – não à toa Gil sente-se deslocado, pois só ele parece recusar essa morte da arte. De fato, ele se desloca, uma vez no espaço e duplamente no tempo; e também podemos dizer que essa forma de Woody Allen problematizar a relação modernidade x pós-modernidade não dá de barato sua admiração pela história e pela cultura modernista.

A viagem ao passado o faz encontrar Adriana (Marion Cotillard), jovem estudante de moda que, na Paris dos anos 20, torna-se amante de Picasso. Juntos, fazem uma viagem ao passado dentro do passado, à Paris dos sonhos de Adriana: a Belle Époque de Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin, Degas e tantos outros expressionistas, simbolistas etc. Nesse momento, Gil tem uma revelação e é também então que a articulação espaço-temporal revela seu sentido. Ele recusa a possibilidade de aceitar totalmente a fantasia da fantasia e ficar na Paris da Belle Époque, numa viagem ao passado do passado; reconhece suas ilusões serem impossíveis, decide voltar a 2010 e viver em seu tempo.

Ora, isso não significa que, no fim, Gil se torne um esquizofrênico pós-moderno, um historicista fixado em imagens de um passado modernista e irrecuperável. Ao contrário, o filme parece sugerir justamente o oposto. Sua consciência súbita da insuficiência da nostalgia extemporânea não significa uma concessão ao consumismo superficial – antes, renova seu olhar: as ruas de Paris; a diferença de iluminação a marcar as diferenças entre as épocas; e, por fim, as luminosas cenas finais do close em Gabrielle (Léa Seydoux) e do close em Gil, indicam a possibilidade de renovação do olhar (arriscamos dizer que a luz – Paris, cidade luz... – é personagem central do filme; o trailer dá uma breve amostra e pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=BYRWfS2s2v4 ). Gil rompe com todas as suas relações, abandona a noiva fútil, a rendosa carreira de roteirista medíocre em Hollywood e decide ficar em Paris, dando novo sentido à sua vida – apenas por ter fugido da vida que tinha ele pode agora criar a própria vida.

Woody Allen certa vez disse que trazemos em nós mesmos as sementes de nossa própria destruição. “Meia-noite em Paris” acrescenta uma nota otimista a essa afirmação psicanalítica e trágica: também trazemos as sementes de nossa recriação. Descobrimos a terra fértil onde plantá-las ao começarmos uma fuga e um desvio.

Cordiais saudações.

* * *
AUTO-INDULGÊNCIA: Os leitores devem perdoar duplamente a este escritor. Em primeiro lugar, pela demora em escrever novos textos. Em segundo lugar, pela auto-propaganda: a partir de agosto, será oferecido, na PUC-SP, o curso de extensão “Diálogos entre filosofia, cinema e humanidades: o cinema como construção do conhecimento”, coordenado por este que vos escreve. Mais infos seguindo o link: http://cogeae.pucsp.br/cogeae/curso/4326.

Cassiano Terra Rodrigues é professor de filosofia na PUC-SP e sempre que pode busca traçar linhas de fuga.

Os preços e a exploração do consumidor no Brasil

Editorial do SUL21

Tudo no Brasil é caro. A ladainha de sempre é de que a culpa é dos impostos e do “custo Brasil”, formado basicamente por encargos sociais. Paga-se muito imposto no Brasil e, por este motivo, os produtos são caros, afirmam. Bela balela, pura mentira. Que se pagam altos impostos no Brasil é verdade, mas não é apenas este o motivo de o consumidor brasileiro pagar tudo muito mais caro do que os dos demais países. O “custo França”, com certeza, é equivalente ao brasileiro.
A matéria do final de semana do Sul21 sobre o preço dos livros no Brasil é um exemplo do que se afirma aqui. Os livros são caros não pelo motivo dos impostos, já que os livros são isentos de tributação desde os anos 50 do século passado. Tanto os livros quanto os automóveis, as ligações telefônicas (de aparelhos celulares e de fixos), as roupas, os dentifrícios etc. etc. etc. são caros basicamente porque, além dos impostos, o mercado consumidor brasileiro é relativamente pequeno, mas principalmente porque as margens de lucro praticadas no país são excessivamente altas.
Nada contra os lucros, quando eles são razoáveis. O produtor, o distribuir e o comerciante precisam ser remunerados. Não fosse assim, não existiria a economia de mercado e não há nada a vista que nos autorize acreditar que ela esteja prestes a se extinguir e/ou a ser substituída por outra forma de organização econômica.
Tudo contra a ganância desvairada, imperante no Brasil. Durante muitos anos, desde que se instalou a ciclo de industrialização dependente e associado (aos capitais internacionais) no país, o consumo restringiu-se a uma pequena fatia da população, nunca maior do que 25% do total populacional. Como se produzia para poucos, vendia-se (muito) caro para que se pudesse gerar o ganho necessário para manter e reproduzir o sistema.
Foi assim desde os anos 50, na era JK, com a introdução da indústria automobilística e sociedade de massas no país. Foi assim desde os anos 70, no período do “milagre econômico brasileiro” durante a ditadura militar, com a reserva de mercado e a dificuldade de importação de produtos de fora. Foi assim nos anos 90, na com a “abertura dos portos” e a invasão de produtos importados da era Collor de Melo.
Tudo começou a mudar nas eras Itamar Franco, FHC e Lula, com o aumento do mercado consumidor desde o Plano Real. As sucessivas (foram três) quebras econômicas do país e as privatizações não alteraram o ritmo da expansão do mercado interno brasileiro iniciado com Itamar e aprofundado com Lula.
A entrega de setores estratégicos da economia à iniciativa privada (internacional e nacional), ocorrida no período FHC sem a devida implantação de mecanismos de controle eficientes, gerou distorções que ainda hoje se mantém. Os serviços telefônicos no Brasil são os segundos mais caros do mundo (e de péssima qualidade)! Os automóveis brasileiros são tão caros que se paga aqui o preço de um carro de luxo (tipo um SUV de última geração) por um réles 1.4 parcamente equipado! As roupas de grife, vendidas aqui a preço de ouro (tipo Tommy, Lacoste, Zara), são compradas no exterior por cerca de 1/3 dos que se paga no Brasil! Hoje, muitos dos que possuem renda, viajam ao exterior para fazer compras. O que economizam por lá, paga a passagem, a estadia e sobra ainda para a poupança.
Há um problema de escala, sem dúvida. Como se vende menos, se compensa aumentando a margem de lucro para se manter o ganho final. Acontece que se os preços são altos em demasia, mesmo que os ganhos dos consumidores aumentem (como está ocorrendo atualmente), nunca se conseguirá atingir um volume de consumo que possibilite a diminuição dos preços finais, em virtude do aumento da escala de vendas.
Hoje, na verdade, nem mesmo a justificativa do tamanho do mercado consumidor interno brasileiro se sustenta. Os carros produzidos no Brasil, por exemplo, são vendidos no mundo todo, já que o mercado é global. Além disso, a ascensão social de mais de 32 milhões de pessoas e a queda de 43% da população miserável ocorridas no Brasil nos últimos oito anos fez com que fosse incorporado ao mercado interno do país um contingente de consumidores superior à população total da Espanha ou mais do que uma vez e meia a população do Canadá. O crescimento da classe média brasileira, neste mesmo período, foi equivalente ao número total de moradores de duas Bélgicas.
Segundo projeções do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (RJ), se for mantido o ritmo atual de crescimento, o Brasil terá incorporado até o ano de 2014 mais do que uma França de cidadãos às classes A, B e C ou um total de 68 milhões de pessoas. Está mais do que na hora, portanto, de o consumidor se impor e exigir redução de preços e melhoria de serviços. Que tal começar campanhas na internet, nas redes sociais e também por meios dos movimentos populares e partidos políticos pela redução das margens de lucro excessivas e pelo respeito ao consumidor?