sábado, 17 de setembro de 2011

Campanha declara apoio à luta do povo haitiano por ensino público de qualidade


Karol Assunção
Jornalista da Adital


O artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que "toda pessoa tem direito à educação” e que "a educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental”. Entretanto, não é bem isso que se observa no Haiti. Se antes do terremoto de janeiro de 2010 o sistema educacional no país já era deficiente, com uma taxa de analfabetismo de 60% e com mais de 80% de escolas privadas; a situação após o sismo, que destruiu 5 mil escolas, continua crítica, sem a promoção de uma educação pública e de qualidade.
Foi por conta desse quadro que a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade) divulgou, no mês passado, uma "Declaração de apoio ao povo haitiano em sua luta por uma educação pública e gratuita para todos e todas sem discriminação”. No documento, a rede se solidariza com a população haitiana e com o Reagrupamento Educação para Todos e Todas (Rept), coalizão do Haiti que luta por uma educação pública, de qualidade e sem discriminação no país.

Notícias apontam que 80% das escolas que existem atualmente no país são particulares. Situação que agrava ainda mais a realidade do Haiti, que possui cerca de 70% de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza.As organizações alertam para as ações promovidas pelo Governo haitiano no campo educacional após o terremoto do ano passado. De acordo com elas, autoridades do país e Instituições Financeiras Multilaterais estão "direcionando a reconstrução do sistema educativo no país para aprofundar a privatização da educação no Haiti e a desresponsabilização do Estado”.
"Recordamos que durante o processo de campanha eleitoral no Haiti, Joseph Michel Martelly tinha como uma de suas bandeiras a garantia da gratuidade da educação no país. Ao contrário do compromisso assumido, o presidente eleito hoje promove, com fundos das Instituições Financeiras Multilaterais, um sistema de transferência de recursos às famílias para que ponham seus filhos e filhas nas escolas do setor privado”, ressaltam.
As organizações - que levantam a bandeira de uma educação pública, gratuita, de qualidade, e disponível, acessível, aceitável e adaptável a todos e todas – ainda aproveitam o documento para repudiar a criminalização dos movimentos sociais e pedir justiça para os casos de violência ocorridos contra os lutadores sociais haitianos.
"Em tal sentido, manifestamos nossa preocupação pela impunidade que se mantém no caso de Jean Anil Louis Juste, professor da Universidade do Estado do Haiti (UEH), assassinado no dia 12 de janeiro de 2010 antes do terremoto, assim como o assassinato do professor sindicalista Jean Louis Filbert, ocorrido quando participava de uma marcha a favor do direito à educação pública. Também repudiamos a violência sofrida pelo estudante Mathieu Frantz Junior, da Faculdade de Etnologia, quem foi ilegalmente detido dentro deste espaço universitário e maltratado por forças do corpo da Minustah [Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti] há um ano”, destacam.
As organizações reforçam o pedido de desmilitarização do país ao mesmo tempo em que pedem ao Estado a garantia da integridade dos protestos pacíficos e dos defensores de direitos humanos que lutam por uma educação pública no país, e a aprovação de uma Lei Geral de Educação que assegure o direito humano à educação pública, gratuita e de qualidade.
A declaração completa está disponível em: http://www.campanaderechoeducacion.org/financiacion/?p=326

Comandante Carlos Lamarca (1937-1971): vencer ou morrer


170911_lamarcaOusar Lutar Ousar Vencer - [Celso Lungaretti] 
No dia 17 de setembro de 2011 completam 40 anos da morte do comandante Carlos Lamarca, que estava debilitado e indefeso quando foi covardemente executado pela repressão ditatorial no sertão baiano, em 17 de setembro de 1971, numa típica vendetta de gangstêres.

O que há, ainda, para se dizer sobre Lamarca, o personagem brasileiro mais próximo de Che Guevara, por história de vida e pela forma como encontrou a morte?
Foi, acima de tudo, um homem que não se conformou com as injustiças do seu tempo e considerou ter o dever pessoal de lutar contra elas, arriscando tudo e pagando um preço altíssimo pela opção que fez.
Teve enormes acertos e também cometeu graves erros, praticamente inevitáveis numa luta travada com tamanha desigualdade de forças e em circunstâncias tão dramáticas.
Mas, nunca impôs a ninguém sacrifícios que ele mesmo não fizesse. Chegava a ser comovente seu zelo com os companheiros -- via-se como responsável pelo destino de cada um dos quadros da Organização e, quando ocorria uma baixa, deixava transparecer pesar comparável ao de quem acaba de perder um ente querido.
Dos seus melhores momentos, dois me sensibilizaram particularmente.
Logo depois do Congresso de Mongaguá (abril/1969), quando a VPR saía de uma temporada de luta interna e de quedas em cascata, o caixa estava a zero e a rede de militantes, clandestinos em sua maioria, carecia desesperadamente de dinheiro para manter as respectivas fachadas -- qualquer anomalia, mesmo um atraso no pagamento de aluguel, poderia atrair atenções indesejáveis.
Mas, o chamado grupo tático fora o setor mais duramente golpeado pelas investidas repressivas.
Então, quando se planejou a expropriação simultânea de dois bancos vizinhos, na zona Leste paulistana, o pessoal experiente que sobrara não bastava para levá-la a cabo.
Eu e os sete companheiros secundaristas que acabáramos de ingressar na Organização fomos todos escalados -- na enésima hora, entretanto, chegou a decisão do Comando, que me designou para criar e coordenar um setor de Inteligência, então fiquei de fora.
Lamarca, procuradíssimo pelos órgãos repressivos, fez questão de estar lá para proteger os recrutas no seu batismo de fogo. Os outros quatro comandantes tudo fizeram para demovê-lo, em nome da sua importância para a revolução. Em vão. A lealdade para com a tropa nele falava mais alto.
Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso: ele não entraria nas agências, mas ficaria observando à distância, pronto para intervir caso houvesse necessidade.
Houve: um guarda de trânsito, alertado por transeunte, postou-se na porta de um dos bancos, arma na mão, pronto para atingir o primeiro que saísse.
Lamarca, que tomava café num bar a 40 metros de distância, só teve tempo de apanhar seu .38 cano longo de competição, mirar e desferir um tiro dificílimo -- tão prodigioso que, no mesmo dia, a ditadura já percebeu quem fora o autor. Só um atirador de elite seria capaz de acertar.
Segundo o Darcy Rodrigues, foi a vida dele que Lamarca salvou. O próprio, contudo, contou-nos que seria um dos novatos o primeiro alvejado.
Como resultado, a repressão teve pretexto para fazer de Lamarca o inimigo público nº 1 -- e, claro, o fez. A imagem dele foi difundida à exaustão, obrigando-o a redobrar cuidados e até a submeter-se a uma cirurgia plástica.
Também teve de brigar muito com os demais dirigentes e militantes, para salvar a vida do embaixador suíço Giovanni Butcher, quando a ditadura se recusou a libertar alguns dos prisioneiros pedidos em troca dele e ainda anunciou que o Eduardo Leite (Bacuri) morrera ao tentar fugir.
Dá para qualquer um imaginar a indignação resultante -- afinal, as (dantescas) circunstâncias reais da morte do Bacuri ficaram conhecidas na Organização.
Mesmo assim Lamarca não arredou pé, usando até o limite sua autoridade para evitar que a VPR desse aos inimigos o monumental trunfo que as Brigadas Vermelhas mais tarde dariam, ao executarem Aldo Moro. O episódio foi tão traumático que ele acabou deixando a VPR.
E, no MR-8, novamente divergiu da maioria dos companheiros -- quanto à sua salvação.
Pressionaram-no muito para que saísse do Brasil, preservando-se para etapas posteriores da luta, pois em 1971 nada mais havia a se fazer. Aquilo virara um matadouro.
Conhecendo-o como conheci, tenho a certeza absoluta de que não perseverou por acreditar numa reviravolta milagrosa. Em termos militares, suas análises eram as mais realistas e acuradas. Nunca iludia a si próprio.
O motivo certamente foi a incapacidade de conciliar a idéia de fuga com todos os horrores já ocorridos, a morte e os terríveis sofrimentos infligidos a tantos seres humanos idealistas e valorosos. Fez questão de compartilhar até o fim o destino dos companheiros, honrando a promessa, tantas vezes repetida, de vencer ou morrer.
Doeu -- e como! -- vermos os militares exibindo seu cadáver como troféu, da forma mais selvagem e repulsiva.
Mas, ele havia conquistado plenamente o direito de desconsiderar fatores políticos e decidir apenas como homem se preferia viver ou morrer.
Merece, como poucos, nosso respeito e admiração.
Celso Lungaretti é jornalista e ex-preso político da ditadura militar brasileira (64-85), tendo participado da luta armada.

Dor de barriga e fel no “Bom Dia Brasil” e nos jornalões impressos

Créditos: BLOG DA MILITÂNCIA

É assim que a imprensa quer o Brasil
“Desconfio que quem presta para o PIG são os tucanos (FHC, Serra e CIA.), que venderam o Brasil, foram ao FMI três vezes com a pires na mão, além de oficializarem a política externa de subserviência”. 

Os jornalões impressos do Brasil e o principal jornal televisivo matutino de tevê aberta, o “Bom (Mau) Dia Brasil”, da TV Globo, além das rádios CBN e Jovem Pan, não gostam do Brasil e por isso cosnpiram contra o desenvolvimento do País, bem como torcem contra os megaeventos a ser realizados nesta segunda década do século em terras brasileiras, como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Creio, e não duvido, que o Partido da Imprensa Golpista, o famigerado PIG, vai tentar boicotar outro megaevento, este da Igreja Católica, que vai ser realizado em 2013. O Papa Bento XVI anunciou que o Rio de Janeiro será a próxima cidade a receber a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que, segundo o Governo brasileiro, vai atrair dois milhões de turistas. É muito dinheiro, não acha cara leitor?
O Brasil atravessa uma fase esplendorosa, e estaria melhor se não fosse o PIG com seu jornalismo irresponsável, conservador e de oposição política e ideológica. Porque, como afirmei em outros artigos, o PUG é ideológico e combate governos trabalhistas historicamente, mesmo se essas administrações propiciarem desenvolvimento econômico e social à população e favorecer, inclusive, que a imprensa nativa, colonizada, provinciana e tosca tenha lucros e dividendos.
Não importa aos barões da imprensa e aos empresários das diversas mídias de perfis hegemônicos e monopolistas os avanços e as conquistas do povo brasileiro. O que importa é defender o capital privado e lançar no ventilador frases vazias e embusteiras como “defendemos a liberdade de expressão e de imprensa”, quando a realidade é que esses empresários e seus jornalistas que ocupam cargos de confiança defendem a liberdade de expressão deles, bem como o direito de imprimir, que eles confundem, por má-fé, com direito de expressão.
Na verdade, essas empresas privadas, que representam (e somente isto) os interesses de grupos empresariais querem que o Brasil se dane, que o povo se dane e por isso fazem uma campanha sórdida, nefasta, manipuladora e mentirosa contra as ações programáticas do governo trabalhista, apesar de a TV Globo, depois do caso do ministro da Defesa Celso Amorim, ter lançado “seus” Princípios Editoriais”, pois que vazou ordem dada em reuniões de pauta para que o ministro fosse perseguido, além de propiciar entrevistas com fontes militares que contestassem Celso Amorim como ministro da Defesa.
Os “Princípios Editoriais” duraram pouco. Não mais do que uma edição do “Jornal Nacional”. É evidente. Além do mais, não acredito que qualquer cidadão brasileiro minimamente sensato tenha acreditado em tais “princípios” de uma empresa que apoiou até golpe militar. É incrível. Mas ao acordar e ligar a televisão os jornalistas do “Bom (Mau) Dia Brasil” estavam a atacar a Compa do Mundo, o Governo, o Papa, Deus e quem mais ousasse se meter com o desejo e a vontade deles.
Anunciaram o caos no Brasil, como se o nosso País estivesse na mesma situação de seus países-ídolos, como os Estados Unidos, a França, a Itália, a Inglaterra e a Espanha, somente para ficar nesses, porque todo mundo sabe que a Europa derreteu a partir da crise de setembro de 2008 e os EUA, país que coloniza as mentes desses “gênios” da imprensa tem atualmente 46 milhões de pobres, além de experimentar um crescimento econômico ridículo que beira a zero.
Mas, para eles, o Brasil não presta, o Lula não presta, a Dilma não presta e os eventos realizados no País e no Rio de Janeiro, estado que superou, nada mais e nada menos, São Paulo em investimentos, não vão dar certos, se depender do PIG, é claro. A imprensa brasileira colonizada, provinciana e de direita é uma das piores do mundo, porque não faz jornalismo e atua de forma panfletária, sem, no entanto, dar voz àqueles que ela combate, agride, injuria e calunia. Nunca ouve o lado atingido e, quando se dispõe a ouvi-lo, não concede o espaço adequado e justo para a pessoa difamada.
Desconfio que quem presta para o PIG são os tucanos (FHC, Serra e CIA.), que venderam o Brasil, foram ao FMI três vezes com a pires na mão, além de oficializarem a política externa de subserviência — “A do Tirar os Sapatos” em aeroporto de país desenvolvido, como o fez o chanceler do governo FHC, embaixador Celso Laffer.
Como disse anteriormente, acordo e ligo a televisão. Renato Machado, Renata Vasconcelos, Zileide Silva, Míriam Leitão se revezam no bombardeio ao governo e aos interesses do Brasil. Alexandre Garcia, que foi porta-voz da ditadura no período do general João Figueiredo não está presente à edição de hoje do “Mau Dia Brasil”. “Menos um para agüentar” — penso. Entretanto, lá vêm as pedradas.
Apesar de o Governo publicar na internet o calendário da construção e reforma dos estádios; apesar de o cronograma estar em dia, com poucos atrasos, os jornalistas insistem em afirmar que nada vai dar certo, que tudo não funciona, que o Brasil e os brasileiros são incompetentes e que, só faltou dizer, que até bola para os jogadores jogar vai faltar. Foi, realmente, demais!
Quase fui a nocaute, mas logo me recuperei, porque sei que o PIG não tem jeito, que é do contra e que torce, fervorosamente contra o Brasil e a favor dos estrangeiros. A imprensa golpista e subserviente e colonizada sempre foi assim, desde os tempos do estadista Getúlio Vargas. O PIG come naftalina no café da manhã e bebe fel. Logo depois veio outra matéria.
A dupla Renato e Renata fizeram a pergunta a Míriam, que fez considerações sobre o governo brasileiro — eu disse brasileiro — ter aumentado o IPI de carro importado para, evidentemente, considero eu que não sou economista, proteger a indústria nacional, fomentar a pesquisa no setor, bem como defender os empregos dos trabalhadores daqui e não os de lá.
Para minha “surpresa” (heheheheh), a “maior” economista do Partido da Imprensa afirmou: “A medida tem impacto direto sobre a livre concorrência. É uma medida protecionista, sem dúvida e fere as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), que proíbe que o produto estrangeiro seja discriminado nos impostos locais”. A resumir: Míriam Leitão, a meu ver, vai denunciar o governo brasileiro para a OMC. Seria cômico se não fosse trágico. Ou, seria trágico se não fosse cômico.
Sugiro a nossa nobre ministra da Fazenda da TV Globo que ela fale com os filhos do Roberto Marinho, que são os presidentes das Organizações(?) Globo, para que os ministro das Relações Exteriores da Globo News, Luiz Felipe Lampreia, denuncie o mais rapidamente o Brasil, que ousa proteger seu mercado interno, mesmo a Míriam Leitão saber que foi exatamente este mercado que protegeu o Brasil da crise de 2008.
Se o Lampreia for incompetente para atuar em tão escabroso caso, que a Míriam ou os filhos do Roberto Marinho apelem para o Celso Laffer. O problema é que não sei se os gringos vão respeitar um homem que representava o Brasil e seu povo que tirou os sapatos a mando de um servidor subalterno no aeroporto de Nova Iorque. Eles odeiam o Brasil e desprezam seu povo. Mas não abrem mão de ganhar muito dinheiro aqui, além de ter, obviamente, trabalhadores brasileiros.
Por fim, desliguei a televisão e fui trabalhar, antes que, como eles, eu ficasse também com dor de barriga. Por outro motivo, lógico. Antes de fechar a porta da casa, bati três vezes na porta de madeira e fiz o sinal da cruz. Não se pode “dar mole”, como diz a gíria popular, depois de assistir o “Bom (Mau) Dia Brasil” e ler as manchetes de alguns jornais. É isso aí. 

Davis Sena Filho

Livro recoloca pensamento de Paulo Freire sobre comunicação




Por Reiko Miura no FPA

O livro "Comunicação e cultura: as ideias de Paulo Freire", de Venício A. de Lima, será lançado no dia 19/9, às 19hs, na sessão solene de abertura do 1º Encontro Paulo Freire no Distrito Federal, no Auditório da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O livro será vendido no lançamento e na loja vitual (a partir da próxima semana).
Paulo Freire fa
ria 90 anos em setembro de 2011 e para homenageá-lo, a Editora Fundação Perseu Abramo em co-edição com a Editora da UnB vai relançar o livro "Comunicação e cultura: as ideias de Paulo Freire", escrito por Venício A. de Lima.
A partir da análise da obra de Paulo Freire e de muitas horas de conversa com o educador, Venício finalizou a sua tese de doutoramento, defendida em 1979 e que foi adaptada para a primeira edição do livro. Trinta anos depois, a obra é relançada revista e com nova introdução, apresentando a atualidade do pensamento daquele que é reconhecido como o mais importante educador brasileiro. A atualidade dos temas aos quais Freire se dedicava como o direito do cidadão à comunicação o coloca lado-a-lado com pensadores atuais.
No livro, Venício apresenta as ideias de Paulo Freire em quatro capítulos, nos quais são aboradados temas como o contexto social das ideias de Freire, o conceito de comunicação e cultura de Paulo Freire e a importância do educador para os estudos de comunicação.

Leia abaixo a entrevista com Venício A. de Lima:


Como nasceu sua amizade com Paulo Freire e como foram suas conversas com ele para a elaboração de sua tese?



Quando Paulo estava no Conselho Mundial de Igrejas em Genebra fiz vários contatos com ele por carta. Em 1978, era estudante em Urbana, Illinois, e ele participou de um seminário na Universidade de Michigan. Fui lá e me encontrei pessoalmente com ele. Conversamos longamente durantes dois dias. Daí prá frente, até a sua morte em 1997, tive o privilégio de privar de sua amizade e de sua família. Fiquei, inclusive, muito amigo de Elza e, depois, de Nita, sua segunda esposa. 

Poucos conhecem o pensamento de Paulo Freire sobre comunicação. Esse seria um dos motivos para a republicação de "Comunicação e cultura: as ideias de Paulo Freire" 30 anos depois?


Com certeza. Paulo até hoje é sempre identificado apenas como educador, mas, na verdade, o seu pensamento é muito rico para várias areas do conhecimento, inclusive a comunicação. Creio que uma das razões pelas quais nos aproximamos foi exatamente essa: percebi antes de outros que ele tinha uma contribuição importante para os estudos de comunicação. 


Como Paulo Freire - que não dissociava a cultura e a educação da política - entendia a comunicação?


Como uma relação dialógica entre sujeitos em torno do objeto de conhecimento. Só que essa afirmação tem que ser entendida no contexto do pensamento de Freire sobre a sociedade e, sobretudo, o papel do sujeito na transformação criativa das condições nas quais ele se insere socialmente. É isso que tento explicar no livro. 


Você estudou a fundo a obra de Paulo Freire. De que forma ela vem influenciando educadores e comunicadores até os dias atuais no Brasil e no exterior?


Infelizmente, na área de comunicação sua influência é  muito menor do que deveria ser. Esse ano mesmo, aqui no Brasil, comemoram-se os 100 anos de McLuhan - um importante autor canadense - mas não se lembra dos 90 anos de Freire. Alguns "puristas" influentes, que irrealisticamente procuram um objeto específico para o estudo daquilo que entendem como comunicação, rejeitam Freire por acreditar que ele não é do mesmo campo de estudos. 


Quais sentimentos afloraram em você ao rever a obra sobre Paulo Freire?

Revisando agora o texto de minha tese de doutorado, escrita na segunda metade da década de 70 do século passado, me dei conta de como Freire ainda é atual. O sentimento que me dá é de agradecimento pelo privilégio de tê-lo conhecido e estudado. Espero que a segunda edição do Comunicação e Cultura: as ideias de Paulo Freire possa recolocá-lo na agenda de discussão sobre a comunicação.

Sete pontos acerca da Líbia



por Domenico Losurdo

Doravante mesmo os cegos podem ver e compreender o que está a acontecer na Líbia:

1. O que se passa é uma guerra promovida e desencadeada pela NATO. Esta verdade acaba por se revelar até mesmo nos órgãos de "informação" burgueses. No La Stampa de 25 de Agosto, Lucia Annunziata escreve: é uma guerra "inteiramente externa, ou seja, feita pelas forças da NATO"; foi "o sistema ocidental que promoveu a guerra contra Kadafi". Uma peça do International Herald Tribune de 24 de Agosto mostra-nos "rebeldes" que se regozijam, mas eles estão comodamente instalados num avião que traz o emblema da NATO.

2. Trata-se de uma guerra preparada desde há muito tempo. O Sunday Mirror de 20 de Março revelou que "três semanas" antes da resolução da ONU já estavam em acção na Líbia "centenas" de soldados britânicos, enquadrados num dos corpos militares mais refinados e mais temidos do mundo (SAS). Revelações ou admissões análogas podem ser lidas no International Herald Tribune de 31 de Março, a propósito da presença de "pequenos grupos da CIA" e de uma "ampla força ocidental a actuar na sombra", sempre "antes do desencadeamento das hostilidades a 19 de Março".

3. Esta guerra nada tem a ver com a protecção dos direitos humanos. No artigo já citado, Lucia Annunziata observa com angústia: "A NATO que alcançou a vitória não é a mesma entidade que lançou a guerra". Nesse intervalo de tempo, o Ocidente enfraqueceu-se gravemente com a crise económica; conseguirá ele manter o controle de um continente que, cada vez mais frequentemente, percebe o apelo das "nações não ocidentais" e em particular da China? Igualmente, este mesmo diário que apresenta o artigo de Annunziata, La Stampa, em 26 de Agosto publica uma manchete a toda a largura da página: "Nova Líbia, desafio Itália-França". Para aqueles que ainda não tivessem compreendido de que tipo de desafio se trata, o editorial de Paolo Paroni (Duelo finalmente de negócios) esclarece: depois do início da operação bélica, caracterizada pelo frenético activismo de Sarkozy, "compreendeu-se subitamente que a guerra contra o coronel ia transformar-se num conflito de outro tipo:   guerra económica, com um novo adversário:   a Itália obviamente".

4. Desejada por motivos abjectos, a guerra é conduzida de modo criminoso. Limito-me apenas a alguns pormenores tomados de um diário acima de qualquer suspeita. O International Herald Tribune de 26 de Agosto, num artigo de K. Fahim e R. Gladstone, relata: "Num acampamento no centro de Tripoli foram encontrados os corpos crivados de balas de mais de 30 combatente pró Kadafi. Pelo menos dois deles estavam atados com algemas de plástico e isto permite pensar que sofreram uma execução. Dentre estes mortos, cinco foram encontrados num hospital de campo; um estava numa ambulância, estendido numa maca e amarrado por um cinturão e tendo ainda uma transfusão intravenosa no braço".

Cartoon de Vicman.5. Bárbara como todas as guerras coloniais, a guerra actual contra a Líbia demonstra como o imperialismo se torna cada vez mais bárbaro. No passado, foram inumeráveis as tentativas da CIA de assassinar Fidel Castro, mas estas tentativas eram efectuadas em segredo, com um sentimento de que se não é por vergonha é pelo menos de temer possíveis reacções da opinião pública internacional. Hoje, em contrapartida, assassinar Kadafi ou outros chefes de Estado não apreciados no Ocidente é um direito abertamente proclamado. O Corriere della Sera de 26 de Agosto de 2011 titula triunfalmente: "Caça a Kadafi e seus filhos, casa por casa". Enquanto escrevo, os Tornado britânicos, aproveitando também a colaboração e informações fornecidas pela França, são utilizados para bombardear Syrte e exterminar toda a família de Kadafi.

6. Não menos bárbara que a guerra foi a campanha de desinformação. Sem o menor sentimento de pudor, a NATO martelou sistematicamente a mentira segundo a qual suas operações guerreiras não visavam senão a protecção dos civis! E a imprensa, a "livre" imprensa ocidental? Ela, em certo momento, publicou com ostentação a "notícia" segundo a qual Kadafi enchia seus soldados de viagra de modo a que eles pudessem mais facilmente cometer violações em massa. Como esta "notícia" caiu rapidamente no ridículo, surge então uma outra "nova" segundo a qual os soldados líbios atiram sobre as crianças. Nenhuma prova é fornecida, não se encontra nenhuma referência a datas e lugares determinados, nenhuma remessa a tal ou tal fonte: o importante é criminalizar o inimigo a liquidar.

7. Mussolini no seu tempo apresentava a agressão fascista contra a Etiópia como uma campanha para libertar este país da chaga da escravidão; hoje a NATO apresenta a sua agressão contra a Líbia como uma campanha para a difusão da democracia. No seu tempo Mussolini não cessava de trovejar contra o imperador etíope Hailé Sélassié chamando-o "Negus dos negreiros"; hoje a NATO exprime seu desprezo por Kadafi chamando-o "ditador". Assim como a natureza belicista do imperialismo não muda, também as suas técnicas de manipulação revelam elementos significativos de continuidade. Para clarificar quem hoje realmente exerce a ditadura a nível planetário, ao invés de citar Marx ou Lénine quero citar Emmanuel Kant. Num texto de 1798 (O conflito das faculdades), ele escreve: "O que é um monarca absoluto? Aquele que, quando comanda: 'a guerra deve fazer-se', a guerra seguia-se efectivamente". Argumentando deste modo, Kant tomava como alvo em particular a Inglaterra do seu tempo, sem se deixar enganar pela forma "liberal" daquele país. É uma lição de que devemos tirar proveito: os "monarcas absolutos" da nossa época, os tiranos e ditadores planetários da nossa época têm assento em Washington, em Bruxelas e nas mais importantes capitais ocidentais. 


O original encontra-se em http://domenicolosurdo.blogspot.com/ ; a versão em francês em
http://www.legrandsoir.info/sept-points-sur-la-libye.html 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Luta pelos direitos do trabalho é hoje vital diante da crise cabal do capitalismo

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da redação do CORREIO DA CIDADANIA

A crise financeira global vem sendo invariavelmente ‘remediada’ pelas mesmas medidas ortodoxas e neoliberais que levaram ao colapso. O Correio da Cidadania entrevistou o sociólogo Ricardo Antunes, que analisou o momento de rebeliões vivido em diversos países e continentes e as suas respectivas singularidades.


Antunes parte de um olhar profundo em direção às engrenagens capitalistas atuais e seus reflexos no mundo do trabalho. Traça, a partir daí, um renovado quadro de interpretação para a atual “ebulição social”. Busca uma visão também retrospectiva, na medida em que se volta a analogias com o passado século XX, que foi palco de guerras, lutas sociais e posteriores transformações geopolíticas, com a reconfiguração das sociedades de todo o mundo.


A partir de vários estudos que, já há alguns anos, vêm dando conta de uma nova morfologia das lutas trabalhistas, Antunes não tem dúvidas de que está em andamento uma “crise estrutural da forma de dominação do capitalismo”. O que significará renovadas quedas de braço entre dois velhos antagonistas: capital e trabalho.


Diante deste cenário, o sociólogo alerta para a necessidade de se restaurarem as pautas do mundo do trabalho, cada vez mais precarizado nos quatro cantos do Globo. Redução da jornada de trabalho e um profundo questionamento a respeito das reais necessidades de produção são os carros-chefes dessa longa e renascente batalha, que no momento ainda carece de posicionamento político coeso das classes em fúria.


Correio da Cidadania: Como você encara a crise financeira que volta a mostrar a sua força, após a intensificação das dificuldades dos EUA e dos países europeus, especialmente os menos ricos, em lidar com suas explosivas dívidas públicas? Estamos no segundo ‘round’ da crise que explodiu em 2008?

Ricardo Antunes: Eu diria exatamente isso. Não é uma nova crise, mas outro momento de uma crise estrutural muito mais profunda, financeira, na medida em que atinge instituições financeiras, corporações fortes dos EUA, Inglaterra, Itália e tantos outros países como Espanha, Portugal, Grécia etc. É preciso entender que se trata de uma crise estrutural do capitalismo, com manifestações mais profundas. Ela está colocando em xeque a própria existência da humanidade, na medida em que os recursos utilizados para sua solução – seja pra salvar os bancos, a GM ou muitas outras empresas – são recursos que aumentam a dívida de tais países e recaem sobre a população trabalhadora, que em todos eles está sofrendo cortes – de salários, previdência, saúde -, configurando um cenário de arrocho monumental na Europa.

É uma crise da própria estrutura de dominação do capital. Embora não haja alternativa a ela, é uma crise de tal profundidade que não se vislumbra qualquer prognóstico, com o mínimo de cuidado, de recuperação, mas de longo período crítico. Porque, na verdade, esse quadro sinaliza um sistema de metabolismo social profundamente destrutivo, onde a destruição ambiental, a destruição em escala monumental de força de trabalho, o desemprego e precarização estruturais são sintomas. E o receituário utilizado pelos governos pra sair da crise não vai no sentido de sequer minimamente mudar o padrão de dominação capitalista, pelo contrário, acentua as medidas destrutivas, ou seja, mais financiamento ao capital privado, mais penalização sobre o trabalho, mais recessão. No entanto, ninguém pode imaginar que, aumentando a recessão na Grécia, Espanha, Itália, Inglaterra, vá se sair dessa crise. O capitalismo está num buraco muito, muito, profundo.

Outro ponto vital a ser destacado, que também vem de 2007, é que a crise tem seu epicentro maior nos países capitalistas avançados. E na medida em que toca o coração da economia capitalista, o desastre é muito maior, pois a paralisia de agora não é do leste europeu ou do chamado terceiro mundo, mas é uma paralisia e crise que devastam parcelas importantes da economia dos países capitalistas avançados.

Portanto, é um cenário brutal para a classe trabalhadora, para os assalariados e, em qualquer análise séria, não se pode deixar de perceber a profundidade da depressão. O Mészàros tem dito há vários anos que o sistema capitalista entrou num longo ciclo depressivo, no qual o epicentro da crise pode mudar, mas num quadro tendencial crítico, e que não vivenciaríamos mais aqueles períodos de expansão e crise, as chamadas fases cíclicas, pois adentramos numa linha declinante, onde um país ou outro ora sobe, ora decai, configurando uma crise muito mais que financeira – ainda que o seja fortemente. Tal crise não é só do capital fictício, parte do capital financeiro, mas atinge, pela fusão entre bancos e atividades industriais, a própria estrutura da acumulação capitalista.


Correio da Cidadania: Em meio a essa crise estrutural, as revoltas populares estão também se espalhando mundo afora. As manifestações têm ocorrido em escala crescente nos citados países capitalistas avançados, além da África, Oriente Médio, Chile, China... Há relação direta entre estas revoltas e a crise estrutural capitalista?


Ricardo Antunes: Nas ciências sociais não podemos cravar termos como ‘relação direta’, para evitar certa mecanicidade que fizesse as pessoas raciocinarem: “toda crise econômica gera crise social e política”. O que podemos dizer é que as explosões que vemos - desde 2005 em Paris, chegando a 2010 na luta dos estudantes da mesma cidade, passando por essa leva de rebeliões, que vão dos países árabes no começo do ano, os portugueses em março, os indignados na Espanha semanas depois; antes disso, as explosões em profundidade, com conflagrações e rebeliões abertas, na Grécia, e mais recentemente na Inglaterra -, todas elas, têm múltiplos indícios e singularidades. Mas é evidente que marcam o momento em que a população trabalhadora, pobre, os imigrantes, os jovens, os não brancos, desempregados, que não participam da ciranda financeira, estão se rebelando.

Apesar de suas singularidades, essas revoltas têm traços de gênero, geração, de trabalho, de não-trabalho, são contra concepções xenofóbicas e racistas. Todas se manifestam também como descontentamento à ordem social. No caso grego, isto é claro, a sublevação foi contra o governo e suas medidas, que, seguindo o receituário destrutivo do FMI, impuseram ao país uma pragmática que só pode levar a uma destruição ainda maior. Os cortes de salários, empregos, a perda de equipamentos coletivos e públicos levaram à explosão da revolta. Fica evidente que se trata da população trabalhadora e estudantil se rebelando contra a receita capitalista e sua incidência segundo parâmetros do FMI. E a rebelião grega vem desde o ano passado, inclusive com levantes mais aguçados e paralisações.

Correio da Cidadania: Ainda que haja um clamor conjunto por democracias mais verdadeiras em todos estes países submetidos à lógica de acumulação capitalista e à ciranda financeira, muitas análises têm sido feitas quanto às singularidades de cada uma destas revoltas que estão sacudindo o planeta, especificamente no que diz respeito às suas origens, ao seu grau de organicidade e consciência política e ao seu enraizamento social. Você  considera relevante ressaltar estas singularidades?

Ricardo Antunes: Se olharmos as revoltas árabes, começando por Egito e Tunísia, que aconteceram primeiro, é claro que elas têm singularidades muito próprias. Todas elas são contrárias às ditaduras das famílias que saqueiam esses povos há décadas. Na Tunísia, essa revolução democrática teve forte apoio dos sindicatos, que conseguiu canalizar as lutas. No Cairo, a praça Tahrir se tornava o espaço por excelência de majestosas manifestações de massa, que diminuíram, mas não cessaram após a queda de Mubarak. Como se sabe, no Egito a resolução da crise veio pelo alto, feita pelo núcleo duro das forças armadas, pagas e sustentadas pelo governo estadunidense. Por isso ainda ocorrem muitas manifestações de massa no país, porque a revolução democrática se estancou nas forças armadas, sob influência dos EUA. Mas podemos dizer que nesses países árabes há uma combinação explosiva entre miserabilidade, pauperismo e ditadura.

Na Europa, o quadro é diferente. A democracia formal está sendo questionada pelos levantes populares dos jovens, por serem democracias formais cada vez mais dos ricos, em que os parlamentos estão a cada dia mais dissociados das ruas e lutas populares, completamente corroídos e dominados pelas corporações, mercado e sistema financeiro, de modo que os governos são fantoches desse sistema financeiro internacional e suas corporações. E como detonadores principais do movimento, temos a combinação explosiva de precarização estrutural do trabalho – venho dizendo desde 2008 que adentramos em nova era de precarização estrutural do trabalho em escala global -, cujo traço mais visível é a demolição, erosão, até dos empregos dos imigrantes. Eles são tratados nos países do norte, que os recebeu há 20, 30 anos pra fazer o trabalho sujo, como concorrentes, pois agora os ingleses, espanhóis, portugueses, franceses, estão querendo o trabalho sujo. E assim se amplia a onda xenofóbica, começando um processo de repressão e expulsão dos imigrantes.

Nesse sentido, podemos citar Portugal, março de 2011: o grande movimento da “geração à rasca” é de uma geração encalacrada, enrascada, sem perspectiva; imigrou, mesclou-se com o jovem português e sabe que o seu futuro imediato, estudando ou não, na melhor das hipóteses, é o emprego precário, na mais plausível, o desemprego. Ele olha para o pai e a mãe, estudados, e vê todos precarizados. E quando lá estive pude presenciar duas manifestações importantes: uma da chamada geração à rasca, convocada pelos imigrantes, com mais de 200 mil pessoas em Lisboa, além de outras cidades; e poucas semanas depois, uma das centrais sindicais, que protestaram contra a precarização dos trabalhadores(as) que ainda têm alguma estabilidade. Ou seja, as duas pontas da “Classe-do-trabalho”.

Já na Espanha, a partir de 15 maio, começaram rebeliões em Madrid, Barcelona, de norte a sul. Na Espanha de hoje, o jovem de 18 a 23 anos tem índice de desemprego oficial de 46%. E lembremos ao leitor que, há 6, 8, 10 anos, se citava o país como novo colosso europeu, o “inchamento” do rabo europeu, com o engordamento da cauda ibérica. Resultado: o jovem espanhol sabe que, se estudar, é um candidato forte ao desemprego ou, na melhor hipótese, a um emprego precário, e ainda vê seus pais perdendo a saúde, a previdência e os direitos coletivos que tinham no passado. Logo, rebela-se contra uma sociedade capitalista destrutiva que penaliza os jovens em fase de trabalho – com 18, 20, 22 anos, quando termina seu ciclo de estudos. Por quê? Porque as políticas recessivas são impostas pelos governos ventríloquos do sistema financeiro internacional dominante.

Dessa forma, é claro que há um traço anticapitalista nessas manifestações. Muitas pessoas dizem que são movimentos sem projeto. Ora, o que a contra-revolução capitalista, de amplitude global, fez nas últimas quatro décadas? Tentar destruir a todo custo o projeto político alternativo de esquerda. Isso foi o neoliberalismo e sua bárbara prática.

Assim, é evidente que não estamos em época de grandes projetos alternativos; estamos presenciando a explosão das lutas sociais, dadas por essa nova polissemia do trabalho, das lutas sociais, pela nova morfologia dos organismos representantes desses movimentos sociais. Por isso, na relativa travagem ou limitação de muitos partidos e sindicatos, os jovens foram às ruas, utilizando-se de vários instrumentos, entre eles a internet, uma forma explosiva de comunicação. Você pode ter um potencial de mobilização que no passado os sindicatos e partidos levavam meses para promover. E, na Espanha, os indignados têm uma certeza: não conseguem estudar, e, se o fazem, não têm trabalho. É uma geração rebelde pela negação.

Portanto, trata-se manifestações de muita singularidade. Os movimentos que defendem os direitos da sexualidade livre repudiaram a presença do papa na Espanha por ele ser uma expressão grotesca de uma concepção que recusa o direito das mulheres ao aborto, veda o sexo livre aos homens e mulheres, de acordo com a vontade de cada um. Enquanto a igreja, com aquela carapaça grotescamente medieval – que na Espanha é das mais duras, conservadoras, bárbaras, nefastas –, sofreu o repúdio também na figura do papa, que precisou mobilizar a sociedade conservadora, conseguindo reavivar gerações ligadas ao franquismo, que não estão mortas.

Correio da Cidadania: E o que dizer da tendência de revoltas na América Latina?

Ricardo Antunes: No caso da América Latina, podemos ir ao Chile. Estamos vivendo um majestoso movimento estudantil, de massa, com professores e pais de alunos. Há anos atrás, recebi um convite para fazer uma palestra em Santiago. Quando lá cheguei, lembrando do governo de Allende e a primeira e bela experiência de um governo de inspiração não capitalista, ainda que num processo mais reformista que revolucionário, imaginava que ainda tivessem preservado algo de suas universidades públicas. Perguntei se a universidade em questão era da província ou federal e, qual não foi minha surpresa, os professores me disseram que era privada. Fiquei pasmo de constatar que, no Chile, o ensino público superior tinha sido destruído e, quando a universidade é pública, cobra tão caro quanto as privadas.

Hoje, o que acontece é uma família remediada, pobre, ter que vender uma casa comprada em 30 anos pra subsidiar o estudo dos filhos. É uma tragédia. E depois do fim do Pinochet, a chamada Concertação, a esquerda entre aspas, a esquerda que a direita gosta, foi incapaz de tocar na situação. E temos de olhar para o Chile porque o futuro da universidade pública latino-americana passa por essa luta enorme dos estudantes de ensino médio e superior, pais e professores chilenos, comprometidos com o resgate de uma escola pública, fora dos marcos do privatismo.

Marx já nos alertava que não havia diferença entre um empresário que monta uma faculdade e outro que monta uma fábrica de sapato. Aliás, na Alemanha, o fabricante de salsicha foi muito mais competente que o fabricante de diplomas privados. No Chile, temos uma experiência rica de luta e ocupação de praças públicas, uma repressão violenta de um governo de direita, lembrando que Bachelet também reprimiu, com a diferença de que o movimento atingiu uma escalada excepcional agora.

E esses movimentos mostram a transversalidade nas questões de classe. Não há nenhum levante no qual os ricos estejam protestando. Quando os brancos estão presentes, são os brancos pobres, com os negros, imigrantes, asiáticos, latinos... A primeira manifestação completa do dia 1º de maio nos EUA foi feita pelos imigrantes. Isso porque, por triste curiosidade, o país que gerou o 1º de maio como dia de luta dos trabalhadores não celebra a data em 1º de maio. E alguns anos atrás, os chamados chicanos, os imigrantes, pararam as ruas de várias capitais para dizer “nós produzimos para os EUA, e não queremos ser tratados como cidadãos de terceira, quarta, categoria”.

Correio da Cidadania: A Inglaterra tem sido palco de um dos mais intensos movimentos na Europa nesse cenário de protestos, não?

Ricardo Antunes: Nesse cenário, chegamos à Inglaterra. Veja como é sintomático. No primeiro dia de protestos, a mídia tratou as pessoas como manifestantes. A partir do terceiro dia, a mídia mundial começou a chamar os atos de vandalismo. É impressionante. E ainda dizendo que, da direita à esquerda, todos condenam as ações ocorridas na Inglaterra. Isso não é verdade. Alguém pode considerar o New Labour como esquerda na Inglaterra? É grotesco! Não é a esquerda da Inglaterra e é tão ‘esquerda’ quanto os governos Lula e Dilma. Lá é até pior, porque o New Labour não tem mais nada a ver com o velho Labour Party, que era trabalhista e reformista autêntico. Esse atual, do Tony (ou “Tory”, conservador, de alma) Blair, o Partido Democrata inglês, partido dos grandes capitais da Inglaterra, tal como a oposição de direita daqui ou os liberais.

O que levou a essa explosão na Inglaterra? Em primeiro lugar, o assassinato de um taxista negro por uma polícia branca, asséptica e perversa. Podemos citar a morte do Jean Charles para lembrar a perversidade dessa polícia, que o matou como se fosse um militante da Al-Qaeda, assassinado brutalmente e sem defesa. É uma polícia virulenta e, como disse o Tarik Ali recentemente, seria importante contabilizar quantos negros morreram após serem presos, no caminho do carro da polícia até a delegacia. Há uma belíssima gravação, colocada no ar pela TV Cultura, de uma entrevista da BBC londrina, na qual se queria induzir um senhor a se posicionar contra as manifestações. Ele respondeu: “Mas o meu filho é negro! Ele já foi parado pela polícia pra explicar que não tinha feito nada. Temo pelo filho e pelo meu neto recém-nascido, que vai passar pelo mesmo”. Depois, a repórter, muito idiota, como manda o tom da mídia internacional dominante, perguntava: “Mas os vândalos...”.

Correio da Cidadania: Na Globonews, brasileira, houve tentativa idêntica de ‘debate’, desses que partem das ‘conclusões a priori’, com o sociólogo Silvio Caccia Bava.

Ricardo Antunes: Exatamente. O que a repórter da mídia inglesa, a exemplo de outras, não entende é que se vive uma insurreição popular na Inglaterra. É um levante que começa com o assassinato de um negro, em um bairro periférico de Londres, não por acaso onde os negros e imigrantes são maioria, e a partir disso se expande. E aí dizem, espantados, “mas os jovens vão roubar coisas das lojas, de grife!”. Mas queriam que fossem roubar o que? Não vivemos na sociedade que cultua as marcas, as grifes? Esse culto ocorre diuturnamente, na TV, no rádio, na propaganda, em mensagens subliminares, nos valores culturais, na divisão entre quem tem o carro ou a roupa de tal marca e quem não tem, determinando se a pessoa é ou não “bem sucedida”... Numa explosão dessa, é natural que os pobres, especialmente jovens, que também são influenciados por tais valores, queiram tirar sua casquinha daquilo que eles são diuturnamente instigados a ter e que a vida real os impossibilita de realizar.

Correio da Cidadania: Além do mais, não parece absurdo imaginar que parte deles visou tais lojas e marcas exatamente para externar sua contrariedade a esse modelo de sociedade que os faz ver tudo apenas pela vitrine. Ou seja, aquilo que já se viu em bancos e Mcdonalds e nem é tão inédito.

Ricardo Antunes: É verdade, é um bom ponto de vista. Tal como já se atacaram outros símbolos. A sociedade do século 20 pode ser caracterizada como a sociedade do automóvel. Há poucos anos, vimos um incêndio de automóveis que chegou à casa de 30 mil veículos na França. Agora, vemos carros sofisticados sendo queimados na Alemanha. Por quê? Porque são símbolos de riqueza, que criam essa sensação em relação aos pobres, que não têm saúde, não têm mais “welfare state”, se precisarem de uma cirurgia (o que constatei ao morar um ano na Inglaterra) têm de esperar até um ano, pois o sistema de saúde pública não funciona como antes...

Ao mesmo tempo em que os ricos... Murdoch, seu executivo do News of the World, jornal que fechou após os escândalos das escutas, também era assessor do Cameron! A população se dá conta. O assessor de um magnata corrupto da imprensa está no governo, está mandando! Uma hora tem uma explosão. E vem gente dizer que a esquerda é contra. A esquerda não é nada contra essas revoltas. Ademais, vão falar que o Guardian é jornal de esquerda? Espera um pouco, por favor! Há jornais mais e menos conservadores, mas tudo dentro da ordem. Se quisermos saber da esquerda inglesa, temos de olhar as publicações dos movimentos populares, ambientalistas, o Socialist Workers Party, um partido pequeno, mas de esquerda, dos pequenos núcleos de trabalhadores, que repudiam a tragédia que é esse governo branco e nada brando, elitista, perverso, excludente, e que critica as ditaduras do Oriente Médio. Mas o que fez o governo do branco Cameron? Repressão nas ruas, judiciário instrumentalizado para punir até quem mandou uma mensagem por internet que talvez nem fosse séria...

E por que se destaca o Mcdonalds? Porque é o exemplo da sociedade “fast-food”. Tal como os carros no século 20 foram símbolos da sociedade tayloriana-fordista, o Mcdonalds é exemplo típico da sociedade do “fast-food”, do supérfluo, do involucral, do fenomênico, combinando péssima alimentação, péssimo cuidado em saúde coletiva etc. etc.

Correio da Cidadania: As revoltas continuam tendo caráter classista, porém, no contexto dessa nova morfologia do mundo do trabalho?

Ricardo Antunes: Claro. E o contexto de fundo é uma crise estrutural, com precarização também estrutural do trabalho assalariado, em escala vista somente em 1929, 1930, 1931, 1932, no mesmo contexto da crise de 1929.

Ou seja, há uma nova morfologia das lutas sociais, que cria também uma nova morfologia nos organismos de representação de tais lutas sociais. E novas formas de manifestação. É tão verdade que as greves ocorrem intensamente em vários países do mundo – a China é hoje o país com as mais altas taxas de greve do mundo –, como também há várias outras formas de lutas, das quais as rebeliões que vemos são expressão.

Outra: elas sinalizam a transversalidade, que mescla classes, de maneira dominante. Repito, não há brancos ricos em nenhum desses levantes. Classe média sim, porque a classe média européia, pra não falar da árabe, está empobrecida e sem perspectiva futura. Mas não há ricos brancos saqueando nem quebrando nada. Estão em seus bairros fechados, com sua segurança privada.

É uma transversalidade que mescla a dimensão de classe com a de gênero. Por exemplo, quando os dois jovens negros parisienses foram mortos eletrocutados ao fugir da polícia, houve aquela enorme rebelião, formada por jovens da periferia, sem documentos, predominantemente homens. Nas manifestações de hoje, como na Espanha, a mescla entre os dois sexos é enorme. No Chile, também são estudantes homens e mulheres lutando por algo melhor.

Dessa forma, há uma transversalidade que aglutina classe, gênero, geração, etnia, sexualidade, entre tantos elementos clivados. E todos eles expressando mais ou menos explicitamente toda a lógica destrutiva da sociedade atual. Em maior ou menor dimensão, exibem coágulos, mesmo que pontilhados, de uma intuição anticapitalista. Em outros setores é mais que isso. Nas manifestações na França contra a reforma da previdência, chegaram a colocar 3 milhões de pessoas nas ruas das grandes cidades – com muitos jovens, estudantes, militantes da CGT, o PC francês, CSCT, o Novo Partido Anticapitalista.

Dependendo da realidade, é maior ou menor a presença de setores líderes nas mobilizações. Mas o tom dominante é a alta dose de espontaneidade e o descontentamento visceral com a ordem estrutural.

Correio da Cidadania: Você poderia falar um pouco mais especificamente da China nesse contexto?

Ricardo Antunes: Talvez o único quadro “diferente” seja o chinês. Imagine que a China, antes da crise de 2007-08, vinha crescendo a 12% ao ano. Ela tem quase 1,5 bilhão de habitantes. Hoje a população é pouco superior a 1,3 bilhão. Sua força de trabalho ativa logo chegará à casa de um bilhão! Quando o país caiu de 12% para 7% de crescimento, foi uma hecatombe social, pois é isso que significa a diferença de 5% a menos de crescimento na China. Lembro que em fevereiro de 2009 a imprensa chinesa falava em 26 milhões de trabalhadores rurais que migraram para as cidades e perderam seus empregos. O que eles vão fazer, voltar pra comuna rural? Lá não tem mais lugar pra ele. Além disso, o trabalhador jovem, quando migra do campo para a cidade, se ressociabiliza. Ele passa a viver as vantagens e desvantagens das cidades, sua urbe, os valores urbanos, a internet, os cafés, os bares, as festas populares. Como vão dizer, 10 anos depois, pra ele voltar pra comuna rural? Não volta. Até porque não tem o que fazer lá, pois aquele lugar não tem mais nada a ver com a sua nova subjetividade, florescida nas cidades, no que Mike Davis chama de ‘Planeta Favela’. Ele prefere viver no Planeta Favela a voltar à calmaria rural.

Por tudo isso, a China tem hoje as mais altas taxas de greve do mundo. O país sequer tinha uma legislação social protetora do trabalho. Quando o PC chinês abriu o país para a exploração do capital privado transnacional, aí que vieram mesmo pra esfolar a pele, o couro e a alma do trabalhador chinês. Depois, imagine uma dessas transnacionais escalpelando o trabalhador chinês, chegando e falando: “Olhem, vou fechar a fábrica, porque a crise me obriga”. As rebeliões aumentaram. Na época, a internet até mostrou uma assembléia de trabalhadores chineses em que, no desespero, um operário decapitou o gestor que anunciara o fechamento da fábrica. Na França, há dois, três anos, tivemos as chamadas greves selvagens, em que os sindicatos fechavam as fábricas com os gestores dentro e exigiam novas negociações.

Há um cenário muito heterogêneo de lutas. E ainda há as greves na Coréia, Japão, Filipinas, países africanos, ou seja, estamos diante de um cenário muito variado. Mas é fundamental perceber como o Habermas estava equivocado, quando em 1980 concluiu e publicou seu livro Teoria da Ação Comunicativa, afirmando que o proletariado europeu tinha se integrado e vivíamos uma era de pacificação das lutas sociais. Eu queria ver o Habermas agora. Alguém pode imaginar que a Europa vive uma “era de pacificação das lutas sociais”? O termômetro social aumentou, isso sim.

Correio da Cidadania: Com a tônica no longo prazo, acredita que a atual crise mundial, circundada por maciças revoltas populares, possa ensejar perspectivas de surgimento de medidas e movimentos organizados anticapitalistas? Em outras palavras, sementes de uma possível sociedade socialista podem estar em gestação? De que forma?

Ricardo Antunes: Eu venho dizendo, há muito tempo, que o século 21 tem uma semelhança com o século 20. No início do século passado, as placas tectônicas se mexeram – refiro-me às movimentações e embates sociais, não geológicas.

No século 20, tivemos a revolução russa, húngara, levante na Itália; pelo campo da extrema-direita, o fascismo italiano, o nazismo alemão. Ou seja, as placas em convulsão; revolução e contra-revolução. No século 21, cuja primeira década já se foi, as placas tectônicas se mexeram. Mas com uma nova morfologia societal, com um novo desenho de lutas sociais, combinando lutas novas com antigas, mecanismos usados pelo movimento operário no século 20 com revoltas de novo desenho social.

Na América Latina, por exemplo, a Bolívia não é mais a mesma coisa. Os indígenas e camponeses bolivianos vivem processo de auto-organização, que vem sendo conquistado nos últimos anos. O movimento popular na Venezuela também avança no sentido de se reconhecer como agente autônomo, que tem direitos e deve lutar por eles. Na Argentina temos as chamadas ‘fábricas recuperadas’, e já existem mais de 200 dessas no país. Fui conhecer 4 ou 5 delas e vi como são experiências importantes. Na mesma Argentina, tivemos a crise de 2001 e dos anos seguintes, com uma explosão dos movimentos piqueteros, cortando as estradas. E se você faz isso nas estradas que levam a Buenos Aires, não há circulação nem de mercadorias nem de pessoas. É evidente que o movimento piquetero tem traço de oposição à circulação de mercadorias; conseqüentemente, traços anticapitalistas.

É muito importante compreendermos esse desenho todo, pois ele mostra que adentramos numa era de muita ebulição social. Anote aí, estamos só no começo. Afirmo isso desde que escrevi a primeira edição de “Adeus ao Trabalho”, de 1995, reeditado em 99: “adentramos em uma nova era de conflagração social, de tal modo que o trabalho social concebido no sentido amplo – mesmo incluindo os desempregados, precarizados e imigrantes – se contrapõe às forças do capital.

O capitalismo se mundializou e, nesse processo, se mundializaram as lutas sociais.

Correio da Cidadania: Até mesmo economistas que se mantêm no status quo da ordem capitalista, mas com uma visão mais progressista, dentre eles Paul Krugman, o Nobel da Paz de 2001, Joseph Stiglitz, e o guru da crise de 2008, Nouriel Roubini, descrevem um cenário catastrófico a decorrer das medidas anti-crise que vêm sendo forçadas pelo mercado nos países ricos. Cortes orçamentários tão somente reforçarão uma recessão global, quando a origem da crise passaria justamente pela percepção da falta de perspectivas de crescimento nos países ricos, especialmente nos EUA. Neste sentido, estes economistas deixam antever que existem medidas possíveis e urgentes que deveriam e poderiam ser tomadas diante da dramática conjuntura atual, amortecendo, em um primeiro momento, os impactos mais deletérios. O que teria a dizer sobre este enfoque?

Ricardo Antunes: Claro que é possível tomar tais medidas. Se vivemos uma era de explosão e novos levantes sociais, isso é muito positivo. Mas ainda estamos aquém de projetos de longo fôlego, que possam, digamos assim, colocar na mesa outro projeto societal com força orgânica.

Por exemplo, os movimentos a que me referi têm uma atuação pujante e depois refluem. Assim, uma pergunta importante é: como avançar na organicidade, na aproximação e confluência de tantos movimentos, de modo que não sejam presas da sociedade dita democrática, mas de fato ditatorial, e das sociedades dos partidos únicos, como são no fundo as sociedades estadunidense e européia? Existem os liberais, os conservadores, os democratas e não tem mais conversa. Quadro, por sinal, muito semelhante ao brasileiro, com o PT e seu arco de forças que vai até a extrema-direita, setores da esquerda reduzidos, o PSDB e o ex-PFL (já que chamar de Democratas é provocação aos democratas) e a centro-direita. Em suma, um setor vai da esquerda à extrema-direita e o outro vai do centro à extrema-direita, de modo que os projetos ficam muito assemelhados.

Porém, que alternativa se pode imaginar? É claro que uma alternativa importante aos movimentos de agora é aproveitar esse processo. Quando digo que adentramos em nova era de pracarização estrutural, em escala global, quero expressar que os capitais e suas corporações estão anunciando o seguinte: “daqui pra frente, os direitos do trabalho vão ainda mais para o ralo”.

Portanto, trata-se disso: impedir a destruição dos direitos do trabalho. Seja na Argentina, no Brasil, no México, onde, por exemplo, há um movimento de 40 mil eletricitários que lutam há mais de um ano porque a empresa foi privatizada e eles perderam tudo. A empresa é privatizada e o trabalhador perde tudo, elementar. Estive no México três vezes no último ano e vi movimentos de trabalhadores de várias localidades do país na praça do Zócalo, na Cidade do México, denunciando tudo isso, lutando para impedir que seus empregos desapareçam. Assim, essas lutas pelos direitos do trabalho são vitais.

Segundo ponto: a luta pela redução da jornada de trabalho em escala global também é vital. Porque, ao se reduzir a jornada, juntam-se as duas pontas que compõem a classe trabalhadora: os que estão empregados e os que estão desempregados. Reduzindo-se a jornada dos empregados, inclui-se uma parcela importante de desempregados e aumenta-se o tempo de vida fora do trabalho. É uma bandeira fundamental. Hoje, poderíamos trabalhar duas, três horas por dia, três ou quatro dias por semana, se a produção não fosse decidida e voltada também para a acumulação destrutiva do capital. Poderíamos trabalhar muito menos horas, todos teriam uma jornada pequena e um tempo fora do trabalho que poderia ser efetivamente livre se houvesse rompimento com as amarras do capital e seu mercado.

E ao lutar pela redução da jornada de trabalho, você começa a se perguntar: “quem controla meu tempo de vida, no trabalho e fora dele?”. Depois: “produzir o que e para quem?”. Quando os movimentos populares, sociais e de trabalhadores começaram a se fazer essas duas perguntas puseram o dedo na ferida.

Claro que governos que, mais ou menos timidamente, ensaiam medidas anti-neoliberais devem ser incentivados, mesmo que tais governos estejam longe de significar algo substancialmente progressista. No entanto, como a maioria esmagadora dos governos pratica a pragmática neoliberal, a força que pode realmente erigir barreiras para impedir uma erosão maior dos direitos sociais vem dos movimentos oriundos da classe trabalhadora ou sociais. Como o MST, os movimentos contra a privatização da água na Argentina, Uruguai, Bolívia, contra, por exemplo, as siderúrgicas e mineradoras que devastam o norte da Argentina, em Mendoza, com essas ‘Vales do Rio Perdido’ que saqueiam mundo afora, tirando populações de seus habitats, empurrando-as para longe pra abrir buracos na terra, extrair minérios (commodities) e vender no mercado internacional, enriquecendo brutalmente grupos restritos, antros de bilionários que saqueiam povos e países de dada região por interesses estritamente privados e corporativos.

Essas são bandeiras importantes. Em alguns casos, as lutas estão mais avançadas. Em outros, em um patamar ainda inferior. O Brasil, nos anos 80, já foi linha de frente em lutas sociais; agora está na retaguarda. Enfrentar um governo como o de Lula não foi fácil, porque, para muitos movimentos populares, o Lula ainda é “alguém como nós”, mesmo que já tenha mudado de lado há muito tempo. O Lula hoje escolhe onde faz palestra por 400 mil reais, cobra em dólar e ainda deixa o FHC furibundo porque o seu cachê é três vezes maior! Esse é o cenário.

E tivemos outros movimentos, como o dos zapatistas, no México, em 1994, depois a Comuna de Oaxaca, ainda que hoje o país viva uma situação mais difícil. Em compensação, temos avanços no Equador, Bolívia, Venezuela e Argentina. Digo avanços das lutas populares, dos movimentos concretos. Em vários países da Ásia também, onde, por exemplo, há uma organização importante dos trabalhadores na Coréia do Sul. Não há um dia em que estudantes ou trabalhadores coreanos não infernizam o patronato e a polícia, porque eles reivindicam e são vigorosos em sua luta.

Esse é o cenário que, como venho dizendo, representa o aumento da temperatura social. Estamos perante um traço do capitalismo que temos de viver, analisar e compreender.

Correio da Cidadania: Pra não deixar de fora o Brasil, vemos que, afora o vai e vem das Bolsas, interlocutores oficiais, mídia comercial, ambos reforçados pela percepção popular média, transmitem a noção de sermos uma ilha de efervescência com alta dose de imunidade, à espera de sediar dois grandes eventos globais! Como está e como deverá caminhar, de fato, nosso país nesta conjuntura?

Ricardo Antunes: É, o Brasil será o escape para toda essa crise, sendo um ótimo espaço para abrir caminho à continuidade da expansão e acumulação capitalista, nos marcos que temos acompanhado e comentamos aqui.

Mas indo ao ponto, por que o Brasil ‘cresceu’ nesses últimos anos? Não foi o Brasil que cresceu, foram os BRICs, ou seja, a China, Índia, Rússia, África do Sul, e vários países latinos como Venezuela, Bolívia, Argentina, entre outros.

Como dito, essa é uma crise do norte. A partir de 2008, com a retração da economia, o governo brasileiro tomou medidas de aceleração do mercado interno e desoneração de setores produtivos. Isso criou uma acumulação no mercado interno, que foi a nossa grande diferença em relação à economia global. Entretanto, a devastação ainda será grande na periferia. Tanto que já podemos notar que os governos têm discursos prontos para medidas impopulares, de contenção. É óbvio isso.

Como já discutimos em muitas ocasiões, os governos FHC, Lula e Dilma, cada um a seu modo, foram agudamente pró-capitalistas, não tocaram em nenhum dos pilares da tragédia social brasileira. A economia fica de joelhos para o agronegócio, as corporações demitem no primeiro espirro de crise, a desindustrialização é enorme.

E quando vier a crise, não será mais Lula no poder, mas Dilma, que, apesar do capital político que herdou, não tem nenhum lastro social.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Miles Davis - Birdland 1951 (2004)

Créditos: LOOOLOBLOG


http://img508.imageshack.us/img508/8721/0000016193350.jpg

Canciones tomadas de las retransmisiones radiofónicas desde el club Birdland de Nueva York en las fechas indicadas.
Salud!

Move (2 de Junio , 1951)
Half Nelson (2 de Junio 2, 1951)
Down (2 de Junio 2, 1951)
Out Of The Blue (17 de Febrero , 1951)
Half Nelson (17 de Febrero , 1951)
Tempus Fugit (17 Febrero , 1951)
Move (17 Febrero, 1951)
Move (29 Septiembre 29, 1951)
The Squirrel (29 de Septiembre , 1951)
Lady Bird (29 de Septiembre, 1951)
 http://img508.imageshack.us/img508/5010/miles8.jpg

Miles Davis - Trompeta
Sonny Rollins - Saxo Tenor
Big Nick Nicholas - Saxo Tenor
J.J. Johnson - Trombón
Kenny Drew - Piano
Billy Taylor - Piano
Charles Mingus - Piano
Tommy Potter - Bajo
Art Blakey - Batería

Planeta com dois sóis remonta a ficção de ‘Guerra nas Estrelas’

CORREIO DO BRASIL

  Por Redação, com agências internacionais - de Washington
planeta
O planeta, mesmo com dois sóis, tem temperaturas de até -100º

Um planeta com dois sóis é a descoberta do telescópio espacial Kepler que a agência espacial norte-americana (Nasa, na sigla em inglês) divulgou, nesta quinta-feira, e mostra como é o novo astro, com tamanho similar a Saturno. O novo corpo celeste fica no sistema estelar batizado de Kepler-16, na região da constelação da Lira. Suas duas estrelas mães têm tamanhos diferentes; uma possui massa equivalente a 70% o tamanho do Sol e a outra, menos brilhante e de espectro mais avermelhado, de 20%.
Sistemas binários, como são conhecidos esses pares de estrelas, são comuns na nossa galáxia e teóricos já havia postulado a possibilidade de planetas orbitarem ao seu redor. Esta, porém, é a primeira vez que astrônomos descrevem isso sem margem de dúvida. A descoberta do novo planeta foi possível porque o telescópio Kepler observa sua órbita de perfil, e é capaz de perceber a tênue queda de luminosidade cada vez que o planeta eclipsa uma das duas estrelas. O planeta, porém, está longe demais para que os astrônomos consigam enxergar seu contorno diretamente.
Batizado de Kepler-16b, o planeta faz a luminosidade do sistema sofrer uma queda de 1,7% durante o eclipse da estrela maior e de 0,1% durante o eclipse da estrela menor. O Kepler, que monitora mais de 150 mil estrelas na região, é o único telescópio com sensibilidade suficiente para detectar variações tão pequenas e capaz de acompanhá-las sem interrupções. O novo planeta foi observado em todo o seu “ano” e cientistas conseguiram determinar que o raio médio de sua órbita é de aproximadamente 100 milhões de quilômetros, dois terços da distância entre o Sol e a Terra.
Para confirmar a descoberta, porém, astrônomos precisaram encarar um desafio bem mais complexo, pois não tiveram de estudar apenas a órbita do novo planeta, que dura 229 dias. As estrelas A e B também exercem força gravitacional entre si e mudam de posição o tempo todo em relação ao centro do sistema. Isso fez com que os períodos de órbita detectados pelos cientistas em um primeiro momento variassem entre 221 dias e 230 dias, um dado difícil de interpretar.
Três no espaço
A relação gravitacional entre três objetos celestes – desafio conhecido pelos físicos como o “problema dos três corpos” – ainda é um problema para o qual não existe solução geral. Quando se estudam apenas dois objetos interagindo no espaço, a exata posição de cada um deles pode ser prevista no futuro simplesmente por meio da medição de sua trajetória e aplicação de uma fórmula. A inclusão de um terceiro corpo na equação, porém, torna tudo imprevisível.
“A atração gravitacional de cada estrela ao terceiro corpo varia com o tempo em razão das mudanças de posição dos três corpos”, escrevem os cientistas em estudo publicado na última edição da revista Science. O trabalho foi coordenado pelo astrônomo Laurance Doyle, do Centro Carl Sagan para Estudos da Vida no Universo. Para lidar com o problema de medir a configuração orbital de um planeta mais duas estrelas, os cientistas tiveram de criar uma simulação do movimento dos astros. Usando um computador e um modelo matemático complexo para prever o comportamento do sistema de maneira aproximada, os pesquisadores conseguiram reproduzir a dança celeste em Kepler-16 com grande precisão.
O cenário que inicialmente se apresentou como desafio aos cientistas, afinal, acabou se apresentando como vantagem: um número maior de interações gravitacionais permitiu aos pesquisadores calcular com grande precisão a massa e o tamanho das estrelas, algo que nem sempre é possível em sistemas binários sem planetas. Os astrônomos, por fim, conseguiram determinar a massa do planeta como sendo similar à de Saturno. Kepler-16b, porém, é um pouco mais denso, sendo composto provavelmente metade de gás e metade de elementos em forma sólida. (Saturno tem 2/3 de sua massa na forma de gás).
Ficção vira realidade
Os fãs da série de filmes Guerra nas Estrelas deve estar se perguntando se a recente descoberta não seria uma materialização de Tatooine, planeta ficcional com dois sóis onde o personagem protagonista da série, Luke Skywalker, cresceu. Kepler-16b, porém, teria uma atmosfera muito mais espessa e escura do que a de seu companheiro imaginário, e temperaturas gélidas que chegam a -100 ºC. Provavelmente incapaz de abrigar vida e em nada parecido com o deserto ensolarado de Tatooine.