domingo, 2 de outubro de 2011

Obra Prima de Luis Bunuel - Simão do Deserto - completo e legendado

Chile mostra esgotamento do modelo 'privatista' de educação superior, diz pesquisador

Do sitio OPERAMUNDI

A série de protestos ocorridos no Chile nos últimos quatro meses, em que estudantes pedem a reforma do sistema educacional e a volta do ensino superior gratuito, demonstra o esgotamento de um modelo “privatista” de educação universitária que foi implantado em alguns países nas últimas décadas. Essa á a opinião do pesquisador Fabio Betioli Contel, que lança, ao lado da socióloga Manolita Correia Lima, o livro Internacionalização da educação superior (Alameda Editorial, 536 páginas, R$ 68,00).
Efe

Mercantilização do ensino, como demonstram protestos no Chile e na Inglaterra, dá sinais de exaustão

Na obra, os autores criticam o modelo definido por critérios mercadológicos — que levou, por exemplo, aos protestos contra o aumento das taxas anuais de empréstimo estudantil nas universidades inglesas — e defendem uma “universalização cooperativa”.
“O que nosso livro preconiza é uma forma de organização da internacionalização oposta a este modelo privatista”, diz Contel, em entrevista concedida ao Opera Mundi por email. “É preciso criar solidariedades regionais com pautas voltadas para interesses públicos nacionais, e que sejam ao mesmo tempo estratégicos para o desenvolvimento dos países latinoamericanos como um todo”, defende.
O livro analisa diversos períodos de implementação de políticas de intercâmbio de conhecimento em sete países (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá, França, Brasil e Chile). “A internacionalização é um dado que faz parte do DNA das universidades, já que o conhecimento –meio e fim das universidades– tende ao universalismo; por isso a internacionalização em moldes cooperativos não só é desejável, como necessária, se quisermos construir uma globalização solidária”, comenta Contel.
Os dois pesquisadores avaliam que a principal causa dessa internacionalização desigual e hierárquica existente hoje entre as universidades dos países ricos e as nações subdesenvolvidas é que seus critérios são eminentemente mercadológicos, definidos por organismos comerciais e financeiros, como a OMC e o Banco Mundial. “Obviamente não podemos esperar do Banco Mundial soluções de caráter universal. Nenhuma instituição financeira vinculada a interesses dos países centrais pode ajudar na consolidação de sistemas nacionais de ensino superior nos países periféricos”, afirma o geógrafo. “Pelo contrário, sua ação é em grande parte determinada por raciocínios eminentemente contábeis, tendo nos mecanismos de mercado o grande elemento de definição das políticas”, observa.
Contel afirma ainda que uma internacionalização não subordinada seria possível se governos e dirigentes universitários de países como o Brasil tivessem vontade política para “aumentar as solidariedades acadêmicas”, o que seria favorecido pelas relações acadêmicas sul-sul, menos hierarquizadas que os intercâmbios norte-sul. “Isto significa trabalhar para a criação de redes de pesquisa regionais sólidas, de revistas indexadas que dêem maior visibilidade a esta produção, e instalação de programas de cooperação universitária de longo prazo”, diz.
Na relação acadêmica com os países centrais, os autores defendem uma postura pragmática das políticas de internacionalização a serem implementadas nos países periféricos, com o objetivo de suprir carências em áreas específicas de acordo com os projetos nacionais e regionais destes países. Além disso, “é preciso fazer com que o investimento em pesquisa aplicada “saia” das universidades públicas, e seja financiado também pelas empresas dos países semi-periféricos”, afirma Fabio Contel.

Assimilação

Questionado sobre as implicações do processo de internacionalização hoje em vigor sobre a mão-de-obra formada nos países periféricos, Fábio acrescenta que “ainda que uma formação acadêmica que contemple um estágio no exterior soe interessante do ponto de vista individual, pode ter consequências indesejáveis para o país de origem do estudante”.
“Ao regressar do período de estudos — quando regressam — os alunos emigrados trazem consigo, em primeiro lugar, o aprendizado da língua do país hospedeiro que, por sua vez, traz embutido padrões culturais, estéticos e de comportamento típicos do país hospedeiro. Em segundo lugar, a imersão no sistema cultural do país hospedeiro interfere também nas referências políticas e na formação ideológica do estudante que, ao retornar, acaba funcionando como uma espécie de ‘embaixador’ informal dos países hospedeiros”, critica.
Contel destaca que esse processo de “assimilação” pode ser ainda mais perverso em nações de descolonização recente, como é o caso da maior parte dos países africanos e do sudeste asiático.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A arte de desaprender


Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender

Frei Betto no BrasilDeFato

Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
O médico estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
― Então, por que devo retornar em um ano?
― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem no entanto ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

Escândalo de venda de armas dos EUA a traficantes mexicanos abala governo Obama

do PLANO BRASIL
http://msnbcmedia3.msn.com/j/afp/dv_to_getty_2617324_0.grid-6x2.jpg
O objetivo era investigar o tráfico de armas dos Estados Unidos para organizações criminosas mexicanas. Mas a operação “Fast and Furious” (Velozes e Furiosos), orquestrada pelo ATF (Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo dos EUA, na sigla em inglês), em 2009, acabou sendo um enorme fracasso. E, após recentes revelações de congressistas norte-americanos, tem potencial para se tornar um dos maiores escândalos da administração de Barack Obama.


A ideia era vender, de forma controlada, armas norte-americanas de alto calibre a membros de cartéis de drogas. Com isso, os agentes de segurança dos EUA esperavam rastrear o armamento no México até os chefões do tráfico e desarticular as sofisticadas redes de criminosos. Só que o plano não saiu como o esperado: cerca de duas mil armas sumiram do radar dos EUA e hoje circulam livremente em território mexicano.

Grande parte das armas oriundas da operação da ATF, instituição cujas ligações com o lobby de produtores de armas norte-americanos são investigadas, foi vinculada com mais de 200 delitos no México, entre eles o assassinato do agente da Patrulha da Fronteira Brian Terry, em 14 de dezembro de 2010, morto com um AK-47.

A pergunta que as autoridades nos EUA e no México agora se fazem é: de quem é a culpa? Com o passar dos meses, seguem saindo elementos cada vez mais assombrosos, que revelam aspectos inquietantes da operação. Agentes da ATF admitiram a periculosidade da falha, acusando superiores de terem tomado decisões incorretas. Porém, nesta terça-feira (27/09), o tema ganhou novo fôlego com revelações feitas por uma comissão investigadora do Congresso dos EUA sobre o caos entre a ATF e a DEA (Força Administrativa de Narcóticos, na sigla em inglês) e o FBI.

Segundo as investigações dos congressistas, a falta de comunicação entre as agências federais aconteceu e foi documentada. A DEA e o FBI, em particular, haviam ocultado da ATF a identidade do mais importante comprador de armas em Ciudad Juarez – um dos principais alvos da operação – e de um dos principais informantes das duas agências, cujo nome em código era CI #1 (Informante Confidencial Número 1).

O agente John Dodson foi instruído a comprar quatro unidades de AK-47 em dinheiro e ainda recebeu uma carta do supervisor, David Voth, o autorizando a vendê-las para criminosos mexicanos. Essencialmente, os contribuintes norte-americanos pagaram pelo armamento de traficantes mexicanos.



Acordo com traficantes?



A notícia chega justamente depois da declaração, da emissora Fox News, de que há documentos que atestam que o governo dos EUA, utilizando dinheiro público, comprou armas no arsenal Lone Wolf, no estado do Arizona, que foram entregues a traficantes mexicanos e acabaram nas mãos de integrantes do Cartel de Sinaloa, liderado por Joaquín “El Chapo” Guzmán.

Segundo declarações de Vicente Jesús Zambada Niebla, filho do número dois do Cartel de Sinaloa, Ismael El Mayo Zambada, e atualmente preso nos EUA, a situação é muito mais complexa e teria características ainda mais obscuras. Através de seu advogado, Vicente disse que a operação “Velozes e Furiosos” seria parte de um acordo mais amplo, com a DEA e o FBI como protagonistas e com a aprovação do Departamento de Justiça, que teria oferecido imunidade aos integrantes do Cartel de Sinaloa em troca de informações sobre outros cartéis.

A defesa de Vicente, ex-encarregado da logística do cartel, se baseia na afirmação de que ele atuava como agente dos EUA quando cometeu os delitos pelos quais é acusado, em nome do Departamento de Justiça dos EUA, da DEA, da Segurança Nacional e do FBI. Washington não negou que o filho de Mayo Zambada foi apoiado pelo Departamento de Justiça.

Com as novas revelações, o governo Obama enfrenta uma avalanche de críticas direcionadas a uma história que parece ainda não ter mostrado todas as facetas. Articulistas de jornais e intelectuais norte-americanos exigem que a opinião pública saiba quais são as verdadeiras relações relações entre o gabinete presidencial e os cartéis, considerando também a batalha declarada pela Secretário de Estado, Hillary Clinton, contra o “narcoterrorismo” e “narcoinsurreição”.

Certo é que os parentes de Brian Terry querem justiça e pretendem ir quem é responsável pela morte do policial.

Fonte: OperaMundi

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Elegância em zona de conflito: quem é o fotógrafo dos dândis congoleses?


 
Fotografia tirada por Baudouin Mouanda para a série La Sapologie, de 2008  

Em movimento, mesmo caladas, as pessoas dizem muito sobre si mesmas. As mãos no bolso ou fora deles, os passos curtos ou as longas jornadas das pernas combinadas com o movimento dos braços; o sorriso de esguelha, o olhar de viés, o bom humor, as roupas. No conjunto de gestos corporais e vestimenta, uma pessoa é, sozinha, um mundo bem interessante. Algumas mais, outras menos. Baudouin Mouanda, fotógrafo, teve seu olhar fisgado por um grupo dessas pessoas “mais” quando entrou num metrô de Paris, em 2007.  Eram três homens vestidos com exuberância, roupas bem cortadas, e uma elegância “proposital” nos gestos. “As pessoas (no metrô) estavam cada uma em uma posição, eu li nos olhos de alguns o estresse. Aquilo me impressionou. Vi naquilo uma canção que não era ruim, mas mal usada. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em uma língua que eu compreendia perfeitamente, o lari. Disseram ‘olhe como eles são tristes; bem, deveríamos desviar a atenção deles`. Apenas gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Enfim, todo mundo estava alegre”, contou Mouanda, de 30 anos, nascido em Congo-Brazzaville, país vizinho à República Democrática do C
Os sapeurs, homens pertencentes ao movimento da SAPE (Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, Sociedade das Pessoas Divertidas e Elegantes), são dândis congoleses. Dedicam seus dias, bom gosto e dinheiro à compra de roupas finas ou extravagantes de grifes famosas. Eles as vestem e saem às ruas das vilas de Brazzaville, Paris, Londres, Bruxelas ou de qualquer outro lugar onde haja uma comunidade congolesa e desfilam sua elegância pensada para rivalizar com outros sapeurs. Todos exibem seus melhores tecidos, cortes e cores embalados em gestos quase rococós. 

O contraste entre a opulência da vestimenta dos sapeurs com a pobreza material de algumas vilas africanas é justamente o que explica a existência da SAPE, cuja origem (ainda discutida) remonta às guerras civis ocorridas no Congo-Brazzaville. “O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade que construíram, de paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis”, explica Mouanda. Como catalisadora de desejos, sonhos e aspirações de bem-estar, a moda ajudou (e ajuda) a içar parte dos congoleses dos trapos sociais que sobram das guerras.
 

Baudouin Mouanda 
 
O movimento constante das fotos de Mouanda é registrado na série La Sapologie, no Congo-Brazzaville 

Baudouin Mouanda já exibiu sua série de fotos sobre a SAPE em alguns países – inclusive no Brasil – e chegou em julho desse ano com sua primeira mostra individual na capital inglesa, quando concedeu essa entrevista ao Opera Mundi. Apesar de muito jovem ainda – e de ter começado a fotografar ainda menino – Mouanda, talvez pelas três guerras civis que viveu, desenvolveu um olhar agudo para os traços antropológico-sociais da África que conhece. 

É verdade que o Sr. estudou jornalismo? 
 
Estudei direito na Universidade de Brazzaville. Graças a esse estudo, pude ganhar um olhar crítico da fotografia, unindo as duas correntes, interrogando o que é o Direito e o que exatamente é a fotografia, mas sem esperar respostas universais. Em vez disso, buscava questões de relação com a minha sociedade. Isso me fez reparar no serviço da Embaixada da França no Congo em 2006, com a concessão de uma bolsa de estudos no CPFJ (Centre de Formation Professionnel des Journalistes, Centro de Formação Profissional de Jornalistas), em Paris, e foi assim que me vi jornalista, com minha reportagem sobre as sequelas da guerra. E, hoje em dia, tenho orgulho porque adoro aquele meio, ele faz despertar a consciência. 

Quando o Sr. começou a tirar fotos, o Congo-Brazzaville estava em meio a uma guerra civil. Como isso influenciou suas fotos? 
 
Brazzaville passou por três guerras civis: em 1993, 1997 e 1998. Foi durante a primeira que fui impedido de ir à escola e fiquei sem estudar por dois anos. E foi graças à câmera do meu pai que comecei a fotografar. Em seguida, quando tudo voltou ao normal, ele me propôs voltar às aulas e me ofereceu sua câmera russa, uma Zenith 11, com a condição de que eu entrasse na faculdade. Foi aí que ganhei a aposta: sabia que meu pai era um homem de palavra. Mas ele queria que eu fosse advogado.  


Onde, quando e como foi o seu primeiro contato com os sapeurs? 
 
Há muito tempo em Brazzaville, no início de 2001, no fim da guerra. O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade, paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis. 

O que chamou sua atenção? 
 
A diversão que anda de mãos dadas com os trajes deles, que cria o espetáculo. Certa manhã de 2001, em Paris, entrei no metrô e as pessoas estavam cada uma em uma posição – li nos olhos de algumas estresse. Aquilo me impressionou. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em lari, uma língua que eu compreendo perfeitamente. Disseram: “Olhe como são tristes. Deveríamos desviar a atenção deles”. Gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Todos estavam alegres. 

Baudouin Mouanda 
 
As guerras civis em Brazzaville, em 1993, 1997 e 1998, contribuíram para o empobrecimento do país (série Délestage, de 2010) 

Quando e como o Sr. reparou que poderia fazer um trabalho fotográfico com  os sapeurs? 
 
Nas festas da comunidade africana. Lá reparei no que havia deixado em Brazzaville e em como o movimento da SAPE estava ganhando terreno. Enquanto falávamos de festas, batizados, não pensávamos em comer, mas no combate das vestimentas. Vestir-se sem estar com os olhos fechados, ou seja, saber escolher as cores. Naquele momento, os convidados não vinham somente para beber, mas esperava-se também viver um espetáculo e isso que me levou a seguir o movimento em seu verdadeiro reduto, Brazzaville.  

Vejo que suas fotos dos sapeurs têm muito movimento. É proposital? 
Exatamente, adoro fotografá-los em movimento porque é mais natural do que vê-los posando. Isso não corresponde às verdadeiras imagens que temos dos sapeurs. Em pleno movimento, é muito fácil entender o jogo deles, saber o que é sapeur e o que não é, ter argumentos para defender melhor sua classificação de vestimentas sem buscar briga. Dá vontade de ficar e é o que faz o espetáculo.  

O que define um sapeur? 
Saber brincar com as cores, vestir-se com um bom olho, sem se enganar nas escolhas que fazem quando saem às ruas para se defenderem de seus adversários. Ter um bom conhecimento das grandes marcas de roupas e sapatos, o que demanda muito dinheiro. Mas ser sapeur não é somente um sinônimo de riqueza.


De onde eles vêm? 
 
De toda parte. Brazzaville, capital do Congo, é o reduto, mesmo que hoje se fale da República Democrática do Congo. Um sapeur que vive na Europa não pode ser considerado sapeur se não fizer uma viagem a Brazzaville para obter o diploma dos códigos, como dizem os sapeurs. 

Há algum tipo de competição entre eles? 
Sim, com frequência organizadas para grandes festas, assim como as competições para eleger o melhor sapeur do ano, e também do dia, como é o caso dos encontros de um bairro com outro, como Bacongo, Poto Poto, Ouénzé e Talangaï, os arrondissements mais conhecidos do movimento. 

A África é o principal objeto do seu trabalho ou suas inspirações são a cultura e a sociedade, independentemente do país ou das pessoas que fotografa? 
 
A África não é o único cruzamento de inspirações, sou livre para trabalhar onde quer que eu esteja. Os fatos sociopolíticos são frequentemente minhas fontes de reflexão, que me permitem não limitar, mas, em vez disso, ser um porta-voz do olhar sobre a sociedade, possibilitando que eu chame atenção para a minha escrita fotográfica. Daí o interesse de criar um coletivo de fotógrafos em Brazzaville, chamado Collectif Elili, formado por jovens estudantes e funcionários para divulgar suas criações na região cujo talento não precisa mais ser provado.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Geração sem futuro



Revoltas no Chile, em Israel e em Londres são uma resposta da juventude ao quadro de devastação social legado por décadas de neoliberalismo. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais

por Ignacio Ramonet no LEMONDE-BRASIL
“O mundo só será salvo, caso tenha
salvação, pelos insubmissos”
André Gide
 (Protesto contra a austeridade econômica em frente ao Parlamento grego)

Primeiro foram os árabes, depois os gregos, logo os espanhóis e os portugueses, seguidos pelos chilenos e israelenses. E, em agosto, com muito barulho e fúria, os britânicos. Jovens do mundo todo espalham uma epidemia de indignação, semelhante à que percorreu o planeta – da Califórnia a Tóquio, passando por Paris, Berlim, Madri e Praga – nos anos de 1967 e 1968 e mudou os costumes da sociedade ocidental. Naquela época, tempos prósperos, a juventude pedia para ocupar o próprio espaço com mais liberdade.
Hoje é diferente. O mundo está pior e as esperanças esmoreceram. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais. O processo globalizador neoliberal brutaliza os povos, humilha os cidadãos e despoja os jovens de futuro. E a crise financeira, com suas “soluções” de austeridade contra a classe média e os mais humildes, piora o mal-estar geral. Os Estados democráticos estão renegando os próprios valores. Em tais circunstâncias, a submissão e o acatamento da ordem são absurdos.
Por outro lado, as explosões de indignação e protesto resultam normais em função da conjuntura, e vão multiplicar-se. A violência está crescendo, apesar dos levantes terem diferente formato em Tel Aviv, Santiago do Chile ou Londres. A impetuosa explosão inglesa se diferencia dos outros protestos juvenis – em geral pacíficos, embora com enfrentamentos pontuais em Atenas, Santiago e outras capitais – pelo grau de violência utilizado.
Outra diferença essencial: os amotinados ingleses, talvez pelo pertencimento de classe, não verbalizaram seu descontentamento. Nem colocaram seu furor a serviço de uma causa política ou da denúncia da desigualdade concreta. Nessa guerrilha urbana, nem sequer saquearam os bancos com ira sistemática. Deram a (lamentável) impressão de que a raiva pela condição de despossuídos e frustrados tinha como único foco as vitrines repletas de maravilhas do mundo do consumo. De qualquer forma, como tantos outros “indignados”, esses esquecidos pelo sistema – que já não pode oferecer-lhes um lugar na sociedade, um futuro – expressavam o desespero.
Um aspecto particular do neoliberalismo que incomoda muito, do Chile a Israel, é a privatização dos serviços públicos, pois significa um roubo manifesto do patrimônio da população. Para os que não possuem nada, deveria existir a escola pública, o hospital público, o transporte público, gratuitos ou subvencionados pela coletividade. Quando esses direitos básicos e inalienáveis são privatizados, não se configura apenas o roubo dos bens da cidadania (pois foram custeados com impostos), mas também a destituição do único patrimônio das camadas mais pobres. Trata-se de uma dupla injustiça, e uma das raízes da onda de ira atual.
Com relação à fúria dos manifestantes, uma testemunha dos levantes de Tottenham declarou: “O sistema não cessa de favorecer os ricos e massacrar os pobres. Há cortes nos serviços públicos, as pessoas morrem nas salas de espera dos hospitais depois de terem esperado um médico horas a fio”.1
No Chile, há três meses, milhares de estudantes apoiados por uma parte importante da sociedade reivindicam a estatização da educação, privatizada durante a ditadura neoliberal do general Pinochet (1973-1990). Exigem, ademais, que o direito a uma educação pública de qualidade seja garantido pela Constituição. E explicam que, como está, “a educação já não é um mecanismo de mobilidade social. Ao contrário: é um sistema que reproduz as desigualdades sociais”.2 Para que os pobres continuem sendo pobres...
Em Tel Aviv, no dia 6 de agosto, com o grito de ordem “O povo quer justiça social!”, cerca de 300 mil pessoas se manifestaram em apoio ao movimento dos jovens “indignados” que pedem mudanças nas políticas públicas do governo neoliberal de Benyamin Netanyahou.3 Um estudante declarou: “Quando o salário de alguém que trabalha não dá nem para cobrir os gastos com alimentação, é porque o sistema não funciona. E isso não é um problema individual, é um problema do governo, e coletivo”.4
O suicídio social

Desde a década de 1980 e da influente economia de Ronald Reagan, o modelo adotado pelo governo desses países – em especial o dos Estados europeus hoje debilitados pela crise da dívida – é o mesmo: redução drástica dos gastos públicos, cortes particularmente brutais no orçamento social. Um dos resultados dessa política foi o crescimento vertiginoso do desemprego entre os jovens (na União Europeia, 21%, e na Espanha, 42,8%). Esses números indicam a impossibilidade de toda uma geração entrar na vida ativa. Trata-se de um suicídio social.
Em vez de reagir, os governos, assustados pelas quedas recentes das bolsas de valores, insistem em satisfazer as necessidades dos mercados e dos bancos a qualquer custo, quando o que deveriam fazer, e de uma vez só, era desarmar os mercados,5 obrigá-los a uma regulamentação mais rígida. Até quando aceitaremos que a especulação financeira imponha seus critérios para as políticas públicas e a representação política? Que sentido tem essa democracia? Para que serve o voto dos cidadãos se, finalmente, quem manda são os mercados?
No próprio seio do modelo capitalista existem alternativas realistas, defendidas e respaldadas por especialistas reconhecidos internacionalmente. É possível citar, de cara, dois exemplos concretos. Primeiro: o Banco Central Europeu (BCE) poderia se converter em Banco Central de verdade e emprestar dinheiro (com condições definidas) aos Estados da Zona do Euro para que estes financiem seus gastos. Hoje, essa atuação está proibida ao BCE, o que obriga os Estados a recorrer aos juros astronômicos dos mercados. Essa medida acabaria com a crise da dívida. Segundo: parar de prometer e exigir, de fato, a Taxa sobre Transações Financeiras (TTF). Com o módico imposto de 0,1% sobre o intercâmbio de ações e o mercado de capitais, a União Europeia poderia obter, por ano, entre 30 e 50 bilhões de euros, o suficiente para financiar com folga os serviços públicos, restaurar o Estado de Bem-Estar Social e oferecer um futuro mais esperançoso às novas gerações.
Ou seja, as soluções técnicas existem. Mas onde está a vontade política?
Ignacio Ramonet
é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.


Ilustração: Pascal Rossignol/ Reuters

Libération, Paris, 15 ago. 2011.
Le Monde, Paris, 12 ago. 2011.
3  De acordo com pesquisa de opinião, as reivindicações dos “indignados” israelenses contam com 88% de aprovação dos cidadãos (Libération, op. cit.).
Le Monde, Paris, 16 ago. 2011.
5          Ignacio Ramonet, “Desarmar a los mercados” [Desarmar os mercados], Le Monde diplomatiqueem espanhol. Dezembro de 1997.

Palestina, Bahrein e a hipocrisia americana


Por Juan Cole no SUL21

Hipocrisia deslavada é algo que com frequência destrói a reputação, seja de uma pessoa ou de um país.
O presidente Barack Obama parece ter achado que poderia ir à ONU ostentar tanto a liberação da Líbia e mais um adiamento dos direitos palestinos, e que essas posturas o fariam popular no sul global. Na verdade, ele pareceu apenas inconsistente, hipócrita e pensando nos próprios interesses.
Os Estados Unidos não estiveram na vanguarda das mudanças que varreram o Oriente Médio nos últimos meses, e seu instinto enquanto Superpoder é apoiar o status quo. Assim, o governo Obama não encontrou nada para dizer sobre a Tunísia até que a população já tivesse conseguido expulsar seu presidente. O presidente Obama parece ter sentado no muro sobre o que fazer com o Egito após 25 de janeiro, mas seu instinto certamente não foi o de apoiar os revolucionários contra o governo. Apenas uma semana antes que tudo estivesse acabado é que Obama se juntou ao coro daqueles dizendo que Mubarak deveria sair.
Foram Arábia Saudita, França e Grã-Bretanha que decidiram que Muammar Qaddafi tinha que sair do poder. Obama relutantemente se uniu a eles.
No ínterim, os EUA têm feito pouco a não ser soltar uns resmungos a respeito do esmagamento do movimento popular por reforma no Bahrein. Ali, geopolítica triunfou sobre preocupações com direitos humanos. A monarquia sunita no Bahrein arrenda aos EUA a base naval que serve de quartel general para a Quinta Frota.
Agora, descobre-se que o governo Obama quer até mais ou menos recompensar o governo do Bahrein pela repressão, retomando as vendas de armas. É como uma viúva há uma semana que decide sair por aí dançando.
Mas a maior hipocrisia em Washington foi reservada para os palestinos, que labutam sob uma repressiva ocupação militar na Cisjordânia e estão cercados e bloqueados em Gaza. Se há alguma diferença, eles são mais despojados do que os povos de Egito e Tunísia eram há alguns meses.
Mas a resposta do governo Obama à proposta dos palestinos para tornarem-se membros das Nações Unidas tem sido trabalhar para preveni-la, lidar duramente com Mahmoud “Abu Mazen” Abbas e torcer os braços de países como Nigéria e Gabão para que votem contra a proposta.
O argumento de Obama, que simplesmente ecoa o do governo do Likud em Israel, é que, ao ir à ONU, a Autoridade Palestina está evitando o processo de paz. Mas essa é uma proposição ridícula. Não existe processo de paz. Obama fracassou em estabelecer um. Assim, os palestinos estão corretos ao pegarem um atalho para desviar dos EUA na região, já que a política americana em relação a seu povo tem sido, desde os tempos de Harry Truman, sacrificá-los no altar da política interna americana (Truman observou que ele tinha constituintes judeus, mas nenhum palestino). Os lobbies pró-Israel nos EUA são tão poderosos e bem sucedidos que 81 congressistas passaram parte de seu recesso de agosto em Israel!
Os palestinos estão sem estado. Não têm cidadania em nada. É por isso que Benjamin Netanyahu pôde dar curto-circuito no processo de Oslo, e é por isso que Israel pôde renegar à seu bel prazer todos os compromissos que havia firmado com os palestinos. É por isso que terras palestinas podem ser usurpadas à vontade por intrusos israelenses na Cisjordânia.
Obama fez discursos interessantes sobre a Primavera Árabe, sobre a vontade dos povos e o idealismo e ativismo dos jovens. Ele fez isso mesmo em relação a países como Egito, onde a ditadura de Mubarak serviu tão fielmente aos interesses americanos.
Mas aparentemente ele acha que os palestinos de Gaza, que não são permitidos pelos israelenses sequer a exportar os bens que produzem, merecem apenas ainda mais ocupação via bloqueio, até o dia em que o governo israelense de extrema-direita decidir unilateralmente revogar suas políticas punitivas contra os palestinos, que ficaram sem estado devido à campanha sionista de limpeza étnica de 1947-1948 (40% da população de Gaza, suas famílias expulsas de casa por israelenses, ainda vive em campos de refugiados).
Obama faz bons discursos e consegue invocar altos ideais, mas quando, no Bahrein e na Palestina, Washington adota massiva hipocrisia, mina completamente a boa vontade que poderia de outra forma ter ganho por pelo menos não ter ficado no caminho das mudanças na Tunísia e no Egito, e por ter intervindo para prevenir um massacre de Qaddafi na Líbia.
Vitórias em política externa são raras. Obama desperdiçou as suas ao se rebaixar às forças direitistas em Manama e Tel Aviv. Esse é o tipo de mudança em que a juventude árabe jamais será capaz de acreditar.

Juan Cole é professor de História na Universidade de Michigan, há mais de três décadas estuda as relações entre o Ocidente e o mundo muçulmano. Comentarista em diversos canais de tevê, é autor, entre outros, de Engaging the Muslim World (2009).

domingo, 25 de setembro de 2011

A surpreendente arte de Joe Fenton


Prepare-se para ficar de queixo caído.

Joe Fenton é um artista contemporâneo formado pela Escola de Arte de Wimbledon, que trabalhou na indústria cinematográfica para empresas como Disney e Miramax, como designer e escultor. Mudou-se para Nova Iorque, onde recebeu seu primeiro contrato publicitário com a Simon & Schuster como ilustrador e escritor, escreveu dois livros e atualmente trabalha em um terceiro.
Os trabalhos dele são feitos à mão, utilizando apenas grafite e tinta acrílica para finalização. Na maioria das vezes são em preto e branco, com muitos elementos detalhados minuciosamente, e abusando de contrastes e jogos de sombra e luz.
O artista foi um dos vinte finalistas selecionados entre milhares de candidatos por todo EUA para se apresentar em 2010 no Miami Art Basel, na Flórida. A sua inspiração? Os primeiros surrealistas, Hieronymous Bosch e Pieter Bruegel. Ele também se inspira em ilustradores infantis como Arthur Rackham e Wayne Anderson, e aprecia a excelência gráfica de M.C. Escher.
O resultado é um trabalho impressionante de tão impecável. Abaixo, você pode ver fotos do processo de trabalho na obra Solitude, que começou no ano passado e só terminou recentemente, todo trabalhado a lápis, guache e tinta acrílica.
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)
(Foto: Joe Fenton / Site do Artista)

Ainda dá para conferir o vídeo de The Lullaby, outra obra de Fenton:


Curtiu? Você pode ver mais sobre o trabalho de Joe Fenton (e até comprar obras) pelo site dele.

A íntegra do discurso de Mahmoud Abbas na ONU


"O objetivo do povo palestino é o reconhecimento de seus ​​direitos nacionais inalienáveis em seu Estado independente da Palestina, com Jerusalém oriental como capital, em todas as terras da Cisjordânia, incluindo Jerusalém oriental e Faixa de Gaza – que Israel ocupou na guerra de junho de 1967 –, em conformidade com as resoluções de legislação internacional e com o reconhecimento de uma solução justa e acordada para a questão dos refugiados da Palestina".


Texto integral oficial do discurso do presidente Mahmoud Abbas na ONU em 23/9/2011

Sr. Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas,

Sr. Secretário-Geral das Nações Unidas,

Excelências, senhoras e senhores,

Antes de mais nada, eu gostaria de dar meus parabéns para o Sr. Nassir Abdulaziz Al-Nasser por ter aceitado a presidência da Assembleia para esta sessão, e lhe desejo todo sucesso.

Reafirmo hoje meus sinceros parabéns, em nome da Organização para a Libertação da Palestina e do povo palestino, para o governo e o povo do Sudão do Sul por sua merecida admissão como membro pleno das Nações Unidas, desejando-lhes progresso e prosperidade.

Felicito também o Secretário-Geral, Sr. Ban Ki-moon, por sua eleição para um novo mandato à frente da Organização das Nações Unidas. Essa renovação da confiança reflete o reconhecimento do mundo por seus esforços, o que fortaleceu o papel das Nações Unidas.

Excelências, senhoras e senhores,

A Questão Palestina está intrinsecamente relacionada com as Nações Unidas, por meio das resoluções aprovadas por seus diversos órgãos e agências e pelo papel essencial e elogiável da United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East [Agência das Nações Unidas de Ajuda Humanitária e Emprego para os Refugiados Palestinos no Oriente Médio] - UNRWA - que representa a responsabilidade internacional em relação à situação dos refugiados palestinos, vítimas da Al-Nakba (catástrofe) de 1948. Aspiramos e buscamos um papel maior e mais eficaz para as Nações Unidas no que diz respeito ao trabalho para alcançar uma paz justa e abrangente em nossa região, que assegure os inalienáveis, legítimos direitos nacionais do povo palestino, tal como definido pelas resoluções de legislação internacional das Nações Unidas.

Excelências, senhoras e senhores,

Um ano atrás, nesta mesma época, líderes eminentes, neste salão, dirigiram os esforços de paz, estagnados em nossa região. Todos tinham grandes esperanças para uma nova rodada de negociações sobre o estatuto final, que começara no início de setembro em Washington, sob os auspícios diretos do presidente Barack Obama e com a participação do Quarteto, e com a participação do Egito e da Jordânia, para chegar a um acordo de paz em um ano. Entramos nessas negociações com corações abertos, ouvidos atentos e intenções sinceras, e estávamos prontos, com nossos documentos, artigos e propostas. Mas as negociações fracassaram apenas algumas semanas após seu lançamento.

Depois disso, não desistimos e mantivemos nossos esforços em relação a iniciativas e contatos. Ao longo do ano passado deixamos não deixamos de bater em nenhuma porta, tentamos todos os canais, tomamos todos os caminhos e abordamos todos os aspectos formais ou informais de influência e estatura. Consideramos, positivamente, as várias idéias e propostas e iniciativas apresentadas por muitos países e partidos. Mas todos esses esforços sinceros empreendidos pelas partes internacionais foram repetidamente destruídos pelas posições do governo israelense, que rapidamente acabou com as esperanças suscitadas pelo lançamento das negociações em setembro passado.

A questão central aqui é a recusa do governo israelense em comprometer-se com os termos de referência para as negociações, que se baseiam no direito internacional e nas resoluções das Nações Unidas, [governo] que freneticamente continua a intensificar a construção de colônias no território do Estado da Palestina.

As atividades relacionadas às colônias representam o núcleo da política de ocupação militar colonial das terras do povo palestino e toda a brutalidade da agressão e da discriminação racial contra o nosso povo que essa política acarreta. Essa política, que constitui uma violação do direito humanitário internacional e das resoluções das Nações Unidas, é a principal causa para o fracasso do processo de paz, o colapso de dezenas de oportunidades, e o enterro das grandes esperanças que surgiram quando da assinatura da Declaração de Princípios, em 1993, entre a Organização para a Libertação da Palestina e Israel, no sentido de alcançar uma paz justa que daria início a uma nova era em nossa região.

Os relatórios das missões das Nações Unidas, bem como de várias instituições israelenses e das sociedades civis, transmitem uma imagem terrível sobre o tamanho da campanha de colonização, da qual o governo israelense não hesita em se gabar e que continua a executar por meio do confisco sistemático de terras palestinas e da construção de milhares de unidades de novas colônias em diversas áreas da Cisjordânia, especialmente em Jerusalém oriental, e da construção acelerada do Muro de anexação, que consome grandes extensões da nossa terra, dividindo-a em ilhas separadas e isoladas e cantões, destruindo a vida familiar, as comunidades e os meios de subsistência de dezenas de milhares de famílias. A potência ocupante também continua a recusar licenças para nosso povo construir na Jerusalém oriental ocupada, ao mesmo tempo que intensifica sua campanha de décadas de demolição e confisco de casas, desalojando os proprietários e residentes palestinos no âmbito de uma política multifacetada de limpeza étnica destinada a empurrá-los para longe de sua pátria ancestral. Além disso, foram emitidas ordens para a expulsão de representantes eleitos da cidade de Jerusalém. A potência ocupante também continua a realizar escavações que ameaçam nossos lugares santos, e seus postos de controle militar [checkpoints, no original] impedem nossos cidadãos de ter acesso a suas mesquitas e igrejas, e continua a cercar a Cidade Santa com um círculo de colônias destinadas a separar a Cidade Santa do resto das cidades palestinas.

A ocupação corre contra o tempo para redesenhar as fronteiras de nossa terra, de acordo com o que quer, e para impor um fato consumado que muda a realidade e que está minando a possibilidade real da existência do Estado da Palestina.

Ao mesmo tempo, a potência ocupante continua a impor o seu bloqueio à Faixa de Gaza e a atingir alvo civis palestinos em assassinatos, ataques aéreos e bombardeios de artilharia, persistindo com a sua guerra de agressão de três anos atrás, em Gaza, que resultou na destruição maciça de casas, escolas, hospitais e mesquitas, e em milhares de mártires e feridos.

A potência ocupante também continua suas incursões em áreas da Autoridade Nacional Palestina por meio de ataques, prisões e assassinatos nos checkpoints. Nos últimos anos, as ações criminosas das milícias de colonos armados, que gozam da proteção especial do exército de ocupação, intensificou-se com a perpetração de ataques freqüentes contra nosso povo, tendo como alvo casas, escolas, universidades, mesquitas, campos, plantações e árvores. Apesar de nossas repetidas advertências, a potência ocupante não agiu para conter esses ataques, e nós a consideramos totalmente responsável pelos crimes dos colonos.

Estes são apenas alguns exemplos da política de ocupação colonial israelense, e essa política é responsável pelo fracasso continuado das sucessivas tentativas internacionais para salvar o processo de paz.

Essa política destruirá as chances de alcançar a solução de dois Estados, sobre a qual há consenso internacional, e aqui eu faço uma advertência em voz alta: a política de colonização ameaça também minar a estrutura da Autoridade Nacional Palestina e até mesmo acabar com sua existência.

Além disso, enfrentamos atualmente a imposição de novas condições, não apresentadas previamente, condições que vão transformar o conflito que grassa na nossa inflamada região num conflito religioso e numa ameaça para o futuro de um milhão e meio de palestinos cristãos e muçulmanos, cidadãos de Israel, tópico que rejeitamos; é-nos impossível aceitar ser arrastados [para esse conflito].

Todas essas ações, tomadas por Israel em nosso país, são unilaterais e não têm base em nenhum dos acordos anteriores. Na verdade, o que testemunhamos é uma aplicação seletiva dos acordos, destinada a perpetuar a ocupação. Israel reocupou as cidades da Cisjordânia por meio de uma ação unilateral, e restabeleceu a ocupação civil e militar por meio de uma ação unilateral, e é Israel que determina se um cidadão palestino tem ou não o direito de residir em qualquer parte do território palestino. E está confiscando nossa terra e nossa água e obstruindo nosso movimento, bem como a circulação de mercadorias. E é Israel que obstrui nosso destino. Tudo isso é unilateral.

Excelências, senhoras e senhores,

Em 1974, nosso falecido líder Yasser Arafat veio a esta sala e garantiu aos membros da Assembleia Geral a nossa busca afirmativa pela paz, pedindo que as Nações Unidas reconhecessem os direitos nacionais inalienáveis do povo palestino, afirmando: "Não deixe o ramo de oliveira cair de minha mão ".

Em 1988, o presidente Arafat novamente se dirigiu à Assembléia Geral, reunida em Genebra para ouvi-lo, e apresentou o programa de paz aprovado pelo Conselho Nacional Palestino na sessão realizada naquele ano na Argélia.

Quando adotamos esse programa, estávamos dando um passo doloroso e muito difícil para todos nós, especialmente para aqueles que, como eu, foram forçados a deixar suas casas e suas cidades e aldeias, levando apenas alguns dos nossos pertences, nossa dor, nossas lembranças e as chaves de nossas casas para os campos de exílio e para a diáspora da Nakba de 1948, uma das piores operações de desenraizamento, de destruição e de remoção de uma sociedade vibrante e coesa, que vinha contribuindo de modo pioneiro e protagonista no renascimento cultural, educacional e econômico do Oriente Médio árabe.

No entanto, porque acreditamos na paz e por causa de nossa convicção na legislação internacional, e porque tivemos a coragem de tomar decisões difíceis para o nosso povo, e na ausência absoluta de justiça, decidimos adotar o caminho da justiça relativa - justiça que é possível e que poderia corrigir parte da grave injustiça histórica cometida contra nosso povo. Assim, concordamos em estabelecer o Estado da Palestina em apenas 22% do território da Palestina histórica - em todo o território palestino ocupado por Israel em 1967.

Ao dar esse passo histórico, bem acolhido pelos Estados do mundo, fizemos uma enorme concessão a fim de alcançar um compromisso histórico que permitisse que a paz fosse feita na terra da paz.

Nos anos que se seguiram – a partir da Conferência de Madri e nas negociações de Washington que levaram ao acordo de Oslo, assinado há 18 anos no jardim da Casa Branca e relacionado com as cartas de reconhecimento mútuo entre a OLP e Israel –, perseveramos e tratamos de maneira positiva e responsável todos os esforços para a realização de um acordo de paz duradouro. No entanto, como dissemos antes, todas as iniciativas e conferências, cada nova rodada de negociações e cada movimento, foram destruídos na rocha do projeto israelense de expansão da colonização.

Excelências, senhoras e senhores,

Confirmo, em nome da Organização para a Libertação da Palestina, o único representante legítimo do povo palestino, que permanecerão assim até o fim do conflito, em todos os seus aspectos e até a resolução de todas as questões do estatuto final, os pontos seguintes:

1. O objetivo do povo palestino é o reconhecimento de seus ​​direitos nacionais inalienáveis em seu Estado independente da Palestina, com Jerusalém oriental como capital, em todas as terras da Cisjordânia, incluindo Jerusalém oriental e Faixa de Gaza – que Israel ocupou na guerra de junho de 1967 –, em conformidade com as resoluções de legislação internacional e com o reconhecimento de uma solução justa e acordada para a questão dos refugiados da Palestina, em conformidade com a Resolução 194, de acordo com o estipulado na Iniciativa Árabe de Paz, que apresentou a solução do consenso árabe para resolver o núcleo do conflito árabe-israelense e alcançar uma paz justa e abrangente. A isso aderimos e é isso que trabalhamos para alcançar. Alcançar a paz desejada também exige a libertação de prisioneiros políticos e detidos em prisões israelenses sem demora.

2. A OLP e o povo palestino aderiram à renúncia da violência e rejeitam e condenam o terrorismo em todas suas formas, especialmente o terrorismo de Estado, e aderiram a todos os acordos assinados entre a Organização de Libertação da Palestina e Israel.

3. Aderimos à opção de negociar uma solução duradoura para o conflito, de acordo com as resoluções da legislação internacional. Aqui, eu declaro que a Organização para a Libertação da Palestina está pronta para retornar imediatamente à mesa de negociações, baseada nos termos de referência adotados com base na legislação internacional e da cessação completa das atividades de colonização.

4. Nosso povo continuará sua resistência popular pacífica à ocupação israelense, bem como à colonização, às políticas de apartheid e à construção do muro de anexação racista, e recebem apoio por sua resistência, o que é compatível com o direito humanitário internacional e com as convenções internacionais, e contam com a ajuda de pacifistas de Israel e de todo o mundo, refletindo um exemplo impressionante, inspirador e corajoso da força desse povo indefeso, armado apenas com seus sonhos, coragem, esperança e palavras de ordem diante de balas, tanques, gás lacrimogêneo e buldôzeres.

5. Ao trazer nossa situação e nosso caso a este pódio internacional, confirmamos a nossa confiança na opção política e diplomática, confirmamos que não tomaremos medidas unilaterais.Nossos esforços não são destinados a isolar ou deslegitimar Israel; queremos ganhar legitimidade para a causa do povo da Palestina. Apenas visamos deslegitimar as atividades da colonização, da ocupação, do apartheid e a lógica da força implacável, e acreditamos que todos os países do mundo estão conosco a esse respeito.

Estou aqui para dizer, em nome do povo palestino e da Organização para a Libertação da Palestina: estendemos nossas mãos ao governo e ao povo israelense para construir a paz. Digo-lhes: vamos com urgência construir juntos um futuro para nossas crianças, em que elas possam desfrutar de liberdade, segurança e prosperidade. Vamos construir as pontes do diálogo em vez de checkpoints e muros de separação, e construir relações de cooperação com base na paridade e na equidade entre dois Estados vizinhos – Palestina e Israel – em vez de políticas de ocupação, colônias, guerra e eliminação do outro.

Excelências, senhoras e senhores,

Apesar do direito inquestionável de nosso povo à autodeterminação e à independência de nosso Estado, conforme estipulado nas resoluções internacionais, aceitamos, nos últimos anos, o engajamento no que parecia ser um teste da nossa dignidade, direito e elegibilidade. Nos dois últimos anos, nossa autoridade nacional implementou um programa de construção das instituições de nosso Estado. Apesar da situação extraordinária e dos obstáculos impostos pelos israelenses, lançamos um projeto sério e extenso, que incluiu a implementação de planos para aprimorar e fazer avançar o judiciário e o aparato para a manutenção da ordem e da segurança, para desenvolver os sistemas administrativo, financeiro e de supervisão, para atualizar o desempenho das instituições e aumentar a autossuficiência, para reduzir a necessidade de ajuda externa. Com o grato apoio dos países árabes e as doações de países amigos, uma série de grandes projetos de infraestrutura têm sido executados, com foco em vários aspectos do serviço, e com especial atenção às zonas rurais e marginalizadas.

Em meio a esse grande projeto nacional, temos reforçado o que, buscamos, sejam as características do nosso Estado: a preservação da segurança do cidadão e da ordem pública, para a promoção da autoridade judicial e do estado de direito; o fortalecimento do papel das mulheres por intermédio de legislação, leis e participação; a garantia à proteção das liberdades públicas e o fortalecimento do papel das instituições da sociedade civil; a institucionalização de regras e regulamentos para assegurar a responsabilidade e a transparência no trabalho de nossos ministérios e departamentos; o enraizamento dos pilares da democracia como base para a vida política palestina.

Quando a divisão atingiu a unidade, as pessoas e as instituições de nossa pátria, estávamos determinados a adotar o diálogo para a restauração da nossa unidade. Conseguimos, meses atrás, alcançar a reconciliação nacional e esperamos acelerar sua implementação nas próximas semanas. O pilar central dessa reconciliação foi que ela voltasse para o povo por intermédio de eleições legislativas e presidenciais em um ano, porque o Estado que queremos será um Estado caracterizado pelo império da lei, pelo exercício democrático e a proteção das liberdades e da igualdade de todos os cidadãos, sem discriminação, e a transferência de poder por meio das urnas.

Os relatórios emitidos recentemente pela Organização das Nações Unidas, pelo Banco Mundial, pelo Ad Hoc Liaison Committee (AHLC) e pelo Fundo Monetário Internacional confirmam e elogiam o que foi realizado, considerando-o um modelo notável e sem precedentes. A conclusão de consenso da AHLC, há poucos dias, descreveu o que foi realizado como uma "notável história de sucesso internacional" e confirmou a disposição do povo palestino e suas instituições para a independência imediata do Estado da Palestina.

Excelências, senhoras e senhores,

Não é mais possível corrigir o problema do bloqueio do horizonte das negociações de paz com os mesmos meios e métodos de insucesso repetidamente testados e comprovados nos últimos anos. A crise é muito profunda para ser negligenciada, e o mais perigoso são as tentativas de simplesmente contorná-la ou adiar sua explosão.

Não é nem possível, nem prático, nem aceitável retornar à negociação, como de costume, como se tudo estivesse bem. É inútil entrar em negociações sem parâmetros claros e na ausência de credibilidade e de um calendário específico. As negociações serão insignificantes enquanto o exército de ocupação continuar a consolidar a ocupação em vez de encerrá-la, e continuar a mudar a demografia de nosso país a fim de criar uma nova base sobre a qual alterar as fronteiras.

Excelências, senhoras e senhores,

Este é o momento da verdade e meu povo está esperando para ouvir a resposta do mundo. Ele permitirá que Israel continue com a ocupação, a única ocupação do planeta? Permitirá a Israel manter-se como um Estado acima da lei e da responsabilidade? Permitirá a Israel continuar rejeitando as resoluções do Conselho de Segurança, da Assembléia Geral das Nações Unidas, da Corte Internacional de Justiça e as posições da esmagadora maioria dos países do mundo?

Excelências, senhoras e senhores,

Estou diante de vocês hoje, [vindo] da Terra Santa, a terra da Palestina, a terra de mensagens divinas, da ascensão do Profeta Muhammad (que a paz esteja com Ele), o local de nascimento de Jesus Cristo (a paz esteja com Ele), para falar em nome do povo palestino, em sua pátria e na diáspora, para dizer, depois de 63 anos de sofrimento da Nakba em curso: basta. É tempo de o povo palestino ganhar sua liberdade e independência.

Chegou a hora de acabar com o sofrimento e a situação difícil de milhões de refugiados palestinos na pátria e na diáspora, alguns deles forçados a refugiar-se mais de uma vez em diferentes lugares do mundo, de acabar com seu deslocamento e de reconhecer os seus direitos.

Num tempo em que os povos árabes afirmam sua busca pela democracia – a Primavera Árabe –, a hora é agora para a Primavera Palestina, o tempo da independência.

Chegou a hora de nossos homens, de nossas mulheres e crianças terem uma vida normal, para que sejam capazes de dormir sem esperar pelo pior que o dia seguinte trará; para que as mães tenham certeza de que seus filhos voltarão para casa, sem medo de sofrer prisão, morte ou humilhação; para que os estudantes sejam capazes de ir para suas escolas e universidades sem checkpoints. Chegou o momento de as pessoas doentes serem capazes de chegar aos hospitais normalmente, e de nossos agricultores serem capazes de cuidar de sua boa terra sem medo de que a ocupação confisque seu terreno e sua água, aos quais o muro impede o acesso, ou o medo dos colonos, para os quais as colônias vêm sendo construídas em nosso território, e que arrancam e queimam oliveiras centenárias. O tempo chegou para os milhares de prisioneiros serem libertados das prisões, a fim de voltar a suas famílias e a seus filhos, para tomar parte na construção de sua pátria e da liberdade que sacrificaram.

Meu povo deseja exercer seu direito de desfrutar de uma vida normal, como o resto da humanidade. Eles acreditam naquilo que o grande poeta Mahmoud Darwish disse: Estar aqui, ficar aqui, permanente aqui, eterno aqui, e temos um objetivo, um, um: ser.

Excelências, senhoras e senhores,

Nós apreciamos e valorizamos profundamente as posições de todos os Estados que apoiaram a nossa luta e nossos direitos, e que reconheceram o Estado da Palestina na sequência da Declaração de Independência, em 1988, bem como os países que recentemente reconheceram o Estado da Palestina e aqueles que elevaram o nível de representação da Palestina nas suas capitais. Também saúdo o Secretário-Geral, que disse há poucos dias que o Estado palestino deveria ter sido estabelecido anos atrás.

Tenham a certeza de que esse apoio, para nosso povo, é mais valioso do que vocês possam imaginar, pois isso os faz sentir que alguém ouve suas narrativas e que sua tragédia, os horrores da Nakba e da ocupação, pelas quais tem sofrido tanto, não estão sendo ignorados. Isso reforça sua esperança, que deriva da crença de que a justiça é possível neste mundo.A perda de esperança é o inimigo mais feroz da paz e o desespero é o mais forte aliado do extremismo.

Digo: o tempo chegou para o meu povo corajoso e orgulhoso, depois de décadas de deslocamento, de ocupação colonial e de sofrimento incessante, viver como outros povos da terra, livre em uma pátria soberana e independente.

Excelências, senhoras e senhores,

Gostaria de informar que, antes de entregar esta declaração, submeti, na qualidade de Presidente do Estado da Palestina e Presidente do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, para o Sr. Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, o pedido de admissão da Palestina, com base nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Al-Quds Al-Sharif [Jerusalém oriental] como sua capital, como membro pleno das Nações Unidas.

Peço ao Sr. Secretário-Geral para agilizar a transmissão de nosso pedido ao Conselho de Segurança, e apelo aos ilustres membros do Conselho de Segurança a votar a favor da nossa adesão plena. Apelo também aos Estados que ainda não reconheceram o Estado da Palestina a fazê-lo.

Excelências, senhoras e senhores,

O apoio dos países do mundo a nosso esforço é uma vitória da verdade, da liberdade, da justiça, da lei e da legislação internacional, oferece um grande apoio para a opção de paz e aumenta as chances de sucesso das negociações.

Excelências, senhoras e senhores,

Seu apoio para o estabelecimento do Estado da Palestina e para sua admissão nas Nações Unidas como membro pleno é a maior contribuição para a paz na Terra Santa.

Agradeço a todos.

Tradução: Baby Siqueira Abrão

"A Autoridade Palestina colocou Israel em apuros"

Em entrevista à Carta Maior, o historiador israelense Meir Margalit analisa a iniciativa palestina em busca do reconhecimento de seu Estado na ONU e as consequências sobre a política israelense. Pacifista e militante do Meretz, pequeno partido da esquerda israelense, Margalit destaca que o presidente da Autoridade Palestina pôs Israel em apuros e fala sobre as contradições da sociedade israelense e a crise da esquerda em seu país.


Restam muito poucos. É preciso buscá-los com insistência, mas eles estão ali, presentes, solidários, fiéis a si mesmos, dignos, ativos, militantes, apoiados no humanismo que sustenta sua tradição política e comprometidos com a ação: são os homens e mulheres que representam a esquerda israelense, aqueles que, em um momento em que a esquerda de Israel era tragada no redemoinho eleitoral, ganharam um mandato nas urnas. Meir Margalit é um deles. Legislador da Municipalidade de Jerusalém, secretário geral do movimento israelense contra a demolição de casas (palestinas), ICAHD, Margalit é um pacifista em um país armado, cuja calma e determinação força muros inacessíveis.

Historiador e homem político, nesta entrevista à Carta Maior, Margalit assegura que o presidente da Autoridade Palestina pôs Israel em apuros e destaca as contradições nas quais está mergulhada a sociedade israelense, reconhecendo a crise pela qual passa a esquerda de seu país.

Como você analisa o pedido de reconhecimento do Estado palestino que Mahmud Abbas formaliza ante a ONU. É um erro estratégico, um gesto desesperado ou apenas um mero gesto simbólico que não acrescenta nada?

Não, não, de modo algum é um fracasso de Abbas. Muito antes de o pedido de Mahmud Abbas chegar às Nações Unidas, os palestinos já tinham vencido. E ganharam porque é a primeira vez, desde muito tempo, que eles dão o rumo geopolítico da agenda e da região. É também a primeira vez que conseguem pôr Israel em apuros. Faz muito tempo que Israel não conhece uma situação semelhante. Os palestinos encurralaram Israel, obrigaram-no a explicar ao mundo por que se negam a reconhecer um país.

Os palestinos colocaram Israel em uma situação grotesca. Eu creio que, desde essa perspectiva, os palestinos ganharam. Israel está se desgastando progressivamente. Apesar do veto dos Estados Unidos ao reconhecimento do Estado palestino, quando há mais de 130 países que votam a favor da Palestina isso equivale a uma mensagem muito clara dirigida a Israel.

Está se dizendo ao país: senhores, se vocês seguirem esse caminho, deixarão de fazer parte da grande família de países civilizados. Trata-se, então, de um grande êxito dos palestinos. É preciso mirar o impossível para obter algo possível. O que hoje parece impossível será possível cedo ou tarde. Mahmud Abbas teve muita coragem. Dizer não aos EUA como fez Abbas é um ato de saúde mental. Não conheço muitos líderes no mundo que sejam capazes de dizer aos Estados Unidos: “lamento amigo, mas não estou de acordo com o que vocês fazem”. Estou convencido de uma coisa: se Israel seguir neste caminho vai colapsar. Não sei se em 20 ou 30 anos, mas esse caminho nos leva a um precipício. Se alguém não nos detiver, e digo alguém porque nós não temos nem a motivação nem o incentivo para parar, terminaremos nos destroçando em um precipício.

Quem parece ter cometido um erro estratégico é o primeiro ministro Benjamin Netanyahu. Ao invés de aceitar a possibilidade de um Estado Palestino e acompanhar a decisão impondo condições básicas para Israel, o Executivo se fechou na ameaça e na cegueira.

Por ser um estúpido, Netanyahu caiu na armadilha. Mas essa é a estupidez típica de todos os nacionalistas. Quando, em algum momento, o nacionalismo assume o controle, perde-se um pouco a sensatez. Netanyahu e o governo israelense a perderam. Sob a influência de grupos extremamente direitistas, Netanyahu errou o cálculo: em vez de fazer um cálculo nacional, fez um cálculo eleitoral.

A sociedade israelense parece ter um olhar duplo que, por curioso que pareça, revela uma mudança: por um lado tem medo de que Israel perca iniciativa e legitimidade, e, por outro, observa os fenômenos que se produzem com uma posição menos intransigente que antes.

É certo que existem mudanças substanciais na sociedade israelense. A mais fundamental é que hoje, no discurso nacional, estão se dizendo coisas que, há dez anos, não se podiam dizer. Por exemplo, há uma década a postura israelense consistia em dizer: não se devolvem territórios. Hoje, em troca, a questão mudou para converter-se em uma pergunta: que porcentagem de territórios é preciso devolver? Esta pergunta é muito transcendente e se a observamos sob um olhar de longo prazo vemos em seguida que se produziu uma mudança substancial. Se antes as pessoas se negavam a contemplar a possibilidade de devolver territórios, hoje compreende que é preciso devolver esses territórios e a discussão se concentra em saber em que porcentagem. Aqui, porém, ocorrem coisas contraditórias.

Por um lado, a sociedade israelense está disposta a considerar a possibilidade de terminar com a ocupação. As pessoas estão muito agoniadas com isso. Por outro lado, e isso é o paradoxal, segue votando nos partidos de direita enquanto que a extrema direita é cada vez mais forte e cada vez mais fundamentalista. Devo admitir que, aqui em Israel, os processos não são pretos ou brancos, há situações paradoxais, contraditórias. Estamos, então, diante de processos que apontam para direções distintas. É importante destacar uma coisa: nunca a esquerda israelense esteve tão mal no Parlamento e, no entanto, nota-se que o discurso nacional aceita ou repete o que a esquerda vem dizendo há muitos anos. E o que diz a esquerda israelense? Diz que é preciso acabar com a ocupação. Hoje, a maioria das pessoas, incluindo o primeiro ministro Benjamin Netanyahu, diz que essa ocupação terá que acabar em algum momento. Encontramos então outro paradoxo: a esquerda nunca esteve pior e também nunca esteve melhor.

Por acaso o surgimento dessa frente interna que nasceu com os jovens israelenses, os indignados, pode modificar o peso da balança política ou esse foi somente um fenômeno passageiro?

Creio que isso será absolutamente insignificante, não transcendental e em nada mudará o panorama político porque as eleições são dentro de dois anos e a memória do israelense médio é demasiado curta. Essas pessoas foram demasiadamente pacíficas para que o governo as levasse a sério. Aqui não houve piqueteros e não se queimou sequer um pneu ao longo de dois meses. Diante de manifestações dessa índole, fica muito fácil para o governo manipulá-las e deixá-las passar. Rapidamente ocorre algum arranjo cosmético, mas em regra geral não vejo que os indignados deixem uma marca na sociedade israelense.

Como se pode explicar o abismo no qual caiu a esquerda israelense? Ela praticamente despareceu como ator político, carece de credibilidade e de capacidade de mobilização, é uma voz ausente no jogo político nacional. Desapareceu como discurso, como peso político, como mensagem e como sentido.

Se falamos do trabalhismo isso é certo. Mais do que uma mudança, o trabalhismo sofreu uma degeneração, Hoje sabemos que o trabalhismo nunca foi de esquerda, usavam slogans esquerdistas, mas levavam na prática uma política capitalista e nacionalista. Não se pode ser socialista e também tão sionista como é o trabalhismo. Que resta então da esquerda aqui? Em última instância, sobramos nós, o Meretz. Meu pequeno partido tem hoje três membros no Parlamento, que conta com 120 acentos.

Estamos no limite de desaparecer porque fomos leais a nossas consignas. Era muito mais fácil tomar um caminho mais direitista e nacionalista e, dessa forma, ganhar alguns votos mais. Nós fomos consequentes e pagamos o preço. A partir do ano 2000 este país foi para a direita. Ficou mais de direita, mais fundamentalista, mais religioso. A presença de um personagem tétrico como o ministro de Relações Exteriores, Lieberman, me diz que nos convertemos em um país fascista. Essa é a melhor prova de que Israel se degradou muito. Por quê? Alguns dirão que é uma reação lógica aos atentados palestinos doa anos 2000, outros dirão que isso tem a ver com complexos que vem da época do Holocausto, outros dirão que persistem questões que estão nas próprias raízes do movimento sionista. Seja como for, está claro que a esquerda israelense está em crise.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer