terça-feira, 4 de outubro de 2011

O imbecil politicamente incorreto

No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação.

- Por Cynara Menezes, na CartaCapital

Em 1996, três jornalistas – entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:

1. O “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios – os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.

2. O comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.

3. O cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.

“Há uma situação de abandono da educação nos assentamentos”, diz integrante do MST que participou de audiência com Haddad

Atenção, abrir em uma nova janela.
Para falar sobre a pauta da educação na Jornada Nacional de Lutas e a audiência realizada entre movimentos sociais e o ministro da Educação, Fernando Haddad, o Observatório da Educação entrevistou Maria Cristina Vargas, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Observatório da Educação – Qual é a sua avaliação da jornada, no que se refere especificamente às pautas da educação?
 
Maria Cristina Vargas – A jornada refletiu os processos que vivenciamos há bastante tempo. Temos pautado questões especificas da educação no campo, e os movimentos que compõem a Via Campesina abraçaram esse debate. Há também outras pautas, questões agrárias, mas a educação foi um dos principais pontos da pauta nacional da Via.
O campo é um território onde a maioria nunca teve acesso à educação básica, são territórios alheios às políticas, onde estão os piores índices, como de alfabetização. Apenas 6% da população assentada tem ensino médio. Colocar isso como prioridade é um grande avanço, uma conquista de trabalhadores, um grande avanço a Via Campesina colocar tais questões na pauta e desenvolver atividades relacionadas a ela. As políticas educacionais devem estar relacionadas a várias outras, como de esporte e lazer, e à pauta geral de acesso à terra e o endividamento.
Mas apesar da importância de levar a escola ao campo, há hoje uma situação de abandono, que visualizamos na área da educação nos assentamentos, e fechamento de milhares de escolas. No governo Lula (2003-2010), houve avanços no âmbito do reconhecimento desse território, mas houve também, e ainda há, uma movimentação contrária, com o fechamento de escolas e dificuldade de se construir novas. São questões no âmbito da escola mesmo, não só no nível básico, o leque de demandas abrange desde a educação infantil até o ensino superior. Por isso fomos ao MEC.
 
OE – E como foi a audiência realizada no ministério?
 
Maria Cristina – Houve avanço. Fomos com todo acampamento em frente ao MEC antes da audiência. Nela, deixamos bem claro nossa insatisfação. Apesar da responsabilidade dos estados e municípios, entendemos que a responsabilidade da educação do País é também do MEC. Esse foi o principal recado que demos, mostrando que no âmbito dos estados e municípios, o MEC deve ter políticas que fiscalizem e deem retorno.
 
OE – Quais foram as conquistas da audiência?
 
Maria Cristina – O saldo é positivo. A primeira é dentro da campanha “Fechar escola é crime”, pois serão pensadas políticas para garantir debate sobre fechamentos, o MEC se comprometeu a realizar campanha de fortalecimento da educação no campo e a entrar nesse debate. Uma proposta é que conselhos de educação locais passem a ter de emitir parecer quando houver pedido fechamento de escola. Conquistar isso será importante.
Também será convidado para o Grupo de Trabalho de educação no campo o Ministério Público, para acompanhar processos. Avançamos bastante, pois o MEC sentiu-se responsável em dar retorno para a sociedade.
Quanto à construção das escolas, uma pauta antiga, há demanda emergencial só do MST de 286 escolas. Como a jornada era da Via Campesina, essa demanda emergencial foi ampliada para 350. O MEC já possui a lista onde devem se localizar essas escolas e se comprometeu a pautar essa questão nas suas ações. Há a tarefa de motivar municípios para que enviem a demanda a partir do que apresentamos. Está prevista a criação de Grupo de Trabalho entre Incra e MEC para agilizar esse processo e atender às demandas mais emergenciais.
Dentre as principais conquistas, está a proposta de alfabetização. A Secretaria Geral da Presidência se comprometeu com projeto específico, via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com o MEC. Será uma política específica de alfabetização dos camponeses. O Brasil Alfabetizado não tem dado esse retorno, não tem atendido a demanda, e os maiores índices de analfabetismo estão no campo.
Há também a demanda de ensino superior e técnico. A promessa do MEC e da Casa Civil é de 30 institutos federais, 20 deles até 2014. É um avanço, dado que, no campo, essa questão do ensino superior e técnico é muito importante. Há uma especificidade de cursos e os movimentos querem participar. Não basta ter cursos, estes devem atender as demandas concretas de formação.
 
OE – E como foi abordado o novo Plano Nacional de Educação?
 
Maria Cristina – Esse é o ponto político de nossa pauta que não teria retorno imediato, mas é demanda que fará parte da nossa pauta permanente: 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para educação. Estamos trabalhando com outros movimentos. Se observarmos, hoje não tem política especifica para educação no campo no orçamento previsto. O acréscimo [da educação no campo] justificaria o aumento da porcentagem.

Projeto quer ampliar acesso à banda larga no Rio Grande do Sul


Projeto do governo do Estado quer modernizar a rede para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

A maior operadora de telecomunicações no Rio Grande do Sul oferece internet a apenas 350 dos 496 municípios, enquanto os pequenos provedores chegam a 473 cidades. Os custos para levar internet a determinadas regiões se tornam elevados com a precariedade de infraestrutura disponível no Estado, o que contribui para a centralização dos serviços na mão de poucas operadoras de telecomunicações. Por esta razão, os poderes executivo e legislativo se uniram aos ativistas de internet e selaram um pacto pela banda larga de qualidade.
O pacto foi firmado quase dez anos depois da primeira tentativa do governo estadual em desenvolver um programa de modernização da rede. Chamado de Infovia, o projeto não foi viabilizado na gestão de Olívio Dutra pela incapacidade de retorno financeiro proporcional ao tamanho do investimento na época. De acordo com o vice-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs), Cláudio Dutra, a nova versão do projeto, lançado na última semana, começará do mesmo estágio em que estava há dez anos. “A situação da rede gaúcha é a mesma do ano 2000. Não se avançou em tecnologia. Utilizamos a estrutura da antiga CRT em muitos lugares do Estado. Com o Infovia RS pretendemos investir R$ 203 milhões até 2014 e transformar o estado num indutor de criatividade”, prevê.
Com um investimento inicial de R$ 14 milhões para 2012, a primeira etapa do projeto atenderá inicialmente a 27 municípios da Zona Sul, com uma rede de fibra ótica entre Guaíba e Bagé, passando por Camaquã, Pelotas e Rio Grande. Outras três etapas do projeto contemplarão as demais regiões até o final de 2012, com linhas de transmissão que formarão um anel interligando todo o território do Rio Grande do Sul.
A proposta prevê a utilização de uma infraestrutura própria para os serviços de transmissão de voz, dados e imagem por todos os órgãos do governo estadual, com prioridade para as áreas da Saúde, Educação, Fazendária e Segurança Pública. “As 23 escolas de Bagé que receberão o programa Um Computador Por Aluno terão uma internet de 10 megabits/segundo e nossa meta é levar essa velocidade para todas as outras escolas do Estado”, projeta.
De acordo com o diretor de Inclusão Digital do governo gaúcho, Gerson Barrey, a intenção do governo é disponibilizar a rede de fibra ótica para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local. “Existe uma dominação no mercado por parte das operadoras e o custo se torna elevado em determinadas regiões e onera os pequenos provedores responsáveis pela implantação da rede local”, afirma. Segundo ele, apenas em 11 cidades gaúchas chega o serviço de mais de uma operadora. “A maioria é da OI e apenas 17 municípios tem a NET”, diz.
Para Marcelo Branco (d), o principal erro do PNBL “é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Monopólio das teles e o PNBL

O monopólio das grandes empresas de telecomunicações é uma realidade nacional. Na tentativa de democratizar o acesso à internet, o governo federal vem negociando há anos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A meta é expandir o acesso à banda larga a 40 milhões de pessoas no país. Mas as negociações do Ministério de Comunicações com as operadoras de telecomunicações têm causado mal-estar entre os defensores da neutralidade na internet. Entre eles, o ativista pela liberdade do conhecimento na rede, Marcelo D’Elia Branco, critica o “acordo” prévio do Plano Nacional de Banda Larga.
“O principal erro desse acordo é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário. Até hoje, dentro da lógica de funcionamento da internet, quem pode cobrar pelos conteúdos na rede é o gerador de conteúdo e não as operadoras. A partir do acordo firmado com o Ministério das Comunicações, as teles, além de ganharem pela largura da banda que oferecem, pela velocidade de transmissão, passarão a limitar a quantidade de conteúdo que o usuário pode baixar durante o mês”, explica. Segundo Branco, o limite será de 300 mega por mês, o  que não possibilita nem fazer download de um filme. “E isso irá fazer com o que o cara da periferia também gaste. Porque ele irá querer ter mais acesso. Mesmo porque, eles não querem só baixar conteúdo, querem subir conteúdos do que é produzido nas comunidades”, afirma.
O presidente da Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet no RS (Internetsul), Rafael de Sá, vê a proposta do PNBL como uma ameaça de exclusão dos pequenos provedores de internet no mercado. “A competitividade já é desleal. Nós competimos com a operadora que nos vende o link hoje. Agora, com o Plano Nacional de Banda Larga, nos vemos ainda mais ameaçados. Desbravamos mercado com muito esforço e com esta proposta, haverá uma verticalização do mercado e seremos escanteados com a proposta do governo com as teles”, critica.
Para evitar os possíveis problemas oriundos do formato do Plano Nacional de Banda Larga, o ativista Marcelo Branco lembra de outro projeto de autoria do executivo com a participação da sociedade civil para regular a internet. “O Marco Civil da Internet que está para ser aprovado no Congresso Nacional garante a neutralidade da rede como um direito do usuário, evitando que as operadoras criem filtros para regular ou bloquear conteúdos”, falou.
O deputado estadual que articulou o pacto gaúcho pela banda larga de qualidade, Daniel Bordigon (PT), disse que o gesto dos gaúchos irá contribuir para acordar o próprio PT sobre a importância em avançar na tecnologia da informação. “Estamos atrasados neste tema aqui no RS. Assim como o direito à educação, à saúde, o acesso a internet e as tecnologias de comunicação já podem ser considerados produtos básicos para o desenvolvimento da cidadania. Por um bom tempo, o conhecimento estava na escola. Hoje ainda está, mas é preciso considerar que na internet há uma vareidade infinita de fontes de conhecimento. O acesso a banda larga para todos e sua democratização é fundamental nesse sentido.”

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Antes de ser Agro, sou Bio!



ESCRITO POR REUBER BRANDÃO no CORREIO DA CIDADANIA  

   
Ninguém é contra o agro. Sempre achei esse tema extremante bobo e, por isso mesmo, sem graça para merecer um texto. No entanto, as falácias colocadas por setores do agronegócio, repetidas pelo movimento “Sou Agro”, me levaram a escrever o presente artigo.

Para começo de conversa, ninguém com um mínimo de sanidade mental nega a relevância, a beleza e a importância das atividades agrícolas. Não é esse o ponto. A agricultura e a pecuária são atividades imprescindíveis para toda a humanidade. A produção e a segurança no fornecimento de alimentos permitiram o crescimento das cidades e das sociedades. A pecuária afetou profundamente nossa resistência a doenças, garantiu a proteína na dieta, permitiu formar cavalarias, criou modalidades esportivas. A agricultura contribuiu com a segurança alimentar, permitiu a domesticação de diversas variedades de plantas e influenciou profundamente a cultura de muitos povos. Nos dias atuais, diversos produtos da agropecuária são relevantes artigos de exportação que ajudam, e muito, a fazer com que a balança comercial brasileira obtenha resultados positivos. Os benefícios da agricultura são muitos e conspícuos.

A agricultura e a pecuária têm ares de milagres. Trabalhar a terra, acompanhar o crescimento das plantas e dos animais, produzir alimentos, sentir o sol no rosto e o sal do suor na boca. Esperar a chuva na hora certa. Sofrer e se alegrar com o trabalho... Sem dúvida, o proprietário rural é um guerreiro valoroso. E, muitas vezes, parece que as regras e as normas governamentais existem mais para atrapalhar do que para ajudar aqueles que tanto trabalham para gerar alimentos.

Como alguns setores da sociedade brasileira se atrevem a contestar a agropecuária? Logo a agropecuária que tanto faz pelo país, que ajudou a ocupar regiões onde antes só havia mato e bichos! Logo a agropecuária, que produz as matérias-primas que todos os brasileiros (e o mundo) usam, demandam e necessitam! Se você almoçou hoje, agradeça a um agro! Se você usou roupas, agradeça a um agro. Se você andou de carro, agradeça a um agro. Se você está hoje de ressaca por conta do churrasco de ontem, agradeça a um agro! Mais que isso, se você fez alguma dessas coisas, você é agro!

Este é o ponto no qual quero chegar. O Movimento Sou Agro é muito bem feito, é muito rico e tem grande aceitação no público em geral. No entanto, muitos dos argumentos usados para sensibilizar a sociedade são ingênuos, falaciosos e também perigosos, que em nada melhoram a relação da agricultura com a população ou com os outros setores produtivos da sociedade.

Só sou Agro porque existe o Bio

A produção de bens de consumo não é exclusividade da agricultura. Na verdade, a maior parte dos produtos derivados de produtos agrícolas só chega a nós porque outros setores produtivos desenvolveram a tecnologia necessária ao seu beneficiamento e transformação. Não é porque uso o vaso sanitário que sou Deca, tampouco sou Sony porque ouço músicas ou sou Intel porque digito no teclado do meu computador. Dizer que todo brasileiro é agro porque consome um produto derivado de algo produzido em uma fazenda é desmerecer a complexidade da nossa sociedade, é desconhecer o intricado caminho da produção, bem como o papel dos diferentes atores nesse processo. É muita presunção acreditar que apenas a agricultura é relevante na sociedade brasileira. Se um carro usa etanol, não foi a agricultura que desenvolveu o motor que utiliza esse combustível, tão pouco os teares que produzem os tecidos. A própria agricultura depende fortemente de outras indústrias, como a química, sem as quais a atividade agrícola pode se tornar inviável.

Se este argumento é válido, somos todos Bio, afinal de contas respiramos gases produzidos por organismos fotossintetizantes que independem do nosso cultivo. O melhoramento de variedades agrícolas depende do conhecimento acerca do patrimônio genético da natureza. A fertilidade e estrutura do solo dependem fortemente dos micro-organismos envolvidos na ciclagem de nutrientes e na formação da matéria orgânica. Populações de animais daninhos são eficientemente controlados por predadores naturais. Um morcego insetívoro ingere diariamente o seu próprio peso em mariposas e outros insetos que se alimentam de culturas agrícolas. A produtividade de diversos cultivares, notadamente de frutas, depende de polinizadores. Na verdade, a agricultura é o setor produtivo que mais depende de serviços ambientais para ser viável. Sem água, sem polinizadores, sem condições climáticas propícias, não existe maquinário, insumo ou reza brava que funcione... Se é agro, é bio, antes de mais nada. É uma pena que ainda existam grupos que não consigam entender o óbvio ululante.

Sou Agro, sou falacioso...

O Movimento Agro reúne alguns dos grupos mais poderosos da agropecuária brasileira. Grupos que tradicionalmente se beneficiam de vultosos financiamentos de bancos públicos. Grupos que representam proprietários de grandes nacos do território nacional. 

O objetivo do Movimento Agro é, aparentemente, trivial. É buscar apoio social entre as pessoas que moram nos ambientes urbanos e que podem não entender a importância da agricultura na suas vidas. Bancado por grandes grupos, contrataram artistas globais “simpáticos” e conhecidos da população urbana para convencer que a agricultura praticada por eles é linda... Hum...

Segundo dados dos censos agropecuários, mais de 80% das propriedades rurais do Brasil são caracterizadas como familiares. No entanto, a despeito da grande superioridade numérica, esse tipo de fazenda ocupa menos de um quarto da superfície total das fazendas brasileiras. Ou seja, menos de 20% dos fazendeiros brasileiros detêm 3/4 das terras agrícolas do país. Mesmo assim, as propriedades rurais familiares são responsáveis por 70% da produção brasileira de alimentos e empregam muito mais que os grandes proprietários.

Desta forma, é claro que existe um grande conflito social no Brasil. De um lado, pequenos proprietários que trabalham muito, produzem com mais qualidade e investem na mão de obra e na diversificação de produtos. De outro lado, grandes proprietários que vivem de financiamentos públicos, produzem em vastas monoculturas, investem em maquinário e têm dinheiro para montar enormes peças midiáticas visando atingir um público específico.

Desta forma, tenho dúvidas que esse Agro realmente cresça forte e saudável. Esse Agro me parece ser o mesmo que acredita que “desenvolver” é fagocitar territórios inteiros e rapidamente convertê-los em paisagens monótonas, mantidas à custa de muita química e muita água. Que não consegue entender que os serviços ambientais são bens comuns, que não devem ser privatizados ou degradados. Uma agricultura que tenta convencer que é mais valiosa que a natureza, que a conservação de nascentes, que a manutenção de reservas legais. Que visa ocupar as áreas de proteção permanente, que ambiciona incorporar todas as fatias de terra do Brasil ao seu “modelo” de produção, de desenvolvimento, de crescimento. Uma agricultura baseada no abandono de terras degradadas para adquirir novas terras nas fronteiras agrícolas, que também serão abandonadas no futuro. Uma agricultura que deixou para trás mais de 300 mil hectares degradados e improdutivos apenas no bioma Cerrado. Um modelo arcaico de agricultura depredatória, que repete uma lógica criada nos anos 70, onde alguns acreditavam que o único destino do Brasil era se tornar o celeiro do mundo. 

Sou Agro, sou perigoso?

A história é rica em exemplos onde grupos humanos que se consideravam, por alguma razão obscura, superiores ou melhores que outros grupos humanos, causaram grandes conflitos, muitos dos quais resultaram em guerras e massacres. Argumentos vazios e falaciosos, agindo sobre as emoções das pessoas, levaram ao massacre de judeus na Europa nos anos 40, no assassinato de tutsis pelos hutus em Ruanda, no extermínio de albaneses pelos sérvios no Kosovo. 

A agricultura é importante e realmente deve ser valorizada, mas todo cidadão brasileiro possui direitos e deveres. É normal acreditarmos que nosso trabalho é importante, que nosso trabalho engrandece, mas nunca devemos minimizar a importância do trabalho alheio, por menos que o entendamos. O Movimento Agro é proselitista e visa criar a sensação de que apenas a agricultura cresce no Brasil, que todo brasileiro deve algo a eles. Qual é o objetivo final do Movimento Agro? Criar na sociedade a sensação de que a agricultura não deve ser fiscalizada? Que a legislação ambiental agride a bela agricultura e que certas leis, como o Código Florestal, apenas servem para punir o nobre, trabalhador e essencial fazendeiro? Calma lá...

Realmente espero que o objetivo deste movimento não seja esse. No sítio do movimento lemos que “o Brasil pode perfeitamente ser a potência dos alimentos, da energia limpa e dos produtos advindos da combinação da ciência com a nossa megabiodiversidade” e que o “setor gera benefícios para toda a sociedade para pautar o futuro do Brasil com base no desenvolvimento sustentável”. Espero que a supracitada combinação de ciência com “megabiodiversidade” não seja entendida pelo movimento apenas como a produção de organismos geneticamente modificados, visando somente a produtividade agrícola, mas sim a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos-evolutivos responsáveis por sua manutenção, nem que o tão batido “desenvolvimento sustentável” seja apenas o sustento do desenvolvimento agrícola.

A agropecuária e a conservação podem andar juntas!

 
Gado curraleiro, no Nordeste, também chamado de Pé Duro. Ele foi 
substituído pelo zebuíno criado em sistema de monocultura. 
Foto: www.nordesterural.com.br



A questão da agropecuária vai muito além do Movimento Sou Agro. A maior parte do território brasileiro está nas mãos de proprietários rurais. Existem mais de 5 milhões de fazendas espalhadas por todo o território nacional. É impossível fazer conservação de biodiversidade no Brasil sem o apoio dos agricultores, da mesma forma que a conservação necessita trazer benefícios para quem está no campo. O Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, também é uma potência agrícola. Essa é a maior prova de que não existe nada de errado em produzir e conservar. Produzir de verdade e conservar de verdade. Não existe incompatibilidade nisso.

A agricultura e a pecuária, como diversas outras atividades, sempre dependeram de serviços ambientais e do meio ambiente equilibrado para seu sucesso. A agricultura depende da oferta de água, depende da polinização, depende da conservação do solo, depende de um clima previsível. Conheço muitos proprietários rurais que percebem isso e entendem que podem compatibilizar a produção agrícola com a preservação dos processos ecológicos (e dos organismos que os mantêm) em suas propriedades. Nunca houve incompatibilidade entre produção e conservação. A quem interessa alimentar essa celeuma? Certamente não interessa à sociedade brasileira.

Para garantir que a conservação e a produção andem juntas, é necessário, antes de tudo, seriedade na ocupação do território. Isso significa não apenas planejamentos patrocinados pelos governos em grandes escalas territoriais, mas também na ocupação do solo nas fazendas. A preocupação com a conservação do solo, a manutenção das matas ribeirinhas, o cuidado com a água e a vegetação é uma prova do respeito do proprietário com sua própria terra, com a sustentabilidade da terra que ele vai deixar para os seus filhos. 

O agro que respeita será recompensado

A economia está mudando. Os mecanismos econômicos de pagamento por serviços ambientais estão sendo refinados e em pouco tempo estarão operando. Proprietários que contribuem com a conservação destes serviços podem receber receitas relevantes pelo simples fato de terem conservado atributos ambientais em suas propriedades. Diversos serviços podem ser explorados nas propriedades rurais onde existam atributos ambientais relevantes. Basta que proprietários empreendedores e conscientes atuem em tais oportunidades. O preconceito de algumas poucas pessoas dos diferentes setores (conservacionista e agrícola) em nada contribui para a percepção de tais oportunidades.

Certas abordagens de pesquisa, como o estabelecimento de “Parques do Pleistoceno”, podem demonstrar a importância da pecuária em pastagens nativas no Brasil e, porque não, na relevância do gado para o aumento da diversidade vegetal e o controle de incêndios florestais? O agronegócio contribuiu fortemente para que raças de gado nacionais, como o robusto, leve e manejável caracu e os resistentes curraleiros, os quais se adaptam às pastagens nativas e a uma enormidade de fontes de alimento, fossem substituídos por zebuínos criados em sistemas de monoculturas de gramíneas exóticas. É esse o Brasil que cresce saudável? 

O Brasil é um país agrícola. Todo brasileiro reconhece a importância da agricultura. No entanto, o brasileiro reconhecerá cada vez mais a importância dos agricultores que entendem e contribuem para a conservação do patrimônio natural do Brasil, que enxergam o futuro e pensam nos filhos dessa terra.

(Este texto contou com excelentes sugestões de Fernando Fernandez.)

Reuber Brandão é biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006.

http://www.oeco.com.br/reuber-brandao/25304-antes-de-ser-agro-sou-bio

Os escravistas contra Lula



Em meio ao debate sobre a crise econômica internacional, Lula chegou a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deveria pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos. O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.Via PATRIA LATINA


Podem pronunciar “sians po”. É, mais ou menos, a fonética de “sciences politiques”. E dizer Sciences Po basta para referir o encaixe perfeito de duas estruturas: a Fundação nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris. Não é difícil pronunciar “sians po”. O difícil é entender, a esta altura do século XXI, como as ideias escravocratas seguem permeando os integrantes das elites sul-americanas. Na tarde desta terça, Richar Descoings, diretor da Sciences Po, entregará pela primeira vez o doutorado Honoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Descoings falará e, é claro, Lula também.

Para explicar bem sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na rua Saint Guillaume, muito perto da igreja de Saint Germain des Pres. Meter-se na cozinha sempre é interessante. Se alguém passa por Paris para participar como expositor de duas atividades acadêmicas, uma sobre a situação política argentina e outra sobre as relações entre Argentina e Brasil, não está mal que se meta na cozinha de Sciences Po. 
Pareceu o mesmo à historiadora Diana Quattrocchi Woisson, que dirige em Paris o Observatório sobre a Argentina Contemporânea, é diretora do Instituto das Américas e foi quem teve a ideia de organizar as duas atividades acadêmicas sobre a Argentina e o Brasil, das quais também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano Fênix há dez anos. 
Naturalmente, para escutar Descoings foram citados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático. Sciences Po tem uma cátedra de Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, mas chegou ao máximo nível de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social.

Um dos colegas perguntou se era correto premiar alguém que se jacta de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e o olhou assombrado. Talvez saiba que essa jactância de Lula não consta em atas, ainda que seja certo que não tem título universitário. Certo também é que, quando assumiu a presidência, em 1° de janeiro de 2003, levantou o diploma que os presidentes recebem no Brasil e disse: “É uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria o de presidente da República”. E chorou. 
“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?” – foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o balanço histórico esse assunto e outros muitos importantes, como a instalação de eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais”. E acrescentou, pegando o Le Monde: “Que país pode medir moralmente hoje outro país? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante”. Falava de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro de Defesa da Alemanha até que se soube do plágio.

Mais ainda: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.
Outro colega perguntou se estava bem premiar alguém que, certa vez, chamou Muamar Kadafi de “irmão”.Com as devidas desculpas, que foram expressadas ao professor e aos colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde Kadafi havia comprado suas armas e que país refinava seu petróleo, além de comprá-lo. O professor deve ter agradecido que a pergunta não tenha mencionado com nome e sobrenome França e Itália. 
Descoings aproveitou para destacar Lula como “o homem de ação que modificou o curso das coisas”, e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como “uns ou outros”, mas sim como “uns e outros”. Marcou muito o “e”, “y” em francês.
Diana Quattrocchi, como latino-americana que estudou e se doutorou em Paris após sair de uma prisão da ditadura argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa que Sciences Pos desse o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou pelos motivos geopolíticos.“Todo o mundo se pergunta”, disse Descoings. “E temos que escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá no ano que vem”.
Na Sciences Po, Descoings introduziu estímulos para o ingresso de estudantes que, supostamente, estão em desvantagem para serem aprovados no exame. O que se chama discriminação positiva ou ação afirmativa e se parece, por exemplo, com a obrigação argentina de que um terço das candidaturas legislativas devam ser ocupadas por mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula fazia parte da política de ação afirmativa da Sciences Po. Descoings observou-o com atenção antes de responder. “As elites não são só escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, não os que são iguais a alguém. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas segundo entendi não ganhou uma vaga, mas foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula vem insistindo que a reforma do FMI e do Banco Mundial está atrasada. Diz que esses organismos, tal como funcionam hoje, “não servem para nada”. O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ofereceu ajuda para a Europa. A China sozinha tem o nível de reservas mais alto do mundo. Em um artigo publicado no El País, de Madri, os ex-primeiros ministros Felipe González e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Querem que seja o auditor independente dos países do G-20, integrado pelos mais ricos e também, pela América do Sul, pela Argentina e pelo Brasil. Ou seja, querem o contrário do que pensam os BRICS.
Em meio a essa discussão, Lula chega a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos.

Tradução: Katarina Peixoto


Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula - divulgação

“Carta às Esquerdas”, por Boaventura de Souza Santos


Por mgsantos


Boaventura de Sousa Santos no AlmanaqueFSM

Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante. Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação? As respostas 2 opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender. Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias. Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo. Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, redu-la à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas. Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas). Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro 3 dentro do presente. Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito. Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar). Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um património das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar. Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas. Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca. Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.

domingo, 2 de outubro de 2011

Foto-levitação: pés, para que os quero?

 Foto levitação: pés, para que os quero?



“Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?”
A frase célebre é da pintora mexicana Frida Kahlo. Mas parece que o espírito da coisa foi totalmente incorporado pela fotógrafa (e pintora) russa Anka Zhuravleva em sua série Gravidade Distorcida.
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(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

Na série, a russa desafia as leis da física e exibe pessoas levitando em pleno ar. Em geral, as fotos passam uma sensação idílica de paz e sonho.

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)
 Foto levitação: pés, para que os quero?
Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

Tão intrigante quanto as fotografias é a própria história de Anka. Ela sempre estudou artes, por influência de sua mãe, que também era artista. Mas, na adolescência, ficou repentinamente ófã – seus pai faleceram em um intervalo de menos de dois anos – e seu mundo virou de cabeça para baixo.
Anka começou a viver no submundo de Moscou. Sempre bebendo muito, trabalhou como tatuadora e cantou numa banda de rock. Também fez alguns trabalhos como modelo, aparecendo nua na Playboy russa e em outras revistas masculinas.
Em 2001, ela conheceu o músico Alexander Zhuravlev, em São Petersburgo. Apaixonou-se e imediatamente mudou-se para a casa dele. Desde então, os dois vivem em harmonia – Alexander incentiva a produção artística de Anka, e ambos convivem comn diversos intelectuais e artistas da Rússia.

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa

Você pode conferir mais trabalhos de Anka – inclusive suas pinturas, de tinta a óleo – acessando o site da artista.
 
Viciada em todo e qualquer tipo de arte. Tudo que tem são vinte e dois anos, um violão com uma corda constantemente arrebentada, e centenas de dúvidas. Ama Tchekov, Nirvana e cinema iraniano. Uma metamorfose ambulante, uma pedra no caminho – ou, resumindo tudo, uma gaivota.