quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A luta cubana contra o terrorismo

Por Nildo Ouriques, no sítio da Adital:
Créditos: Blog do Miro
 
O primeiro livro sobre Cuba que eu li foi A Ilha, de Fernando Morais, no final da década de setenta. Em perspectiva, aquele livrinho – que na época cumpriu extraordinário papel educativo – hoje seria desnecessário. O acesso a internet, a possibilidade de viajar diretamente a Havana, a presença de intelectuais e dirigentes políticos cubanos em eventos no Brasil, permite conhecimento mais preciso sobre um país que durante nossa longa ditadura – 21 anos – seria impossível. A Ilha, na verdade, uma espécie de livro-reportagem, introduzia o leitor no conhecimento das reformas iniciadas pela Revolução Cubana, este fenômeno histórico que é um verdadeiro divisor de águas na política e na consciência mundial e latino-americana.


Atualmente, a "imprensa livre” segue em uníssono a campanha contra o sistema político cubano sem mudar um átomo daquele enfoque típico do período chamado de "guerra fria”. Exceto pelo fato de que qualquer pessoa pode ler na edição dominical do Estadão os textos de Yaomy Sánchez, a "dissidente” que publica artigos com todo tipo de críticas ao sistema político cubano (falsas e/ou verdadeiras), um verdadeiro luxo que nenhum proscrito pela ditadura brasileira jamais teve.

Nestes dias, li de "um tirón” o novo livro de Fernando Morais. À exemplo de A Ilha, do qual minha memória guarda apenas uma cálida recordação, "Os últimos soldados da guerra fria. A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita nos Estados Unidos” é também um livro reportagem, embora de muito maior fôlego, repleto de informação –e pesquisa– acesso privilegiado a documentos de Estado, pitadas de novela, estilo direto e agradável. E mais importante, é também um livro de análise das relações internacionais (sobre o poder dos estados nacionais), sobre o terrorismo de estado e as formas de combatê-lo.

Como de costume, "Os últimos soldados da guerra fria” foi recebido pela crítica brasileira com ceticismo e desaprovação. O jornal Folha de São Paulo sugeriu que se tratava de um livro débil e indicou como prova cabal duas ou três informações errôneas, como se fosse possível realizar um trabalho relativamente longo e importante de pesquisa sem erros. Eu mesmo encontrei que Luis Miguel, o cantor de boleros mexicanos nasceu, segundo Morais, em Porto Rico. Apesar de errônea, qual a importância desta informação para o argumento central da trama?

Há, em quase todos os livros sobre América Latina, grandes e pequenos erros, especialmente quando se trata de relatos que envolvem muitos personagens e longos períodos históricos. Recordo a respeito que "A utopia desarmada”, de Jorge Catañeda, foi um livro aclamado com enorme entusiasmo pelo jornalismo nacional e contém –este sim!– graves erros históricos e não poucas falsificações que comprometem derradeiramente seu argumento central. O livro não poderia ser mais desastroso e a crítica recebeu bastante bem, mas obviamente fazia parte da campanha mundial contra o radicalismo de esquerda na América Latina.

De minha parte, creio que Fernando Morais, vacilou na questão central. Seu precioso relato sobre os agentes cubanos infiltrados nas organizações terroristas –ele as denomina de "extrema direita”– que se proliferam em Miami é, de fato, um capítulo heróico de pessoas dispostas a arriscar a própria vida na defesa de seu povo. É também uma demonstração inequívoca de que os cubanos sempre atuaram de maneira inflexível contra qualquer ato terrorista e não mediram esforços para combatê-lo mesmo em território estadunidense.

Contudo, ainda com a abundância de provas e o conhecimento que qualquer latino-americano medianamente informado possui sobre a importância de Miami para a chamada "comunidade latina” nos Estados Unidos –e sua infinita cumplicidade para receber não somente terroristas, mas também os piores ditadores do continente como "exilados”– Fernando Morais não concluiu com uma obviedade: ao contrário da propaganda que indica os Estados Unidos como vítima do terrorismo, a potência imperialista é, na verdade, o maior patrocinador do terrorismo de estado, muitas vezes mais letal e poderoso que as chamadas "organizações terroristas” que eles se empenham, algumas vezes, em combater.

Neste contexto, os agentes secretos infiltrados pela inteligência cubana nas organizações terroristas que se proliferaram na década de sessenta e seguem operando nos Estados Unidos, especialmente em Miami, não representa como de certa forma pretende Fernando Morais, o epílogo da "guerra fria”, mas lamentavelmente, mais um capítulo da ofensiva estadunidense pela destruição da independência e soberania de Cuba. De fato, predominou durante muito tempo na análise das relações internacionais o "paradigma” da Guerra Fria que, em muitos casos, ocultava em grande medida temas mais importantes e duradouros como a dependência e, especialmente, o colonialismo. Ora, é fácil perceber que mesmo tendo desaparecido o mundo criado pela chamada "Guerra Fria”, a ofensiva estadunidense contra Cuba permanece mais forte do que nunca antes.

Caso fosse um capítulo a mais naquela trama, por que a ofensiva contra Cuba ainda não desapareceu se a URSS sucumbiu? Ademais, exceto durante a conhecida "crise dos mísseis”, jamais a Revolução Cubana representou uma ameaça militar para os Estados Unidos. Cuba nunca foi, de fato, nem mesmo na cabeça do mais fanático anticomunista, uma ameaça à segurança da potência imperialista. Portanto, ao inscrever a ofensiva permanente dos Estados Unidos contra Cuba no contexto da chamada "Guerra Fria”, Fernando Morais permite, ainda que involuntariamente, o reforço do enfoque liberal dominante no Brasil sobre as relações entre os Estados Unidos e os países latino-americanos. Segundo este enfoque, os Estados Unidos aparecem como defensores da "democracia e dos mercados” e o regime cubano não passa de um anacronismo de um período que não mais existe, razão pela qual precisa se reformar na direção indicada por Washington.

A reflexão crítica sobre o terrorismo de estado jamais foi admitida como programa para as ciências sociais no Brasil. Com o fim da ditadura na metade da década de oitenta, os liberais impuseram o tema da democracia e os críticos – socialistas ou não – aceitaram a pauta sem reparos. Portanto, a tematização do terrorismo de estado parecia obsoleta, sendo também extinta na análise das relações internacionais. Contudo, importantes cientistas sociais em outros países latino-americanos seguiram estudando o terrorismo de estado – caso da Colômbia, especialmente – e também dos Estados Unidos.

Caso os Estados Unidos estivessem realmente interessados no efetivo combate a toda e qualquer modalidade de terrorismo, deveriam condecorar os agentes cubanos, mas, ao contrário, cinco foram condenados a longas penas e, dois deles, Gerardo Hernández Nordelo e Ramón Labañino, à prisão perpétua. No momento em que escrevo esta crônica, René González, que no dia 7 de outubro será liberado após permanecer 13 anos na cadeia, pensava em regressar imediatamente para Cuba. Contudo, sua defesa acaba de ser comunicado pela juíza encarregada do caso que ele deverá permanecer mais três anos nos Estados Unidos em "liberdade supervisionada”, decisão que constitui uma penalidade adicional não prevista e rigorosamente ilegal.

A análise deste juízo oferece pistas importantes sobre o colapso do sistema jurídico estadunidense, especialmente golpeado durante os dois mandatos de George Bush. É uma pena que Morais não nos forneceu mais informação sobre as aberrações jurídicas que orientaram este "julgamento” e que, por isso mesmo, revelam o que sobrou do sistema jurídico após a ofensiva republicana contra os tribunais nos EUA. Este mesmo sistema de justiça continua em frangalhos e, em aspectos decisivos, é bastante clara a completa submissão da justiça à razão de estado como se viu no "julgamento” realizado nas cortes de Miami. Lamentavelmente não há indícios de que Barack Obama esteja dando passos firmes em sua reconstrução. Como admitir, por exemplo, que uma figura como Posada Carriles, terrorista confesso, goze de tanta proteção e liberdade dentro dos Estados Unidos? Como admitir a transmissão da Rádio e TV Martí, criada no governo de Ronald Reagan, em completa violação da legislação estadunidense e que, não obstante, funciona plenamente a partir do ridículo mecanismo de balões dirigíveis na Florida, permitida pelo Departamento de Estado?

Eu tenho clareza que o estudo sobre o terrorismo de estado não constitui uma hipótese aceitável para a bem comportada ciência social universitária. Como nós sabemos, no Brasil a categoria "imperialismo” deixou de ser utilizada na análise das relações internacionais. Ainda assim, do impecável jornalismo de Robert Fisk às sólidas interpretações de Noam Chomsky, o tema do terrorismo de estado é central para todo aquele interessado na política externa estadunidense e a relação imperialista que mantém com o continente latino-americano.

Em nosso país, a linha editorial dominante –assumida como ordem unida para todo aquele que pretende freqüentar a grande mídia– eliminou sem constrangimento algum os estudos sobre o terrorismo de estado e, em conseqüência, foca quase que exclusivamente, como recomenda a razão de estado, somente o terrorismo de organizações políticas. Ninguém pode desconhecer a capacidade de destruição de uma organização como a Al Qaeda, obviamente. Mas poderemos ignorar que a capacidade de destruição de um Estado é muitas vezes superior ao de qualquer organização terrorista? Acaso podemos ignorar que os Estados Unidos praticam em larga escala o terrorismo de estado?

Talvez Fernando Morais tenha preferido deixar para o leitor concluir que, ao permitir a livre atuação de organizações de "extrema direita” em território estadunidense, a potência imperialista –especialmente em Miami– não pode ser considerada senão como santuário de terroristas. Morais revela com abundância de informação como as organizações situadas em Miami e composta majoritariamente por cubanos exilados, violam sistematicamente as leis estadunidenses e a soberania cubana com ações terroristas contra Cuba de maneira desinibida e com tácita permissão das autoridades políticas, dos órgãos de segurança e do mundo partidário estadunidense (republicanos e/ou democratas).

De qualquer forma, minha crítica não ignora a notável contribuição que uma vez mais Fernando Morais oferece aos brasileiros para entender algo sobre a realidade latino-americana. A ignorância nacional sobre a realidade cubana é parte integrante de nossa ignorância sobre temas, dramas e desafios que também são nossos. Além das críticas rasteiras, estou seguro que conspirará contra o livro de Fernando Morais o silêncio, esta eficaz arma da classe dominante brasileira e de nossa intelectualidade educada contra qualquer tentativa de latino-americanização de nossa nacionalidade.

A imprensa brasileira –que dúvida pode existir!– desqualificará este importante livro por duas vias conhecidas. A primeira é desmerecê-lo, como alimento para a ignorância brasileira sobre a Revolução Cubana e sua luta contra qualquer modalidade de terrorismo, especialmente o terrorismo estatal estadunidense. A segunda, provavelmente mais eficaz, é a produção de um silencio sobre o livro como se ele jamais tivesse existido. Não seria, certamente, a primeira vez que esta política é colocada em prática. O silêncio também conspirou contra o livro de Florestan Fernandes sobre a Revolução Cubana. Vânia Bambirra também escreveu um luminoso livro que sequer possui tradução em português, embora tenha sido editado em vários países da região e em Portugal. Enfim, o desprezo do "mundo culto” brasileiro pela política cubana revela não somente um reacionarismo deplorável, mas, sobretudo, uma ignorância desmedida.

É claro que a luta de Cuba por manter-se soberana e independente é um péssimo exemplo para a elite brasileira, pois esta se especializou em vender o país no mercado mundial com a mesma serenidade com que manda seus filhos adolescentes à Disneylândia. Portanto, a saga de um país pequeno que se revela gigante nas relações internacionais, capaz de desafiar o poder imperialista e indicar ao mundo que é tão necessário quanto possível atuar no conflito das nações com política própria, zelando pela soberania e autodeterminação, não poderia senão receber como resposta o silêncio da elite brasileira. Em poucas palavras: a luta cubana não existe, simplesmente.

Minha esperança é que a leitura de Os últimos soldados da guerra fria desperte em milhares de brasileiros o desejo de buscar de maneira permanente mais informação sobre o destino de cinco homens cubanos de especial grandeza. Nós poderemos perceber –o relato de Fernando Morais deixa muito claro este ponto– que precisamente gente aparentemente comum pode atuar de maneira íntegra e decidida mesmo no piores momentos de suas vidas pessoais e em circunstancias bastante adversas. Não dever ser fácil para qualquer pessoa –como não foi para nenhum dos cinco agentes cubanos– manter-se firme diante das piores situações e renunciar –uma vez descobertos e presos nos Estados Unidos– a qualquer acordo com as autoridades estadunidenses. Alguns agentes sucumbiram –reconheceram que pertenciam a Rede Vespa e que, portanto, eram efetivamente espiões– entraram nos "programas de delação premiada e de proteção a testemunhas” e permanecem até hoje livres nos Estados Unidos.

Outros cinco, a fim de manter firme suas convicções mesmo conscientes que poderiam, por razoes de estado, terminar seus dias numa prisão, longe de suas mulheres, filhos, pais e, também, longe de sua cultura e de seu país, negaram nos tribunais qualquer vínculo com espionagem. Deve parecer muito difícil para um brasileiro médio, doutrinado na adesão anedótica da defesa da pátria, compreender as razoes que levam pessoas com vidas muito semelhantes as nossas, a tomar tão decidida opção. No mundo atual parece ser que não existe mais motivo para este tipo de comportamento e tudo que restaria a qualquer pessoa racional que se importa com política seria, portanto, o elogio da cautela e a condenação de qualquer heroísmo, mesmo quando este não represente, na verdade, mais que a defesa de nossas próprias convicções.

O estado cubano –e os cubanos de maneira geral– destinam aos agentes infiltrados nas organizações terroristas de Miami o tratamento de "heróis”. Não creio tratar-se de exagero. A trama política reconstruída pelas qualidades literárias de Fernando Morais revela o quanto é difícil para um homem cubano simples, a nobre tarefa de defender seu povo dos ataques que todos os dias, durante os últimos 40 anos, são planejados e executados pelos terroristas confortavelmente instalados em Miami, chamados orwelianamente de "exílio cubano” pela imprensa estadunidense. Neste caso, os heróis cubanos são homens que possuem uma vida austera, amam, choram, sofrem e se divertem, virtudes, que como recorda Morais, estão bem distantes do colonialismo hollywoodiano plantado em nossa cultura pelo glamour do "agente 007”, cuja função política e estética é a eliminação do sacrifício por uma causa política.

O caso dos "cinco heróis” que Cuba reclama imediata e justa liberdade é uma luta que não terminou. Na verdade, somente poderá ter fim quando desaparecer a política estadunidense contra a autodeterminação e soberania cubana. Neste contexto, enganam-se aqueles que comodamente supõem que esta luta é exclusivamente daqueles que optaram por este caminho. Aquele heroísmo e aquele drama –ambos– dizem respeito a todos nós.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Nós criamos os Rafinhas Bastos




Ao insultar gente poderosa, o “comediante” da tevê Bandeirantes Rafinha Bastos talvez venha a sofrer alguma sanção de seu empregador, mas a sanha punitiva que ganha corpo por ele ter mexido com quem não devia se abate apenas sobre um dos muitos produtos de um sistema degenerado que reúne os produtores dessas “atrações” e um público que, em última instância, é o grande culpado pela existência desse tipo de “entretenimento”.
Se não, vejamos. Recentemente, o jornal americano The New York Times publicou matéria que dava conta de que o “comediante” Bastos é a personalidade mais influente do mundo no Twitter. Uma empresa que se dedica a estudar essa rede social apurou que o contratado da TV Bandeirantes, com seus milhões de “seguidores”, é a pessoa que mais influencia troca de mensagens entre tuiteiros.
As pessoas pagam para assistir aos shows de mediocridade, intolerância, insensibilidade e da mais pura canalhice de gente como o tal Bastos. Os programas da Band de que ele participa são os de maior audiência da emissora. Ou seja: esse sujeito não “existiria” se não existissem milhões de brasileiros que gostam de ver os mais fracos e discriminados sendo ridicularizados.
Há, no Brasil – mas não só aqui, claro –, uma perversão que seduz legiões: rir de mulheres “feias”, de deficientes físicos e mentais, de negros, de homossexuais, enfim, de todos aqueles que já são alvo de insensibilidade e perversidade no cotidiano por conta de suas características pessoais.
É simples entender por que esse pretenso “humorismo” explora tanto o filão dos socialmente desvalidos vendo o que acontece quando, por descuido, um desses mercenários da perversidade se esquece de que deve se concentrar só nos mais fracos e incomoda gente que tem como protestar e dar conseqüências aos próprios protestos e, nesse momento, é punido – em alguma medida, pois parece difícil que a Band abra mão de contratado tão popular.
Os figurões que se revoltaram com a piada de Bastos sobre estar disposto a “comer” Wanessa e o filho que ela leva no ventre devem ter rido de suas piadas de mau gosto quando não os afetaram. O ex-jogador Ronaldo, sócio do marido de Wanessa, até participou de “brincadeiras” do CQC, o programa que lançou esse “comediante” e que lhe deu sobrevida até quando defendeu o estupro de mulheres “feias”.
Porque esse é o conceito de humor que infesta a mídia. Que diferença há entre o que faz Bastos e o que fizeram o blogueiro da Globo Ricardo Noblat e o chargista Chico Caruso quando publicaram na internet, no último domingo, charge que debocha da aparência de uma ministra de Estado, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres? Veja, abaixo, o conceito de “humor” dessa gente.
Uma mulher madura que, como quase todas em sua faixa etária, evidentemente não pode se comparar com uma modelo internacional como Gisele Bündchen, do ponto de vista da forma física. Assim sendo, todas as mulheres dessa faixa etária que não ostentam corpos jovens e atraentes foram ridicularizadas.
Noblat e Caruso debocharam de suas mães, talvez das próprias esposas ou irmãs, além de tudo. Esse, aliás, foi o mote da mídia no caso da propaganda de lingerie da Hope: o deboche. Por puro partidarismo político e por interesses comerciais a mídia tratou com escárnio uma posição da Secretaria de Políticas para as Mulheres que reflete o desconforto de um setor da sociedade com a propaganda.
Esse comportamento, aliás, não é novo na mídia. Ano passado, quando a campanha eleitoral esquentava, o blogueiro da Folha de São Paulo (UOL) Josias de Souza, a exemplo de Noblat e Caruso – e no melhor estilo Rafinha Bastos –, acumpliciou-se ao chargista Nani para atacar outra mulher petista, a hoje presidente Dilma Rousseff, retratando-a como prostituta. Eis, abaixo, a “obra” desses degenerados.
No ano anterior, as mulheres petistas já eram alvo. Em fevereiro de 2009, o mesmo Josias de Souza publicou post com foto de Marta Suplicy e Dilma Rousseff sob uma legenda contendo os adjetivos “vadias” e “vagabundas”. Para quem não acredita, basta ver a reprodução daquilo, logo abaixo.
 
A culpa é desses mercenários que fazem de seus blogs ou de seus programas de televisão verdadeiros esgotos ( em que a mulher é uma das principais vítimas) ou é do público que dá audiência a eles? O jornalista americano Joseph Pulitzer disse, há mais de um século, que “Com o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”. Seu pensamento permanece atualíssimo.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O imbecil politicamente incorreto

No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação.

- Por Cynara Menezes, na CartaCapital

Em 1996, três jornalistas – entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:

1. O “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios – os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.

2. O comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.

3. O cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.

“Há uma situação de abandono da educação nos assentamentos”, diz integrante do MST que participou de audiência com Haddad

Atenção, abrir em uma nova janela.
Para falar sobre a pauta da educação na Jornada Nacional de Lutas e a audiência realizada entre movimentos sociais e o ministro da Educação, Fernando Haddad, o Observatório da Educação entrevistou Maria Cristina Vargas, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Observatório da Educação – Qual é a sua avaliação da jornada, no que se refere especificamente às pautas da educação?
 
Maria Cristina Vargas – A jornada refletiu os processos que vivenciamos há bastante tempo. Temos pautado questões especificas da educação no campo, e os movimentos que compõem a Via Campesina abraçaram esse debate. Há também outras pautas, questões agrárias, mas a educação foi um dos principais pontos da pauta nacional da Via.
O campo é um território onde a maioria nunca teve acesso à educação básica, são territórios alheios às políticas, onde estão os piores índices, como de alfabetização. Apenas 6% da população assentada tem ensino médio. Colocar isso como prioridade é um grande avanço, uma conquista de trabalhadores, um grande avanço a Via Campesina colocar tais questões na pauta e desenvolver atividades relacionadas a ela. As políticas educacionais devem estar relacionadas a várias outras, como de esporte e lazer, e à pauta geral de acesso à terra e o endividamento.
Mas apesar da importância de levar a escola ao campo, há hoje uma situação de abandono, que visualizamos na área da educação nos assentamentos, e fechamento de milhares de escolas. No governo Lula (2003-2010), houve avanços no âmbito do reconhecimento desse território, mas houve também, e ainda há, uma movimentação contrária, com o fechamento de escolas e dificuldade de se construir novas. São questões no âmbito da escola mesmo, não só no nível básico, o leque de demandas abrange desde a educação infantil até o ensino superior. Por isso fomos ao MEC.
 
OE – E como foi a audiência realizada no ministério?
 
Maria Cristina – Houve avanço. Fomos com todo acampamento em frente ao MEC antes da audiência. Nela, deixamos bem claro nossa insatisfação. Apesar da responsabilidade dos estados e municípios, entendemos que a responsabilidade da educação do País é também do MEC. Esse foi o principal recado que demos, mostrando que no âmbito dos estados e municípios, o MEC deve ter políticas que fiscalizem e deem retorno.
 
OE – Quais foram as conquistas da audiência?
 
Maria Cristina – O saldo é positivo. A primeira é dentro da campanha “Fechar escola é crime”, pois serão pensadas políticas para garantir debate sobre fechamentos, o MEC se comprometeu a realizar campanha de fortalecimento da educação no campo e a entrar nesse debate. Uma proposta é que conselhos de educação locais passem a ter de emitir parecer quando houver pedido fechamento de escola. Conquistar isso será importante.
Também será convidado para o Grupo de Trabalho de educação no campo o Ministério Público, para acompanhar processos. Avançamos bastante, pois o MEC sentiu-se responsável em dar retorno para a sociedade.
Quanto à construção das escolas, uma pauta antiga, há demanda emergencial só do MST de 286 escolas. Como a jornada era da Via Campesina, essa demanda emergencial foi ampliada para 350. O MEC já possui a lista onde devem se localizar essas escolas e se comprometeu a pautar essa questão nas suas ações. Há a tarefa de motivar municípios para que enviem a demanda a partir do que apresentamos. Está prevista a criação de Grupo de Trabalho entre Incra e MEC para agilizar esse processo e atender às demandas mais emergenciais.
Dentre as principais conquistas, está a proposta de alfabetização. A Secretaria Geral da Presidência se comprometeu com projeto específico, via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com o MEC. Será uma política específica de alfabetização dos camponeses. O Brasil Alfabetizado não tem dado esse retorno, não tem atendido a demanda, e os maiores índices de analfabetismo estão no campo.
Há também a demanda de ensino superior e técnico. A promessa do MEC e da Casa Civil é de 30 institutos federais, 20 deles até 2014. É um avanço, dado que, no campo, essa questão do ensino superior e técnico é muito importante. Há uma especificidade de cursos e os movimentos querem participar. Não basta ter cursos, estes devem atender as demandas concretas de formação.
 
OE – E como foi abordado o novo Plano Nacional de Educação?
 
Maria Cristina – Esse é o ponto político de nossa pauta que não teria retorno imediato, mas é demanda que fará parte da nossa pauta permanente: 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para educação. Estamos trabalhando com outros movimentos. Se observarmos, hoje não tem política especifica para educação no campo no orçamento previsto. O acréscimo [da educação no campo] justificaria o aumento da porcentagem.

Projeto quer ampliar acesso à banda larga no Rio Grande do Sul


Projeto do governo do Estado quer modernizar a rede para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

A maior operadora de telecomunicações no Rio Grande do Sul oferece internet a apenas 350 dos 496 municípios, enquanto os pequenos provedores chegam a 473 cidades. Os custos para levar internet a determinadas regiões se tornam elevados com a precariedade de infraestrutura disponível no Estado, o que contribui para a centralização dos serviços na mão de poucas operadoras de telecomunicações. Por esta razão, os poderes executivo e legislativo se uniram aos ativistas de internet e selaram um pacto pela banda larga de qualidade.
O pacto foi firmado quase dez anos depois da primeira tentativa do governo estadual em desenvolver um programa de modernização da rede. Chamado de Infovia, o projeto não foi viabilizado na gestão de Olívio Dutra pela incapacidade de retorno financeiro proporcional ao tamanho do investimento na época. De acordo com o vice-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs), Cláudio Dutra, a nova versão do projeto, lançado na última semana, começará do mesmo estágio em que estava há dez anos. “A situação da rede gaúcha é a mesma do ano 2000. Não se avançou em tecnologia. Utilizamos a estrutura da antiga CRT em muitos lugares do Estado. Com o Infovia RS pretendemos investir R$ 203 milhões até 2014 e transformar o estado num indutor de criatividade”, prevê.
Com um investimento inicial de R$ 14 milhões para 2012, a primeira etapa do projeto atenderá inicialmente a 27 municípios da Zona Sul, com uma rede de fibra ótica entre Guaíba e Bagé, passando por Camaquã, Pelotas e Rio Grande. Outras três etapas do projeto contemplarão as demais regiões até o final de 2012, com linhas de transmissão que formarão um anel interligando todo o território do Rio Grande do Sul.
A proposta prevê a utilização de uma infraestrutura própria para os serviços de transmissão de voz, dados e imagem por todos os órgãos do governo estadual, com prioridade para as áreas da Saúde, Educação, Fazendária e Segurança Pública. “As 23 escolas de Bagé que receberão o programa Um Computador Por Aluno terão uma internet de 10 megabits/segundo e nossa meta é levar essa velocidade para todas as outras escolas do Estado”, projeta.
De acordo com o diretor de Inclusão Digital do governo gaúcho, Gerson Barrey, a intenção do governo é disponibilizar a rede de fibra ótica para ampliar e qualificar o acesso, mas também criar um marco regulatório local. “Existe uma dominação no mercado por parte das operadoras e o custo se torna elevado em determinadas regiões e onera os pequenos provedores responsáveis pela implantação da rede local”, afirma. Segundo ele, apenas em 11 cidades gaúchas chega o serviço de mais de uma operadora. “A maioria é da OI e apenas 17 municípios tem a NET”, diz.
Para Marcelo Branco (d), o principal erro do PNBL “é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Monopólio das teles e o PNBL

O monopólio das grandes empresas de telecomunicações é uma realidade nacional. Na tentativa de democratizar o acesso à internet, o governo federal vem negociando há anos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A meta é expandir o acesso à banda larga a 40 milhões de pessoas no país. Mas as negociações do Ministério de Comunicações com as operadoras de telecomunicações têm causado mal-estar entre os defensores da neutralidade na internet. Entre eles, o ativista pela liberdade do conhecimento na rede, Marcelo D’Elia Branco, critica o “acordo” prévio do Plano Nacional de Banda Larga.
“O principal erro desse acordo é a tentativa de fazer com que as teles recebam dinheiro pelo volume de conteúdos acessados pelo usuário. Até hoje, dentro da lógica de funcionamento da internet, quem pode cobrar pelos conteúdos na rede é o gerador de conteúdo e não as operadoras. A partir do acordo firmado com o Ministério das Comunicações, as teles, além de ganharem pela largura da banda que oferecem, pela velocidade de transmissão, passarão a limitar a quantidade de conteúdo que o usuário pode baixar durante o mês”, explica. Segundo Branco, o limite será de 300 mega por mês, o  que não possibilita nem fazer download de um filme. “E isso irá fazer com o que o cara da periferia também gaste. Porque ele irá querer ter mais acesso. Mesmo porque, eles não querem só baixar conteúdo, querem subir conteúdos do que é produzido nas comunidades”, afirma.
O presidente da Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet no RS (Internetsul), Rafael de Sá, vê a proposta do PNBL como uma ameaça de exclusão dos pequenos provedores de internet no mercado. “A competitividade já é desleal. Nós competimos com a operadora que nos vende o link hoje. Agora, com o Plano Nacional de Banda Larga, nos vemos ainda mais ameaçados. Desbravamos mercado com muito esforço e com esta proposta, haverá uma verticalização do mercado e seremos escanteados com a proposta do governo com as teles”, critica.
Para evitar os possíveis problemas oriundos do formato do Plano Nacional de Banda Larga, o ativista Marcelo Branco lembra de outro projeto de autoria do executivo com a participação da sociedade civil para regular a internet. “O Marco Civil da Internet que está para ser aprovado no Congresso Nacional garante a neutralidade da rede como um direito do usuário, evitando que as operadoras criem filtros para regular ou bloquear conteúdos”, falou.
O deputado estadual que articulou o pacto gaúcho pela banda larga de qualidade, Daniel Bordigon (PT), disse que o gesto dos gaúchos irá contribuir para acordar o próprio PT sobre a importância em avançar na tecnologia da informação. “Estamos atrasados neste tema aqui no RS. Assim como o direito à educação, à saúde, o acesso a internet e as tecnologias de comunicação já podem ser considerados produtos básicos para o desenvolvimento da cidadania. Por um bom tempo, o conhecimento estava na escola. Hoje ainda está, mas é preciso considerar que na internet há uma vareidade infinita de fontes de conhecimento. O acesso a banda larga para todos e sua democratização é fundamental nesse sentido.”

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Antes de ser Agro, sou Bio!



ESCRITO POR REUBER BRANDÃO no CORREIO DA CIDADANIA  

   
Ninguém é contra o agro. Sempre achei esse tema extremante bobo e, por isso mesmo, sem graça para merecer um texto. No entanto, as falácias colocadas por setores do agronegócio, repetidas pelo movimento “Sou Agro”, me levaram a escrever o presente artigo.

Para começo de conversa, ninguém com um mínimo de sanidade mental nega a relevância, a beleza e a importância das atividades agrícolas. Não é esse o ponto. A agricultura e a pecuária são atividades imprescindíveis para toda a humanidade. A produção e a segurança no fornecimento de alimentos permitiram o crescimento das cidades e das sociedades. A pecuária afetou profundamente nossa resistência a doenças, garantiu a proteína na dieta, permitiu formar cavalarias, criou modalidades esportivas. A agricultura contribuiu com a segurança alimentar, permitiu a domesticação de diversas variedades de plantas e influenciou profundamente a cultura de muitos povos. Nos dias atuais, diversos produtos da agropecuária são relevantes artigos de exportação que ajudam, e muito, a fazer com que a balança comercial brasileira obtenha resultados positivos. Os benefícios da agricultura são muitos e conspícuos.

A agricultura e a pecuária têm ares de milagres. Trabalhar a terra, acompanhar o crescimento das plantas e dos animais, produzir alimentos, sentir o sol no rosto e o sal do suor na boca. Esperar a chuva na hora certa. Sofrer e se alegrar com o trabalho... Sem dúvida, o proprietário rural é um guerreiro valoroso. E, muitas vezes, parece que as regras e as normas governamentais existem mais para atrapalhar do que para ajudar aqueles que tanto trabalham para gerar alimentos.

Como alguns setores da sociedade brasileira se atrevem a contestar a agropecuária? Logo a agropecuária que tanto faz pelo país, que ajudou a ocupar regiões onde antes só havia mato e bichos! Logo a agropecuária, que produz as matérias-primas que todos os brasileiros (e o mundo) usam, demandam e necessitam! Se você almoçou hoje, agradeça a um agro! Se você usou roupas, agradeça a um agro. Se você andou de carro, agradeça a um agro. Se você está hoje de ressaca por conta do churrasco de ontem, agradeça a um agro! Mais que isso, se você fez alguma dessas coisas, você é agro!

Este é o ponto no qual quero chegar. O Movimento Sou Agro é muito bem feito, é muito rico e tem grande aceitação no público em geral. No entanto, muitos dos argumentos usados para sensibilizar a sociedade são ingênuos, falaciosos e também perigosos, que em nada melhoram a relação da agricultura com a população ou com os outros setores produtivos da sociedade.

Só sou Agro porque existe o Bio

A produção de bens de consumo não é exclusividade da agricultura. Na verdade, a maior parte dos produtos derivados de produtos agrícolas só chega a nós porque outros setores produtivos desenvolveram a tecnologia necessária ao seu beneficiamento e transformação. Não é porque uso o vaso sanitário que sou Deca, tampouco sou Sony porque ouço músicas ou sou Intel porque digito no teclado do meu computador. Dizer que todo brasileiro é agro porque consome um produto derivado de algo produzido em uma fazenda é desmerecer a complexidade da nossa sociedade, é desconhecer o intricado caminho da produção, bem como o papel dos diferentes atores nesse processo. É muita presunção acreditar que apenas a agricultura é relevante na sociedade brasileira. Se um carro usa etanol, não foi a agricultura que desenvolveu o motor que utiliza esse combustível, tão pouco os teares que produzem os tecidos. A própria agricultura depende fortemente de outras indústrias, como a química, sem as quais a atividade agrícola pode se tornar inviável.

Se este argumento é válido, somos todos Bio, afinal de contas respiramos gases produzidos por organismos fotossintetizantes que independem do nosso cultivo. O melhoramento de variedades agrícolas depende do conhecimento acerca do patrimônio genético da natureza. A fertilidade e estrutura do solo dependem fortemente dos micro-organismos envolvidos na ciclagem de nutrientes e na formação da matéria orgânica. Populações de animais daninhos são eficientemente controlados por predadores naturais. Um morcego insetívoro ingere diariamente o seu próprio peso em mariposas e outros insetos que se alimentam de culturas agrícolas. A produtividade de diversos cultivares, notadamente de frutas, depende de polinizadores. Na verdade, a agricultura é o setor produtivo que mais depende de serviços ambientais para ser viável. Sem água, sem polinizadores, sem condições climáticas propícias, não existe maquinário, insumo ou reza brava que funcione... Se é agro, é bio, antes de mais nada. É uma pena que ainda existam grupos que não consigam entender o óbvio ululante.

Sou Agro, sou falacioso...

O Movimento Agro reúne alguns dos grupos mais poderosos da agropecuária brasileira. Grupos que tradicionalmente se beneficiam de vultosos financiamentos de bancos públicos. Grupos que representam proprietários de grandes nacos do território nacional. 

O objetivo do Movimento Agro é, aparentemente, trivial. É buscar apoio social entre as pessoas que moram nos ambientes urbanos e que podem não entender a importância da agricultura na suas vidas. Bancado por grandes grupos, contrataram artistas globais “simpáticos” e conhecidos da população urbana para convencer que a agricultura praticada por eles é linda... Hum...

Segundo dados dos censos agropecuários, mais de 80% das propriedades rurais do Brasil são caracterizadas como familiares. No entanto, a despeito da grande superioridade numérica, esse tipo de fazenda ocupa menos de um quarto da superfície total das fazendas brasileiras. Ou seja, menos de 20% dos fazendeiros brasileiros detêm 3/4 das terras agrícolas do país. Mesmo assim, as propriedades rurais familiares são responsáveis por 70% da produção brasileira de alimentos e empregam muito mais que os grandes proprietários.

Desta forma, é claro que existe um grande conflito social no Brasil. De um lado, pequenos proprietários que trabalham muito, produzem com mais qualidade e investem na mão de obra e na diversificação de produtos. De outro lado, grandes proprietários que vivem de financiamentos públicos, produzem em vastas monoculturas, investem em maquinário e têm dinheiro para montar enormes peças midiáticas visando atingir um público específico.

Desta forma, tenho dúvidas que esse Agro realmente cresça forte e saudável. Esse Agro me parece ser o mesmo que acredita que “desenvolver” é fagocitar territórios inteiros e rapidamente convertê-los em paisagens monótonas, mantidas à custa de muita química e muita água. Que não consegue entender que os serviços ambientais são bens comuns, que não devem ser privatizados ou degradados. Uma agricultura que tenta convencer que é mais valiosa que a natureza, que a conservação de nascentes, que a manutenção de reservas legais. Que visa ocupar as áreas de proteção permanente, que ambiciona incorporar todas as fatias de terra do Brasil ao seu “modelo” de produção, de desenvolvimento, de crescimento. Uma agricultura baseada no abandono de terras degradadas para adquirir novas terras nas fronteiras agrícolas, que também serão abandonadas no futuro. Uma agricultura que deixou para trás mais de 300 mil hectares degradados e improdutivos apenas no bioma Cerrado. Um modelo arcaico de agricultura depredatória, que repete uma lógica criada nos anos 70, onde alguns acreditavam que o único destino do Brasil era se tornar o celeiro do mundo. 

Sou Agro, sou perigoso?

A história é rica em exemplos onde grupos humanos que se consideravam, por alguma razão obscura, superiores ou melhores que outros grupos humanos, causaram grandes conflitos, muitos dos quais resultaram em guerras e massacres. Argumentos vazios e falaciosos, agindo sobre as emoções das pessoas, levaram ao massacre de judeus na Europa nos anos 40, no assassinato de tutsis pelos hutus em Ruanda, no extermínio de albaneses pelos sérvios no Kosovo. 

A agricultura é importante e realmente deve ser valorizada, mas todo cidadão brasileiro possui direitos e deveres. É normal acreditarmos que nosso trabalho é importante, que nosso trabalho engrandece, mas nunca devemos minimizar a importância do trabalho alheio, por menos que o entendamos. O Movimento Agro é proselitista e visa criar a sensação de que apenas a agricultura cresce no Brasil, que todo brasileiro deve algo a eles. Qual é o objetivo final do Movimento Agro? Criar na sociedade a sensação de que a agricultura não deve ser fiscalizada? Que a legislação ambiental agride a bela agricultura e que certas leis, como o Código Florestal, apenas servem para punir o nobre, trabalhador e essencial fazendeiro? Calma lá...

Realmente espero que o objetivo deste movimento não seja esse. No sítio do movimento lemos que “o Brasil pode perfeitamente ser a potência dos alimentos, da energia limpa e dos produtos advindos da combinação da ciência com a nossa megabiodiversidade” e que o “setor gera benefícios para toda a sociedade para pautar o futuro do Brasil com base no desenvolvimento sustentável”. Espero que a supracitada combinação de ciência com “megabiodiversidade” não seja entendida pelo movimento apenas como a produção de organismos geneticamente modificados, visando somente a produtividade agrícola, mas sim a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos-evolutivos responsáveis por sua manutenção, nem que o tão batido “desenvolvimento sustentável” seja apenas o sustento do desenvolvimento agrícola.

A agropecuária e a conservação podem andar juntas!

 
Gado curraleiro, no Nordeste, também chamado de Pé Duro. Ele foi 
substituído pelo zebuíno criado em sistema de monocultura. 
Foto: www.nordesterural.com.br



A questão da agropecuária vai muito além do Movimento Sou Agro. A maior parte do território brasileiro está nas mãos de proprietários rurais. Existem mais de 5 milhões de fazendas espalhadas por todo o território nacional. É impossível fazer conservação de biodiversidade no Brasil sem o apoio dos agricultores, da mesma forma que a conservação necessita trazer benefícios para quem está no campo. O Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, também é uma potência agrícola. Essa é a maior prova de que não existe nada de errado em produzir e conservar. Produzir de verdade e conservar de verdade. Não existe incompatibilidade nisso.

A agricultura e a pecuária, como diversas outras atividades, sempre dependeram de serviços ambientais e do meio ambiente equilibrado para seu sucesso. A agricultura depende da oferta de água, depende da polinização, depende da conservação do solo, depende de um clima previsível. Conheço muitos proprietários rurais que percebem isso e entendem que podem compatibilizar a produção agrícola com a preservação dos processos ecológicos (e dos organismos que os mantêm) em suas propriedades. Nunca houve incompatibilidade entre produção e conservação. A quem interessa alimentar essa celeuma? Certamente não interessa à sociedade brasileira.

Para garantir que a conservação e a produção andem juntas, é necessário, antes de tudo, seriedade na ocupação do território. Isso significa não apenas planejamentos patrocinados pelos governos em grandes escalas territoriais, mas também na ocupação do solo nas fazendas. A preocupação com a conservação do solo, a manutenção das matas ribeirinhas, o cuidado com a água e a vegetação é uma prova do respeito do proprietário com sua própria terra, com a sustentabilidade da terra que ele vai deixar para os seus filhos. 

O agro que respeita será recompensado

A economia está mudando. Os mecanismos econômicos de pagamento por serviços ambientais estão sendo refinados e em pouco tempo estarão operando. Proprietários que contribuem com a conservação destes serviços podem receber receitas relevantes pelo simples fato de terem conservado atributos ambientais em suas propriedades. Diversos serviços podem ser explorados nas propriedades rurais onde existam atributos ambientais relevantes. Basta que proprietários empreendedores e conscientes atuem em tais oportunidades. O preconceito de algumas poucas pessoas dos diferentes setores (conservacionista e agrícola) em nada contribui para a percepção de tais oportunidades.

Certas abordagens de pesquisa, como o estabelecimento de “Parques do Pleistoceno”, podem demonstrar a importância da pecuária em pastagens nativas no Brasil e, porque não, na relevância do gado para o aumento da diversidade vegetal e o controle de incêndios florestais? O agronegócio contribuiu fortemente para que raças de gado nacionais, como o robusto, leve e manejável caracu e os resistentes curraleiros, os quais se adaptam às pastagens nativas e a uma enormidade de fontes de alimento, fossem substituídos por zebuínos criados em sistemas de monoculturas de gramíneas exóticas. É esse o Brasil que cresce saudável? 

O Brasil é um país agrícola. Todo brasileiro reconhece a importância da agricultura. No entanto, o brasileiro reconhecerá cada vez mais a importância dos agricultores que entendem e contribuem para a conservação do patrimônio natural do Brasil, que enxergam o futuro e pensam nos filhos dessa terra.

(Este texto contou com excelentes sugestões de Fernando Fernandez.)

Reuber Brandão é biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006.

http://www.oeco.com.br/reuber-brandao/25304-antes-de-ser-agro-sou-bio