sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Para Cpers, avaliação isenta Estado e sobrecarrega professores

Presidenta do Cpers, Rejane de Oliveira, defende o plano de carreira da categoria e afirma que o cumprimento da lei do piso do magistério é o caminho para melhorar a qualidade de ensino | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

Na sequência do debate sobre a avaliação da educação pública no Rio Grande do Sul, o Sul21 entrevista a presidenta do Cpers, Rejane de Oliveira, que tem uma visão crítica em relação à proposta apresentada pelo governo do Estado. Para a dirigente sindical, o governo põe a “culpa” da má qualidade do ensino na conta dos professores e se isenta de suas responsabilidades – principalmente o pagamento do piso nacional do magistério.
“Pelo que já vimos da proposta, ela demonstra uma intenção de retirar as responsabilidades do Estado sobre os problemas da educação e jogar sobre os ombros dos professores”, afirma Rejane.

Sul21 – O governo adiou a publicação do decreto lei que propõem mudanças na forma de avaliação do ensino público. Como está a conversa entre o governo e o Cpers?

Rejane de Oliveira - Ficou combinada a audiência depois de termos entrado na secretaria de Educação. Como dissemos que iríamos acampar na sala, disseram que iriam rever a posição de publicar o decreto no dia 14 de outubro, portanto o debate seguirá até dezembro. Não há mais uma data marcada para a publicação do decreto. Até lá, vamos ler a proposta detalhadamente e discuti-la com a categoria. Vamos discutir também com o governo e analisar o que de fato está colocado.
 "Em vez de o governo pagar o piso do magistério como forma de valorizar os trabalhadores, ele faz uma proposta de sobrecarregar e culpar os professores pela falta de investimentos na educação pública" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O Cpers está com a proposta do governo em mãos?

Rejane de Oliveira – Estamos com o material por escrito e estamos analisando. Vamos ter reuniões entre a diretoria do Cpers e nesta semana vamos reunir com a secretaria de Educação para dar uma primeira posição sobre a proposta ao governo.

Sul21 – O que já é possível dizer sobre a proposta elaborada pelo governo?

Rejane de Oliveira - Pelo que já vimos da proposta, ela demonstra uma intenção de retirar as responsabilidades do Estado sobre os problemas da educação e jogar sobre os ombros dos professores. Esta é a concepção do que está sendo sugerida, um esvaziamento do Estado e uma sobrecarga aos trabalhadores. A proposta é de pontuação e avaliação externa, avaliação de desempenho e responsabiliza os trabalhadores pela evasão da escola pública. Isto não dialoga com o que defendemos historicamente como um processo de avaliação. Nós temos avaliação no plano de carreira e vamos dizer para o governo o modelo que nós defendemos como ideal. O plano de carreira tem uma progressão pelos níveis de habilitação e por avaliação de merecimento, com vários critérios. Em vez de o governo pagar o piso do magistério, que é uma reivindicação amparada por lei, como forma de valorizar os trabalhadores, ele faz uma proposta de sobrecarregar e culpar os professores pela falta de investimentos na educação pública.

Sul21 – A principal crítica não está no conteúdo da proposta, mas na falta de compromisso com os deveres constitucionais do Estado?

Rejane Oliveira – Como o governo fala em avaliação do ensino sem cumprir com os 35% da receita líquida, como está na Constituição Estadual, assim como o não cumprimento do pagamento do piso do magistério? O governo está tendo muita agilidade para criar novas propostas e pouca agilidade para garantir aquilo já conquistado em lei pelos trabalhadores.
O governo que cumpra o seu papel de garantir a formação continuada dos trabalhadores em educação sem mexer no processo de avaliação conquistado e construído pelos trabalhadores.
"O governo que cumpra o seu papel de garantir a formação continuada dos trabalhadores em educação sem mexer no processo de avaliação conquistado e construído pelos trabalhadores" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rejane Oliveira – Nós entendemos que a avaliação continuada é uma reivindicação histórica da categoria. Mas o governo não pode querer utilizar este argumento para mudar mecanismos no sistema de avaliação que já temos. O governo que cumpra o seu papel de garantir a formação continuada dos trabalhadores em educação sem mexer no processo de avaliação conquistado e construído pelos trabalhadores.

Sul21 – Agora que o Cpers teve acesso ao projeto, ainda é possível considerar como uma proposta de meritocracia?

Rejane Oliveira- Toda a proposta que fala sobre avaliação externa, pontuação e tenta jogar sobre o ombro dos trabalhadores o que é de obrigação do Estado culpa os trabalhadores e tem um caráter meritocrático.

Sul21 – Em síntese, qual o modelo ideal de avaliação do ensino na visão do Cpers?

Rejane Oliveira – Nós não terminamos a análise do projeto do governo, mas defendemos o nosso plano de carreira, a manutenção do processo de avaliação como está hoje e que o governo pague o piso nacional para os trabalhadores em educação. É importante dizer que a nossa categoria está fazendo caravanas pelo interior, construindo a greve pela exigência do piso. Não abrimos mão desta conquista. Temos uma assembleia geral prevista para novembro. O governo, se não pagar o piso por vontade própria, será obrigado a pagar pela luta da categoria.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Onde o fogo começa a queimar


Propaganda indevida e iniciação precoce inflam uso de tabaco no País. Por Diego Bragante, para a Carta na Escola. Foto: José Cruz/ABr

Um estudo do Instituto Nacional do Câncer divulgado no mês passado reuniu dados sobre a atual situação do tabagismo no Brasil e trouxe à tona problemas graves em relação ao consumo juvenil de tabaco. Entre eles: metade dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já comprou cigarro, cuja venda deveria ser restrita aos maiores de 18 anos. O levantamento, que reuniu dados de pesquisas realizadas entre 2002 e 2009 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelou que a publicidade de cigarro dirigida a jovens é cerca de 70% maior do que a adultos e é na faixa etária entre 17 e 19 anos que os fumantes brasileiros se iniciam.
Sabe-se que nem todos os adolescentes que experimentam cigarros se tornam fumantes, mas que a experimentação é o primeiro passo e a iniciação precoce aumenta significativamente os riscos de adoecimentos.
Para entender por que um jovem começa a fumar, é preciso atentar para algumas importantes características: o adolescente, na maioria das vezes, quer parecer mais velho, fazer parte de um grupo e não tem a completa percepção de consequências a longo prazo. São inerentes à adolescência o imediatismo e o prazer. Assim, uma abordagem mais ampla sobre o cigarro visará expandir as noções que os jovens têm de prazer e identidade grupal, ajudando-os a valorizar a autonomia de suas escolhas.
Ao querer parecer mais velhos do que de fato são, os adolescentes olham para os adultos em busca de um modelo de comportamento. Sendo os pais os adultos de referência do adolescente, é comum que ele os imite também no quesito fumar. O mesmo vale para os professores. As pesquisas mostram que em lares onde pelo menos um dos pais fuma, é maior o número de adolescentes que se iniciam nesse hábito.
Além do exemplo, temos no Brasil um acesso livre dos adolescentes ao fumo. As primeiras tragadas não vêm da compra do produto, vêm do acesso livre ao mesmo. Não é incomum pais que fumam pedirem a seus filhos que comprem cigarro num ponto próximo à casa, ensinando aos filhos o caminho para a aquisição do tabaco.
Uma vez que o jovem está em busca de sua identidade, o ato de fumar transmite ao adolescente a possibilidade de se reunir e de pertencer a um determinado grupo, o que costuma ser amplamente utilizado pelas empresas de tabaco. Apesar da proibição da propaganda de cigarros em diferentes mídias, 46% dos adolescentes entre 15 e 24 anos viram propaganda de cigarro nos últimos 30 dias, segundo o estudo a Situação do Tabagismo no Brasil, do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Nelas, em geral, é reforçada a ideia de que fumar este ou aquele cigarro dá características comuns a outros fumantes do mesmo produto. Muitos cigarros costumam ser patrocinadores de competições esportivas associando sua imagem à força e liberdade. Outro dado muito importante revelado pela pesquisa do -Inca: em 2008, 17,5% da população brasileira com 15 anos ou mais eram usuários de algum tipo de tabaco (fumado e não fumado), o equivalente a cerca de 25 milhões de pessoas.
O consumo de tabaco também está relacionado à escolaridade: quanto menor o nível de instrução, mais cedo se começa a fumar. Entre os fumantes, 40% dos que começaram a fumar cedo têm pouquíssima escolaridade. Os mais instruídos iniciam-se no vício entre 17 e 19 anos e os menos instruídos, abaixo dos 15 anos de idade. As regiões Nordeste e Centro-Oeste registraram a maior proporção de indivíduos que começaram a fumar com menos de 15 anos. Também são essas as regiões com maior dificuldade de acesso dos jovens à educação. As diversidades culturais também devem ser relevadas. Em alguns lugares o hábito de fumar está arraigado ao modo de viver da população.
O papel da escola
Quanto mais cedo se começa a fumar, mais graves os problemas de saúde – a diferença de um ano pode dobrar os riscos de danos. Com isso, percebemos a importância da escola no combate ao consumo de tabaco, porque quanto mais instruído o adolescente é, melhor ele estabelece a relação de longo prazo entre causa e consequência. Maior a probabilidade de eficiência na abordagem educativa. Esta deve acontecer quando há espaços planejados e intencionais e, nelas, os comportamentos e escolhas dos jovens também devem ser entendidos como fazendo parte do conteúdo a ser incorporado no trabalho pedagógico.
A pesquisa International Tobacco Control – ITC Brasil, realizada em três capitais brasileiras em 2009, mostra que 95% dos fumantes têm conhecimento da associação do fumo com doenças cardíacas e 96% conseguem relacionar o consumo do tabaco ao câncer de pulmão. A compreensão da passagem do tempo, com suas consequências, que parecem para o adolescente muito distantes, faz com que eles tenham dificuldade em dar a devida importância às consequências que o tabaco pode ter. Por isso, a relação com o tempo deve ser trabalhada pelos professores em matérias como história e matemática, por exemplo, o que fará com que a informação de que o cigarro faz mal no futuro tenha importância no aqui e agora.
Discussões ou exemplos que incluam o combate ao fumo devem estar presente com naturalidade nos exemplos dos professores. Claro que momentos de reflexão sobre o tema têm sua importância, mas o alerta sistemático dos professores para o risco do fumo – associado à compreensão de outros conteúdos – pode ser muito mais efetiva.

Diego Bragante

Psicólogo e coordenador de Psicologia na Clínica Medicina do Comportamento e no Residencial Terapêutico Vila Verde

Emir Sader: O maior massacre da história da humanidade



12 de outubro marca o início dos maiores massacres da história da humanidade. A chegada dos colonizadores, invadindo e ocupando o nosso continente – ate aí chamado Aby ayala pelas populações indígenas -, representava a chegada do capitalismo, com o despojo das riquezas naturais dos nossos países, da destruição das populações indígenas e a introdução da pior das selvagerias: a escravidão.


Por Emir Sader, em seu blog


Chegaram com a espada e a cruz, para dominar e oprimir, para impor seu poder militar e tentar impor sua religião.

Centenas de milhões de negros foram arrancados dos países, das suas famílias, do seu continente, à força, para serem trazidos como raça inferior, para produzir riquezas para as populações ricas da Europa branca e colonizadora. Uma grande proporção morria na viagem, os que chegavam tinham vida curta – de 7 a 9 anos -, porque era mais barato trazer nova leva de escravos da Africa.

Os massacres das populações indígenas e dos negros revelava como o capitalismo chegava ao novo continente jorrando sangue, demonstrando o que faria ao longo dos séculos de colonialismo e imperialismo. Fomos submetidos à chamada acumulação originária, aquele processo no qual as novas potências coloniais disputavam pelo mundo afora o acesso a matérias primas, mão de obra barata e mercados. A exploração colonial das Américas fez parte da disputa entre as potências coloniais no processo de revolução comercial, em que se definia quem estaria em melhores condições de liderar o processo de revolução industrial.

Durante mais de 4 séculos fomos reduzidos a isso. Os ciclos econômicos da nossa história foram determinados não por decisões das populações locais, mas das necessidades e interesses do mercado mundial, controlado pelas potências colonizadoras. Pau brasil, açúcar, açúcar, borracha, no nosso caso. Ouro, prata, cobre, carne, couro, e outras tantas riquezas do novo continente, foram sendo reiteradamente dilapidados em favor do enriquecimento das potências colonizadoras europeias.

Assim foi produzida a dicotomia entre o Norte rico e o Sul pobre, entre o poder e a riqueza concentrada no Norte – a que eles chamavam de “civilização” – e a pobreza e a opressão – a que eles chamavam de “barbárie”.

O início desse processo marca a data de hoje, que eles chamavam de "descoberta da América", como se não existissem as populações nativas antes que eles as “descobrissem”. No momento do quinto centenário buscaram abrandar a expressão, chamando de momento de “encontro de duas civilizações”. Um encontro imposto por eles, baseado na força militar, que desembocou no despojo, na opressão e na discriminação.

Não nos esqueçamos disso, demos à data seu verdadeiro significado, que nos permita entender o presente à luz desse tenebroso passado de exploração e de massacre das populações indígenas e das populações negras.

Em debate, o sistema de avaliação do ensino público no RS


Governo do Estado propõe um novo sistema de avaliação dos professores e da educação pública no Rio Grande do Sul | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no Sul21

Secretaria da Educação a Cpers devem se reunir mais uma vez nesta quinta-feira (13) para discutir o novo sistema de avaliação do ensino público que vem sendo proposto pelo governo gaúcho. A proposta causa resistências, principalmente entre a categoria, que no dia 29 de setembro conseguiu fazer com que o governo adiasse a publicação do decreto que instituiria o Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa.
Conforme anunciado, o Sul21 promove um debate sobre o tema. Nos últimos dias, entrevistamos a presidenta do Cpers, Rejane de Oliveira; a ex-secretária da Educação, Mariza Abreu; a presidenta do Conselho Estadual de Educação, Sônia Balzano; e a secretária adjunta da Educação, Maria Eulália Nascimento, que abre a série de entrevistas que serão publicadas entre esta quinta e sexta-feira (14).
“O Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa vai avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação. Hoje há uma avaliação de desempenho de alunos, parcial”, afirma Maria Eulália.Na entrevista, a secretária adjunta da Educação dá detalhes sobre a proposta do governo, que promete “avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação”, comenta as críticas do Cpers e afasta que o projeto se baseie na ideia de “meritocracia”. “O mundo já está abandonando esta concepção, então não serão nem o governador Tarso Genro nem o secretário José Clóvis que irão instituir algo que sempre fomos contrários”, afirma.

Sul21 – Qual a mudança que o governo está propondo?

Maria Eulália Nascimento - Hoje existem no Rio Grande do Sul dois sistemas de avaliação. Um que é o sistema nacional, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que aplica provas de língua portuguesa e matemática entre os alunos, e faz amostragens. E o outro sistema, instituído em 2007, que é o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (SAERS), que se sobrepõe, na nossa opinião, em relação ao SAEB, porque também é restrito a aplicação de provas da língua portuguesa e matemática.

Sul21 – O SAERS é inadequado?

Maria Elulalia NAscimento Foto Camila Domingues  Palácio Piratini
Maria Elulália Nascimento: "Quando digo que estamos articulando a avaliação do sistema com as trajetórias dos alunos, com a valorização do empenho coletivo dos professores, que é um pedacinho da avaliação, estou sendo incisiva em dizer que isso não tem nada a ver com a meritocracia" | Foto Camila Domingues/Palácio Piratini

Maria Eulália Nascimento – Ele será extinto com a edição do decreto que institui o sistema estadual de avaliação. O Sistema Estadual de Avaliação Articulada Participativa vai avaliar não um aluno isoladamente, mas fazer um diagnóstico envolvendo escolas, coordenadorias regionais e secretaria de Educação. Hoje há uma avaliação de desempenho de alunos, parcial. Vamos articular o SEAAP com o SAEB e ampliar as áreas de avaliação dos alunos para as ciências humanas e ciências da natureza. Em escolas típicas, serão selecionados os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Vamos selecionar escolas de baixo, médio e alto IDEB para definir políticas públicas. Hoje, quando são avaliados unicamente os alunos, temos a visão de que se a nota do aluno no IDEB é baixa, os professores são ruins e a escola não é boa. Queremos avaliar as instituições e vincular isso ao desempenho dos alunos. Estamos, em primeiro lugar, interpretando o IDEB. Que fatores interferem no resultado? Qual o nível de participação da comunidade escolar? Quais são as linhas do projeto pedagógico? Qual a implicação da estrutura física das escolas nessa realidade? Quando dizemos que é um sistema institucional, é porque também as coordenadorias e a secretaria serão avaliadas. Nós queremos buscar um diagnóstico e as tarefas da secretaria de Educação.

Sul21 – E quanto à permanência dos alunos?

Maria Eulália Nascimento – É o que tem gerado mais polêmica atualmente, pelo desconhecimento da proposta. As escolas, em sua grande maioria, fazem um esforço tremendo para melhorar o seu trabalho, em especial no que diz respeito à permanência dos alunos nas escolas. Tanto que existe a Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente, e seguidamente o Ministério Público, os conselhos tutelares, se reúnem com os professores, com a direção, porque essa ficha é o instrumento para ir atrás dos alunos que não estão vindo para a escola. Esse esforço coletivo existe, não estamos inventando, isso nunca repercutiu positivamente na carreira dos professores. Essa é a novidade, digamos assim, do vínculo com a trajetória individual do professor. A novidade nas promoções dos professores é que a avaliação institucional e esse empenho na manutenção e ampliação da permanência dos alunos nas escolas serão uma parte do conjunto da pontuação na carreira para promoção. E isso não tem nada a ver com a mudança do plano de carreiras. Porque o plano de carreiras é uma lei e estabelece que os professores têm direito a promoções. O processo de regulamentação da promoções foi feito por decreto. Nós vamos instituir um novo regulamento das promoções. Essa articulação entre a avaliação institucional, a trajetória individual dos alunos, a ampliação das áreas de avaliação, a valorização dos trabalhos da escola e dos professores coletivamente, é que serão interligados nesse sistema.
"O que nós estamos fazendo é valorizar o empenho e o estudo dos professores, mais do que outros critérios. Nós entendemos que o empenho dos professores em produzir e participar de outras atividades é o grande mérito da avaliação" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – De acordo com estes critérios, qual é a diferença da pontuação por merecimento e a chamada meritocracia?

Maria Eulália Nascimento – Existem duas formas de se ter a promoção: por merecimento e por antiguidade. Nós estamos tratando da questão do merecimento. A promoção é um somatório de pontos. O critério de avaliação hoje é rendimento e qualidade do trabalho. É dividido em quatro conceitos: mínimo, regular, bom e excelente. Com essa subjetividade, acaba com que ou fique à mercê das simpatias e antipatias, que é um risco quando não há objetividades, ou que todo mundo seja bem avaliado, para não se incomodar. Nós queremos que o rendimento e a qualidade, por exemplo, sejam avaliados. Hoje tu podes apresentar poucos certificados de participação de curso, e nós estamos ampliando isso porque estamos fazendo uma política de estìmulo à formação continuada. Nós temos professores que produzem blogs, as tecnologias do momento, e isso está sendo incluído nas possibilidades de avaliação. Há outros itens, como o reconhecimento público do trabalho do professor. Quando digo que estamos articulando a avaliação do sistema, com as trajetórias dos alunos, com a valorização do empenho coletivo dos professores, que é um pedacinho da avaliação, estou sendo incisiva em dizer que isso não tem nada a ver com a meritocracia. Por quê? A meritocracia, na sua essência, estimula a competição. No governo anterior tivemos uma política de contrato de gestão com as escolas, que não se concretizou, mas houve a intenção. Na escola isso não combina. Esse contrato de estabelecer metas, e se não cumprissem, até previa demissão. Não passou, mas era uma proposta de meritocracia. Quando se faz ranking de escola, mesmo com o critério de colocar o IDEB na pontuação da escola, tu reforças rótulos nas escolas. Esta é boa e a outra é ruim. Isto faz com que os pais queiram matricular os filhos apenas naquelas escolas com conceito melhor, reforçando aquele conceito. Outra coisa que configura meritocracia é o bônus por prêmio, o 14º salário. Se a escola cresce, os professores ganham prêmio, se não cresce, os professores não ganham. Esta lógica não funciona. Estamos construindo uma cultura diferente. A educação é essencialmente um processo cooperativo. A construção é coletiva, professor, escola e comunidade. A vida já faz a pessoa competir em muitas coisas, precisamos fazer com que os alunos tenham autonomia intelectual, crítica, capacidade de dominar os conteúdos e saírem instrumentalizados para se virarem na vida. O mundo já está abandonando esta concepção de meritocracia, então, não serão nem o governador Tarso Genro nem o secretário José Clóvis que irão instituir algo que sempre fomos contrários.

Sul21 – Como será a avaliação externa feita com a participação da comunidade?

Maria Eulália Nascimento - São nove cadernos de orientação com um conjunto de indicadores que possibilitarão a avaliação da escola sob vários aspectos: estrutura, projeto pedagógico, visão dos pais, professores. Em cada relatório serão levadas em conta as especificidades de cada escola.

Sul21 – Como serão os critérios para controle de assiduidade e frequência, que foi um ponto criticado na proposta da prefeitura de Canoas?

Maria Eulália Nascimento – Licenças de saúde e laudos médicos serão respeitados. No Plano de Carreira do Magistério podemos ter até dez faltas justificadas ao ano, sem prejuízo funcional. Mas hoje quem tem até nove faltas não justificadas pontua igual. Nós entendemos que o esforço do professor em não faltar deve ser prestigiado, então estamos tirando esta possibilidade de faltas não justificadas. Não podemos avaliar ambos, o que não falta nunca e o que falta muito, da mesma forma.
Maria Eulália Nascimento | Foto: Andrey Santos
"Estamos fazendo tudo simultaneamente e estamos abertos para discutir durante o processo. Não estamos pagando o piso, sabemos, mas vamos pagar ao longo do governo" | Foto: Andrey Santos

Sul21 – A senhora poderia sintetizar a proposta do governo pelos principais pontos de mudança?

Maria Eulália Nascimento - Temos cinco pontos hoje: rendimento e qualidade no trabalho; cooperação; deveres e responsabilidades; conhecimentos e experiências; e iniciativa. Estes itens valem quase 68% do total para fins de promoção. A avaliação com critérios objetivos, que são assiduidade, trabalhos elaborados e participação em encontros valem 32%. O que nós propomos é a inversão desta valoração. A cooperação, que estará distribuída entre avaliação coletiva da escola e o aumento das taxas de permanência com a avaliação dos critérios que existem hoje no plano de carreira, passam para 24,32%. Portanto, o empenho coletivo dos professores não fará diferencial como competição, estará incluído em um processo. A assiduidade e pontualidade valem 18,91%, e valerão 10,82%. Os trabalhos elaborados, participação em encontros e cursos passarão a valer 64,86%. Nós entendemos que o empenho dos professores em produzir e participar de outras atividades é o grande mérito da avaliação. Hoje a formação vale 13,7%. Não será pouca mudança.

Sul21 – O governo espera resistência por parte dos professores, desestimulados a buscarem o aperfeiçoamento?

Maria Eulália Nascimento – Este tipo de incômodo é menos preocupante do que aquele que se diz contrário ao que nem conhece ou deturpa o que está sendo proposto. Este é o incomodo que nos preocupa. O que nós estamos fazendo é valorizar o empenho e o estudo dos professores, mais do que outros critérios. Pode haver resistência. Mas a crítica pela crítica, alegando que é meritocracia, é o que mais dói. São muitos anos de experiências para ver nosso esforço reduzido em uma frase.

Sul21 – Mas a crítica de alguns setores da sociedade e do sindicato da categoria, o Cpers, foi de que não se conhece a proposta do governo e ela já estava sendo enviada por decreto mesmo assim.

Maria Eulália Nascimento – A dinâmica do governo não é a mesma do sindicato. Entendemos que os movimentos sociais são independentes do governo, mas isto não quer dizer que o governo irá se atrelar aos movimentos também. Nós recebemos o Cpers para apresentar detalhadamente a nossa proposta e entregamos a eles um documento. Eles disseram que não ouviriam a proposta, se nós não garantíssemos prazo de negociação nas mudanças de avaliação referente aos professores. Abrimos um prazo, não temos pressa.

Sul21 – Outra crítica do Cpers é que não é possível pensar a melhora da qualidade do ensino sem cumprir os deveres constitucionais de valorização salarial dos professores, como o piso do magistério.

Maria Eulália Nascimento – Sempre terá tensão sobre estes pagamentos. Mas há um grande investimento do governo na educação desde o começo da gestão. A previsão orçamentária da educação neste ano era de R$ 23 milhões, e houve uma suplementação de mais de R$ 70 milhões. Isto já demonstra prioridade do governo Tarso na educação. A questão do reajuste acordado em 10,91% nos aproximou do piso. Nós estamos cumprindo duas leis ao mesmo tempo, a lei do piso e a lei do plano de carreira. Os Estados que já cumprem o piso achataram o plano de carreira. Não vamos fazer isto. Só não aceitamos que o piso seja um argumento de recusa a negociar mudanças na avaliação do ensino. Ambos buscam a qualidade do ensino. Não estamos falando só de reestruturação curricular, estamos falando em modernização de escolas e valorização profissional. Este ano 9,6 mil professores foram promovidos em setembro, e não tinham promoção desde 2002. Estamos fazendo tudo simultaneamente e estamos abertos para discutir durante o processo. Não estamos pagando o piso, sabemos, mas vamos pagar ao longo do governo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Armação dos EUA ou loucura do Irã?

Por Antonio Luiz M. C. Costa, na CartaCapital:via BLOG DO MIRO

Ontem, 11 de outubro, o governo de Barack Obama anunciou ruidosamente a desarticulação de uma suposta conspiração de uma facção do governo iraniano para assassinar o embaixador da Arábia Saudita nos EUA e cometer outros atentados contra embaixadas sauditas e israelenses. Em represália, anunciou novas sanções contra Teerã.


A Arábia Saudita se manifestou de imediato contra a “violação fragrante e desprezível da lei internacional” e o governo britânico de David Cameron para dizer que os indícios de envolvimento de “elementos do regime iraniano” eram “chocantes” e oferecer seu apoio aos EUA em relação a medidas punitivas. Os outros aliados dos EUA se mostraram mais cautelosos. A chanceler da União Europeia, Catherine Ashton, diz que as a acusações terão consequências graves “se forem confirmadas” e mídias da França e Alemanha falam de “suposto complô” e “acusação dos EUA”.

O governo iraniano está longe de ser monolítico – são notórios os desentendimentos entre o aiatolá Khamenei e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, recentemente acusado de corrupção por vários parlamentares – e não se pode descartar, a priori, a possibilidade de algum componente fanatizado ter-se envolvido em planos insensatos. Mas há razões para duvidar.

A primeira, mais óbvia, é que já se viu EUA e Reino Unido fazerem acusações falsas e forjarem provas contra um governo estrangeiro, quando decidiram invadir o Iraque de Saddam Hussein. Desde então, mudaram os governos, mas as políticas de Estado continuam fundamentalmente as mesmas.

A segunda é que um complô do Irã para atacar os EUA ou a Arábia Saudita se encaixa mal na atual conjuntura internacional, ao passo que um complô anglo-americano contra o Irã combina perfeitamente com o cenário. Nos últimos meses, a Primavera Árabe tem permitido ao Irã romper seu isolamento na região, a começar pela normalização das relações com o Egito, que alarma estadunidenses, sauditas e israelenses. Teerã também continua a buscar a mediação dos BRICS e da Turquia para um acordo sobre seu programa nuclear, voltando a oferecer o fim do enriquecimento de urânio a 20% em troca de combustível. Parece óbvio que o regime não quer provocar um conflito imediato, ao passo que os EUA e seus aliados têm todo interesse em deter a regularização das relações iranianas e voltar a segregar o país.

A terceira é que a história contada pelo procurador-geral (com poderes de ministro da Justiça) dos EUA, o democrata Eric Holder, é, em si, um tanto bizarra. De maio a setembro, ao lado de Gholam Shakuri, integrante de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã, o iraniano-americano Manssor Arbabsiar, preso em 29 de setembro, teria feito contatos no México um informante da DEA (departamento antidrogas dos EUA) que se fazia passar por representante de um cartel de narcotráfico não identificado (provavelmente os Zetas). Depois de discutirem a possibilidade de ataques com explosivos a embaixadas sauditas e israelenses não especificadas (fala-se em Washington e Buenos Aires), teriam fechado um acordo para assassinar o embaixador saudita nos EUA, Adel Jubeir, por 1,5 milhão de dólares, possivelmente num restaurante de Washington, mesmo que isso envolvesse a morte de inocentes. Arbabsiar foi detido ao desembarcar no México para pagar a primeira metade do acordo e teria confessado suas ligações com facções do governo de Teerã, enquanto Shakuri está no Irã.

Por que interessaria ao Irã, ou mesmo a uma facção do seu governo, eliminar um embaixador, ou cometer atentados contra embaixadas neste momento? Tais ações não são típicas de governos, mesmo mal intencionados, mas de organizações em busca de projeção, propaganda e conquista de militantes, como a Al-Qaeda. A tradicional pergunta “cui bono?” ou “cui prodest?” – “quem se beneficia?” –, pode não bastar como prova, mas aponta para outro lado.

Mesmo antes da Primavera Árabe, a Arábia Saudita e os emirados do Golfo pressionavam os EUA a atacarem Irã, visto como uma ameaça revolucionária a seus regimes obsoletos. E é evidente que a nova conjuntura da região os deixou em pânico, pela influência dos aiatolás sobre a região e principalmente os xiitas de sua região oriental e dos países vizinhos. Teerã acusou os sauditas de genocídio na repressão às manifestações de descontentamento dos xiitas do vizinho Bahrein, que é também a principal base da Quinta Frota dos EUA. Por outro lado, na Síria o Irã dá apoio crítico ao regime Assad, enquanto o governo de Riad foi o primeiro a romper relações com Damasco e apoiar abertamente os dissidentes.

Também é evidente o interesse de Washington em criar um incidente, tanto por razões de política internacional – desincentivar negociações e aproximação de outros países com o Irã, dar o “toque de reunir” a seus aliados da Otan – quanto de política interna, uma vez que se aproxima o período eleitoral, Obama já não é favorito para a reeleição e está encurralado entre os ataques dos republicanos pela direita e as críticas do #Occupywallstreet, pela esquerda. Quando a economia é um desastre, nada como forjar um inimigo externo para conseguir o apoio automático da mídia e de parte dos eleitores. O patriotismo é o último recurso, como dizia Samuel Johnson.

Filhos de ex-pacientes de hanseníase lutam por indenizações

Marli Moreira Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Os filhos de ex-pacientes de hanseníase estão se mobilizando para conquistar o direito de receber indenização do governo federal por causa do sofrimento que passaram ao serem separados dos pais quando ainda eram bebês. Com esse objetivo, estão sendo realizadas hoje (12) várias atividades e o encerramento, previsto para as 17 horas, será com um abraço simbólico na Associação Santa Terezinha, um educandário de Carapicuíba, na Grande São Paulo.
Este era um dos endereços para onde eram levadas as crianças cujos pais estavam internados em hospitais colônias, conta Teresa Oliveira, coordenadora regional do Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) em Barueri. Oliveira lembra que até 1980 vigorou no país o isolamento compulsório dos portadores da doença e que ela própria foi vítima desta política de saúde, tendo sido criada por uma família que a adotou. Ela só soube da sua história aos 10 anos de idade.
De acordo com Oliveira, a Lei 11.520, de 2007, estabeleceu o pagamento de uma pensão vitalícia aos ex-pacientes, no valor de R$ 750,00. Mas, conforme revelou, nem todos com direito a esse benefício estão recebendo a pensão, porque foram cadastrados em torno de 12 mil e estariam faltando ainda outros 4 mil na lista. “Agora estamos batalhando para estender os benefícios aos filhos dos ex-pacientes, que poderia ser uma indenização, um valor a ser um pago de uma vez só”, explicou.
Além de brincadeiras com os netos dos ex-pacientes e os 84 internos do educandário escolhido para as atividades, o Morhan promove hoje a realização de testes de DNA. A intenção é identificar vítimas da segregação imposta aos ex-doentes e filhos.
“Estabelecer uma indenização seria uma espécie de pedido de desculpas da sociedade”, defendeu  Artur Custódio Moreira de Souza, coordenador nacional do Morhan. Ele, no entanto, avalia que isso “não vai suprir o sofrimento dessas pessoas, que foram obrigadas a viver separadas dos pais, que só podiam se ver três vezes no ano e, ainda assim, por meio de vidraças, sem qualquer contato físico”.
Ele informou que há disposição política do governo federal para que seja implantada esse benefício. E, pelos cálculos dele, em torno de 20 mil pessoas teriam direito. De acordo com Custódio, caso o governo adote essa política o Brasil será o primeiro país a ter essa iniciativa, em cumprimento à resolução prevista pelo Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
O líder do Morhan afirmou ainda que a incidência de hanseníase no Brasil só perde para a Índia, seguida do Nepal e do Timor Leste. Ele informou que, em 2010, foram registrados em torno de 35 mil casos.  Mas observou que, diferentemente do passado, hoje os pacientes recebem tratamento em postos de saúde e ficam curados.
A hanseníase é uma doença crônica causada  pelo Mycobacterium leprae, bacilo descoberto em 1873 pelo médico Amaneur Hansen, na Noruega. É caracterizada pelo surgimento de manchas brancas, marrons ou avermelhadas no corpo e pela perda de sensibilidade. Entre os sintomas estão  formigamento, dores, fisgadas e agulhadas ao longo dos nervos dos braços e das pernas, além do inchaço das mãos e dos pés.
 
Edição: Andréa Quintiere

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Che Guevara e os mortos que nunca morrem

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia. Assim seria ele hoje. Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che. E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. O artigo é de Eric Nepomuceno.


No dia em que executaram o Che Guevara em La Higuera, uma aldeola perdida nos confins da Bolívia, Julio Cortázar – que na época trabalhava como tradutor na Unesco – estava em Argel. Naquele tempo – 9 de outubro de 1967 – as notícias demoravam muito mais que hoje para andar pelo mundo, e mais ainda para ir de La Higuera a Argel.

Vinte dias depois, já de volta a Paris, onde vivia, Cortázar escreveu uma carta ao poeta cubano Roberto Fernández Retamar contando o que sentia: “Deixei os dias passarem como num pesadelo, comprando um jornal atrás do outro, sem querer me convencer, olhando essas fotos que todos nós olhamos, lendo as mesmas palavras e entrando, uma hora atrás da outra, no mais duro conformismo... A verdade é que escrever hoje, e diante disso, me parece a mais banal das artes, uma espécie de refúgio, de quase dissimulação, a substituição do insubstituível. O Che morreu, e não me resta mais do que o silêncio”.

Mas escreveu:

Yo tuve un hermano
que iba por los montes
mientras yo dormía.
Lo quise a mi modo,
le tomé su voz
libre como el agua,
caminé de a ratos
cerca de su sombra.
No nos vimos nunca
pero no importaba,
mi hermano despierto
mientras yo dormía,
mi hermano mostrándome
detrás de la noche
su estrella elegida.

A ansiedade de Cortázar, a angústia de saber que não havia outra saída a não ser aceitar a verdade, a neblina do pesadelo do qual ninguém conseguia despertar e sair, tudo isso se repetiu, naquele 9 de outubro de 1967, por gente espalhada pelo mundo afora – gente que, como ele, nunca havia conhecido o Che.

Passados exatos 44 anos da tarde em que o Che foi morto, o que me vem à memória são as palavras de Cortázar, o poema que recordo em sua voz grave e definitiva: “Eu tive um irmão, não nos encontramos nunca mas não importava, meu irmão desperto enquanto eu dormia, meu irmão me mostrando atrás da noite sua estrela escolhida”.

No dia anterior, 8 de outubro de 1967, um Ernesto Guevara magro, maltratado, isolado do mundo e da vida, com uma perna ferida por uma bala e carregando uma arma travada, se rendeu. Parecia um mendigo, um peregrino dos próprios sonhos, estava magro, a magreza estranha dos místicos e dos desamparados. Foi levado para um casebre onde funcionava a escola rural de La Higuera. No dia seguinte foi interrogado. Primeiro, por um tenente boliviano chamado Andrés Selich. Depois, por um coronel, também boliviano, chamado Joaquín Zenteno Anaya, e por um cubano chamado Félix Rodríguez, agente da CIA. Veio, então, a ordem final: o general René Barrientos, presidente da Bolívia, mandou liquidar o assunto.

O escolhido para executá-la foi um soldadinho chamado Mario Terán. A instrução final: não atirar no rosto. Só do pescoço para baixo. Primeiro o soldadinho acertou braços e pernas do Che. Depois, o peito. O último dos onze disparos foi dado à uma e dez da tarde daquela segunda-feira, 9 de outubro de 1967. Quatro meses e 16 dias antes, o Che havia cumprido 39 anos de idade. Sua última imagem: o corpo magro, estendido no tanque de lavar roupa de um casebre miserável de uma aldeola miserável de um país miserável da América Latina. Seu rosto definitivo, seus olhos abertos – olhando para um futuro que ele sonhou, mas não veria, olhando para cada um de nós. Seus olhos abertos para sempre.

Quarenta e quatro anos depois daquela segunda-feira, o homem novo sonhado por ele não aconteceu. Suas idéias teriam cabida no mundo de hoje? Como ele veria o que aconteceu e acontece? O que teria sido dele ao saber que se transformou numa espécie de ícone de sonhos românticos que perderam seu lugar? Haveria lugar para o Che Guevara nesse mundo que parece se esfarelar, mas ainda assim persiste, insiste em acreditar num futuro de justiça e harmonia? Um lugar para ele nesses tempos de avareza, cobiça, egoísmo?

Deveria haver. Deve haver. O Che virou um ícone banalizado, um rosto belo estampado em camisetas. Mas ele saberia, ele sabe, que foi muito mais do que isso. O que havia, o que há por trás desse rosto? Essa, a pergunta que prevalece.

O Che viveu uma vida breve. Passaram-se mais anos da sua morte do que os anos da vida que coube a ele viver. E a pergunta continua, persistente e teimosa como ele soube ser. Como seria o Che Guevara nesses nossos dias de espanto? Pois teria sabido mudar algumas idéias sem mudar um milímetro de seus princípios.

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia.

Assim seria ele hoje.

Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che.

E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. Como o Che.

Haddad volta a defender fim do vestibular

Créditos: PORTAL VERMELHO


O ministro da Educação, Fernando Haddad, declarou ontem (10) que o primeiro passo para promover a reforma do ensino médio no país é extinguir o vestibular. Para ele, essa forma de selecionar os estudantes é um “grande mal”. Em outros momentos, no governo Lula, o ministro já defendeu o fim desse sistema de avaliação.


Fernando Haddad
Fernando Haddad condena vestibular como forma de avaliar estudantes/divulgação AgBr


“O vestibular é um grande mal que se fez com a educação brasileira. Se fosse bom, outros países também teriam. Nós estamos em um processo de substituição do vestibular pelo que tem de mais moderno no mundo, o exame nacional”, disse o ministro, referindo-se ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Haddad participou hoje (10) do 1º encontro Pensando o Desenvolvimento do Brasil – Desafios e Perspectivas para a Educação Básica, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Em seu discurso, ele contou que o ensino médio precisa ser alterado para atender melhor às expectativas do estudante. Essas mudanças, segundo explicou o ministro, vão ocorrer a partir de 2012. Já existem projetos piloto com “ensino inovador” em cerca de 600 escolas. “O objetivo é avançar para oferecer o ensino médio mais coerente com a trajetória e com as expectativas do estudante", afirmou.

Para Haddad, o Enem deve se tornar obrigatório em todo país. A decisão, no entanto, cabe aos secretários estaduais de educação. Com relação à adesão ao exame, ele mostrou dados de participação que apontam que o Enem está assumindo um papel de destaque. Para este ano, que acontecerá dias 22 e 23 de outubro, o número de inscritos bateu recorde com mais de cinco milhões de inscrições.

"À medida que o exame vai ganhando a importância com a adesão das instituições, com as múltiplas funções que ele tem hoje pelo ProUni (Programa Universidade para Todos), com a certificação de ensino médio para quem tem mais de 18 anos, ele vai ganhando naturalmente a adesão dos estudantes", afirmou.

Haddad rebateu as críticas sobre os problemas ocorridos nas últimas edições – vazamento e os erros na impressão dos cadernos de prova. "Nós estamos somando inteligência ao processo, a cada nova edição se agregam novos atores para zelar por cada etapa do processo que é extremamente complexo. Conseguir colocar 5 milhões pessoas em sala de aula em um final de semana não é uma operação exatamente simples", ponderou.

Enem

Nos dias 22 e 23 de outubro os mais de 5 milhões de inscritos comparecerão às 150 mil salas de aula, em 1.599 municípios, para realizar as provas do Enem. Essa será a maior edição desde sua criação, em 1998. As provas do sábado serão de ciências da natureza e humanas. No domingo, serão aplicados os cadernos de linguagens, matemática e redação, somando 180 questões nos dois dias de exame.

Para que isso ocorra, 350 mil pessoas estão envolvidas na aplicação da prova, como fiscais de sala, distribuição das provas, entre outros. O governo federal reforçou alguns pontos estratégicos do processo para evitar os erros de 2009 e 2010. A empresa Módulo, especializada em gestão de risco, e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), que fará a certificação do exame, participam da operação.

John McLaughlin & The 4th Dimension - To the One - 2010

Créditos: sitio do Loololoblog
 

http://img855.imageshack.us/img855/1538/1281105145johnmclaughli.jpg
  1. "Discovery" 6:19
  2. "Special Beings" 8:38
  3. "The Fine Line" 7:43
  4. "Lost and Found" 4:26
  5. "Recovery" 6:21
  6. "To the One" 6:34
Todas las canciones escritas por John McLaughlin

http://img580.imageshack.us/img580/1568/johnmclaughlin.jpg

John McLaughlin – guitar, producer
Gary Husband - drums, keyboards, percussion
Etienne Mbappé – bass
Mark Mondesir – drums, percussion

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Brasil: Sem pressão das forças progressistas, Comissão da Verdade não irá além da mera encenação

por Valéria Nader [*]
e Gabriel Brito [**]
Em vias de aprovação no Congresso, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade, resultante de iniciativas e do esforço de correntes políticas vitimadas pela ditadura civil-militar de 1964-1985, sofreu incontáveis mutilações em relação a seus objetivos iniciais. Entre as muitas aberrações, expandiu-se o período de investigação dos crimes políticos, que terá como data inicial o ano de 1946, quando o Brasil se encontrava sob regimes democraticamente eleitos, ainda que com as devidas tensões e violências políticas registradas – mas nunca assumidas como práticas oficiais do Estado.

O procurador de justiça do estado de São Paulo José Damião de Lima Trindade concedeu longa e detalhada entrevista ao Correio da Cidadania, na qual foi implacável em suas críticas a pontos substanciais do projeto. Vencedor do prêmio de Direitos Humanos João Canuto, concedido em 2008 pela ONG carioca Humanos Direitos, Trindade faz uma provocação que muito contribui para a compreensão do perverso caráter conciliatório que prevaleceu na Comissão, conforme manda a tradição brasileira: "Tenho suspeitas sobre essa quase 'unanimidade' entre reacionários de todos os tipos no Congresso em apoio ao projeto" – referindo-se também à base aliada do governo Lula, repleta de herdeiros e amigos da ditadura.

Ao longo de toda a entrevista, o procurador, também autor do livro História Social dos Direitos Humanos, desnuda as típicas facetas da classe dirigente nacional, sempre afeita às "conciliações por cima". "A Comissão deveria ser mais ampla e ser designada após amplíssima consulta pública à sociedade, para garantir-se que nela não tenham assento agentes duplos nem 'reconciliadores' pusilânimes", critica. E entre tantas ofensas aos preceitos dos Direitos Humanos e do Direito Internacional, destaca-se o trecho que estabelece o sigilo de dados, fatos e documentos que o Estado (inclusive o ditatorial) tenha, no passado, catalogado como confidenciais. Um paradoxo gritante para um projeto que se pretende (ou pretendia) não somente a elucidar, mas a publicizar a 'verdade'. "Se todas as informações recebidas pela comissão não forem tornadas públicas, estaremos diante de uma mera encenação ditada pela conveniência de comandantes militares e policiais ou por figurões da política que prestaram bons serviços à ditadura e pretendem manter seu colaboracionismo trancado no armário", sentencia.

Depreende-se com evidência, da avaliação de Trindade, o frustrante engodo em que pode se transformar uma comissão que foi criada sob aura de muita esperança para os vitimados pela ditadura e é comemorada com grande ufanismo pelos 'governistas'. O promotor questiona pautas essenciais da Comissão, explicando as razões que deixam clara sua intenção de praticar "jogo de cena para o público internacional". Basta, neste sentido, reavivar a memória para perceber que o governo Lula só se mexeu após a condenação, a ser reiterada em 2012, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Além de ter nomeado a maior parte dos integrantes do STF, que no ano passado reinventaram o Direito Internacional ao votarem pela legitimidade da auto-anistia concedida pelos militares em 1979.

O procurador evidencia ainda uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos (órgão criado e elevado a ministério pelo PT) como um "clube de segunda divisão", cujos objetivos são rotineiramente desprezados quando confrontados com os interesses políticos dominantes e retrógrados. Trata-se nada mais nada menos do que "uma opção política da Presidência da República", completa, sem poupar nenhum dos dois presidentes petistas, muito menos aquele egresso dos movimentos democráticos e populares.

O caminho que até agora se insinua como o mais provável para uma Comissão tão repleta de contorcionismos já é visto com bastante pessimismo e desilusão por correntes de esquerda, progressistas, humanistas e democratas. A 'Comissão do Brasil' parece, portanto, afastar-se inexoravelmente de processos semelhantes realizados com muito maior grau de justiça e transparência em países como Argentina, Chile e África do Sul. A não ser que haja uma retomada de manifestações por parte de movimentos democráticos e progressistas e uma vigilância e pressão sobre os poucos integrantes da Comissão, restará como uma miragem a verdadeira reconciliação brasileira com os princípios básicos de respeito aos direitos humanos e como uma farsa a tão repisada alusão à 'respeitabilidade internacional' de nosso país. "Se não cumpre os tratados internacionais de direitos humanos que subscreveu, e se não cumpre fielmente as decisões de Cortes Internacionais de direitos humanos a que aderiu, como o país espera ser respeitado internacionalmente?", indaga Trindade

A entrevista completa.

Correio da Cidadania: O projeto de lei que cria a Comissão da Verdade está em vias de aprovação definitiva no Congresso, com a finalidade de investigar o passado político do país entre os anos de 1946 e 1988. O que pensa da extensão do período de investigação para além da ditadura, do número de pessoas estabelecido para os trabalhos, ao lado do prazo proposto de dois anos para a duração da empreitada? Há alguma possibilidade de tal configuração confluir para uma Comissão da Verdade 'de verdade'?

José Damião de Lima Trindade Damião Trindade:
O projeto de lei 7376/2010, encaminhado ao Congresso pelo ex-presidente Lula em maio de 2010 e aprovado pela Câmara dos Deputados com duas emendas aditivas em 21 de setembro último, cria na Casa Civil uma Comissão Nacional da Verdade, composta de sete membros a serem designados pela Presidente da República e auxiliados por catorze assessores, com o mandato de dois anos, para investigar e apresentar um relatório sobre as graves violações aos direitos humanos cometidas entre 18/11/1946 e 05/10/1988. O projeto tramita agora no Senado sob o número 88/2011.

O número de componentes dessa Comissão parece mesmo insuficiente, assim como sua assessoria parece diminuta, dada a vastidão e complexidade do trabalho que está à sua espera, o período histórico muito lato a ser examinado – quase 42 anos – e o mandato de apenas dois anos de duração para os integrantes da Comissão. Mas a experiência internacional das Comissões da Verdade criadas em quase cinqüenta países ao final de ditaduras em todo o planeta nos ensina que, além dessas limitações reais, há também outros fatores – pelo menos mais três deles – que podem até se tornar mais importantes.

Correio da Cidadania: Quais são esses três outros fatores?

Damião Trindade:
Em primeiro lugar, importa decisivamente a composição dessas comissões, ou seja, a qualificação dos seus integrantes para investigar as violações, sua familiaridade com o tema e com o período histórico abrangido e, sobretudo, a completa independência política, a determinação e a intrepidez moral dos seus componentes. A Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas, na Argentina, teve apenas 11 integrantes e trabalhou durante apenas nove meses, investigando os sete anos da ditadura militar argentina, mas seus componentes eram inequivocamente comprometidos com a defesa dos direitos humanos e ela foi presidida por ninguém menos do que o escritor Ernesto Sábato. Já a Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación, constituída no Chile por decreto do Presidente Patricio Ailwin para investigar os 17 anos da ditadura de Pinochet, teve 8 membros e 60 assessores, mas quatro dos membros nomeados eram antigos apoiadores da ditadura, que tentaram de tudo para emperrar os trabalhos – só não o conseguiram porque era monstruoso o volume e a profundidade das atrocidades encontradas. Na África do Sul, após vários meses de audiências públicas, foi constituída uma Comissão da Verdade e Reconciliação com 16 integrantes, sob a presidência do arcebispo Desmond Tutu, com o suporte de 300 assessores e quatro escritórios regionais distribuídos pelo país, para investigar, durante dois anos e meio, as violações cometidas ao longo dos 45 anos de apartheid.

No Brasil, ainda não sabemos se, antes de designar os membros da comissão, a Presidenta da República estará disposta a ser permeável a consultas públicas democráticas. Se a comissão sair apenas da algibeira do Palácio do Planalto, em meio a pressões da "base aliada" conservadora e a recados remetidos por generais, tudo poderá estar comprometido logo à partida.

Outro fator relevante é que o marco legal sob o qual trabalha a comissão faz toda a diferença. Na Argentina, foi revogada a anistia que a ditadura se auto-concedeu, e as informações e testemunhos recolhidos pela Comisión foram fundamentais nos julgamentos dos generais. No Chile, mesmo com idêntica lei de auto-anistia, o Poder Judiciário encontrou os meios jurídicos para levar às barras dos tribunais os militares assassinos e torturadores. No Brasil, estamos em situação pior: o Supremo Tribunal Federal – cuja maioria de Ministros foi indicada pelo Presidente Lula – já lavou as mãos quanto à infame auto-anistia da ditadura, mesmo após o Brasil haver sido condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reiteradamente julga como inválidas tais leis de auto-anistias das ditaduras.

Por fim, se faltar autonomia financeira à comissão, ela pode estar condenada a caminhar o tempo todo com o pires na mão. O exemplo tragicômico a esse respeito foi a Comisión Nacional de La Verdad y la Justicia, do Haiti: após trabalhar sob inacreditável penúria financeira durante 10 meses, seu relatório final, de fevereiro de 1996, teve cópias distribuídas para organizações de defesa dos direitos humanos – assim mesmo, após todo um ano de pressões. Nunca foi efetivamente publicado, pois o Ministro da Justiça do país à época "explicou" que o preço da publicação era "proibitivo". O resultado foi que o relatório passou praticamente despercebido pela população e somente algumas de suas recomendações foram implementadas – anos depois, e somente por conta da pressão internacional.

Correio da Cidadania: O que o senhor pensa do fato de tal comissão poder vir a ter a participação de militares?

Damião Trindade:
O artigo 7º, parágrafos primeiro e segundo, do projeto em tramitação, admite expressamente que servidores públicos civis ou militares, de qualquer das esferas de Poder, poderão ser designados para integrar a Comissão Nacional da Verdade – o que deixa abertas as portas para o ingresso na Comissão, por exemplo, de um oficial militar ou de um policial, coisas assim. Por outro lado, o artigo 2º veda a participação na Comissão daqueles que estejam no exercício de cargos públicos em comissão ou função de confiança, ou daqueles que "não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão". Ou seja: sopesando os dois tipos de dispositivos, se a Presidenta da República quiser nomear para a Comissão um militar ou um policial, bastará escolher entre os que não estejam ocupando cargo de comando ou de assessoria, que não hajam mantido laços muito óbvios de colaboração com a ditadura, nem defendam em público posições de extrema-direita...

Todavia, se tivermos em mente, tanto o forte espírito de corpo predominante entre militares e policiais, como a ideologia autoritária que está longe de haver se dissipado nessas corporações, o que poderíamos esperar de uma nomeação desse tipo? Mas, perguntemos: não haveria militares e policiais verdadeiramente democratas, convertidamente interessados em abrir o ventre imundo da ditadura, mesmo à custa de granjear antipatia entre seus pares, mesmo sob o risco de sofrer depois retaliações hierárquicas? Eu desejo sinceramente que haja. Mas ignoro se e quais foram os "entendimentos" previamente estabelecidos para que os altos comandos militares não "vetassem" o encaminhamento do projeto ao Congresso.

E tenho suspeitas sobre essa quase "unanimidade" entre reacionários de todos os tipos no Congresso em apoio ao projeto. Estará a Presidente da República disposta a correr o risco de, logo de partida, desmoralizar a Comissão perante a opinião pública com uma designação indefensável?

Correio da Cidadania: Como o senhor avalia a possibilidade de, aparentemente, o projeto de Comissão da Verdade admitir que sejam investigados militantes de lado a lado, torturados e torturadores, tal como pediram os setores mais conservadores?

Damião Trindade:
Quanto ao risco de a Comissão Nacional da Verdade vir vergar-se a pressões espúrias de saudosistas da ditadura e perder-se numa nova caça às bruxas contra os que combateram aquela ditadura, penso que isso dependerá da envergadura moral dos seus integrantes, de sua convicção democrática, de sua clareza histórica, de sua hombridade pessoal, de sua independência e coragem. Equiparar os golpistas de 1964 aos que resistiram ao golpe seria o mesmo que equiparar o exército de ocupação nazista aos guerrilheiros franceses que heroicamente o enfrentaram.

Ademais, as atividades dos combatentes contra a ditadura já foram sobejamente "reveladas" – foram extorquidas sob tortura, muitas vezes seguida de morte. O que ainda faz falta é revirar e revelar as "atividades" dos agentes da ditadura, as variadas e sempre dilacerantes práticas de tortura e de crimes hediondos que cometeram contra milhares de presos políticos, incluindo estupros contra meninas capturadas, execuções, "desaparecimentos", ocultação de cadáveres etc.

O projeto de lei em tramitação é muito aberto quanto ao objeto de trabalho da futura comissão, havendo, sim, o risco – se os integrantes da comissão forem tíbios ou desfibradamente "reconciliadores" – de ela descambar para a investigação de supostas "violações" assacadas contra os que resistiram à ditadura, como querem as forças mais reacionárias, só interessadas em embaralhar o assunto, como, de fato, aconteceu em boa medida com a comissão chilena, e em alguma medida com a comissão sul-africana.

Penso que só a pressão da sociedade, uma pressão organizada e insistente, com a multiplicação de seminários e debates por todo o país, com manifestações coletivas ao menos em todas as capitais, com o engajamento dos movimentos estudantil e sindical, dos artistas e intelectuais etc, poderá suscitar um sentimento de indignação e de exigência capaz de neutralizar as pressões das forças da escuridão que, com toda certeza, trabalham no sentido de tornar a Comissão Nacional da Verdade em não mais que uma encenação para a platéia internacional.

Correio da Cidadania: E quanto ao sigilo de dados estabelecido no projeto de lei que criou a Comissão, não se trata de um paradoxo gritante para um projeto que se pretende (ou pretendia) não somente a elucidar, mas a publicitar a 'verdade'?

Damião Trindade:
Será crucial a mais completa transparência e publicidade dos trabalhos da comissão. Todavia, há dispositivos, no projeto em tramitação no Senado, que admitem a realização sigilosa de atividades da comissão (artigo 5º) e que até obrigam a comissão a manter o sigilo dos documentos e informações que o Estado, de antemão, houver classificado como sigilosos (artigo 4º, parágrafo segundo). Isso configura, evidentemente, uma aberração risível. Se o propósito for revelar a verdade sobre as violações de direitos humanos daquele período, como respeitar "sigilos" previamente estabelecidos?

A comissão brasileira se prestará ao papel de censurar informações em seu relatório final ou, quiçá, de produzir um relatório "misto", em que uma parte poderá ser franqueada ao público e outra parte permanecerá sob chaves? Se todas as informações recebidas pela comissão não forem tornadas públicas, estaremos diante de uma mera encenação ditada pela conveniência de comandantes militares e policiais ou por figurões da política que prestaram bons serviços à ditadura e pretendem manter seu colaboracionismo trancado no armário.

Na África do Sul, as sessões da Comissão eram transmitidas ao vivo pela rádio estatal durante quatro horas por dias, todos os dias. Na Argentina, o relatório final da Comisión foi publicado na íntegra, sem qualquer censura, e após cerca de 30 reimpressões, já soma quase 500 mil exemplares vendidos.

Correio da Cidadania: No que diz respeito à ausência de poder de punição da Comissão, que poderá no máximo indicar caminhos a serem seguidos pelo Estado brasileiro, trata-se de critério aceitável mediante os preceitos judiciais brasileiros?

Damião Trindade:
A Comissão Nacional da Verdade, como todas as comissões congêneres dos demais países, não é um órgão jurisdicional, punitivo. Sua competência é apurar a verdade, toda a verdade, e entregá-la por completo, sem censura de qualquer espécie, à sociedade brasileira e ao Estado. A jurisdição constitucional para processar e punir pertence ao Poder Judiciário.

O problema é que, como já apontei, o Poder Judiciário brasileiro, por meio de sua Corte mais alta (insisto: cuja maioria de membros foi indicada pelo Presidente Lula), já decidiu que os crimes cometidos pelos agentes da ditadura estão cobertos pela auto-anistia que a ditadura concedeu a si mesma, malgrado toda a jurisprudência em sentido contrário emanada das Cortes internacionais de direitos humanos.

Em 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos voltará a examinar a conduta do Estado brasileiro quanto ao cumprimento da sentença condenatória que exigiu a punição dos crimes da ditadura. E, mais uma vez, o Brasil será chamado às suas responsabilidades, sob pena de colocar-se como um Estado que prefere ficar à margem da comunidade internacional.

Correio da Cidadania: Como o senhor posicionaria a presidenta Dilma Rousseff nesse processo, especialmente à luz do fato de ter sido uma vítima notória da ditadura e de seu discurso de início de mandato, com forte ênfase na não tolerância de nenhuma espécie de violação aos direitos humanos?

Damião Trindade:
Em política, não se pode avaliar uma pessoa apenas por seu passado e, muito menos, por seus discursos. Conta mais a sua prática, as opções que adota a cada circunstância. Fiquemos atentos à conduta que ela adotará e logo teremos a resposta a essa pergunta.

Correio da Cidadania: Acredita que, mesmo enfraquecida e ao gosto dos militares e herdeiros da ditadura (políticos, empresários e órgãos de mídia), como se viu na repercussão do assunto, a Comissão da Verdade terá alguma serventia à elucidação, da história do país e ao estancamento das práticas autoritárias que ainda persistem em nosso sistema penal e judiciário? Em suma, ela pode colaborar minimamente para uma transição democrática ainda não concluída por aqui?

Damião Trindade:
A resposta a essa indagação depende da conjugação de vários fatores políticos que ainda estão em desdobramento. Portanto, ainda não é possível oferecermos uma resposta cabal e segura. Depende das modificações que o Senado vier a introduzir no projeto de lei – e devemos temê-las, pois o Senado está sob controle muito maior das classes dominantes conservadoras do que a Câmara dos Deputados. Se assim for, nenhum acerto de contas farão em relação ao nosso passado. Depende também dos eventuais vetos que a Presidente da República estiver disposta a contrapor ao texto final. Depende, ainda, do conteúdo do decreto presidencial que vier a regulamentar a lei – ele poderá facilitar ou dificultar os trabalhos da comissão. Também depende muito, muito mesmo, da composição que a Comissão Nacional da Verdade vier a ter – o que, por sua vez, depende da pressão que as forças democráticas e progressistas forem capazes de mobilizar na sociedade.

E depende, por fim, de outro fator ainda mais imponderável: um processo de busca da verdade, uma vez deflagrado, pode acabar escapando do controle dos seus planejadores, pode acabar transbordando de limites previamente "combinados". Um fato puxa outro, um depoimento acaba incriminando quem deveria ficar acobertado, e assim por diante. A caixa de Pandora pode, até inadvertidamente, ser destampada. Se a Comissão for idônea e politicamente independente, e se de fato desfrutar de independência operacional, poderá colocar o dedo em feridas sérias e acabar jogando luzes sobre o que "deveria" permanecer nas sombras, malgrado seu número pequeno de membros e de assessores, e apesar do prazo exíguo para as investigações.

Poderá, por exemplo, resolver focar seus trabalhos essencialmente no período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, o que já reduziria para 21 anos o período investigado, até pela impossibilidade de investigar adequadamente todos os 42 anos previstos no projeto de lei. Ou, ao contrário, se seus membros forem politicamente pusilânimes, empenhados muito mais em "reconciliar" do que em desnudar verdades, poderão propositalmente diluir a investigação pelos 42 anos e esquivar-se de investigar fatos e denúncias que, eventualmente, possam vir a comprometer militares ou figurões da República. Os rumos da Comissão também poderão ser expressivamente influenciados pelo jogo de pressões e contrapressões que ela seguramente receberá durante todo o tempo de funcionamento.

Estarão as forças do progresso social e político amadurecidas para se unir, somar e coordenar esforços, ocupar espaços e exercer uma mobilização aguerrida e uma cobrança de resultados sem qualquer comiseração de natureza partidária? Porque as forças das sombras, dos armários trancados, dos arquivos escondidos, e dos crimes ignominiosos que ocultam, essas forças conhecem muito bem quais são os seus interesses, e reconhecem muito bem os momentos em que devem se unir e se acobertar mutuamente.

Correio da Cidadania: O senhor tem uma opinião já formada sobre a atual Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SNDH), ligada diretamente à presidência? Como o senhor a avalia, à luz da atuação do ministro anterior, Paulo Vannuchi, o primeiro ocupante dessa secretaria, com status ministerial, criada no governo Lula?

Damião Trindade:
Passa a impressão de que a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, não importa o status legal de que desfrute, continua sendo um órgão de segundo escalão, um clube relegado à segunda divisão, que não tem força ou respeitabilidade para, em momentos cruciais, convencer o governo federal de suas posições.

Bastam alguns exemplos. O Congresso Nacional editou a lei 10.559/02 que, dentre outras matérias, obrigou o Estado a indenizar as vítimas ou seus familiares pelos crimes cometidos por agentes públicos durante a ditadura. Em decorrência, o Estado vem indenizando os sobreviventes e as famílias dos mortos/desaparecidos, isto é, vem reconhecendo, nesses casos bem documentados, que o Estado tolerou/promoveu condutas criminosas de seus agentes, condutas essas que estão agora gerando efeitos financeiros contra o próprio Estado. Esse dinheiro das indenizações saiu e continua a sair do erário. A rigor, a União estaria juridicamente obrigada, ela mesma, a ingressar diretamente com ações judiciais contra os agentes criminosos identificados, para compeli-los a repor ao erário esses valores que, por culpa deles, o erário está sendo obrigado a desembolsar. Esse tipo de procedimento ocorre todos os dias, em todas as esferas da Administração Pública, contra servidores que causam prejuízos à Administração.

Por que o governo federal não aplicou o mesmo critério no caso das indenizações políticas? Por que a própria União não processou os agentes da ditadura para que ressarcissem ao erário as despesas com as indenizações pagas? Pois foi necessário o Ministério Público Federal tomar essa iniciativa, na defesa do patrimônio público federal. O MP federal ajuizou, em 2008, uma ação contra dois ex-comandantes do DOI-CODI de São Paulo, para responsabilizá-los financeiramente (não penalmente) por cerca de 60 indenizações pagas pela União relativas a mortos/desaparecidos naquele centro de horrores durante o período em que aqueles dois militares o dirigiram. Ou seja: a ação foi em defesa do patrimônio da União. Os réus são os dois militares, não a União. Chamada a pronunciar-se no processo, a União, representada por sua Advocacia Geral, deveria ter endossado a iniciativa do MP. Mas, para assombro e estarrecimento dos próprios meios jurídicos do país, a AGU... defendeu os réus! Colocou-se contra o próprio interesse patrimonial da União! Na ocasião, o Secretário Nacional de Direitos Humanos pronunciou-se em público no sentido de que o Presidente da República deveria determinar à AGU a mudança de posição. E ele tinha inteira base jurídica e processual para defender isso. Mas o Presidente da República não se moveu e a AGU manteve sua posição horrível.

Mais recentemente, houve o vergonhoso episódio das amputações no III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Bastou os comandantes militares torcerem o nariz, a ala conservadora da Igreja protestar, o agronegócio reclamar e os monopólios da grande mídia denunciarem ameaças à "liberdade de imprensa", e o III PNDH, mesmo após debatido e votado democraticamente por milhares de pessoas e de entidades reunidas em conferências por todo o país, foi unilateralmente amputado pelo Presidente Lula de pontos importantíssimos. A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, que era contra essas amputações, foi novamente derrotada.

Por fim, os arquivos militares secretos sobre o período da ditadura, cuja abertura a SNDH sempre defendeu, continuam lacrados e escondidos. Aliás, quanto a isso, como a futura Comissão Nacional da Verdade saberá quais informações deverá requisitar às Forças Armadas, uma vez que não saberá quais informações aqueles arquivos contêm? Como a Comissão poderá requisitar informações que, estando classificadas como sigilosas, ela não faz a menor idéia do que tratam? Na realidade, a coisa toda está toda invertida, pois, primeiramente, os arquivos deveriam ser abertos. Mas, em se tratando de assuntos assim "sensíveis", a SNDH não consegue fazer valer suas posições. É um órgão que vem sendo mantido em posição de fraqueza – o que, é claro, configura, nada mais, nada menos, do que uma opção política da Presidência da República.

Correio da Cidadania: O senhor fez referências a alguns processos de transição democrática mundo afora, os quais, em analogia com nosso país, parecem deixá-lo em uma categoria de muito maior pusilanimidade. Como deve ficar a imagem do Brasil no exterior?

Damião Trindade:
A pergunta já embute uma resposta óbvia. Se não cumpre os tratados internacionais de direitos humanos que subscreveu, e se não cumpre fielmente as decisões de Cortes Internacionais de direitos humanos a que aderiu, como o país espera ser respeitado internacionalmente? Se esse processo de vacilações de passos em falso e de contorcionismos, para não desagradar comandos militares e figurões da política e da alta finança, não for revertido, esse constrangimento internacional do Brasil só crescerá.

O que temia o Presidente Lula, o que tem a temer a Presidenta Dilma? Um novo golpe de Estado? Não há o menor ambiente político ou social para isso. Quando está em jogo completar o processo de transição democrática, o medo, ainda mais o medo deslocado da realidade, é o pior dos conselheiros. A menos que não se trate apenas de medo, mas da reincidência da atávica vocação de nossas classes dominantes e de nossos dirigentes políticos de sempre conciliar pelo alto, de colocar panos quentes nas questões "delicadas", de modo a não perturbar a continuidade da dominação.

Correio da Cidadania: Consideradas as atuais circunstâncias históricas e políticas do país, como deveria ser, na opinião do senhor, uma verdadeira Comissão para elucidar e tomar providências a respeito dos chamados crimes contra a humanidade, imprescritíveis e impassíveis de auto-anistias, nos moldes dos preceitos consagrados pelo direito internacional?

Damião Trindade:
A Comissão deveria ser mais ampla e ser designada após amplíssima consulta pública à sociedade, para garantir-se que nela não tenham assento agentes duplos nem "reconciliadores" pusilânimes, capazes de torcer ou de conter as investigações por medo de desagradar aos poderosos de ontem e de hoje. A comissão deveria contar com ao menos o dobro ou o triplo de assessores e com retaguarda financeira e administrativa assegurada na própria lei. Também deveria ter a sua missão definida mais claramente na lei: investigar e tornar públicas as violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado com farda e sem farda, e por seus comparsas civis, durante os 21 anos da ditadura militar, com todos os arquivos militares e policiais daquele período previamente abertos à sociedade.

Todos os trabalhos da Comissão deveriam ser transparentes e públicos, amplamente divulgados, sem qualquer possibilidade de sessões secretas ou de cumplicidade com sigilo documental. E, para dar conseqüência às revelações a que a Comissão chegasse, deveríamos poder contar com um Poder Judiciário disposto a cumprir sua responsabilidade de oferecer aos criminosos da ditadura que forem identificados exatamente o que eles negaram às suas vítimas: acusações penais justas, isto é, não baseadas em "provas" extorquidas sob tortura, com garantia de amplo direito de defesa, o devido processo legal assegurado e, por fim, sentenças judiciais com direito a todos os recursos previstos na lei processual.

Enquanto isso não acontecer, estaremos "fazendo de conta" que aqueles crimes também não aconteceram, ou que, mesmo após revelados, devem ser "esquecidos" – o que, além de ser por si mesmo abominável, configura um estímulo poderoso, e renovado todos os dias, para que as detenções extrajudiciais, a tortura dos presos pobres e seu assassinato se reproduzam interminavelmente nos dias de hoje. A impunidade dos criminosos da ditadura funciona como uma espécie de "garantia" de impunidade para a violência policial de hoje. Isso já foi demonstrado até em trabalhos acadêmicos.

Correio da Cidadania: Finalmente, por que motivos, políticos ou outros, o governo não seguiu neste rumo, em sua visão? Acredita que a presidente Dilma ainda possa retomá-lo?

Damião Trindade:
O atual projeto de lei sobre a Comissão Nacional da Verdade é fruto da correlação de forças políticas estabelecida no interior do governo Lula e da sua "base aliada" no Congresso, que incorporou, inclusive, setores reacionários da sociedade e antigos colaboradores e simpatizantes da ditadura. E, talvez mais importante que isso, o projeto é fruto do débil grau de convencimento daquele e deste governo em relação à necessidade histórica de desvendar-se todos os crimes e criminosos da ditadura. Fosse esse convencimento maior, e o governo Lula teria adotado essa e outras medidas arejadoras já no início do seu governo, e não apenas no último ano do seu segundo mandato presidencial. Fosse esse convencimento maior, e a atual Presidenta já haveria retirado o projeto do Congresso para consultas à sociedade, visando ao seu aperfeiçoamento. Fosse esse convencimento maior, e Lula ou Dilma já teriam determinado a completa abertura dos arquivos públicos referentes à ditadura – como, aliás, fizeram há vinte anos os governos de São Paulo, Rio Grande do Sul e de outros estados em relação aos arquivos dos respectivos DOPS.

Na Argentina, apenas uma semana após tomar posse, o Presidente Raúl Alfonsín, que estava longe de ser de esquerda, já criou, por decreto mesmo, a Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas. No Chile, o Presidente Patricio Ailwin, que também nunca foi de esquerda, só demorou um mês e meio após sua posse para também criar sua Comisión Nacional de Verdad. Na África do Sul, o Presidente Nelson Mandela demorou pouco mais de um ano para criar a sua Comissão. Sob esse ponto de vista, Lula ficou muito aquém desses líderes que eram meramente liberais. Faltaram ao governo Lula convicção e vontade política para adotar rapidamente uma atitude que, além de ser uma aspiração de todas as forças democráticas, além de ser uma necessidade histórica para superarmos realmente os resquícios da ditadura, era também uma promessa eleitoral. Abrir todos os arquivos, esclarecer e tornar públicos os crimes da ditadura e punir judicialmente os seus criminosos são pontos que sempre constaram de todos os programas do partido capitaneado por Lula.

Vê-se, como sempre, que se conhece melhor o homem – e seu partido – quando chegam ao poder. Assim, não há como apagar a impressão de que o governo Lula só se animou a remeter esse projeto ao Congresso, mesmo com as limitações apontadas, quando ficou evidente que o Brasil estava na iminência de ser condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que de fato aconteceu meses depois, no final de 2010. Quanto à Presidente Dilma, também não demorará para sabermos se, nessa questão, haverá ou não convergência entre discurso e prática.


  • Ver também: PCdoB perdoa os assassinos de todos os que lutaram contra a ditadura!

    [*] Economista, editora do Correio da Cidadania ; [**] Jornalista.

    O original encontra-se em www.correiocidadania.com.br/...


    Essa entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .