domingo, 6 de novembro de 2011

Mundo ao reverso...texto de Eduardo galeano

Racismo contra grupo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Santa Maria por Vigilante

Racismo de seguranca Universidade santa maria UFSM
Toda vez que nós estudantes negros nos reunimos para discutir determinados assuntos ou até mesmo conversar entre nós no campus da universidade, somos observados por pessoas e especialmente pela segurança que chega perto para ver, ouvir e vistoriar o que estamos fazendo.
Na quarta feira, por volta das 18:30 estávamos lendo e debatendo o que seria importante dar ênfase no evento. Havia outros grupos próximos a nós, mas sofremos a mira dos olhares oblíquos das pessoas que as vezes se discara.
Chegam, próximos a nós, dois colegas que foram nos cumprimentar e na saída um deles caminhando de costas e falando conosco tropeça e cai por cima de um carro estacionado no campus da universidade. Seguindo a linha de tratamento dela para conosco e a falta de respeito, ela grita a metros de distancia como se o rapaz, também negro fosse um ladrão, este por sua vez permaneceu parado. Ela também estava parada há muito tempo apenas nos observando com dois homens que se identificam como dono do carro e sobrinho deste.
Ela permanece gritando e caminha em direção a nós como se tivéssemos cometido algum crime.O rapaz prontamente se identifica, fornece seu endereço e se dispõe a pagar a antena quebrada. A vigilante não identificada por crachá permanece a coerção grita e abusa de seu poder. Falamos que ela não tinha o direito de assim agir visto que ela era vigilante da universidade e aquele carro não era patromônio. O rapaz que havia tropeçado ja havia pedido desculpas e se comprometido a pagar a antena.
Eles, ao contrário, não haviam se identificado. Não disseram nomes apenas o senhor confirmou o que a vigilante disse sobre ser pai de aluno da universidade. O que de fato não faria do carro dele um patrimônio da mesma. Após sair os dois estudantes, o negro que tropeçou e a testemunha, um rapaz branco o único que ela não ofendeu e não apontou. Continuamos lendo o texto e ela nos mirando de longe como já fazia.
Pouco tempo depois ela volta com o "sobrinho do dono do carro" e fica parada próximo a nós e fica fazendo ameaças para que escutássemos. Disse que se ele não pagasse para falar com ela que ela daria um jeito. Que chamaria a brigada militar para entrar aqui na faculdade. Dissemos que o assunto já tinha sido resolvido e que não era necessário a entrada da Brigada Militar, e que inclusive ela poderia entrar no espaço da Universidade.
A segurança responde que ela pode chamar quem ela quiser e que se fosse de sua vontade os militares entrariam na universidade e resolveriam o problema, pois na UFSM era ela quem mandava. Em todo momento ela estava com a mão na arma e no cassetete para nos intimidar. Dissemos que ela era segurança que não era policial e que deveria saber a diferença entre ambos.
Falamos que eramos estudantes que aquilo era um absurdo, abuso de poder e ela disse que nós não pareciamos estudantes, que não deveriamos estar na universidade e que não tinhamos cara de estudante. Haviam vários grupos tomando mate, pessoas de fora da universidade levando cachorro pra passear no campus e nós não tinhamos cara de estudantes?
Porque nós o único grupo só de negros, com livros e Notebooks não tínhamos cara de estudantes? A segurança permaneceu nos coagindo quando o então "sobrinho do dono do carro" disse que bateria em uma das membras da associação, para que essa se cuidasse, que ele o pegaria lá fora da universidade.
A vítima da ameaça indaga a segurança "ele me ameaça dentro da faculdade e a senhora não vai fazer nada?" A vigilante responde: tu merece, tu que começou. Resolvemos, depois da saída deles que deveriamos ir a policia prestar queixa. Ao sair sempre havia um carro da segurança atrás de nós ou um segurança olhando e seguindo a gente e passando informação no rádio. Entramos e saímos da universidade, não conseguimos registrar queixa na polícia mais próxima.

Dia 3 de novembro

Fomos seguidos desde o café da manhã, dentro do Restaurante Universitário até próximo ao meio-dia, quando estávamos aguardando uns aos outros para almoçar. A vigilante e até mesmo o que não estava envolvida no dia anterior, se mantinham parados ao nosso lado e nos encaravam a todo tempo. No almoço a vigilante racista sentou próxima a nossa mesa e quando saímos ela fez questão de passar o rádio . Ao sair do restaurante universitário já havia segurança atrás de nós novamente. Encontramos amigos próximo ao caminho de casa que estão preocupados com isso, eles viram como estamos sendo perseguidos e se colocaram a disposição para testemunha. Uma das membras da associação tinha aula às 13:30 no prédio 17 - um pouco distante da Casa do Estudante, uma amiga [branca] a levou até lá e testemunhou que foi seguida até o prédio. Quando sai da aula havia três vigilantes me esperando.

sábado, 5 de novembro de 2011

Ongs na encruzilhada


A difícil constituição de um campo político contra-hegemônico: a FASE e o desafio da sustentabilidade política num mundo em convulsão
por Jorge Eduardo S. Durão no LEMONDE-BRASIL
Este texto apresenta uma reflexão ainda bastante incipiente acerca da sustentabilidade política das ONGs brasileiras que desenvolvem esforços de mobilização da sociedade brasileira, para contestar o modelo de desenvolvimento capitalista hegemônico em nosso país. Nele mal ensaiamos a resposta à pergunta provocativa dos editores da Proposta: faz sentido ainda hoje uma ONG como a FASE?  Devemos prevenir desde logo os eventuais leitores de que provavelmente não encontrarão aqui respostas acabadas e satisfatórias para essas instigantes questões.
 Outra advertência preliminar diz respeito ao nexo entre sustentabilidade política e sustentabilidade financeira das ONGs. Optamos neste artigo por nos abstrair tanto quanto possível da problemática da sustentabilidade financeira dessas organizações[1]. Não apenas pelo cansaço próprio de quem tem discutido há anos as questões do marco regulatório e das fontes de financiamento das ONGs, mas por entendermos que a incorporação a priori do tema da sustentabilidade financeira poderia contaminar a discussão sobre a relevância e sustentabilidade política das ONGs. Isso impossibilitaria a radicalidade necessária na discussão deste tema.
 Uma possível consequência da abordagem simultânea dos temas sustentabilidade política e sustentabilidade financeira seria a incorporação prévia de um componente de “realismo político” relativo ao acesso das ONGs aos fundos públicos. Algo contraproducente para o esclarecimento da questão e prejudicial à credibilidade das organizações da sociedade civil do nosso campo, num ambiente social e político em que paira sobre elas a suspeição de terem sido cooptadas pelo governo federal.  Outro complicador que esperamos, igualmente, poder evitar é o de uma leitura comparativa entre a situação brasileira e a de outros povos e países, feita, como é inevitável na perspectiva da cooperação, a partir do olhar externo de uma instância que nos avalia e que toma decisões que nos incluem ou nos excluem.
 No entanto não faria sentido, a nosso ver, confundir essa abstração metodológica do debate sobre o papel da cooperação na sustentabilidade das ONGs brasileiras, com o abandono de uma perspectiva internacionalista que nos parece fundamental para a compreensão da relevância política das ONGs. Partimos aqui de importantes pontos de convergência política de um grupo de ONGs brasileiras que reconhecem como objetivos estratégicos:
1 - “Ser parte dos sujeitos que constituem a emergente cidadania planetária, com visão e prática que traz o mundial ao local e que situa o local no mundial”.
2 - “Ser sujeito social com capacidade de exercer a vigilância e a avaliação crítica e de influir nas estratégias das grandes corporações econômicas e financeiras, nas políticas externas, nas relações de cooperação e nos espaços e processos de negociações multilaterais de todo tipo, em especial os que têm impacto na constituição da região e na geopolítica mundial” [2].

De acordo com essa perspectiva de articulação internacional, e apostando na possibilidade de superação dos limites atingidos pelo Fórum Social Mundial na mobilização das lutas, temos que reconhecer a relevância de existir organizações da sociedade civil brasileira, capazes de assumirem um papel proativo na construção de alianças internacionais para atuarem num contexto mundial, sob o nosso ponto de vista, francamente regressivo. Entendemos que essas alianças podem contribuir para o estabelecimento de um novo tipo de solidariedade e de cooperação não apenas Sul-Sul, mas também Sul-Norte. Isso porque as experiências, conhecimentos e metodologias das ONGs brasileiras poderiam ser úteis no processo de mobilização das sociedades civis em países do Norte onde os povos submetidos às políticas de austeridade favoráveis ao sistema financeiro esbarram na insensibilidade de governos e partidos políticos (inclusive de partidos de esquerda) e se expressam através de movimentos inorgânicos como o dos “Indignados”.
Na Europa e nos Estados Unidos, o ambiente social e político é cada vez mais determinado pela situação de profundo retrocesso social e de crise econômica que atinge os países centrais do capitalismo, desconstruindo progressivamente as referências que estes representavam como modelos de sociedades democráticas nas quais são reconhecidos os direitos econômicos e sociais dos cidadãos. Conforme explicou em texto recente o Professor Luiz Gonzaga Belluzo: “A democracia de massa moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasce e se desenvolve ao abrigo do Estado de Direito contra os processos impessoais, e antinaturais da acumulação e concentração da riqueza na economia capitalista. O século XX foi o cenário de lutas sociais e políticas marcadas pelo desejo dos mais fracos de restringir os efeitos sobre as vidas dos cidadãos da acumulação sem limites. Terminou melancolicamente sob a ameaça de desestruturação do Estado do Bem-Estar, do achincalhamento dos direitos civis e da regressão à barbárie nas relações interestatais” [3].
As consequências atuais dessa regressão social e política se traduzem em estatísticas cruéis, como os dados divulgados em 13/09/2011 pelo escritório responsável pelo censo dos Estados Unidos. Eles revelam que o número de americanos vivendo na pobreza chegou a 46,2 milhões no ano passado, o número mais alto desde que os dados começaram a ser coletados, em 1959. Na França, segundo o Secours Catholique, oito milhões de pessoas vivem na pobreza, e, na maioria dos países da Europa, sobretudo nos mais fragilizados economicamente, o que chama a atenção é a total captura dos governos e dos partidos políticos pelo capital financeiro e pelo receituário neoliberal que, ao que tudo indica, vai provocar um brutal agravamento da crise. Considerando que “a pobreza é resultado de relações de poder desiguais que levam à continua apropriação de recursos de uma sociedade pelas suas próprias elites e pelas elites econômicas e financeiras dos países centrais” [4], torna-se desnecessário gastar o pouco espaço deste artigo multiplicando os exemplos das manifestações desse processo na África e nos países da periferia do capitalismo na América Latina, bem como na Ásia. Basta lembrar a estratégica operação em curso na Líbia para relançar o poder de intervenção da OTAN no “grande Médio Oriente”, que se estende do norte da África à Ásia Central [5].
Na década que se seguiu ao 11 de setembro, assistimos à promoção pelos EUA da guerra contra vários países, assim como a supressão da dissidência interna, espionagem doméstica e anulação de garantias constitucionais, liberdades civis e direitos humanos. O abandono das Convenções de Genebra propiciou a tortura de prisioneiros e a criação do campo de Guantánamo. Nessa década terrível, sob a égide da “guerra contra o terrorismo” e das reações de Estados que se sentiram ameaçados por ela ou dela cinicamente se aproveitaram (como foi o caso da Rússia e da China, países nos quais os direitos humanos nunca vigeram), o autoritarismo cresceu na maior parte do mundo. Agora, no limiar da segunda década do século XXI, há sinais de que se encontra em gestação uma contra revolução política nos principais centros do capitalismo afetados pelo recrudescimento da crise, não faltando vozes de políticos e de outros porta-vozes do sistema financeiro e da mídia que pregam abertamente o enterro da democracia [6].
Uma consequência inevitável desse recuo generalizado dos direitos e do Estado do Bem-Estar – para não falar das vastas regiões do mundo contemporâneo atingidas por guerras, catástrofes econômicas e outros desastres – é a nova percepção a nível internacional da situação e do papel do Brasil. Diante dos olhos dos governos do Norte (e da própria cooperação internacional), este é um país com uma democracia relativamente consolidada que realiza avanços sociais relevantes, além de lidar com a crise econômica global evitando a recessão e mantendo um nível razoável de crescimento econômico.
A diferença entre a Europa subordinada à ditadura do capital financeiro, assim como dos EUA paralisados pelo impasse político, em relação aos países emergentes[7](como a China, a Turquia ou o Brasil), aparentemente bem sucedidos em suas respostas à crise econômica mundial, não deve comprometer a nossa percepção no que tange ao caráter do processo de desenvolvimento em curso nesses países. É ele intrinsecamente contraditório em pontos como a sobrevivência do planeta e com a primazia dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais [8].

Merece um necessário destaque a situação da China, por ser, num certo sentido, emblemática das ambiguidades e contradições que caracterizam os chamados países emergentes, perpassando o debate sobre o papel político e a (ir) relevância das ONGs. Desde que as reformas de Deng Xiaoping mudaram radicalmente a vida de 1,3 bilhão de pessoas, o mundo assistiu ao reerguimento da China e à sua transformação na segunda potência mundial. Um processo que permitiu, segundo cálculos do Banco Mundial, que quinhentos milhões de chineses deixassem de viver abaixo da linha da pobreza, ao mesmo tempo em que o Estado promoveu, abertamente, o aumento das desigualdades sociais, com a brutal exploração da força de trabalho, o aprofundamento do fosso entre o campo e as cidades e o surgimento de inúmeros bilionários.
A China aderiu entusiasticamente aos insustentáveis padrões de produção e de consumo dos países capitalistas do Ocidente, tornando-se o segundo mercado consumidor de automóveis. E passou da condição de um país que não tinha telefones fixos para a de possuidora de 640 milhões de telefones celulares. Tudo leva a crer que, mantido o ritmo atual, vai faltar planeta para acomodar a ascensão da China à condição de primeira economia do mundo, prevista para 2030. Outro elemento a ser considerado numa análise dos impactos do capitalismo globalizado sobre os territórios – sem falar aqui da disputa de recursos pelo capitalismo chinês na África e outras regiões – é o fato de que na China os grandes projetos têm impactos socioambientais numa escala incomensurável com a de projetos semelhantes no Brasil.
A Hidrelétrica de Três Gargantas, por exemplo, implicou no deslocamento de 1,5 milhão de habitantes de suas casas, soterrando importantes sítios arqueológicos. Além disso, não podemos minimizar o significado de praticamente inexistir um sistema legal ao qual o Estado esteja subordinado, num quadro de completa negação dos direitos civis e políticos da grande maioria da população. Em recente ateliê promovido pelo Ibase sobre o tema da biocivilização, foi possível perceber como os participantes chineses dessa oficina se dividiam com relação aos dilemas colocados por esse complexo processo de transformação social em curso na China. Achamos que pode ser útil para a nossa reflexão tentarmos estabelecer um paralelo entre os paradoxos e dilemas inerentes ao processo chinês e a realidade brasileira.
No Brasil, a disputa hegemônica entre as forças dirigentes que se propõem a gerir o capitalismo brasileiro tem-se dado entre dois projetos: o de integração ao sistema financeiro global, na condição de sócio rentista minoritário, e o até agora bem sucedido projeto de reconstrução do capitalismo de Estado, conduzido por um governo “de esquerda” para reconstruir o núcleo duro do capitalismo monopolista [9]. Os avanços sociais que resultaram do projeto vitorioso, em decorrência das políticas sociais do governo, da valorização do salário mínimo ou do apoio à agricultura familiar (sempre numa posição secundária frente ao agronegócio), não devem ser subestimados. Deve ser considerado ainda o fato de o governo brasileiro ter acionado mecanismos eficazes para enfrentar a crise e estimular a economia, construindo um inequívoco consenso entre setores amplamente majoritários da população brasileira, o que configura um cenário extremamente complexo para pensarmos as condições de legitimação política e respaldo social para as organizações da sociedade civil que se colocam na contracorrente desse projeto hegemônico.
Concordo com a ideia segundo a qual as organizações da sociedade civil têm um papel importante na consolidação das conquistas recentes da sociedade brasileira[10]. Constituem uma força atuante na resistência às tentativas de desconstrução de direitos, desmonte de políticas sociais e retrocessos na legislação ambiental, como é o caso da mudança do código florestal que tramita no Congresso Nacional. As ONGs – em especial aquelas que, como a FASE, têm uma atuação baseada em inserções em determinados territórios e vínculos com os sujeitos coletivos populares – continuam sendo bastante relevantes no esforço para consolidar esses avanços e resistir a eventuais retrocessos. No seu artigo publicado nesta revista, Jean Pierre Leroy estabelece uma ponte entre as iniciativas, bem como as lutas atuais e a construção de uma alternativa correspondente ao radicalismo do nosso questionamento do desenvolvimento:
Equilibrar nossa ação entre a crítica radical e as exigências de hoje, entre a necessária revolução e as reformas possíveis não é tarefa fácil (...) Nosso radicalismo se mantém intato porque, ao mesmo tempo em que lutamos por reformas internas ao próprio modelo de produção e consumo, temos no horizonte outras propostas de sociedade sustentável e democrática. É de revoluções que o mundo e o planeta precisam, mas é neste mundo aqui e agora que elas estão se gestando, germinando sementes de outras formas alternativas de produção e de mercado. [11]
A nosso ver, as dificuldades de construir um campo contra-hegemônico e, consequentemente, ampliar as bases de apoio e sustentação política de ONGs como a FASE se prendem principalmente a duas ordens de questões:
1 - As classes, e frações de classes, na base da sociedade não têm necessariamente interesses comuns. É evidente que a fragmentação das lutas, tanto quanto a multiplicação das lutas de resistência contra novas situações de exclusão ou de injustiça ambiental não representam por si sós uma transição para “outro mundo possível”.
2 - Não há consensos sólidos entre os setores críticos do desenvolvimentismo: não conseguimos enfrentar com a devida profundidade a problemática das bases materiais para um modo de vida alternativo ao capitalismo. Não há um consenso mínimo em relação a temas como o do Bem Viver. A falta de alternativas é uma debilidade crucial em nosso campo político.
Se já é difícil contribuir para consolidar os avanços conquistados pela sociedade brasileira, mais desafiador ainda é contribuir para a construção de um campo de forças sociais e políticas que dê sustentação a alternativas sustentáveis e democráticas ao desenvolvimentismo. No próprio universo das pessoas que simpatizam e apoiam as ONGs, críticas ao atual modelo e até mesmo entre nosso público interno, há uma enorme dificuldade em lidar com a complexa equação entre os ganhos reais ou aparentes, definitivos ou transitórios, gerados pela retomada do crescimento econômico e pelas políticas voltadas para a redução da pobreza, assim como dos impactos devastadores de um modelo de desenvolvimento perverso, baseado na re-primarização da economia (agronegócio e exportação de commodities), com profundos impactos ambientais.
Assim como no caso da China, o caráter contraditório do desenvolvimento brasileiro que beneficia aqui e agora milhões de pessoas, apesar de reproduzir a enorme desigualdade social, torna extremamente difícil a mobilização da sociedade para uma ruptura radical com o atual padrão civilizatório: industrial, produtivista e consumista. Paradoxalmente, a superação do atual paradigma é dificultada pela crença, predominante no mundo de hoje, segundo a qual apenas através do permanente crescimento econômico e do incessante desenvolvimento das forças produtivas propiciados pelo capitalismo globalizado será possível erradicar a pobreza e a miséria. Tendo em vista, por outro lado, que cada crise econômica e cada nova guerra gera enormes contingentes de novos pobres e miseráveis, a ideologia dominante pode celebrar indefinidamente o consenso existente em torno dessa tarefa inacabável de erradicação da pobreza.  
No Brasil, a perspectiva de continuidade – a curto ou médio prazo – de processos que têm gerado benefícios não só parcelas da classe média tradicional, mas também para a classe operária e os segmentos recém-incorporados ao mercado consumidor – sem falar de todos aqueles em situação de pobreza aliviada pelos programas de transferência de renda e de acesso ao crédito – reforça o consenso social. Ademais, entre as ONGs e os movimentos sociais, refletindo o que ocorre entre setores da esquerda brasileira e latino-americana, não há consenso básico acerca da ruptura com a ideologia desenvolvimentista e do significado da revolução no modo de vida atual, bem como das condições materiais da nossa existência inerentes à ruptura que se faz necessária frente à crise multidimensional do sistema capitalista.
Os debates em curso acerca do Bem Viver e da biocivilização apontam para uma agenda de produção coletiva de conhecimentos. O fato é que o atual contexto de crise civilizatória e ameaça à sobrevivência do planeta e da espécie humana – justifica por si só a existência de um conjunto de ONGs comprometidas com essa perspectiva. No entanto, apesar do consenso aparente acerca do caráter suicida da exploração desenfreada da natureza e do trabalho humano praticada pelo capitalismo, não devemos subestimar a profundidade dos dissensos em torno dessas questões. Elas envolvem pressupostos filosóficos acerca da relação entre a humanidade e a natureza, domínio do Homem sobre a natureza e o papel da ciência e da técnica[12]. Essas questões essencialmente políticas que presidem as disputas já em curso acerca do futuro da nossa civilização estão sendo resolvidas no dia-a-dia pelos poderes dominantes. O atraso da sociedade civil planetária e do pensamento de esquerda em responder a elas constitui um verdadeiro calcanhar de Aquiles sob o ponto de vista da constituição de uma nova hegemonia.
As principais questões acima apontadas, e os desafios para as ONGs delas decorrentes, representam, como escreveu recentemente Cândido Grzybowski, “um imperativo de mudar mentalidades e práticas” [13]. Tudo isso nos sugere a necessidade de uma mudança na atuação das ONGs que passa por deslocar o foco da sua atuação para a sociedade civil e rever, com esse novo enfoque, as formas da sua incidência sobre o Estado e as políticas públicas. 
Isso implica, a nosso ver, no desenvolvimento da capacidade de se relacionar com um público mais amplo, inclusive promovendo diálogos interssetoriais, sobre a alternativas para a sociedade brasileira, nos quais haja espaço para o contraditório. Chamou a nossa atenção o cuidado expresso por alguns dos companheiros aqui citados no sentido de que não devemos nos transformar em profetas ou xamãs. Esse cuidado deve-se traduzir num compromisso das nossas ONGs com um investimento sistemático voltado para o tratamento democrático das “contradições no seio do povo”, que resgate as melhores tradições da educação popular, hoje colocada mais uma vez na ordem do dia.
Jorge Eduardo S. Durão é diretor executivo da FASE - Solidariedade e Educação, ex-presidente (1991-1994) e ex-diretor geral (2003-2006) da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais).



[1]A decisão de não abordar neste artigo do tema da sustentabilidade financeira foi facilitada pelo fato de dispormos de excelentes trabalhos sobre o tema, recentemente publicados no Encarte especial de agosto de 2011 do Le Monde Diplomatique Brasil. Ver, entre outros, os artigos “O Brasil e a cooperação internacional não governamental”, de Mara M. Luz e Luciano A. Wolff, e “Novos paradigmas para a cooperação internacional”, de Adriano Campolina. Ambos os artigos discutem também a relevância políticas das ONGs e movimentos sociais no Brasil. Cf. também, do autor do presente artigo, “Crise de sustentabilidade política e financeira das ONGs”, em Democracia Viva, nº 47, agosto de 2011.

[2]“Elementos de Acordo Programático” do extinto Grupo Pedras Negras, março de 2009.

[3]Cf. a obra Capital e Capitalismo.

[4]Adriano Campolina, artigo citado.

[5]Cf. José Luis FIORI.  A Líbia, a OTAN e o grande Médio Oriente. In: Outras Palavras.

[6]Cf. Alberto Rabilotta. Autoritarismo em tempo de crise. In: ALAI, 08/09/2011.

[7]É interessante registrar a opinião do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, emitida no seminário Neoliberalismo: um colapso inconcluso, promovido pela Carta Maior: - “eu não acredito em emergentes, pois só há um, a China”.

[8]Este tema está mais e melhor desenvolvido neste número da Proposta, no artigo de Jean Pierre Leroy, intitulado  A FASE e a questão do desenvolvimento.

[9]Cf. Vladimir Safatle. A Nação Cartelizada. In: Carta Capital, 08/ 2011.

[10]Nos artigos citados na primeira nota de rodapé, Adriano Campolina, Luciano Wolff e Mara Luz desenvolvem bem este ponto.

[11]Jean Pierre Leroy.  A FASE e a questão do desenvolvimento. Neste número da revista Proposta.

[12]Uma boa referência sobre o estado da questão nos é dada pelo blog Izquierdas y desarrollo, especialmente pelo debate entre Eduardo Gudynas e Hoenir Sarthou.

[13]Cf. dossiê 04 – A Transformação do Mundo.  In: Le Monde Diplomatique Brasil.

Um retrato real das escolas estaduais de SP

por Maria Izabel Azevedo Noronha no VIOMUNDO

Dois fatos ocorridos nos últimos dias demonstram a real situação da rede estadual de ensino: a invasão e depredação, pela quarta vez, da Escola Estadual Jardim Zaíra VIII, em Mauá, e o uso compartilhado por meninas e meninos nos banheiros da recém construída Escola Estadual Doutor Christiano Altenfelder Silva, no Grajaú, Zona Sul da capital.
Ambos os fatos denotam graves problemas de gestão, segurança e a falta de uma política educacional no Estado de São Paulo, que respeite e valorize os seres humanos: professores, alunos, funcionários e todos os que compõem as comunidades escolares.
Quando uma mesma escola é invadida e depredada pela quarta vez, perdendo seus equipamentos e sendo pichada com frases ameaçadoras a seus professores, sem que as autoridades sejam capazes de prevenir tais ocorrências, algo de muito grave está ocorrendo.
Obviamente, para nós, as questões relacionadas à violência nas escolas não podem ser reduzidas a “casos de polícia”, mas garantir a segurança dos professores, alunos e funcionários das escolas e o próprio patrimônio público é obrigação fundamental do poder político e isso não está ocorrendo. Quantas outras escolas, no Estado de São Paulo, sofrem ataques semelhantes? Quantos professores e funcionários não se sentem constantemente ameaçados por gangues e quadrilhas nas regiões periféricas das nossas cidades?
O governo estadual e as prefeituras precisam assegurar a presença da ronda escolar e policiamento comunitário nas proximidades das escolas, mas isto, por si, não resolve o problema da violência nas escolas. Mais que tudo, é preciso que todas as escolas acolham a comunidade de seu entorno e a forma de fazê-lo é por meio da gestão democrática, com conselhos de escola democráticos e participativos. Cabe ao conselho de escola formular e gerir o projeto político pedagógico, incorporando as demandas da comunidade em seus conteúdos curriculares e nos projetos pedagógicos que venha a desenvolver.
O que ocorre na escola do Grajaú, por outro lado, mostra que as escolas estaduais não são construídas de acordo com um projeto arquitetônico que responda adequadamente às necessidades dos que nela estudam e trabalham. A questão não se resume ao inadmissível fato de alunos e alunas compartilharem o uso dos mesmos banheiros. Mesmo nas novas unidades há problemas de iluminação, acústica, tamanho das salas, disposição da lousa, falta de espaços de convivência e para o desenvolvimento de atividades extracurriculares vinculadas ao projeto político pedagógico e outras falhas. No caso da citada escola, inclusive, já existem rachaduras em partes do prédio, construído há pouco tempo.
Não se pode falar em ensino de qualidade se não estiverem presentes as condições necessárias para que isto ocorra. Uma unidade escolar tem que ser projetada, construída e gerida sempre objetivando manter professores, alunos e funcionários focados no processo ensino-aprendizagem, de forma agradável e prazerosa. Como desenvolver um processo educativo nas condições de insegurança em que se encontram muitas de nossas unidades escolares? Como ministrar aulas e desenvolver outras atividades educacionais em escolas mal construídas ou que não dispõem dos espaços necessários ao pleno desenvolvimento do projeto político pedagógico?
São perguntas já antigas na rede estadual de ensino de São Paulo. As comunidades escolares e a sociedade esperam as respostas corretas das autoridades.

Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da Apeoesp e membro do  Conselho Nacional de Educação e do Fórum Estadual de Educação

Entidades da sociedade civil apresentam plataforma para marco regulatório da mídia



Na mesma linha da deputada Erundina, a jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho de Administração do Intervozes, manifestou pessimismo, no seminário realizado na Ajuris, quanto à possibilidade desse debate avançar no Congresso Nacional. Ela lembrou o caso da Argentina, onde a “Ley de Medios” saiu com muita pressão popular. “Aqui tem que ocorrer o mesmo”, resumiu. Bia Barbosa defendeu a necessidade de discutir inclusive questões relativas a conteúdos, lembrando o caso recente de uma TV na Paraíba que exibiu, ao meio dia, cenas de um estupro de uma criança. “Não defendemos censura prévia para evitar casos como este, mas tem que haver responsabilização para esse tipo de prática. Achei lamentável a declaração da presidente Dilma de que o único controle que interessa é o controle remoto”, disse ainda a jornalista.
O principal temor das entidades da sociedade civil interessadas neste debate, assinalou a representante do Intervozes, é que o processo do marco regulatório seja prorrogado ad infinitum. Bia Barbosa divulgou o endereço www.comunicacaodemocratica.org.br que traz a plataforma da sociedade civil para o marco regulatório da comunicação. O texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial na primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do ano passado, em Brasília. Esses debates foram sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades regionais e nacionais, em maio deste ano, no Rio de Janeiro. A primeira versão do documento foi colocada em consulta pública aberta, recebendo mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas no texto.
A Plataforma da Sociedade Civil apresenta quatro razões em defesa de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil: (i) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que estaria esvaziando a dimensão pública dos meios de comunicação; (ii) a legislação brasileira no setor é arcaica e defasada, não estando adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contemplando questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; (iii) a fragmentação da legislação atual, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras nem guardam coerência entre si; e (iv) a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos relacionados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.
O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962, quando a televisão estava engatinhando no Brasil, lembrou Venício Lima, sociólogo, jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB). As mudanças tecnológicas, observou, são uma das razões para justificar um novo marco regulatório da mídia. Outra muito importante, disse Venício Lima, é dar voz a quem hoje não tem direito a ela. “Só há liberdade de imprensa com muitas vozes, sem monopólio e com a máxima dispersão de propriedade”, defendeu. O professor da UnB também criticou a confusão deliberada feita entre os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Uma coisa é a liberdade individual de expressão, outra é a transformação da imprensa em grandes corporações”.
E a liberdade de expressão, acrescentou Venício Lima, é incompatível com o monopólio no setor. “A propriedade cruzada dos meios de comunicação consolidou grupos empresariais que são proibidos pela Constituição. O mercado de comunicação precisa ter regulação, entre outras razões, para que haja competição entre as empresas e não monopólio”. Paradoxo aparente, a defesa da regulação anda de mãos dadas com um princípio que, em tese, é fundador do capitalismo: a competição. Pela resistência que vem opondo ao debate sobre a regulação, as grandes empresas de mídia parecem ter rompido definitivamente com esse princípio.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Até quando ó Saladino, até quando?


Israel não quer nenhum Estado palestino em seus arredores.

E se não bastasse isso, provocou a Síria, ofendeu a UNESCO e agora ameaça o Iran.

Afinal, o que querem os israelenses?

Por que odeiam tanto a convivência e a paz?

Alguém pode explicar por que tanto ódio?

Que mal os iranianos fizeram?

Há mais de 30 mil judeus vivendo, e muito bem, no Iran.

Participam do parlamento, têm seus hospitais, suas sinagogas, suas escolas, seus açougues e nunca foram molestados.

Isso afirmam os próprios judeus.

São respeitados e gratos aos descendentes de Dario e Xerxes.

Por que Israel não segue o exemplo e abre seus portos aos iranianos?

Os governantes de Israel estão criando uma sociedade doente que corrói as próprias entranhas.

Uma sociedade doentia que odeia o diferente.

Constrói muros para manter e oprimir os diferentes.

Recentemente sua engenharia para o mal cercou as Colinas Sírias de Golan.

A troco de que?

Israel é um péssimo exemplo para os vizinhos.

Israel só consegue conviver com regimes ditatoriais.

Vejam o caso do Egito, da África do apartheid, dos emirados do Golfo e de muitos outros mais.

Seus soldados de língua árabe participaram dos massacre no Iraque e Líbia.

Denominar de psicopatas os governantes de Israel é ofender a psicopatia.

O mal que eles causam não tem denominação científica.

E agora estão direcionando seu ódio a UNESCO, entidade cultural cujo único crime foi reconhecer que os palestinos têm direito a seu Estado.

E os palestinos?

Ah, os palestinos.

Povo milenar cujo amor ao próximo e pacifismo tem sido a razão de sua opressão.

Receberam os diferentes de braços abertos e estes fecharam seus braços em torno de seus pescoços.

Podiam ser idosos, podiam ser mulheres e podiam ser crianças.

Os que escapavam eram caçados e explodidos.

Contra as pedras, aviões, tanques e mísseis.

Tudo bem que os perseguidos e oprimidos reagem.

Mas e as oliveiras?

Que mal elas fizeram?

Foram queimadas, arrancadas pela raiz, não antes do roubo das colheitas pelos colonos ladrões, com apoio dos soldados do exército com quem dividiam o butim.

Não bastasse invadir suas casas, roubar suas colheitas, destruir suas escolas e hospitais, querem matá-los também pela fome.

E de sede, já que os palestinos raramente tem acesso a água potável.

Raramente conseguem ultrapassar o muro do aparheid.

Raramente conseguem atravessar os postos de controle.

Raramente conseguem sobreviver as bombas despejadas pelos aviões e tanques.

E agora, numa demonstração de brutalidade sem igual, a marinha de Israel cercou o mar para que os pescadores palestinos não conseguissem seu sustento.

Até quando ó Saladino, até quando continuarão abusando da paciência da humanidade?

Franklin Martins: Constituição está do lado de quem quer democratizar a comunicação


Franklin Martins recordou a omissão do Congresso em regulamentar o que a Constituição diz sobre comunicação | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes no SUL21

Cumprir uma série de aspectos previstos pela Constituição de 1988, até hoje negligenciados, seria um enorme passo rumo à democratização dos meios de comunicação. Este foi o entendimento unânime entre os seis palestrantes do painel “Regulação e Liberdade de Expressão”, realizado na tarde desta quinta-feira (3), na Escola Superior da Magistratura (ESM), parte da programação do seminário Democratização da Mídia. Entendimento resumido no gesto do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social Franklin Martins, que brandiu a Constituição ao final de sua fala, ressaltando que para democratizar a comunicação não é preciso defender nada que não esteja previsto pela Carta Magna.
O ex-ministro contou que o jurista Fabio Konder Comparato tem uma ação no STF contra o Congresso, pela omissão dos parlamentares que até hoje não regulamentaram a maior parte dos trechos da Constituição que dizem respeito à comunicação. Já se vão mais de 20 anos. Franklin Martins também jogou duro com os grandes veículos que tentam “interditar o debate” sobre a regulação da mídia.
“Como as leis não são cumpridas, existe um ambiente de vale-tudo. Não querem que haja um debate aberto, público, transparente sobre comunicação”, disse. Esta interdição do debate, feita geralmente com a imprensa acusando quem luta pela regulação de tentativa de censura, também foi fortemente criticada por ele. “Dizer que regulação é censura é conversa mole, para boi dormir. Sou visceralmente contra a censura, lutei contra a ditadura do início ao fim e me orgulho muito disto. Enquanto alguns aceitaram a ditadura, aceitaram até mesmo a autocensura. E quando o povo pediu democracia, se insurgiram contra o povo”.
Interdição do debate
Franklin Martins ilustrou dois momentos em que seu trabalho como ministro foi descontextualizado por meios de comunicação, para que não houvesse um debate claro sobre a regulação da mídia. Um deles foi durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Naquela ocasião, o ministro deixou muito claro que o governo não adotaria medidas que usassem a expressão “controle social” por considerá-la ambígua. Ao final dos trabalhos, apenas uma das mais de 600 resoluções da conferência tinha esta expressão. “A cobertura acabou sendo toda em cima desta expressão”, contou.
Outro episódio ocorreu quando um seminário trouxe integrantes de órgãos reguladores de mídia de várias partes do mundo para explicar como funciona a regulação em seus países. Segundo Franklin, normas de conteúdo em países como Inglaterra e França tratam apenas de assuntos “extremamente óbvios”, como o respeito à criança e ao adolescente. Ainda assim, novamente grandes veículos da imprensa brasileira falaram em tentativa de cercear sua liberdade.
O ex-ministro ressaltou que grandes empresas de comunicação erram ao não querer debater o tema – algo que fizeram, por exemplo, quando se recusaram a participar da Confecom. Franklin Martins alertou que, com a convergência de mídias, as teles irão engolir as empresas de comunicação caso não haja uma regulação sobre sua atuação.
Pinóquio mente, o grilo falante é sua consciência | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Blogosfera é o grilo falante da imprensa”
Martins ressaltou ainda que já vê em curso uma democratização dos meios de comunicação, graças às tecnologias digitais e em especial à internet. Nos últimos anos, os custos de produção baratearam para qualquer mídia, desde a gravação de discos até a produção de filmes. Eliminando barreiras inerentes à mídia impressa, como as de distribuição e impressão, a internet barateou e facilitou muito a disseminação do conteúdo.
Além disto, Martins defendeu que há uma revolução promovida pela blogosfera, que está em comentar e até desmentir rapidamente um conteúdo veiculado pela imprensa. Ele exemplificou isto com dois casos recentes: uma coluna de Roberto Jeferson para a Folha de São Paulo que foi detectada como plágio, e o caso célebre da bolinha de papel durante as eleições presidenciais no ano passado. “Costumo dizer que a blogosfera é o grilo falante da imprensa. Pinóquio pode mentir muito, mas tem o grilo falante lhe dizendo que errou”, disse.
“Se consolidam grupos proibidos pela Constituição”, diz pesquisador
Venício: Constituição proíbe formação de oligopólios de comunicação | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Como Franklin Martins, os demais painelistas ressaltaram que uma série de leis, ou de trechos da Constituição não regulamentados, se cumpridos, já contribuiriam muito para a democratização dos meios de comunicação. O jornalista e sociólogo Venício Lima ressaltou que é preciso regulamentar vários pontos que estão previstos pela Constituição, como a criação de conselhos estaduais de comunicação. De 1988 para cá, apenas a Bahia já criou seu conselho. Mesmo assim, o fez apenas em abril de 2011, e ainda nem conseguiu instaurá-lo de fato. Agora, o Rio Grande do Sul pode ser o segundo estado a cumprir o que determina a Constituição.
Venício lembrou que a Carta Magna também impede a criação de oligopólios de comunicação. Mas para que isto se dê na prática é preciso regulamentar, por exemplo, a propriedade cruzada. “Se consolidam grupos proibidos pela Constituição e que contrariam uma norma fundamental para a democracia”, afirmou.
A jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho Diretor do coletivo Intervozes, que luta pela democratização da comunicação, saudou o fato de o debate ser promovido pela magistratura gaúcha, tendo em vista que o STF tem sido um ator da desregulamentação da mídia. Em decisões recentes, o Supremo determinou o fim da Lei de Imprensa, que definia o direito de resposta, entre outras questões, e a desregulamentação da profissão de jornalista. “Estou contente porque o debate está chegando a um ambiente em que antes não chegava”, também ressaltou a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP).
Ambas também ressaltaram que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), está barrando a atuação do Conselho de Comunicação Social do Senado. Órgão previsto em lei regulamentada em 1991, só teve sua criação efetiva em 2004. O conselho é formado por treze integrantes da sociedade civil, com dois anos de mandato cada. Após o final do segundo mandato do Conselho, em 2007, o Senado não nomeou mais ninguém e o órgão está parado desde então. Erundina revelou que já acionou o Ministério Público para que o Senado cumpra a lei.
Bia Barbosa, por sua vez, também ressaltou outros descumprimentos flagrantes da legislação do país. Um deles é o das emissoras que apresentam venda de produtos 24 horas por dia – só é permitida a publicidade em 25% da programação de um canal. O Intervozes tem uma ação na Justiça contra estas emissoras que tramita há quatro anos, sem previsão de final. Além disto, falou sobre as concessões irregulares. Segundo ela, 36 das 39 FMs da Grande São Paulo operam com concessões irregulares. “Algumas operam em uma cidade, mas têm concessão para atuar em outra. Muitas têm concessões vencidas há anos”. Venício Lima também citou uma pesquisa em que 50% de uma amostra de emissoras estavam em nome de laranjas.
Erundina: "Sou uma voz isolada no Congresso" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O próprio Congresso desrespeita a lei
Vários dos painelistas também citaram uma das maiores afrontas à legislação: o descumprimento dos próprios congressistas da lei que veda a eles serem concessionários de serviços públicos. Não à toa, a deputada Luiza Erundina disse que se sente isolada no Congresso na luta pela democratização da comunicação. Ela revelou que nem seu próprio partido, o PSB, nem seus aliados de primeira hora como o PT e o PC do B apoiaram uma Ação de Inconstitucionalidade contra as concessões de radiodifusão de deputados e senadores – apenas o PSOL assinou a ação.
Erundina contou também que os deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informação da Câmara (CCTCI) dão pareceres favoráveis a outorgas de concessão de radiodifusão sem o menor subsídio para analisá-las. Ela revelou que já tentou diversas vezes aprovar requerimento para audiência pública em que as emissoras sejam inquiridas pelos deputados antes de terem sua concessão renovada por 15 anos. “Os meus colegas não deixam nem que haja quórum para votação dos requerimentos, para que não fique sequer evidente quem é contra e quem é a favor”, disse. “Eu tenho tentado só chatear, porque sou uma voz isolada”, completou.
O desembargador do TJ-RS, Eugênio Facchini Neto, alertou que este comportamento dos congressistas pode levar o debate da comunicação a um círculo vicioso, uma vez que um marco regulatório precisaria ser aprovado pelo Congresso. “Vimos aqui neste seminário a dificuldade que há no Congresso, devido a interesses nem tão ocultos de seus membros”.
“Brasil está muito atrasado”, defende jornalista
O chefe-de-redação do jornal O Sul, Elton Primaz cobrou que o governo federal apresente um projeto de marco regulatório. Segundo o jornalista, esta seria a melhor maneira de colocar na mesa um debate claro, de mostrar para a sociedade que não há intento de impor censura aos meios de comunicação como insistem os grandes veículos de comunicação. “Sou pessimista devido à demora do governo em apresentar proposta. No momento em que tiver uma proposta, a sociedade poderá ser informada sobre o que é de fato o marco regulatório”.
“Há uma tentativa de causar confusão entre marco regulatório e censura. O que há hoje é uma censura por parte dos veículos sobre a democratização da comunicação”, completou. Primaz também traçou um breve histórico da regulação dos meios de comunicação em outros países. Os Estados Unidos, apontou, já têm regulação de mídia desde 1930. A Argentina avançou com a Ley de Medios aprovada há dois anos. “O Brasil está muito atrasado”, resumiu.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Energias renováveis: capitalismo, hegemonia e dominação


Na sociedade contemporânea as fontes de energia de origem fóssil ocupam um lugar estratégico no sistema de produção, servindo como instrumento de dominação e reprodução do modo de produção capitalista.
por Thulio Cícero Guimarães Pereira

Muito se fala e escreve sobre energia a obtida a partir de fontes renováveis como uma das principais soluções para enfrentar o problema do aquecimento global, geração de renda e emancipação das comunidades locais. Organizações como a ONU, OCDE, Banco Mundial, FMI entre outros, promovem estudos e recomendações que apontam as energias renováveis como fundamentais para o desenvolvimento “sustentável” no século XXI.
Mas o que se observa é que os esforços e investimentos nessa direção estão muito mais centrados na questão pragmática da segurança do abastecimento energético do que nas questões ambientais. As políticas e ações nessa área da Alemanha, França, EUA e China, demonstram haver preocupações muito maiores com o crescente problema do aumento do custo de extração do petróleo e acesso ao produto e rotas de abastecimento do que nas questões ambientais.
Uma leitura mais atenta permite perceber que a ênfase maior na questão climática, e sua inclusão na agenda internacional de políticas públicas, vêm principalmente de atores europeus, cujas fontes energéticas estão sob controle direto ou indireto dos EUA ou da Rússia. A necessidade de ampliar a oferta interna de energia para reduzir a dependência alemã ou francesa das fontes do Oriente Médio e da Sibéria, colocam a questão da energia extraída de fontes alternativas ao petróleo e gás natural, como central na política européia. Neste sentido, para os europeus é estratégico promover o uso de outras fontes energéticas, todas com maior custo, nos demais sistemas econômicos concorrentes, sob pena ver inviabilizado o produto europeu no mercado internacional. Como estratégia parece ser fundamental mobilizar a opinião pública internacional em torno da questão do aquecimento global, para que os demais países assumam compromissos na direção da transformação de suas matrizes energéticas, agregando fontes mais caras em suas estruturas de produção. O sucesso de tal empreitada junto à opinião pública também abre espaço para a possibilidade de se desenvolver barreiras de cunho ambiental para a entrada de produtos concorrentes no espaço econômico da União Européia e demais atores engajados nesse debate.
A leitura do que se produz em torno dessa questão apresenta um quadro quase que messiânico em torno das fontes renováveis, como se essa fosse uma questão de que necessitasse do voluntarismo engajado das forças sociais, em busca de um mundo melhor, uma nova utopia para a civilização. Não faltam exemplos, e entre eles o Brasil costuma ser apontado como uma “grande solução para um mundo desesperado por encontrar novos caminhos”.
 
A matriz energética brasileira

Esse discurso esquece que a matriz energética brasileira, onde as fontes renováveis representam 45% da matriz, em contraposição aos 7% da OCDE[i], é resultado de uma longa luta histórica para vencer a escassez da oferta de petróleo e gás em seu território, um dos principais instrumentos utilizado pelos grandes centros capitalistas para manter o controle sobre o país. Para se chegar a tal quadro, a sociedade brasileira empreendeu um brutal esforço para constituir cadeias produtivas baseadas em fontes como a hidroeletricidade e o etanol. Recursos públicos enormes foram transferidos, grande parte a fundo perdido, para construir essa infra-estrutura, recursos esses que se deixou de investir na erradicação da miséria, inclusive tendo sido seguramente um dos indutores de desigualdade e pobreza no Brasil. Sem esquecer que grandes projetos como, por exemplo, Itaipu, foi implantado durante a ditadura militar, que impôs à força o projeto muitas vezes lançando mão de atos de barbárie sociais e ambientais que ainda estão para serem descritos, se é que serão algum dia.
Nessa história não houve espaço para ações voluntariosas ou apaixonadas em busca de um paraíso na terra. Os brasileiros sabem o quanto custou construir e manter tal matriz, cujo atributo tão propalado mundo afora como uma matriz “limpa”. Sabe-se que, quando vista de perto deixa muito a desejar, ou mesmo, em muitos casos, não passa de discurso carregado de cinismo e hipocrisia. Em contrapartida, boa parte da sociedade brasileira organizada percebe que esta é uma questão de sobrevivência, uma das poucas opções que restaram ao país para enfrentar os brutais mecanismos de subordinação econômica e política e, para tanto, entre um futuro de miséria e submissão imposto pela mecânica capitalista e, um outro, com um mínimo independência e dignidade social, o que tem justificado politicamente os esforços e conseqüências das ações em busca da autonomia, mesmo às custas de grandes passivos ambientais e sociais derivados de tais empreendimentos.
Ora, seria pusilânime recomendar este resultado puro e simples da lógica do capital como exemplo para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, quando se sabe que o quadro de degradação ambiental é conseqüência direta das transformações capitalistas, que no mundo contemporâneo atingiu proporções inimagináveis e conseqüências que ainda estão por serem descritas ou entendidas.
 
A economia do Petróleo

No centro do problema energia versus meio ambiente estão as energias fósseis como o petróleo, gás natural e carvão, mas erra-se ao identificá-las como o problema em si, como se a sua erradicação ou substituição por fontes alternativas poderiam mudar o encontro marcado que a sociedade contemporânea tem com as conseqüências das mudanças climáticas em curso, senão vejamos.
A indústria petrolífera internacional constitui-se numa gigantesca cadeia produtiva, envolvendo milhões de trabalhadores, milhares de empresas, dezenas de Estados e governos, etc. De grande densidade social e econômica, esta cadeia envolve um arcabouço complexo de subsídios diretos e indiretos, explícitos e implícitos, com mecanismos sofisticados de autodefesa e sobrevivência. Tal estrutura complexa é o resultado da expansão capitalista nos últimos 120 anos, e não existem indícios visíveis de que tal sistema esteja com seus dias contados ou iniciando uma trajetória decadente. Muito pelo contrário, os preços atuais do barril de indicam que a cada dia os combustíveis fósseis se tornam um negócio ainda mais atraente.
É necessário ampliar a análise e se perguntar por que o petróleo chegou a tal lugar no centro da cadeia produtiva moderna. Este debate normalmente é dominado por justificativas técnicas e operacionais, mas entendo que tais alegações só servem para encobrir a verdadeira razão pela qual ele e os demais combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, estão na base da matriz energética mundial.
Tais cadeias produtivas, pela sua natureza, exigem grandes concentrações de capital na construção, operação e manutenção dos seus processos de produção e distribuição. Na verdade, são instrumentos perfeitos de dominação e hegemonia capitalista. Alternativas energéticas somente encontrarão espaço para substituir fontes fósseis se tecnicamente permitirem manter ou construir mecanismos similares de dominação. Alternativas energéticas de características emancipatórias encontram diante de si barreiras políticas intransponíveis em todos os lugares, e somente em casos especiais, e muito específicos, como foi o caso brasileiro, poderão vingar como base de uma matriz energética, desde que não tenham grande impacto sobre o sistema internacional.
A marginalidade continuará sendo a marca característica de tais fontes e, acredito eu, não há messianismo, voluntarismo, ou mesmo vontade política localizada que possa modificar tal situação. O tamanho e a complexidade dos interesses políticos e econômicos mobilizados em torno de tal cadeia produtiva, envolvendo capitalistas e trabalhadores, dificilmente poderá ser modificado com eficácia através de discursos e ações localizadas.
Corre-se o sério risco de assistirmos à transferência pura e simples de mais recursos públicos para os cofres de grandes corporações por conta do discurso fácil e indefinido da “sustentabilidade”, aprofundando ainda mais as desigualdades no mundo em que vivemos.
 
A febre do petróleo e do gás natural

Nesse contexto, o que está acontecendo no Brasil pode sim servir de exemplo de como funciona a lógica capitalista com relação à energia. A analise do que está acontecendo em torno das reservas do Pré-Sal é bastante ilustrativa. Grandes forças políticas estão sendo mobilizadas em torno do petróleo e do gás, envolvendo boa parte do mundo político brasileiro, desde prefeitos das mais humildes cidades do interior, passando por vereadores, deputados estaduais, federais, senadores, o executivo até o judiciário, todas as suas esferas públicas estão mobilizadas em torno da discussão da partilha dos benefícios da exploração dessa fonte. Sem esquecer o engajamento direto das grandes federações de indústrias, centrais sindicais, universidades, imprensa e a comunidade científica.
Os anúncios de investimentos de recursos públicos não são questionados, e não existe debate público para definir os rumos dos investimentos. Não é demais afirmar que as principais forças organizadas da sociedade brasileiras estão vivendo a febre do petróleo. O debate do desenvolvimento futuro do Brasil está galvanizado em torno do petróleo e, ao que parece, o pensamento crítico nacional foi anestesiado pelo cheiro do óleo e do gás encontrado na costa brasileira.
O antigo sonho nacionalista, pelo qual a esquerda, e parte da direita, lutaram nos últimos 100 anos se realiza com a descoberta e exploração dos campos de petróleo a 350 km da costa brasileira, de frente para o principal mercado consumidor formado por São Paulo e Rio de Janeiro. Boa parte da sociedade brasileira percebe-se como protagonista de um momento de ruptura histórica, que está redefinindo as estruturas da produção capitalista brasileira, e por conseqüência, a estrutura social do país, que sente ter finalmente encontrado o seu futuro.
O sentimento é de que o Brasil finalmente recebeu seu passaporte, ou o bilhete premiado, para entrar no fechado clube dos países ricos, aqueles de dominam os processos de divisão da produção internacional.
Certamente que nesse cenário, os 45% de energia “limpa” poderá ser, em boa parte, queimado em nome do crescimento econômico, talvez, quem sabe, algo em torno de 27% poderá ser literalmente carbonizado na pira do desenvolvimentista, igualando o Brasil aos demais países “desenvolvidos” da OCDE, cuja grande meta é chegar em 2035 com uma matriz onde as fontes renováveis ocuparão um glorioso lugar de 18%1.
Declarações do poder público brasileiro, como as da presidenta Dilma no dia de sua posse, reafirmando o compromisso com a manutenção da proporção das fontes renováveis na matriz energética, encontram diante de si a crescente articulação de grandes interesses sociais e econômico em torno do petróleo. As ações concretas na direção de aumentar os investimentos em fonte renováveis para manter sua proporção atual na matriz energética, terão que ser adotadas, sinalizando que as ações ultrapassam o campo da retórica. O problema é que o Pré-Sal exige e exigirá muito mais recursos, e é grande a probabilidade dele se tornar um enorme sorvedouro do orçamento público e privado brasileiro nos próximos trinta anos.
Guardadas as devidas proporções, uma febre parecida está ocorrendo nos EUA, só que em torno do gás natural de xisto, também conhecido como “shale gas”, que promete reduzir consideravelmente a crescente dependência daquele país de fontes de energia no exterior. Após a publicação do relatório com o mapa internacional da mina pela USDA em abril de 2011[ii], é grande a probabilidade de que tal febre também contamine a Europa e China, onde estão grandes reservas, e até mesmo o Brasil, cujo potencial estimado das reservas próximas aos grandes centros consumidores, possivelmente não deixará o país de fora desse possível grande movimento de expansão capitalista.
O interessante e sintomático, é que tais movimentos estão ocorrendo concomitantemente com a chamada “primavera árabe”, na qual parece que aqueles povos estão divisando algumas luzes de autonomia e liberdade, ao custo de muito sangue, numa história de dominação brutal determinada pelo petróleo.
Ao que parece, a questão das fontes de energia continuará sendo fundamental para o sistema capitalista internacional, e não ha indícios de que a escolha das fontes deixará de ser determinada pela dinâmica da hegemonia e dominação do capital.
Daí enxergar a possibilidade de transformar as fontes de energias renováveis em solução para o combate ao aquecimento global ou instrumento de emancipação das comunidades parece ser um exercício sem grandes perspectivas de sucesso. Soluções tecnológicas para energia “mais limpas” são conhecidas do mundo cientifico desde a segunda metade do século XIX, e os lugares que elas ocupam nas esquecidas prateleiras empoeiradas das universidades e laboratórios só servem para demonstrar que a questão chave parece estar em outro lugar, no campo das opções de modelos de organização social da produção. Ao que parece, é grande a probabilidade de que qualquer coisa diferente disso resultará no aprofundamento e reafirmação da hegemonia do petróleo e numa longa e grave crise ambiental global.
Sem uma reflexão mais cuidadosa provavelmente a busca por um mundo capitalista movido à energias renováveis não passe de um belo sonho em uma noite de verão ou, em termos mais modernos e midiáticos, apenas um delírio na “primavera” energética.
Thulio Cícero Guimarães Pereira
Doutor em Sociologia Política e professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR. Atualmente desenvolve pós-doutorado em Planejamento Energético na COPEE/UFRJ.


[i]IEA - International Energy Agency. Energy. World Energy Outlook 2010. OECD/IEA, Paris, 2010, p. 622 e 690.

[ii]U.S. Department of Energy - USDOE.. World Shale Gas Resources: An Initial Assessment of 14 Regions Outside the United States. U.S. Energy Information Administration, Washington, D. C, April, 2011. Disponível em . Acesso em 15 ago. 2011.
Ilustração: Felipe Luigi

Somos uma cultura que não deu certo: o código florestal



Repito o que já escrevi aqui: o jornalista e especialista em questões ecológicas, Washington Novaes nos tem alertado, com dados seguros, dos riscos que passamos, caso não tomarmos mais a sério as mudanças que estão ocorrendo no estado do planeta Terra. Tudo isso será agravado,se o atual Código Florestal for aprovado. Parece que o Estado brasileiro não gosta da naturez, nem se preocupa com o futuro da Terra e da humanidade. Veja quanto destina para o Ministério do Meio Ambiente e com ele ao IBAMA? Apenas 0,5% do orçamento.Isso é fazer-nos ridículos face ao mundo e revelar o farisaismo de nossos discursos oficiais sobre preservação ambiental. O artigo de Novaes foi publicado no dia 4/11/2011 no Estado de São Paulo: lB

O CÓDIGO FLORESTAL NO MUNDO DA ESCASSEZ

Washington Novaes

Aproxima-se a hora de votações decisivas no Senado do controvertido projeto de lei sobre um novo Código Florestal. E crescem as preocupações, tantos são os pontos problemáticos que vêm sendo apontados por instituições respeitáveis como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciência, o Ministério Público Federal, o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Museu da Amazônia, os Comitês de Bacias Hidrográficas e numerosas entidades que trabalham na área, entre elas o Instituto SocioAmbiental e a SOS Mata Atlântica.
Não faltam motivos para preocupações graves. Entre elas: a possibilidade de transferir licenciamentos ambientais para as esferas estadual/municipal, mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas; a anistia para ocupações ilegais, até 2008, de áreas de proteção permanente (reconhecidas desde 1998 como crime ambiental); a redução, de 30 para 15 metros, das áreas obrigatórias de preservação às margens de rios com até 10 metros de largura ( a proposta atinge mais de 50% da malha hídrica, segundo a SBPC); a isenção da obrigação de recompor a reserva legal desmatada em todas as propriedades com até 4 módulos fiscais (estas são cerca de 4,8 milhões num total de 5,2 milhões; em alguns lugares o módulo pode chegar a 400 hectares); a possibilidade de recompor com espécies exóticas e não do próprio bioma desmatado; nova definição para “topo de morro” que pode reduzir em 90% o que é considerado área de preservação permanente.
São apenas alguns exemplos. Há muitos. Para que se tenha idéia da abrangência dos problemas: o prof. Ennio Candotti (ex-presidente da SBPC), o Museu da Amazônia e outros cientistas lembram que naquele bioma há uma grande variedade de áreas úmidas, áreas alagadas, de diferentes qualidades (pretas, claras, brancas), baixios ao longo de igarapés, áreas úmidas de estuários etc.; cerca de 30% da Amazônia pode ser incluído entre as áreas úmidas e cada tipo exige uma regulamentação específica, não a regra proposta no projeto. No Pantanal, são 160 mil quilômetros quadrados.
Mas não bastassem todas essas questões, recentes portarias ministeriais (ESTADO, 29!10) e do Ministério do Meio Ambiente mudaram – para facilitar – os procedimentos obrigatórios para licenciamento de obras de infra-estrutura e logística, com o argumento de que há 55 mil quilômetros de rodovias, 35 portos e 12 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia sem licenciamento – como se o problema estivesse nos órgãos ambientais, e não nos empreendedores/construtores.
E tudo isso acontece no momento em que as últimas estatísticas dizem que o desmatamento na Amazônia permanece em níveis inaceitáveis: em sete meses deste ano foram mais de 1.800 quilômetros quadrados, número quase idêntico ao de igual período do ano passado (Folha de S. Paulo, 1/11). E no momento em que se reduz a área de vários parques nacionais na Amazônia para facilitar a implantação de hidrelétricas questionáveis. Esquecendo a advertência do consagrado biólogo Thomas Lovejoy: o desmatamento no bioma já chegou a 18%; se for a 20%, poderá atingir o “turning point” irreversível, com conseqüências muito graves na temperatura e nos recursos hídricos, ali e estendidas para quase todo o país. É uma advertência reforçada por estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Escritório Meteorológico do Hadley Centre, da Grã-Bretanha. Já o prof. Gerd Sparoveck, da USP (ESTADO, 26/10) adverte: o passivo com o desmatamento no país já é de 870 mil quilômetros quadrados.
E ainda se pode perguntar: mesmo admitindo a hipótese otimista de o Congresso rejeitar todas as mudanças indesejáveis – hipótese difícil, dado o desejo de grande parte dos congressistas de “agradar” o eleitorado ruralista e parte do amazônico (que vê no desmatamento oportunidade de empregos e renda) -, mudará o quadro, lembrando que o Ministério do Meio Ambiente (e, por decorrência, o Ibama) tem apenas cerca de meio por cento do orçamento da União ? Não esquecendo que o Ibama só tem conseguido receber cerca de um por cento das multas que aplica a desmatadores ?
Estamos numa encruzilhada histórica, reforçada pelo fato de a população do planeta haver chegado a 7 bilhões de pessoas e caminhar para pelo menos 9 bilhões neste século – o que exigirá o aumento da oferta de alimentos em 70%, quando o desperdício, hoje, nos países industrializados, chega a um terço dos produtos disponibilizados; quando nas discussões do ano passado na Convenção da Diversidade Biológica se demonstrou que o mundo perde entre US$2,5 trilhões e US$4,5 trilhões anuais com a “destruição de ecossistemas vitais”; quando a “pegada ecológica” da humanidade, medida pela ONU, indica que estamos consumindo mais de 30% além do que a biosfera planetária pode repor.
Nessa hora, em que o até ex-ministro Delfim Netto, que admite nunca haver se preocupado antes com a questão, manifesta (no livro O que os economistas pensam da sustentabilidade, de Ricardo Arnt) seu desassossego com a escassez de recursos naturais no mundo e a possibilidade de esgotamento, é preciso mudar nossas visões. Admitir que tudo terá de mudar – matrizes energética, de transportes, de construção, de urbanização, nível de uso de terra, água, minérios, tudo. Relembrar o que diz há décadas o PNUD: se todas as pessoas tiverem o nível de consumo do mundo industrializado, precisaremos de mais dois ou três planetas para supri-lo. A atual crise econômico-financeira está mostrando o quanto nos descolamos da realidade, com um giro financeiro anual (em torno de US$600 trilhões) dez vezes maior que todo o produto bruto no mundo no mesmo espaço de tempo (pouco mais de US$60 trilhões).
Se não nos dermos conta dessa insustentabilidade, razão terá o índio Marcos Terena, quando diz que “vocês (não-índios) são uma cultura que não deu certo”.