sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pastor Silas Malafaia “se fornicou”


Por Altamiro Borges

O excêntrico pastor Silas Malafaia bateu recordes no twitter na noite de ontem. Milhares de internautas aproveitaram para tirar uma casquinha de um suposto tropeço gramatical do midiático evangélico, que já virou motivo de chacota por suas constantes declarações preconceituosas e por suas posições políticas retrógradas, direitistas.

Em entrevista à revista Época, Malafaia destilou a sua ira – nada santa – contra Toni Reis, atual presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (ABGLT). “Eu vou arrebentar o Toni Reis... Eu vou fornicar esse bandido, esse safado. Eu vou arrombar com esses...”, esbravejou o pastor, segundo registrou a publicação da famiglia Marinho.

#MalafaiaEscolheuFornicar

Diante da imediata reação dos internautas, Malafaia ainda tentou recuar. No seu twitter, ele retrucou o jornalista da Época que o entrevistou e garantiu que falou “funicar” e não fornicar. “Na linguagem vulgar, ‘funicar’ significa ‘ferrar’ o movimento gay”, esclareceu Malafaia. Pouco tempo depois, ele deletou o seu próprio tuíte. Mas o episódio grotesco já havia chegado às redes sociais.

Segundo informa o sítio Brasil 247, “tuiteiros levaram aos Trending Topics a hashtag #MalafaiaEscolheuFornicar. Afinal, não dá (sem trocadilhos) para deixar passar em branco os instintos mais primitivos da gramática de Malafaia. “Ele podia estar orando, mas #MalafaiaEscolheuFornicar”, brincou @LucasDcan. Teve até canção para o pastor: “Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faaaaz... #CanteParaMalafaia”, ironizou @jufreitascs”.

Homofobia e outros preconceitos

A incontinência verbal do pastor decorre das crescentes críticas aos seus programas de TV. A ABGLT enviou aos órgãos ligados à defesa dos direitos humanos trechos de gravações em que Malafaia faz apologia à violência contra gays. A entrevista à Época só agrava a tensão – com ele “fornicando” ou “funicando”. Vale registrar que o vocábulo “funicar” não consta no dicionário Aurélio.

Silas Malafaia é realmente um personagem “exótico”. Suas posições homofóbicas e seus ataques rasteiros ao direito do aborto já renderam inúmeras críticas. No terreno político, o pastor da Assembléia de Deus Vitória em Cristo não esconde as suas posições direitistas. Na campanha eleitoral do ano passado, ele chegou a gravar vídeos hidrófobos contra a candidata Dilma Rousseff.

Apoio ao tucano José Serra

Num primeiro momento, Malafaia anunciou seu apoio à candidata, também evangélica, Marina Silva. Logo depois, ele apareceu na propaganda eleitoral do candidato tucano, José Serra. Justificou o seu apoio dizendo que Dilma Rousseff apoiava o aborto e o casamento de homossexuais. Na ocasião, levantou-se a denúncia, não comprovada, de que o pastor fora “comprado” pelo PSDB.

As denúncias contra Silas Malafaia, porém, não causam surpresa. O pastor já sofreu várias investigações por desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito. Em 2007, por exemplo, ele foi investigado duas vezes pela Receita Federal e três vezes pelo Ministério Público Federal. Ele mesmo admitiu ter havido erro nas contas da sua igreja – não por culpa de dele, mas sim do “meu contador”.

Doações de R$ 40 milhões ao ano

A Assembléia de Deus Vitória em Cristo capta em oferta e doações de fiéis cerca R$ 40 milhões por ano. Seu programa evangélico é transmitido, com milionários custos, pela Rede TV, Band e CNT. Dublado em inglês, ele também atinge 200 países via satélite. O pastor afirma que não recebe da igreja e que vive do dinheiro de sua empresa, a Editora Central Gospel, cujo catálogo tem cerca de 600 títulos, entre livros (incluindo Bíblias), CDs e DVDs.

No ano passado, sua igreja comprou o jato Gulfstream III nos Estados Unidos por US$ 4 milhões. O avião tem autonomia para oito horas de vôo, doze lugares, sofá, cozinha e sistema individual de entretenimento. É um “favor de Deus”, conforme está escrito em inglês na sua fuselagem.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Eleições 2012 em Porto Alegre

Impasses ou brete do PT de Porto Alegre?


Não apoiar as pré-candidaturas de Raul Pont nem de Adão Villaverde e abrir mão da cabeça de chapa em favor de Manuela D’Ávila, do PCdoB, como quer o governador Tarso Genro, ou aliar-se com o PSD, recém-criado e sem definição ideológica, como admite o presidente municipal do PT, Adeli Sell que, aliás, retirou sua pré-candidatura, eis a questão colocada para o partido que já governou Porto Alegre por 16 anos seguidos e já exerceu controle hegemônico na política municipal.


Há, na verdade, uma terceira possibilidade, semelhante à primeira, com a diferença de que o PT ofereceria apoio ao atual prefeito José Fortunati, do PDT. Opção defendida por setores mais próximos da presidente Dilma Rousseff, mas com poucos simpatizantes entre os petistas de Porto Alegre.
Com vocação hegemonista forjada nas lutas pela afirmação da sigla durante os anos imediatamente pós-ditadura, quando o partido foi alvo de acusações partidas tanto da direita quando da esquerda tradicional, as “bases” petistas, ou seja, os militantes não detentores de cargos de direção partidária ou de governo, insistem na tese do lançamento de candidatura própria, mesmo que sem o apoio e coligação com outros partidos importantes.
Tarso se preocupa com a governabilidade e procura costurar uma aliança que garanta, ao mesmo tempo, a) uma base de apoio folgada na Assembleia Legislativa, com a presença e o voto do PCdoB (1 deputado) e do PSB (3 deputados) nos projetos e assuntos de interesse do governo do estado e sem hostilizar o PDT (6 deputados), e b) também o pagamento de uma dívida de apoio firmada na composição de sua chapa, quando o apoio destes dois partidos foi crucial para romper o isolamento político em que se encontravam o PT e sua candidatura.
Dilma, com a mesma preocupação de governabilidade, só que no plano federal, tem consciência de que o apoio ao PDT gaúcho é importante tanto para manter o equilíbrio na distribuição de cargos no seu governo quanto para conter o apetite pedetista no plano federal. Com peso restrito apenas ao Rio Grande do Sul e ao Rio de Janeiro, o PDT se contenta apenas com a reeleição em Porto Alegre, o apoio para a eleição de um ou outro prefeito no interior fluminense e, claro, a manutenção de Carlos Alberto Lupi no Ministério do Trabalho.
Tarso prefere o apoio à Manuela D’Ávila também porque seu partido é pouco estruturado no interior do Rio Grande do Sul, bem como em todo o Brasil, e, assim, ofereceria pouco perigo de acumular, a curto e médio prazo, força suficiente para alçar vôo próprio, fazendo mais prefeituras e arvorando-se a aventura de uma candidatura própria ao Palácio Piratini. Mesmo aliado ao PSB, a ameaça que poderiam apresentar ao PT e à reeleição de Tarso Genro seria frágil e sua possibilidade remota.
Além das alianças à direita, firmadas pela administração José Fogaça (PMDB) e mantidas pela administração José Fortunati, que a sucedeu, o apoio a Fortunati implicaria na possibilidade de reascender a força do PDT em Porto Alegre e, daí, para outras áreas do Rio Grande do Sul. Fortunati e seu partido poderiam, nos próximos quatro anos, acumular força suficiente para ousar enfrentar o PT e Tarso na reeleição ao Piratini.
A contabilidade indicaria que é melhor correr o risco de manter Manuela, o PCdoB e o PSB por oito anos à frente da Prefeitura de Porto Alegre do que dar asas a Fortunati e ao PDT durante os próximos quatro anos.
A pesquisa Kepeler/Sul21 sobre a avaliação da administração municipal de Porto Alegre e as intenções de voto em 2012, ainda que realizada a exato um ano do pleito, indicou que o PT teria hoje pouca chance de vitória, apresentando candidatura própria. Fortunati, mesmo com uma administração razoavelmente bem avaliada, não empolga os eleitores, que revelam almejar mudanças ainda que não radicais durante a próxima administração. Manuela, que aparece na pesquisa em empate técnico com Fortunati, mas um pouco à sua frente, já se revelou boa de partida, mas ruim de chegada. A falta de estrutura partidária impediu sua ida ao segundo turno do pleito em 2008 e constituirá grande empecilho para sua vitória em 2012.
A mesma pesquisa revelou que os candidatos petistas com maiores chances eleitorais em Porto Alegre são aqueles que já descartaram a possibilidade de concorrer. Maria do Rosário prefere se manter no corpo de ministros de Dilma Rousseff, almejando, quiçá, um ministério mais robusto na próxima reforma ministerial a se realizar no início do ano. Henrique Fontana já afirmou que priorizará a atenção ao filho em recuperação de um acidente automobilístico e à família, numa atitude de desprendimento e afeto.
Raul Pont e Adão Villaverde, deputados estaduais, o primeiro ex-prefeito e ex-vice-prefeito de Porto Alegre e o segundo atual presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, aparecem com baixos índices de intenção de voto. Pont, por sua trajetória no município, é mais conhecido que Villaverde, mas é também o mais rejeitado dentre todos os pré-candidatos testados. Villaverde, que nunca disputou cargo municipal em Porto Alegre, é pouco rejeitado, mas é também pouco conhecido.
Se não quiser se isolar e correr o risco de ficar fora da Prefeitura de Porto Alegre por quatro ou, talvez, por oito anos, o PT se vê diante da possibilidade de se aliar a um dos dois candidatos melhor posicionados na pesquisa Kepeler/Sul21 e em todas as demais pesquisas até aqui realizadas. Fica claro que se o PT ceder a cabeça de chapa e se aliar a um(a) candidato(a), qualquer que seja ele(a), será este candidato(a) o(a) que terá maior chance de vitória. O PT assumiria, assim, o papel de fiel da balança, o que lhe daria condições de exigir contrapartidas, sejam elas no plano de governo sem elas na composição das secretarias e órgãos de governo.
Frente a este quadro complexo, algumas perguntas ficam pendentes de resposta. Raul Pont e/ou Adão Villaverde teriam disposição de aceitar uma candidatura a vice-prefeito? Teriam as bases petistas flexibilidade para deixar de lado a postura hegemonista, que histórica e legitimamente têm assumido em Porto Alegre? Teriam as lideranças petistas força política suficiente para convencer o conjunto do partido a apoiar Manuela D’Ávila ou José Fortunati? Seria, por fim, mais aconselhável, ainda que aparentemente menos prudente, afrontar as evidências das pesquisas e as avaliações dos dirigentes e reafirmar, mais uma vez, a presença e o peso petista em Porto Alegre para tentar virar a mesa e ganhar a eleição?
Sair do impasse em que o PT se encontra hoje é o grande desafio. Uma decisão precipitada ou incorreta poderá levar o partido ao brete do matadouro político, perdendo ainda mais força em Porto Alegre e diminuindo ainda mais sua presença no município.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Editorial do Sul21: Expansão de vagas e matrículas no ensino universitário para além do corporativismo

Três matérias veiculadas ontem (7) pelo Sul21 se relacionam e merecem atenção especial dos leitores. O debate sobre a educação pública no Rio Grande do Sul, a entrevista com o presidente da Marcopolo S. A. e a notícia sobre o crescimento das matrículas no ensino universitário no Brasil. Recomende-se a leitura e o acompanhamento das três, mas destaquem-se aqui as duas últimas.


Depois de quase uma década de desmonte do ensino universitário público no Brasil, ocorrido durante o período FHC e baseado na idéia de que as instituições privadas poderiam substituir as públicas na tarefa de formar a elite intelectual e científica, renasce agora o ensino universitário público no país, com o crescimento do número absoluto de matrículas de estudantes universitários na rede privada e na pública.
Os dados do Censo da Educação Superior são alentadores, mostrando um crescimento de 7% no número de alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil nos dois últimos anos e um aumento de 110%, considerando-se o período de 2001 a 2010. Entre 2008 e 2010 o crescimento das matrículas na rede pública de ensino universitário foi quase 300% superior ao  da rede privada. O Financiamento do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI) possibilitaram, além disso, que as matrículas no ensino privado se mantivessem elevadas, por meio do financiamento público das mensalidades.
O Estado reassumiu, pois, finalmente, sua tarefa de formar os jovens brasileiros e de dotá-los de condições para promover o desenvolvimento do país e de sua população. Não se trata de coibir o ensino privado, mas de reconhecer que cabe ao Estado a tarefa de financiar e apoiar o ensino universitário e a pesquisa de ponta no país, irmãos siameses e indissociáveis. O ensino universitário de qualidade só é possível se acompanhado de altíssimos investimentos em pesquisa, cujo retorno, ainda que garantido, só ocorre a longo prazo e, portanto, é dificilmente assumido pela iniciativa privada.
Mesmo nos EUA, frequentemente citados como exemplo de país onde a educação e a pesquisa universitária são assumidas pela iniciativa privada, a maior parte das instituições de ensino e de pesquisa é pública. Naquele país, as instituições de ensino e pesquisa privadas são mantidas, não apenas pelas mensalidades pagas pelos alunos, mas também, em sua grande maioria, por doações de ex-alunos financeiramente bem sucedidos que, por gratidão e reconhecimento de sua importância para o desenvolvimento do país, destinam a elas quantias volumosas.
Além, entretanto, do regozijo com o crescimento das matrículas no ensino universitário brasileiro, um outro dado, contido também em matéria publicada na edição de ontem (07) do Sul21, merece reflexão.
Citado pelo presidente da Marcopolo S. A. e resumido ao final de sua entrevista, um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Empresarial da FIESP (IED) sobre a China dá conta de que, naquele país, existiam, em julho de 2009, 20,3 milhões de estudantes de graduação em um total de 2.618 instituições universitárias (1983 universidades públicas, 334 universidades não-públicas e outras 387 instituições públicas de ensino superior). Desta forma, considerando-se o número de estudantes universitários de graduação na China, verifica-se a existência de um número médio de 7.715 alunos por instituição de ensino superior. O mesmo cálculo aplicado ao Brasil, considerando-se os 6,3 milhões de alunos de graduação constatados pelo censo e as 2.377 instituições universitárias (públicas e privadas), resulta na existência de uma média de apenas 2.650 alunos por instituição universitária.
Fica clara a desproporção do número de alunos por instituição em cada um dos dois países citados. Na China, cada instituição de ensino superior acolhe, em média, mais do que o dobro das instituições brasileiras. Ressalte-se que este desequilíbrio não é encontrado apenas na comparação com a China, mas se evidencia na comparação com os países europeus e com os EUA. Para se ter uma idéia, uma turma de primeiro ano de engenharia em uma universidade pública alemã, um país que prima pela qualidade do ensino e que valoriza as áreas técnicas, acolhe hoje não menos do que 150 alunos, enquanto no Brasil o número de matriculados oscila entre 50 e 80 alunos por turma.
Um grande número de alunos por turma, mesmo que pareça elevado para os padrões brasileiros, é encontrado também na maioria das universidades européias e norte-americanas. Em um país com tanta escassez de recursos como o Brasil, o Ministério da Educação e o governo precisariam enfrentar com coragem esta questão. A visão elitista de boa parte dos dirigentes e professores universitários precisa ser enfrentada com determinação. Não serve de justificativa o discurso monocordiamente repetido de que a qualidade do ensino ficaria comprometida com um número maior de alunos por sala de aula. Se fosse assim, os alunos das grandes universidades do mundo, todas com ao menos o dobro de estudantes por turma do que no Brasil, seriam péssimos frente aos brasileiros. Não é o que ocorre.
Aumentar o número de alunos por turma nas universidades públicas brasileiras implicaria na necessidade de reformular radicalmente as carreiras universitárias, modificando as atribuições de cada categoria de docentes. Hoje, nada distingue os professores auxiliares dos professores titulares das universidades públicas federais e estaduais, a não ser os títulos que detêm e os salários que recebem. Suas atribuições, no entanto, são idênticas, tanto em termos das pesquisas que realizam quanto em termos das aulas e orientações que ministram.
Para ampliar o número de estudantes por turma, seria necessário reorganizar a carreira universitária de forma a expandir a carga horária para a docência, sem prejuízo da pesquisa e da produção científica da instituição. Nesta situação, os professores não poderiam dedicar-se na mesma proporção à docência, à pesquisa e à extensão, que se constituem nos pilares da atividade universitária.  O corporativismo, entretanto, faz com que, hoje, as carreiras se mantenham intocadas e o número de alunos por turma quase inalterável.
Com o mesmo número de docentes universitários hoje em atividade e com as mesmas instalações físicas e equipamentos hoje disponíveis, com certeza, seria possível ao menos dobrar o número de matrículas nas universidades públicas brasileiras. Fazer as reformas necessárias, entretanto, que economizariam recursos escassos e os fariam render mais satisfatoriamente, requer determinação e vontade política para enfrentar um corporativismo arraigado e que têm inúmeros e bem falantes defensores.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Movimento indígena fragmentado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por Luis Ángel Saavedra desde Quito
Tradução: ADITAL


Comunidades Kichwas em Puerto El Carmen,
Sucumbíos, protestam pela militarização da
fronteira (Foto> Janet Cuji)

O governo nacional conseguiu fracionar as bases de diversos setores do movimento indígena equatoriano através da cooptação de vários de seus dirigentes, a quem nomearam como funcionários de alto nível; ou mediante acordos feitos com as bases indígenas à margem de suas organizações regionais e nacionais.
Por seu lado, os indígenas tampouco conseguiram articular uma plataforma de luta que enfrente o embate governamental, vinculando suas demandas históricas com os novos problemas que as comunidades enfrentam e nas quais o discurso do governo cada vez tem maior acolhida.
A mediados de setembro desse ano, a Confederação de Organizações Indígenas do Equador (Conaie) reuniu-se em Assembleia Geral na cidade de Bañops, situada na província central de Tungurahua. Dois temas preocupavam essa organização indígena: a nomeação de seu líder histórico, Ricardo Ulcuango, como embaixador na Bolívia e o acordo assinado entre o governo e a Federação Interprovincial de Centros Shuar (FICSH), pela qual o governo se compromete a realizar obras de infraestutura esportiva, viária e sanitária nas comunidades Shuar, enquanto que os compromissos da FICSH não são especificados nesse acordo.
Ulcuango foi vice presidente da Conaie e presidente da Confederação Kichwa do Equador (Ecuarunari) por duas ocasiões. Lidera uma das regiões indígenas com maior capacidade de mobilização, como é Cayambe, na serra norte, e por isso surpreendeu quando, no início de agosto, foi divulgada sua designação diplomática.
A Ecuarunari reagiu e decidiu, em 17 de agosto, expulsá-lo dessa organização. O líder indígena não aceitou a decisão e questionou a atual direção, a quem acusou de aliar-se com a direita e de não entender o processo de mudança vivida no país e de ter-se separado de suas bases.
"Os dirigentes estão longe de sentir as bases; longe de suas necessidades reais”, disse Ulcuango durante a cerimônia de posse de seu cargo de embaixador, realizada em Cayambe, no dia 16 de agosto de 2011.
Ulcuango não é o único dirigente indígena destinado ao serviço no exterior; em setembro passado foi designado a Segundo Andrango, de Cotacachi, província de Imbabura, como novo embaixador em El Salvador. Esse dirigente é pai de Luis Andrango, presidente da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin), organização aliada ao governo; porém, que se estava mostrando crítica em temas como a lei de águas, a lei de mineração e a de soberania alimentar, por considerar que são leis elaboradas pelo governo sem consensos com os movimentos sociais e com os usuários das bacias hídricas. A Fenocin voltou a respaldar incondicionalmente ao govenro.

Aproximação com o governo

Francisco Shiki, presidente da FICSH, justificou o acordo assinado com o governo.
"Em vista de tantos discursos vazios, de opositores débeis, como FICSH tomamos a decisão coletiva de sustentar um diálogo e um convênio em benefício das comunidades Shuar”, afirmou, no Congresso da Conaie, em Baños, ao mesmo tempo em que ameaçava com um processo de revocatória do mandato das autoridades Shuar de eleição popular, como Marcelino Chumpí, prefeito de Morona Snatinago, província amazônica de maior população Shuar, e à assembleísta dessa mesma província, Diana Atamaint, caso se oponham a esse acordo.
Apesar dos questionamentos das outras federações indígenas, a FICSH manteve sua posição na Assembleia da Conaie. "Como povo, temos que ser beneficiados com todos os programas de governo”, afirmou Galo Puanchir, vice presidente da FICSH. "Os povos não vivem de discursos, de palavras, mas de ações concretas”.
A decisão da FICSH dividiu a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia (Confeniae), organização regional amazônica pertencente à Conaie, pois seu presidente, Tito Puanchir, também de nacionalidade Shuar, decidiu respaldar o convênio assinado, enquanto que a nacionalidade Kichwa o questionou.
"A Confeniae pedirá que a Conaie formalize o diálogo com o governo”, assegurou, na Assembleia Galo Puanchir; porém, suas declarações foram rechaçadas pelos dirigentes da Federação de Organizações da Nacionalidade Kichwa de Sucumbíos, Equador (Fonakise).
Os Shuar e os Kichwa amazônicos são as duas maiores nacionalidades representadas na Confeniae. Qualquer desacordo entre elas imobiliza essa organização, pois as outras nacionalidades amazônicas são muito débeis para solucionar problemas em um conflito interno de sua organização regional.
A Assembleia da Conaie não pode dar uma resposta a esses problemas e se limitou a reivindicar sua luta histórica pela construção do Estado Plurinacional, o exercício do direito à consulta prévia, a defesa da água e dos territórios. Além de expressar sua solidariedade com as lutas locais das organizações indígenas. Da mesma forma que em ocasiões passadas, a Assembleia concluiu fazendo um chamado a todas as organizações sociais para unir-se em uma "Marcha Nacional pela construção das verdadeiras mudanças profundas no país”, como afirma o Comunicado Final, sem, contudo, marcar a data da realização da marcha.
Para a líder indígena amazônica Mónica Chuji, a aceitação da proposta governamental em setores indígenas obedece a que o movimento indígena não tem podido articular suas demandas históricas com os novos temas que preocupam as comunidades.
"O emprego, a migração, a produção agrícola e as formas de comércio, a educação e a saúde são temas que devem ser incorporados no debate das organizações indígenas e, enquanto isso não seja feito, o governo terá um espaço para ganhar a confiança das comunidades e dividir as organizações”, afirma Chuji.

O Estado de Bem Estar

A proposta governamental é muito mais concreta para as comunidades indígenas e daí o distanciamento com seus dirigentes, pois a oferta do governo pode ser vista e medida, uma vez que é material; enquanto que o discurso de reivindicação indígena tem se repetido por anos e, apesar dos avanços constitucionais alcançados, para as comunidades indígenas não se materializa em resultados tangíveis.
"A Constituição contem uma parte da normativa que o movimento indígena propôs durante anos; porém, essa nova normativa parece não ter um benefício concreto para as bases indígenas porque não se identificou com a forma de vida diária das comunidades”, diz Chuji.
O governo, por outro lado, aparece com um discurso de bem estar geral que tem grande acolhida em setores vulneráveis da sociedade, como são os indígenas. Assim o afirmou Nelson Reascos, decano da Faculdade de Sociologia da Universidade Católica de Quito. Esse discurso se refere a investimento social homogêneo (educação, saúde, habitação etc.) como fonte de bem estar geral. Sem considerar a diversidade social ou a aquisição dos recursos econômicos necessários com base na depredação da natureza.
"O discurso do bem estar, baseado na oferta de maiores serviços sociais, como mais casas, mais escolas, mais hospitais”, sustenta Reascos. "É um discurso assimilável por todos, enquanto que o discurso da plurinacionalidade é um enigma para as pessoas mais simples”.
Para Reascos, o discurso do bem estar geral encerra um perigo, pois se entende por bem estar a uma forma de sociedade homogênea com benefícios iguais, o que contradiz o direito à diversidade.
"Para alcançar o bem estar geral tudo é válido, desde atingir o direito das comunidades a viver sua própria cosmovisão até a depredação da natureza, passando pela repressão aos que não pensam igual”, indica Reascos.
Chuji manifesta que "articular uma nova resistência, que pressione ao governo a cumprir em sério o mandato constitucional implica articular um novo discurso que coordene as demandas históricas do movimento indígena com as novas dinâmicas sociais, pois é necessário dar respostas às necessidades das novas gerações indígenas”.
Enquanto esse debate não é assumido por seus dirigentes nacionais, as comunidades indígenas começaram a mobilizar-se por demandas locais, como a oposição aos danos ambientais provocados pela indústria petroleira em Sucumbíos e Orellana, a declaratória de bosque protetor e a militarização em zonas de fronteira, a ausência de investimentos sociais em setores rurais da costa equatoriana, e, inclusive, a luta antimineração e a defesa da água.
Esses pequenos brotes de resistência são ignorados pelo governo, como o protesto contra a contaminação petroleira que desde o dia 25 de setembro mantém os habitantes fronteiriços do Triángulo de Coembí, na fronteira com a Colômbia e com o Equador da província de Sucumbíos, ou são deslegitimados, como acontece com a autoconsulta que fizeram os habitantes de Kinsakocha, na província de Azuay, na qual decidiram opor-se majoritariamente à mineração.
Entretanto, a fragmentação dos dirigentes indígenas e a ausência de uma agenda nacional que incorpore as demandas das comunidades continuarão alimentando a capacidade de penetração que o governo tem nas bases das organizações indígenas.

Como identificar e tratar trolls e seus “parentes”


Como parar de se importar com os trolls e seguir a vida

por Whitson Gordon, em Gizmodo Brasil

Você os vê em todo lugar que vai na internet: usuários anônimos que nunca têm nada a dizer além de comentários grosseiros, mal-educados e fora do assunto, cujo único propósito é te deixar com raiva. A única cura é parar de se importar, mas isso nem sempre é fácil na prática. Vejamos algumas dicas.
A palavra “troll” enquanto verbo da língua inglesa, deriva de uma técnica de pesca que consiste em jogar uma isca na esperança de fisgar um peixe – que é exatamente o que os trolls de internet fazem. Eles usam frases grosseiras e outras técnicas para tentar “fisgar” alguém, o que acontece quando a pessoa fica irritada e responde. O único objetivo deles é te irritar, assim como o seu irmão fazia quando te cutucava sem parar ou repetia tudo o que você dizia. Eles frequentemente se associam a pessoas poderosas para sentirem-se também mais poderosos.
A atividade de trollar na internet começou nos newsgroups da Usenet há muito tempo, mas hoje eles estão por todos os lugares. Fóruns, YouTube,  blogs, Twitter, Facebook. O problema é que atualmente todos nós estamos sujeitos aos trolls. Isso significa que ignorá-los se torna cada vez mais difícil, já que você tende a estar mais emocionalmente investido nas coisas que diz, e também que eles têm muito mais mídias por onde atacar. Estas são algumas das coisas que podem te ajudar a criar uma resistência aos trolls e parar de se preocupar com o que os malditinhos estão dizendo na internet.

A regra de ouro: não alimente os trolls

Você provavelmente já ouviu essa frase diversas vezes. Ela é a regra fundamental de participação em qualquer comunidade on-line, e não sem razão. Ignorar é e sempre foi, definitivamente, a melhor estratégia. A maioria dos trolls se alimenta do confronto – afinal, seu objetivo único é chamar atenção –, por isso, quanto menos atenção você der a eles, melhor. Se você estiver em um ambiente que tenha estas funções, dê uma avaliação negativa ao comentário, denuncie e/ou bloqueie, depois siga com a sua vida.
É extremamente tentador, mas resista à vontade de responder. Não responda nem mesmo para desmascará-lo como um troll. Mesmo um comentário simples como “favor, pare” ou “vá embora, troll”, chama mais atenção para os comentários dele, engordando a “conversação”, ou mesmo, no caso dos fóruns, mover o tópico para o topo. Se um troll olha para o seu computador um pouco depois e não vê nenhuma resposta, ele vai procurar chamar atenção em outra freguesias. Demonstrar para ele que você pode ser fisgado, mesmo de leve, é pedir para sofrer mais.

Eles não estão atacando você, mas sim o tédio

Uma das maneiras mais fáceis de identificar um troll é pela sua completa falta de razão. Eles são ofensivos de propósito e sem motivo, apenas para causar uma reação em você, em vez de defenderem um ponto de vista genuíno com argumentos relevantes. Nas suas frases, você perceberá uma atitude forte de “eu estou certo e todo o resto do mundo está errado”. Chris Shiflett, do Swiss Miss, explica melhor do que eu:
“A lição que eu aprendi é estar atento com aqueles que se orgulham de não gostar de algo. Os que pensam que criticar é igual a ter bom gosto. Estas pessoas raramente têm bom gosto, então as opiniões delas não importam.
Então, lembre-se: mesmo que o que você tenha feito não seja a melhor coisa do mundo, quem não conseguir falar isso sem um mínimo de simpatia, quem parecer se orgulhar de criticar você, essas pessoas têm opiniões que não importam. Pode muito bem ser o caso de você ter criado uma obra de arte, e eles serem apenas moleques”.
Ele diz que não é necessária nenhuma sofisticação para ser um crítico escroto, e está completamente certo – se não há nada de valor em uma frase, você não deveria dar a esta frase valor nenhum. Não deixe os “haters” te afetar; eles estão raivosos porque estão entediados e sem o que fazer, não porque você tenha feito algo mal feito.

Eles não valem a energia gasta brigando contra eles

No fim das contas, você realmente precisa gastar a sua energia se preocupando com o que meia dúzia de desocupados estão falando sobre você? Não. O blogueiro Scott Stratten explica o conceito de “moeda emocional” e como ele se relaciona com o trato com os trolls:
“Em resumo, você tem uma quantidade limitada de emoção. Ela deve ser gasta com pessoas que a valorizam, que valorizam você, não com um moleque qualquer que está revoltado por qualquer outro motivo e desconta em estranhos na internet. Há muitas pessoas que valorizam muito mais o investimento do seu tempo”.
Só porque a internet está cheia dessas pestes, não significa que ela não esteja cheia de pessoas incríveis também. O tempo que você passa alimentando trolls com as suas respostas é um tempo que você poderia estar gastando tendo discussões importantes com pessoas melhores, ou mesmo fora da internet. Você quer mesmo gastar a sua energia em algo que não traz absolutamente nada de bom?

Aprenda a rir da situação

Uma atitude positiva pode te fazer suportar quase tudo. Apesar de ser possível aprender a se segurar para não responder aos trolls, é quase impossível ignorá-los completamente — mesmo que você tome atitudes para destrollizar a sua internet. A melhor estratégia para manter a sua sanidade intacta é aprender a ter um senso de humor a respeito disso. Pode ser um pouco insensível te aconselhar a simplesmente ficar mais casca grossa, mas o fato é que funciona. Susannah Breslin, uma colaboradora da Forbes, disse uma vez: “se te baterem com frequência na cabeça, você para de sentir”. É bem verdade. Lembre-se que se você é trollado com uma frequência maior, isso significa que as pessoas estão te percebendo em uma posição de poder maior também. Alguma coisa certo você está fazendo.

Como responder, quando você responder

Eu recomendo que você não responda trolls nunca, em hipótese alguma, mas se você acabar fazendo isso, pode tentar evitar a discussão em si. Se você usar a bondade contra eles, vai confundi-los com maior facilidade. O desenvolvedor de software Shlomi Fish explica como, usando o exemplo de um troll que critica uma linguagem de programação em um fórum:
É bem simples:
1. Pergunte a ele o que ele quer dizer:
2. Concorde com ele (usando linguagem mais suave):
Isso fará o troll perder um pouco do gás e quem sabe até se identificar com você.
Alguns podem discordar deste método – eu pessoalmente acho que é melhor ignorar e pronto –, mas se você já estiver preso em um argumento com um deles, pode tentar essa estratégia de ser legal com ele, tal qual um Ursinho Carinhoso, para escapar.

Aprenda a diferenciar críticas construtivas de trollagens

Por último, é importante mencionar que, como eu disse antes, há alguns casos em que alguém pode ser grosseiro e te criticar fortemente, mas fazer isso não por maldade, apenas por falta de tato. Se você conseguir extrair algo de construtivo, ou argumentos válidos, daquele comentário pode valer a pena responder. Ser desagradável não é exatamente a mesma coisa que ser um troll (apesar de todo troll ser desagradável), então às vezes pode ser o caso de dar um voto de confiança para alguém antes de decidir ignorá-lo completamente. Ele pode estar apenas escolhendo as palavras erradas para te criticar construtivamente.
Isso exige um tanto de prática e condicionamento, mas o objetivo principal é simplesmente parar de se importar tanto com o que os outros pensam, especialmente aqueles que não têm nada de útil para oferecer. Se você tiver mais dicas para lidar com trolls, seja na internet ou na vida real, compartilhe com a gente nos comentários.

domingo, 6 de novembro de 2011

Mundo ao reverso...texto de Eduardo galeano

Racismo contra grupo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Santa Maria por Vigilante

Racismo de seguranca Universidade santa maria UFSM
Toda vez que nós estudantes negros nos reunimos para discutir determinados assuntos ou até mesmo conversar entre nós no campus da universidade, somos observados por pessoas e especialmente pela segurança que chega perto para ver, ouvir e vistoriar o que estamos fazendo.
Na quarta feira, por volta das 18:30 estávamos lendo e debatendo o que seria importante dar ênfase no evento. Havia outros grupos próximos a nós, mas sofremos a mira dos olhares oblíquos das pessoas que as vezes se discara.
Chegam, próximos a nós, dois colegas que foram nos cumprimentar e na saída um deles caminhando de costas e falando conosco tropeça e cai por cima de um carro estacionado no campus da universidade. Seguindo a linha de tratamento dela para conosco e a falta de respeito, ela grita a metros de distancia como se o rapaz, também negro fosse um ladrão, este por sua vez permaneceu parado. Ela também estava parada há muito tempo apenas nos observando com dois homens que se identificam como dono do carro e sobrinho deste.
Ela permanece gritando e caminha em direção a nós como se tivéssemos cometido algum crime.O rapaz prontamente se identifica, fornece seu endereço e se dispõe a pagar a antena quebrada. A vigilante não identificada por crachá permanece a coerção grita e abusa de seu poder. Falamos que ela não tinha o direito de assim agir visto que ela era vigilante da universidade e aquele carro não era patromônio. O rapaz que havia tropeçado ja havia pedido desculpas e se comprometido a pagar a antena.
Eles, ao contrário, não haviam se identificado. Não disseram nomes apenas o senhor confirmou o que a vigilante disse sobre ser pai de aluno da universidade. O que de fato não faria do carro dele um patrimônio da mesma. Após sair os dois estudantes, o negro que tropeçou e a testemunha, um rapaz branco o único que ela não ofendeu e não apontou. Continuamos lendo o texto e ela nos mirando de longe como já fazia.
Pouco tempo depois ela volta com o "sobrinho do dono do carro" e fica parada próximo a nós e fica fazendo ameaças para que escutássemos. Disse que se ele não pagasse para falar com ela que ela daria um jeito. Que chamaria a brigada militar para entrar aqui na faculdade. Dissemos que o assunto já tinha sido resolvido e que não era necessário a entrada da Brigada Militar, e que inclusive ela poderia entrar no espaço da Universidade.
A segurança responde que ela pode chamar quem ela quiser e que se fosse de sua vontade os militares entrariam na universidade e resolveriam o problema, pois na UFSM era ela quem mandava. Em todo momento ela estava com a mão na arma e no cassetete para nos intimidar. Dissemos que ela era segurança que não era policial e que deveria saber a diferença entre ambos.
Falamos que eramos estudantes que aquilo era um absurdo, abuso de poder e ela disse que nós não pareciamos estudantes, que não deveriamos estar na universidade e que não tinhamos cara de estudante. Haviam vários grupos tomando mate, pessoas de fora da universidade levando cachorro pra passear no campus e nós não tinhamos cara de estudantes?
Porque nós o único grupo só de negros, com livros e Notebooks não tínhamos cara de estudantes? A segurança permaneceu nos coagindo quando o então "sobrinho do dono do carro" disse que bateria em uma das membras da associação, para que essa se cuidasse, que ele o pegaria lá fora da universidade.
A vítima da ameaça indaga a segurança "ele me ameaça dentro da faculdade e a senhora não vai fazer nada?" A vigilante responde: tu merece, tu que começou. Resolvemos, depois da saída deles que deveriamos ir a policia prestar queixa. Ao sair sempre havia um carro da segurança atrás de nós ou um segurança olhando e seguindo a gente e passando informação no rádio. Entramos e saímos da universidade, não conseguimos registrar queixa na polícia mais próxima.

Dia 3 de novembro

Fomos seguidos desde o café da manhã, dentro do Restaurante Universitário até próximo ao meio-dia, quando estávamos aguardando uns aos outros para almoçar. A vigilante e até mesmo o que não estava envolvida no dia anterior, se mantinham parados ao nosso lado e nos encaravam a todo tempo. No almoço a vigilante racista sentou próxima a nossa mesa e quando saímos ela fez questão de passar o rádio . Ao sair do restaurante universitário já havia segurança atrás de nós novamente. Encontramos amigos próximo ao caminho de casa que estão preocupados com isso, eles viram como estamos sendo perseguidos e se colocaram a disposição para testemunha. Uma das membras da associação tinha aula às 13:30 no prédio 17 - um pouco distante da Casa do Estudante, uma amiga [branca] a levou até lá e testemunhou que foi seguida até o prédio. Quando sai da aula havia três vigilantes me esperando.

sábado, 5 de novembro de 2011

Ongs na encruzilhada


A difícil constituição de um campo político contra-hegemônico: a FASE e o desafio da sustentabilidade política num mundo em convulsão
por Jorge Eduardo S. Durão no LEMONDE-BRASIL
Este texto apresenta uma reflexão ainda bastante incipiente acerca da sustentabilidade política das ONGs brasileiras que desenvolvem esforços de mobilização da sociedade brasileira, para contestar o modelo de desenvolvimento capitalista hegemônico em nosso país. Nele mal ensaiamos a resposta à pergunta provocativa dos editores da Proposta: faz sentido ainda hoje uma ONG como a FASE?  Devemos prevenir desde logo os eventuais leitores de que provavelmente não encontrarão aqui respostas acabadas e satisfatórias para essas instigantes questões.
 Outra advertência preliminar diz respeito ao nexo entre sustentabilidade política e sustentabilidade financeira das ONGs. Optamos neste artigo por nos abstrair tanto quanto possível da problemática da sustentabilidade financeira dessas organizações[1]. Não apenas pelo cansaço próprio de quem tem discutido há anos as questões do marco regulatório e das fontes de financiamento das ONGs, mas por entendermos que a incorporação a priori do tema da sustentabilidade financeira poderia contaminar a discussão sobre a relevância e sustentabilidade política das ONGs. Isso impossibilitaria a radicalidade necessária na discussão deste tema.
 Uma possível consequência da abordagem simultânea dos temas sustentabilidade política e sustentabilidade financeira seria a incorporação prévia de um componente de “realismo político” relativo ao acesso das ONGs aos fundos públicos. Algo contraproducente para o esclarecimento da questão e prejudicial à credibilidade das organizações da sociedade civil do nosso campo, num ambiente social e político em que paira sobre elas a suspeição de terem sido cooptadas pelo governo federal.  Outro complicador que esperamos, igualmente, poder evitar é o de uma leitura comparativa entre a situação brasileira e a de outros povos e países, feita, como é inevitável na perspectiva da cooperação, a partir do olhar externo de uma instância que nos avalia e que toma decisões que nos incluem ou nos excluem.
 No entanto não faria sentido, a nosso ver, confundir essa abstração metodológica do debate sobre o papel da cooperação na sustentabilidade das ONGs brasileiras, com o abandono de uma perspectiva internacionalista que nos parece fundamental para a compreensão da relevância política das ONGs. Partimos aqui de importantes pontos de convergência política de um grupo de ONGs brasileiras que reconhecem como objetivos estratégicos:
1 - “Ser parte dos sujeitos que constituem a emergente cidadania planetária, com visão e prática que traz o mundial ao local e que situa o local no mundial”.
2 - “Ser sujeito social com capacidade de exercer a vigilância e a avaliação crítica e de influir nas estratégias das grandes corporações econômicas e financeiras, nas políticas externas, nas relações de cooperação e nos espaços e processos de negociações multilaterais de todo tipo, em especial os que têm impacto na constituição da região e na geopolítica mundial” [2].

De acordo com essa perspectiva de articulação internacional, e apostando na possibilidade de superação dos limites atingidos pelo Fórum Social Mundial na mobilização das lutas, temos que reconhecer a relevância de existir organizações da sociedade civil brasileira, capazes de assumirem um papel proativo na construção de alianças internacionais para atuarem num contexto mundial, sob o nosso ponto de vista, francamente regressivo. Entendemos que essas alianças podem contribuir para o estabelecimento de um novo tipo de solidariedade e de cooperação não apenas Sul-Sul, mas também Sul-Norte. Isso porque as experiências, conhecimentos e metodologias das ONGs brasileiras poderiam ser úteis no processo de mobilização das sociedades civis em países do Norte onde os povos submetidos às políticas de austeridade favoráveis ao sistema financeiro esbarram na insensibilidade de governos e partidos políticos (inclusive de partidos de esquerda) e se expressam através de movimentos inorgânicos como o dos “Indignados”.
Na Europa e nos Estados Unidos, o ambiente social e político é cada vez mais determinado pela situação de profundo retrocesso social e de crise econômica que atinge os países centrais do capitalismo, desconstruindo progressivamente as referências que estes representavam como modelos de sociedades democráticas nas quais são reconhecidos os direitos econômicos e sociais dos cidadãos. Conforme explicou em texto recente o Professor Luiz Gonzaga Belluzo: “A democracia de massa moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasce e se desenvolve ao abrigo do Estado de Direito contra os processos impessoais, e antinaturais da acumulação e concentração da riqueza na economia capitalista. O século XX foi o cenário de lutas sociais e políticas marcadas pelo desejo dos mais fracos de restringir os efeitos sobre as vidas dos cidadãos da acumulação sem limites. Terminou melancolicamente sob a ameaça de desestruturação do Estado do Bem-Estar, do achincalhamento dos direitos civis e da regressão à barbárie nas relações interestatais” [3].
As consequências atuais dessa regressão social e política se traduzem em estatísticas cruéis, como os dados divulgados em 13/09/2011 pelo escritório responsável pelo censo dos Estados Unidos. Eles revelam que o número de americanos vivendo na pobreza chegou a 46,2 milhões no ano passado, o número mais alto desde que os dados começaram a ser coletados, em 1959. Na França, segundo o Secours Catholique, oito milhões de pessoas vivem na pobreza, e, na maioria dos países da Europa, sobretudo nos mais fragilizados economicamente, o que chama a atenção é a total captura dos governos e dos partidos políticos pelo capital financeiro e pelo receituário neoliberal que, ao que tudo indica, vai provocar um brutal agravamento da crise. Considerando que “a pobreza é resultado de relações de poder desiguais que levam à continua apropriação de recursos de uma sociedade pelas suas próprias elites e pelas elites econômicas e financeiras dos países centrais” [4], torna-se desnecessário gastar o pouco espaço deste artigo multiplicando os exemplos das manifestações desse processo na África e nos países da periferia do capitalismo na América Latina, bem como na Ásia. Basta lembrar a estratégica operação em curso na Líbia para relançar o poder de intervenção da OTAN no “grande Médio Oriente”, que se estende do norte da África à Ásia Central [5].
Na década que se seguiu ao 11 de setembro, assistimos à promoção pelos EUA da guerra contra vários países, assim como a supressão da dissidência interna, espionagem doméstica e anulação de garantias constitucionais, liberdades civis e direitos humanos. O abandono das Convenções de Genebra propiciou a tortura de prisioneiros e a criação do campo de Guantánamo. Nessa década terrível, sob a égide da “guerra contra o terrorismo” e das reações de Estados que se sentiram ameaçados por ela ou dela cinicamente se aproveitaram (como foi o caso da Rússia e da China, países nos quais os direitos humanos nunca vigeram), o autoritarismo cresceu na maior parte do mundo. Agora, no limiar da segunda década do século XXI, há sinais de que se encontra em gestação uma contra revolução política nos principais centros do capitalismo afetados pelo recrudescimento da crise, não faltando vozes de políticos e de outros porta-vozes do sistema financeiro e da mídia que pregam abertamente o enterro da democracia [6].
Uma consequência inevitável desse recuo generalizado dos direitos e do Estado do Bem-Estar – para não falar das vastas regiões do mundo contemporâneo atingidas por guerras, catástrofes econômicas e outros desastres – é a nova percepção a nível internacional da situação e do papel do Brasil. Diante dos olhos dos governos do Norte (e da própria cooperação internacional), este é um país com uma democracia relativamente consolidada que realiza avanços sociais relevantes, além de lidar com a crise econômica global evitando a recessão e mantendo um nível razoável de crescimento econômico.
A diferença entre a Europa subordinada à ditadura do capital financeiro, assim como dos EUA paralisados pelo impasse político, em relação aos países emergentes[7](como a China, a Turquia ou o Brasil), aparentemente bem sucedidos em suas respostas à crise econômica mundial, não deve comprometer a nossa percepção no que tange ao caráter do processo de desenvolvimento em curso nesses países. É ele intrinsecamente contraditório em pontos como a sobrevivência do planeta e com a primazia dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais [8].

Merece um necessário destaque a situação da China, por ser, num certo sentido, emblemática das ambiguidades e contradições que caracterizam os chamados países emergentes, perpassando o debate sobre o papel político e a (ir) relevância das ONGs. Desde que as reformas de Deng Xiaoping mudaram radicalmente a vida de 1,3 bilhão de pessoas, o mundo assistiu ao reerguimento da China e à sua transformação na segunda potência mundial. Um processo que permitiu, segundo cálculos do Banco Mundial, que quinhentos milhões de chineses deixassem de viver abaixo da linha da pobreza, ao mesmo tempo em que o Estado promoveu, abertamente, o aumento das desigualdades sociais, com a brutal exploração da força de trabalho, o aprofundamento do fosso entre o campo e as cidades e o surgimento de inúmeros bilionários.
A China aderiu entusiasticamente aos insustentáveis padrões de produção e de consumo dos países capitalistas do Ocidente, tornando-se o segundo mercado consumidor de automóveis. E passou da condição de um país que não tinha telefones fixos para a de possuidora de 640 milhões de telefones celulares. Tudo leva a crer que, mantido o ritmo atual, vai faltar planeta para acomodar a ascensão da China à condição de primeira economia do mundo, prevista para 2030. Outro elemento a ser considerado numa análise dos impactos do capitalismo globalizado sobre os territórios – sem falar aqui da disputa de recursos pelo capitalismo chinês na África e outras regiões – é o fato de que na China os grandes projetos têm impactos socioambientais numa escala incomensurável com a de projetos semelhantes no Brasil.
A Hidrelétrica de Três Gargantas, por exemplo, implicou no deslocamento de 1,5 milhão de habitantes de suas casas, soterrando importantes sítios arqueológicos. Além disso, não podemos minimizar o significado de praticamente inexistir um sistema legal ao qual o Estado esteja subordinado, num quadro de completa negação dos direitos civis e políticos da grande maioria da população. Em recente ateliê promovido pelo Ibase sobre o tema da biocivilização, foi possível perceber como os participantes chineses dessa oficina se dividiam com relação aos dilemas colocados por esse complexo processo de transformação social em curso na China. Achamos que pode ser útil para a nossa reflexão tentarmos estabelecer um paralelo entre os paradoxos e dilemas inerentes ao processo chinês e a realidade brasileira.
No Brasil, a disputa hegemônica entre as forças dirigentes que se propõem a gerir o capitalismo brasileiro tem-se dado entre dois projetos: o de integração ao sistema financeiro global, na condição de sócio rentista minoritário, e o até agora bem sucedido projeto de reconstrução do capitalismo de Estado, conduzido por um governo “de esquerda” para reconstruir o núcleo duro do capitalismo monopolista [9]. Os avanços sociais que resultaram do projeto vitorioso, em decorrência das políticas sociais do governo, da valorização do salário mínimo ou do apoio à agricultura familiar (sempre numa posição secundária frente ao agronegócio), não devem ser subestimados. Deve ser considerado ainda o fato de o governo brasileiro ter acionado mecanismos eficazes para enfrentar a crise e estimular a economia, construindo um inequívoco consenso entre setores amplamente majoritários da população brasileira, o que configura um cenário extremamente complexo para pensarmos as condições de legitimação política e respaldo social para as organizações da sociedade civil que se colocam na contracorrente desse projeto hegemônico.
Concordo com a ideia segundo a qual as organizações da sociedade civil têm um papel importante na consolidação das conquistas recentes da sociedade brasileira[10]. Constituem uma força atuante na resistência às tentativas de desconstrução de direitos, desmonte de políticas sociais e retrocessos na legislação ambiental, como é o caso da mudança do código florestal que tramita no Congresso Nacional. As ONGs – em especial aquelas que, como a FASE, têm uma atuação baseada em inserções em determinados territórios e vínculos com os sujeitos coletivos populares – continuam sendo bastante relevantes no esforço para consolidar esses avanços e resistir a eventuais retrocessos. No seu artigo publicado nesta revista, Jean Pierre Leroy estabelece uma ponte entre as iniciativas, bem como as lutas atuais e a construção de uma alternativa correspondente ao radicalismo do nosso questionamento do desenvolvimento:
Equilibrar nossa ação entre a crítica radical e as exigências de hoje, entre a necessária revolução e as reformas possíveis não é tarefa fácil (...) Nosso radicalismo se mantém intato porque, ao mesmo tempo em que lutamos por reformas internas ao próprio modelo de produção e consumo, temos no horizonte outras propostas de sociedade sustentável e democrática. É de revoluções que o mundo e o planeta precisam, mas é neste mundo aqui e agora que elas estão se gestando, germinando sementes de outras formas alternativas de produção e de mercado. [11]
A nosso ver, as dificuldades de construir um campo contra-hegemônico e, consequentemente, ampliar as bases de apoio e sustentação política de ONGs como a FASE se prendem principalmente a duas ordens de questões:
1 - As classes, e frações de classes, na base da sociedade não têm necessariamente interesses comuns. É evidente que a fragmentação das lutas, tanto quanto a multiplicação das lutas de resistência contra novas situações de exclusão ou de injustiça ambiental não representam por si sós uma transição para “outro mundo possível”.
2 - Não há consensos sólidos entre os setores críticos do desenvolvimentismo: não conseguimos enfrentar com a devida profundidade a problemática das bases materiais para um modo de vida alternativo ao capitalismo. Não há um consenso mínimo em relação a temas como o do Bem Viver. A falta de alternativas é uma debilidade crucial em nosso campo político.
Se já é difícil contribuir para consolidar os avanços conquistados pela sociedade brasileira, mais desafiador ainda é contribuir para a construção de um campo de forças sociais e políticas que dê sustentação a alternativas sustentáveis e democráticas ao desenvolvimentismo. No próprio universo das pessoas que simpatizam e apoiam as ONGs, críticas ao atual modelo e até mesmo entre nosso público interno, há uma enorme dificuldade em lidar com a complexa equação entre os ganhos reais ou aparentes, definitivos ou transitórios, gerados pela retomada do crescimento econômico e pelas políticas voltadas para a redução da pobreza, assim como dos impactos devastadores de um modelo de desenvolvimento perverso, baseado na re-primarização da economia (agronegócio e exportação de commodities), com profundos impactos ambientais.
Assim como no caso da China, o caráter contraditório do desenvolvimento brasileiro que beneficia aqui e agora milhões de pessoas, apesar de reproduzir a enorme desigualdade social, torna extremamente difícil a mobilização da sociedade para uma ruptura radical com o atual padrão civilizatório: industrial, produtivista e consumista. Paradoxalmente, a superação do atual paradigma é dificultada pela crença, predominante no mundo de hoje, segundo a qual apenas através do permanente crescimento econômico e do incessante desenvolvimento das forças produtivas propiciados pelo capitalismo globalizado será possível erradicar a pobreza e a miséria. Tendo em vista, por outro lado, que cada crise econômica e cada nova guerra gera enormes contingentes de novos pobres e miseráveis, a ideologia dominante pode celebrar indefinidamente o consenso existente em torno dessa tarefa inacabável de erradicação da pobreza.  
No Brasil, a perspectiva de continuidade – a curto ou médio prazo – de processos que têm gerado benefícios não só parcelas da classe média tradicional, mas também para a classe operária e os segmentos recém-incorporados ao mercado consumidor – sem falar de todos aqueles em situação de pobreza aliviada pelos programas de transferência de renda e de acesso ao crédito – reforça o consenso social. Ademais, entre as ONGs e os movimentos sociais, refletindo o que ocorre entre setores da esquerda brasileira e latino-americana, não há consenso básico acerca da ruptura com a ideologia desenvolvimentista e do significado da revolução no modo de vida atual, bem como das condições materiais da nossa existência inerentes à ruptura que se faz necessária frente à crise multidimensional do sistema capitalista.
Os debates em curso acerca do Bem Viver e da biocivilização apontam para uma agenda de produção coletiva de conhecimentos. O fato é que o atual contexto de crise civilizatória e ameaça à sobrevivência do planeta e da espécie humana – justifica por si só a existência de um conjunto de ONGs comprometidas com essa perspectiva. No entanto, apesar do consenso aparente acerca do caráter suicida da exploração desenfreada da natureza e do trabalho humano praticada pelo capitalismo, não devemos subestimar a profundidade dos dissensos em torno dessas questões. Elas envolvem pressupostos filosóficos acerca da relação entre a humanidade e a natureza, domínio do Homem sobre a natureza e o papel da ciência e da técnica[12]. Essas questões essencialmente políticas que presidem as disputas já em curso acerca do futuro da nossa civilização estão sendo resolvidas no dia-a-dia pelos poderes dominantes. O atraso da sociedade civil planetária e do pensamento de esquerda em responder a elas constitui um verdadeiro calcanhar de Aquiles sob o ponto de vista da constituição de uma nova hegemonia.
As principais questões acima apontadas, e os desafios para as ONGs delas decorrentes, representam, como escreveu recentemente Cândido Grzybowski, “um imperativo de mudar mentalidades e práticas” [13]. Tudo isso nos sugere a necessidade de uma mudança na atuação das ONGs que passa por deslocar o foco da sua atuação para a sociedade civil e rever, com esse novo enfoque, as formas da sua incidência sobre o Estado e as políticas públicas. 
Isso implica, a nosso ver, no desenvolvimento da capacidade de se relacionar com um público mais amplo, inclusive promovendo diálogos interssetoriais, sobre a alternativas para a sociedade brasileira, nos quais haja espaço para o contraditório. Chamou a nossa atenção o cuidado expresso por alguns dos companheiros aqui citados no sentido de que não devemos nos transformar em profetas ou xamãs. Esse cuidado deve-se traduzir num compromisso das nossas ONGs com um investimento sistemático voltado para o tratamento democrático das “contradições no seio do povo”, que resgate as melhores tradições da educação popular, hoje colocada mais uma vez na ordem do dia.
Jorge Eduardo S. Durão é diretor executivo da FASE - Solidariedade e Educação, ex-presidente (1991-1994) e ex-diretor geral (2003-2006) da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais).



[1]A decisão de não abordar neste artigo do tema da sustentabilidade financeira foi facilitada pelo fato de dispormos de excelentes trabalhos sobre o tema, recentemente publicados no Encarte especial de agosto de 2011 do Le Monde Diplomatique Brasil. Ver, entre outros, os artigos “O Brasil e a cooperação internacional não governamental”, de Mara M. Luz e Luciano A. Wolff, e “Novos paradigmas para a cooperação internacional”, de Adriano Campolina. Ambos os artigos discutem também a relevância políticas das ONGs e movimentos sociais no Brasil. Cf. também, do autor do presente artigo, “Crise de sustentabilidade política e financeira das ONGs”, em Democracia Viva, nº 47, agosto de 2011.

[2]“Elementos de Acordo Programático” do extinto Grupo Pedras Negras, março de 2009.

[3]Cf. a obra Capital e Capitalismo.

[4]Adriano Campolina, artigo citado.

[5]Cf. José Luis FIORI.  A Líbia, a OTAN e o grande Médio Oriente. In: Outras Palavras.

[6]Cf. Alberto Rabilotta. Autoritarismo em tempo de crise. In: ALAI, 08/09/2011.

[7]É interessante registrar a opinião do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, emitida no seminário Neoliberalismo: um colapso inconcluso, promovido pela Carta Maior: - “eu não acredito em emergentes, pois só há um, a China”.

[8]Este tema está mais e melhor desenvolvido neste número da Proposta, no artigo de Jean Pierre Leroy, intitulado  A FASE e a questão do desenvolvimento.

[9]Cf. Vladimir Safatle. A Nação Cartelizada. In: Carta Capital, 08/ 2011.

[10]Nos artigos citados na primeira nota de rodapé, Adriano Campolina, Luciano Wolff e Mara Luz desenvolvem bem este ponto.

[11]Jean Pierre Leroy.  A FASE e a questão do desenvolvimento. Neste número da revista Proposta.

[12]Uma boa referência sobre o estado da questão nos é dada pelo blog Izquierdas y desarrollo, especialmente pelo debate entre Eduardo Gudynas e Hoenir Sarthou.

[13]Cf. dossiê 04 – A Transformação do Mundo.  In: Le Monde Diplomatique Brasil.

Um retrato real das escolas estaduais de SP

por Maria Izabel Azevedo Noronha no VIOMUNDO

Dois fatos ocorridos nos últimos dias demonstram a real situação da rede estadual de ensino: a invasão e depredação, pela quarta vez, da Escola Estadual Jardim Zaíra VIII, em Mauá, e o uso compartilhado por meninas e meninos nos banheiros da recém construída Escola Estadual Doutor Christiano Altenfelder Silva, no Grajaú, Zona Sul da capital.
Ambos os fatos denotam graves problemas de gestão, segurança e a falta de uma política educacional no Estado de São Paulo, que respeite e valorize os seres humanos: professores, alunos, funcionários e todos os que compõem as comunidades escolares.
Quando uma mesma escola é invadida e depredada pela quarta vez, perdendo seus equipamentos e sendo pichada com frases ameaçadoras a seus professores, sem que as autoridades sejam capazes de prevenir tais ocorrências, algo de muito grave está ocorrendo.
Obviamente, para nós, as questões relacionadas à violência nas escolas não podem ser reduzidas a “casos de polícia”, mas garantir a segurança dos professores, alunos e funcionários das escolas e o próprio patrimônio público é obrigação fundamental do poder político e isso não está ocorrendo. Quantas outras escolas, no Estado de São Paulo, sofrem ataques semelhantes? Quantos professores e funcionários não se sentem constantemente ameaçados por gangues e quadrilhas nas regiões periféricas das nossas cidades?
O governo estadual e as prefeituras precisam assegurar a presença da ronda escolar e policiamento comunitário nas proximidades das escolas, mas isto, por si, não resolve o problema da violência nas escolas. Mais que tudo, é preciso que todas as escolas acolham a comunidade de seu entorno e a forma de fazê-lo é por meio da gestão democrática, com conselhos de escola democráticos e participativos. Cabe ao conselho de escola formular e gerir o projeto político pedagógico, incorporando as demandas da comunidade em seus conteúdos curriculares e nos projetos pedagógicos que venha a desenvolver.
O que ocorre na escola do Grajaú, por outro lado, mostra que as escolas estaduais não são construídas de acordo com um projeto arquitetônico que responda adequadamente às necessidades dos que nela estudam e trabalham. A questão não se resume ao inadmissível fato de alunos e alunas compartilharem o uso dos mesmos banheiros. Mesmo nas novas unidades há problemas de iluminação, acústica, tamanho das salas, disposição da lousa, falta de espaços de convivência e para o desenvolvimento de atividades extracurriculares vinculadas ao projeto político pedagógico e outras falhas. No caso da citada escola, inclusive, já existem rachaduras em partes do prédio, construído há pouco tempo.
Não se pode falar em ensino de qualidade se não estiverem presentes as condições necessárias para que isto ocorra. Uma unidade escolar tem que ser projetada, construída e gerida sempre objetivando manter professores, alunos e funcionários focados no processo ensino-aprendizagem, de forma agradável e prazerosa. Como desenvolver um processo educativo nas condições de insegurança em que se encontram muitas de nossas unidades escolares? Como ministrar aulas e desenvolver outras atividades educacionais em escolas mal construídas ou que não dispõem dos espaços necessários ao pleno desenvolvimento do projeto político pedagógico?
São perguntas já antigas na rede estadual de ensino de São Paulo. As comunidades escolares e a sociedade esperam as respostas corretas das autoridades.

Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da Apeoesp e membro do  Conselho Nacional de Educação e do Fórum Estadual de Educação

Entidades da sociedade civil apresentam plataforma para marco regulatório da mídia



Na mesma linha da deputada Erundina, a jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho de Administração do Intervozes, manifestou pessimismo, no seminário realizado na Ajuris, quanto à possibilidade desse debate avançar no Congresso Nacional. Ela lembrou o caso da Argentina, onde a “Ley de Medios” saiu com muita pressão popular. “Aqui tem que ocorrer o mesmo”, resumiu. Bia Barbosa defendeu a necessidade de discutir inclusive questões relativas a conteúdos, lembrando o caso recente de uma TV na Paraíba que exibiu, ao meio dia, cenas de um estupro de uma criança. “Não defendemos censura prévia para evitar casos como este, mas tem que haver responsabilização para esse tipo de prática. Achei lamentável a declaração da presidente Dilma de que o único controle que interessa é o controle remoto”, disse ainda a jornalista.
O principal temor das entidades da sociedade civil interessadas neste debate, assinalou a representante do Intervozes, é que o processo do marco regulatório seja prorrogado ad infinitum. Bia Barbosa divulgou o endereço www.comunicacaodemocratica.org.br que traz a plataforma da sociedade civil para o marco regulatório da comunicação. O texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial na primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do ano passado, em Brasília. Esses debates foram sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades regionais e nacionais, em maio deste ano, no Rio de Janeiro. A primeira versão do documento foi colocada em consulta pública aberta, recebendo mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas no texto.
A Plataforma da Sociedade Civil apresenta quatro razões em defesa de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil: (i) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que estaria esvaziando a dimensão pública dos meios de comunicação; (ii) a legislação brasileira no setor é arcaica e defasada, não estando adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contemplando questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; (iii) a fragmentação da legislação atual, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras nem guardam coerência entre si; e (iv) a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos relacionados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.
O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962, quando a televisão estava engatinhando no Brasil, lembrou Venício Lima, sociólogo, jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB). As mudanças tecnológicas, observou, são uma das razões para justificar um novo marco regulatório da mídia. Outra muito importante, disse Venício Lima, é dar voz a quem hoje não tem direito a ela. “Só há liberdade de imprensa com muitas vozes, sem monopólio e com a máxima dispersão de propriedade”, defendeu. O professor da UnB também criticou a confusão deliberada feita entre os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Uma coisa é a liberdade individual de expressão, outra é a transformação da imprensa em grandes corporações”.
E a liberdade de expressão, acrescentou Venício Lima, é incompatível com o monopólio no setor. “A propriedade cruzada dos meios de comunicação consolidou grupos empresariais que são proibidos pela Constituição. O mercado de comunicação precisa ter regulação, entre outras razões, para que haja competição entre as empresas e não monopólio”. Paradoxo aparente, a defesa da regulação anda de mãos dadas com um princípio que, em tese, é fundador do capitalismo: a competição. Pela resistência que vem opondo ao debate sobre a regulação, as grandes empresas de mídia parecem ter rompido definitivamente com esse princípio.